Notas à Edição
1. Correções ortográficas foram feitas apenas nas Estrofes Adaptadas por motivos óbvios. Essa adaptação não é uma tradução, até porque o idioma é único. Destarte, o leitor notará que as estrofes adaptadas não brilham pela perfeição da métrica ou do sistema rimático. E se tal não se dá o motivo é simples: é impossível copiar a genialidade do bardo, sendo, pois, a proposta dessa obra a de ser mero instrumento para auxiliar a compreensão do Épico de Camões.
2. No texto original, provavelmente escrito em 1556 e publicado pela primeira vez em 1572 (pouco depois do descobrimento do Brasil), Camões emite conceitos e Juízos (ou Julgamentos) que eram apropriados à sua época, mas que atualmente são considerados ofensivos. Por fidelidade ao texto, o autor da Adaptação conta com a compreensão dos (as) leitores (as) por ter transposto alguns desses Conceitos, os quais não são, obviamente, endossados pelo mesmo.
3. Os deuses gregos são chamados pelos seus nomes em latim. Embora incorreto, o autor da adaptação optou por tal modo em vista de estarem mais popularizados dessa maneira.
4. Sugere-se que a Estrofe Adaptada seja lida em primeiro lugar, para que ao se ler a Estrofe Original toda a genialidade de Camões possa ser desfrutada integralmente, quer no tocante ao esquema rimático, quer à perfeição de sua métrica e a todos os outros elementos que o bardo expôs com maestria singular.
5. Por último, o autor dessa Adaptação coloca-se ao inteiro dispor para fazer eventuais e fundamentadas correções, acréscimos ou subtrações, pois o Monumento erguido por Camões merece cuidados que nunca serão excessivos.
Dedicado aos Poetas Portugueses
Inês Dupas e Giraldoff
Canto VII
JÁ se viam chegados junto à terra
Que desejada já de tantos fora,
Que entre as correntes Indicas se encerra
E o Ganges, que no Céu terreno mora.
Ora sus, gente forte, que na guerra
Quereis levar a palma vencedora:
Já sois chegados, já tendes diante
A terra de riquezas abundante!
1o Já haviam chegado junto daquela terra,
Que por tantos outros povos já fora
Desejada; e que as correntes do Indico encerra.
Lá nasce o sacro Ganges (1), o Paraíso onde mora.
Coragem! Animo! Forte gente, se na guerra,
Quereis levar a palma meritória:
Já sois chegados, já tendes adiante
A terra de riqueza abundante!
1-Segundo a lenda, o rio Ganges nascia no Paraíso e por isso as suas águas são sagradas e purificam as almas e apagam os pecados daqueles que nelas se banhem.
A vós, ó geração de Luso, digo,
Que tão pequena parte sois no mundo,
Não digo inda no mundo, mas no amigo
Curral de Quem governa o Céu rotundo;
Vós, a quem não somente algum perigo
Estorva conquistar o povo imundo,
Mas nem cobiça ou pouca obediência
Da Madre que nos Céus está em essência;
2o Ó descendentes de Luso (1), eu lhes digo:
Vós sois apenas uma pequena parcela do mundo;
Mas não do Mundo todo, apenas de quem é amigo
Do Quintal de Deus, rei da Terra e do Céu rotundo (2);
Vós, que enfrentam a tanto perigo,
A tantos obstáculos para dominar o povo imundo (3),
E que são isentos de cobiça, contem com a assistência
Da Virgem Maria que no céu, vive em essência.
1- Luso: um dos vassalos de Baco, de cujo nome derivou Lusitânia.
2- Rotundo: redondo.
3- O povo imundo é uma referência aos mouros. Cabe atentar parao clima hostil entre cristãos e muçulmanos que havia na época de Camões.
Vós, Portugueses, poucos quanto fortes,
Que o fraco poder vosso não pesais;
Vós, que, à custa de vossas várias mortes,
A lei da vida eterna dilatais:
Assi do Céu deitadas são as sortes
Que vós, por muito poucos que sejais,
Muito façais na santa Cristandade.
Que tanto, ó Cristo, exaltas a humildade!
3o Vós, portugueses! Tão poucos, mas tão fortes,
Que o vosso poder não lhes pesais;
Vós, que à custa de varias mortes,
A religião da vida eterna aumentais:
Pois assim, pelo Céu, foram jogadas as sortes
E a vós, ainda que tão poucos sejais,
Coube zelar pela expansão da Cristandade (1),
Pois tanto, ó Cristo, exaltas a humildade!
1- Cristandade: a fé crista. O cristianismo.
Vede'los Alemães, soberbo gado,
Que por tão largos campos se apacenta;
Do sucessor de Pedro rebelado,
Novo pastor e nova seita inventa;
Vede'lo em feias guerras ocupado,
Que inda co cego error se não contenta,
Não contra o superbíssimo Otomano,
Mas por sair do jugo soberano.
4o Vejam os alemães, que arrogante gado,
Que por vastos campos se concentra;
Do Papa (1), sucessor de Pedro, tornou-se rebelado,
E novo pastor e nova seita (2) logo inventa.
Vejam que em feias guerras o povo está ocupado,
E que mesmo com um cego terror não se contenta,
E lutam não contra o insolente Otomano (3),
Mas para se livrarem de um governo soberano (4).
1) O Papa: referência a Leão X.
2) A nova Seita: o Protestantismo
3) Otomano: mouro.
4 – Governo Soberano seria, no contexto, o Poder Papal. Ao invés de lutarem contra o inimigo comum, os Mouros, os alemães lutam contra o Papa através das Reformas de Lutero.
Vede'lo duro Inglês, que se nomeia
Rei da velha e santíssima Cidade,
Que o torpe Ismaelita senhoreia
(Quem viu honra tão longe da verdade?),
Entre as Boreais neves se recreia,
Nova maneira faz de Cristandade:
Pera os de Cristo tem a espada nua,
Não por tomar a terra que era sua.
5o Vejam o duro inglês, que se nomeia,
Rei da velha e Santíssima Cidade (1).
Porém, é o sórdido Ismaelita quem a senhoreia
(Que honra tão falsa e longe da verdade?).
Entre as geladas neves ele se recreia,
E inventa falsa maneira de defender a Cristandade;
Para os cristãos tem a espada nua,
Mas não a usa para re-conquistar a terra sua.
1- Santíssima Cidade: Jerusalém.
Guarda-lhe, por entanto, um falso Rei
A cidade Hierosólima terreste,
Enquanto ele não guarda a santa Lei
Da cidade Hierosólima celeste.
Pois de ti, Galo indino, que direi?
Que o nome «Cristianíssimo» quiseste,
Não pera defendê-lo nem guardá-lo,
Mas pera ser contra ele e derribá-lo!
6o Deixa que guarde um falso Rei
A cidade Hierosólima (1) terrestre,
Enquanto ele mesmo não guarda a Santa Lei
Da cidade Hierosólima celeste.
E de ti, Galo (2) indigno, o que direi?
Vós que o nome “Cristianíssimo” (3) quiseste,
Mas não para defendê-lo e nem para guardá-lo
E sim, para ser contra ele e derrubá-lo!
1- Hierosólima: Sagrada Cidade, Jerusalém.
2- Galo: natural da Gália, antigo nome da França. O “Galo Indigno” é referência a Francisco I, que se aliou ao maometano Solimão II contra o católico Carlos V.
3- Cristianíssimo: adjetivo dos reis da França desde o século XIV.
Achas que tens direito em senhorios
De Cristãos, sendo o teu tão largo e tanto,
E não contra o Cinífio e Nilo rios,
Inimigos do antigo nome santo?
Ali se hão-de provar da espada os fios
Em quem quer reprovar da Igreja o canto.
De Carlos, de Luís, o nome e a terra
Herdaste, e as causas não da justa guerra?
7o Achas que tem direito ao domínio tranqüilo
Dos cristãos, se teu império, que se estende tanto,
Não aniquila os povos do Cinífio (1) e do Nilo (2),
Que destrata o antigo ritual santo (3)?
Lá, vós deveriam ferir com afiados fios
Os que insultam a Igreja e o seu glorioso Canto (4).
De Carlos (5) e de Luis (6) o nome e a terra
Vós herdaram, mas e o ânimo para a justa guerra?
1- Cinífio: rio da Tripolitânia, atual Quaam.
2- Nilo: rio do Egito.
3- Ritual Santo: o cristianismo. O catolicismo.
4- O Canto: a pedra em que se assenta a Igreja, ou seja, o Papa.
5- Carlos: rei dos franceses e imperador do ocidente.
6- Luis: São Luis, rei da França.
Pois que direi daqueles que em delícias,
Que o vil ócio no mundo traz consigo,
Gastam as vidas, logram as divícias,
Esquecidos do seu valor antigo?
Nascem da tirania inimicícias,
Que o povo forte tem, de si inimigo.
Contigo, Itália, falo, já sumersa
Em vícios mil, e de ti mesma adversa.
8o Que posso dizer dos que renunciaram as proezas,
E que o vil comodismo do Mundo trazem consigo,
E que inúteis levam a vida e desperdiçam as riquezas,
Esquecidos de seu grande valor antigo?
Nascem e convivem com tiranias tão contrárias,
Que tem em si mesma, terríveis adversárias.
Falo de ti, ilustre Itália, já submersa
Em mil vícios e de si própria tão adversa.
Ó míseros Cristãos, pola ventura
Sois os dentes, de Cadmo desparzidos,
Que uns aos outros se dão à morte dura,
Sendo todos de um ventre produzidos?
Não vedes a divina Sepultura
Possuída de Cães, que, sempre unidos,
Vos vêm tomar a vossa antiga terra,
Fazendo-se famosos pela guerra?
9o Ó pobres cristãos, que triste tortura!
Como os dentes que Cadmo (1) deixou espalhados,
Uns aos outros assassinam com uma morte dura,
Embora todos fossem pelo mesmo ventre, gerados.
Não enxergam que a Divina Sepultura (2)
Está dominada pelos “cães mouros”, que unidos
Vem tomar-lhes a vossa antiga terra,
Fazendo-se famosos pela guerra?
1-Cadmo: lendário fundador de Tebas. Cadmo matou um dragão que devorara os seus companheiros e dele arrancou os dentes, os quais, por ordem de Minerva foram semeados. Da semeadura nasceram homens armados que se mataram uns aos outros, com exceção de cinco.
2-Santa Sepultura: o suposto local em que Jesus foi sepultado, em Jerusalém.
Vedes que têm por uso e por decreto,
Do qual são tão inteiros observantes,
Ajuntarem o exército inquieto
Contra os povos que são de Cristo amantes;
Entre vós nunca deixa a fera Aleto
De samear cizânias repugnantes.
Olhai se estais seguros de perigos,
Que eles, e vós, sois vossos inimigos.
10o Vejam que alguns, por hábito e decreto,
Dos quais são seguidores leais e constantes,
Organizam um exército forte e inquieto
Que se mata entre si: e se dizem de Cristo, amantes.
Entre eles nunca deixa a feroz Aleto (1)
De semear as discórdias e as lutas repugnantes.
Sempre inseguros, correm grandes perigos,
Pois são deles mesmos, os piores inimigos.
1- Aleto: uma das Fúrias, que lançava discórdia entre os súditos de Latino quando ele pretendia aliar-se a Enéas. A deusa da discórdia.
Se cobiça de grandes senhorios
Vos faz ir conquistar terras alheias,
Não vedes que Pactolo e Hermo rios
Ambos volvem auríferas areias?
Em Lídia, Assíria, lavram de ouro os fios;
África esconde em si luzentes veias;
Mova-vos já, sequer, riqueza tanta,
Pois mover-vos não pode a Casa Santa.
11o Se a cobiça por grandes e rendosos poderios,
Leva-os a irem conquistar terras alheias,
Vós não veem que o Pactolo e o Hermo (1), rios
Que carregam muito ouro depositam-no nas areias?
Que na Lídia (2) e na Assíria (3), com ouro tecem os fios?
Que a África esconde diamantes em suas veias?
Que então os motive essa riqueza tanta,
Já que não querem combater pela Casa Santa.
1- Pactolo e Hemo: rios da Lídia, Ásia Menor, famosos pelas areias auríferas que carreavam.
2- Lídia: antiga região na Ásia Menor.
3- Assíria: região no Oriente Médio, atual Iraque.
Aquelas invenções, feras e novas,
De instrumentos mortais da artelharia
Já devem de fazer as duras provas
Nos muros de Bizâncio e de Turquia.
Fazei que torne lá às silvestres covas
Dos Cáspios montes e da Cítia fria
A Turca geração, que multiplica
Na polícia da vossa Europa rica.
12o As suas invenções ferozes e novas,
De mortais instrumentos de artilharia
Já devem fazer as duras provas
Nas muralhas de Bizâncio (1) e da Turquia (2).
Expulsem para suas selvagens covas
Nos montes Cáspios (3) e na Citia (4) fria
A raça turca, que se multiplica
Na civilização da vossa Europa rica.
1- Bizâncio: antigo nome da cidade de Constantinopla.
2- Turquia: nação da península dos Bálcãs e da Ásia ocidental e que, aqui, representa o poder muçulmano.
3- Montes Cáspios: as montanhas do Cáucaso.
4- Citia: região asiática, de clima muito frio.
Gregos, Traces, Arménios, Georgianos,
Bradando vos estão que o povo bruto
Lhe obriga os caros filhos aos profanos
Preceptos do Alcorão (duro tributo!).
Em castigar os feitos inumanos
Vos gloriai de peito forte e astuto,
E não queirais louvores arrogantes
De serdes contra os vossos mui possantes.
13o Os gregos, os traces, os armênios e os georgianos,
Estão clamando por vós, pois o mouro bruto
Obriga-lhes, e a seus filhos, a seguirem os profanos
Preceitos do Alcorão (1) (Ó que triste tributo!).
Por castigar os atos cruéis e desumanos
Vós vos vangloriam do peito forte e astuto,
Mas não queiram mais os louvores arrogantes
Por serem contra si próprios tão possantes.
1-Alcorão: o conjunto de leis da religião islâmica. O livro sagrado do islamismo.
Mas, entanto que cegos e sedentos
Andais de vosso sangue, ó gente insana,
Não faltarão Cristãos atrevimentos
Nesta pequena casa Lusitana:
De Africa tem marítimos assentos;
É na Ásia mais que todas soberana;
Na quarta parte nova os campos ara;
E, se mais mundo houvera, lá chegara.
14o Mas, enquanto cegos e sedentos
Do próprio sangue vós estais, ó gente insana,
Não faltaram por Cristo, nos enfrentamentos,
O povo da pequena nação lusitana.
Na África, eles já têm marítimos assentos;
Na Ásia, mais que outra, é a nação soberana;
Nas terras no Novo Mundo, o campo já ara;
E noutras regiões (se houvessem) já chegara.
E vejamos, entanto, que acontece
Àqueles tão famosos navegantes,
Despois que a branda Vénus enfraquece
O furor vão dos ventos repugnantes;
Despois que a larga terra lhe aparece,
Fim de suas perfias tão constantes,
Onde vem samear de Cristo a lei
E dar novo costume e novo Rei.
15o Mas voltemos a ver o que acontece
Com aqueles heróicos navegantes,
Depois que Vênus enfraquece
O inútil furor dos ventos repugnantes;
Depois que a vasta terra lhes aparece,
O fim de suas lutas tão constantes,
Aonde chegam para semear a cristã Lei,
Modificar os costumes e entronizar novo Rei.
Tanto que à nova terra se chegaram,
Leves embarcações de pescadores
Acharam, que o caminho lhe mostraram
De Calecu, onde eram moradores.
Pera lá logo as proas se inclicaram,
Porque esta era a cidade, das milhores
Do Malabar, milhor, onde vivia
O Rei que a terra toda possuía.
16o Tão logo à nova terra chegaram,
Pequenas embarcações de pescadores
Encontraram e eles os caminhos lhes mostraram
Para Calecu (1), de onde eram moradores.
Imediatamente as proas para lá viraram,
Porque esta cidade era uma das melhores
Da região do Malabar (2) e onde vivia
O Rei, que esta terra possuía.
1-Calecu: cidade na costa da Índia, onde Vasco da Gama em 20 de Maio de 1.498 desembarcou.
2- Malabar: Região na costa ocidental da Índia que se estende da região do Canará até o Cabo Comorim.
Além do Indo jaz e aquém do Gange
Um terreno mui grande e assaz famoso
Que pela parte Austral o mar abrange
E pera o Norte o Emódio cavernoso.
Jugo de Reis diversos o constrange
A várias leis: alguns o vicioso
Mahoma, alguns os Ídolos adoram,
Alguns os animais que entre eles moram.
17o Além do Indo (1) e antes do Ganges (2)
Existe um território imenso e muito famoso,
Que seguindo para o sul até o mar abrange
E no norte, vai até o Emódio (3) cavernoso.
Nele há varias seitas, fato que o constrange
A seguir várias religiões: algumas partes, o vicioso
Mahoma (4); noutras, falsos ídolos eles adoram,
Alguns veneram os animais (5) que com eles moram.
1- Rio Indo: ou rio Hindu, na costa oeste da Índia.
2- Rio Ganges: o rio sagrado, no centro norte da Índia.
3-Emódio: as cordilheiras do Himalaia com as suas cavernas.
4- Mahoma: Maomé, fundador do islamismo.
5- Por exemplo: o culto ao deus Elefante, as vacas sagradas, Hanumam – o deus macaco – etc.
Lá bem no grande monte que, cortando
Tão larga terra, toda Ásia discorre,
Que nomes tão diversos vai tomando
Segundo as regiões por onde corre,
As fontes saem donde vêm manando
Os rios cuja grão corrente morre
No mar Índico, e cercam todo o peso
Do terreno, fazendo-o quersoneso.
18o Lá, no grande monte que cortando
A vasta terra toda a Ásia percorre,
E que vários nomes vai tomando
Pelas regiões por onde corre,
Estão as fontes de onde vem minando
Os rios cuja grande corrente morre
No mar Indico, e o terreno preso
Torna-se uma Quersoneso (1).
1- Quersoneso: nome antigo de península. Neste caso, a península de Malaca.
Entre um e o outro rio, em grande espaço
Sai da larga terra üa longa ponta,
Quási piramidal, que, no regaço
Do mar, com Ceilão ínsula confronta;
E junto donde nasce o largo braço
Gangético, o rumor antigo conta
Que os vizinhos, da terra moradores
Do cheiro se mantêm das finas flores.
19o Entre um rio e outro, um grande espaço
Sai da vasta terra numa longa ponta
Em forma de pirâmide, e no regaço
Do mar, com a ilha de Ceilão (1) confronta.
E junto de onde nasce o largo braço
Do rio Ganges, uma antiga lenda conta
Que os ribeirinhos, dali moradores,
Sustentam-se apenas com o perfume flores.
1- Ceilão: ilha ao sul da Índia. O atual Siri Lanka.
Mas agora, de nomes e de usança
Novos e vários são os habitantes:
Os Deliis, os Patanes, que em possança
De terra e gente, são mais abundantes;
Decanis, Oriás, que a esperança
Têm de sua salvação nas ressonantes
Águas do Gange; e a terra de Bengala,
Fértil de sorte que outra não lhe iguala;
20o De nomes estranhos e hábitos
Variados são os outros habitantes:
Os Deliis (1), os Patanes (2), fartos
De terras muito abundantes;
Os Decanis (3) e os Oriás (4) cuja esperança
De salvação está nas ressonantes
Águas do Ganges; e a terra de Bengala (5),
Tão fértil, que a ela nenhuma se iguala;
1- Deliis: natural de Deli, na Índia.
2- Patanes: natural de Patane, na Índia.
3- Decanis: natural de Decão, sul da Índia.
4- Oriás: povo indiano que vivia nas margens do rio Ganges.
5- Bengala: província da Índia.
O Reino de Cambaia belicoso
(Dizem que foi de Poro, Rei potente);
O Reino de Narsinga, poderoso
Mais de ouro e pedras que de forte gente.
Aqui se enxerga, lá do mar undoso,
Um monte alto, que corre longamente,
Servindo ao Malabar de forte muro,
Com que do Canará vive seguro.
21o Há o povo de Cambaia (1), muito belicoso,
(Dizem ser a ex-terra de Poro (2), rei potente);
E o reino de Narsinga (3) que é mais poderoso
Em ouro e jóias do que em gente valente.
Ali se avista, desde o mar raivoso,
Um alto monte (4), que corre longamente,
Servindo a região de Malabar como forte muro,
Com o qual, contra os de Canará (5) se vive seguro.
1- Cambaia: reino e cidade da Índia.
2- Poro: soberano indiano que foi vencido por Alexandre Magno.
3- Narsinga: antigo reino do Decão, na Índia.
4- O alto monte: cordilheira no sul da Índia, chamada de Gates.
5- Canará: reino da Índia, ao sul do Decão.
Da terra os naturais Ihe chamam Gate,
Do pé do qual, pequena quantidade,
Se estende üa fralda estreita, que combate
Do mar a natural ferocidade.
Aqui de outras cidades, sem debate,
Calecu tem a ilustre dignidade
De cabeça de Império, rica e bela;
Samorim se intitula o senhor dela.
22o Os nativos lhes chamam de Gate.
De seus sopés, pequena quantidade
Estende-se por estreita faixa que combate
As ondas do mar e a sua natural ferocidade.
Ali, dentre todas as cidades; sem debate,
Calecu tem a ilustre dignidade
De ser a cabeça do Império, rica e bela;
De Samorim (1) se chama o soberano dela.
1- Samorim: “o Rei do Mar” imperador de Calecu.
Chegada a frota ao rico senhorio,
Um Português, mandado, logo parte
A fazer sabedor o Rei gentio
Da vinda sua a tão remota parte.
Entrando o mensageiro pelo rio
Que ali nas ondas entra, a não vista arte,
A cor, o gesto estranho, o trajo novo,
Fez concorrer a vê-lo todo o povo.
23o Chegando a frota ao rico senhorio,
Um mensageiro português logo parte
Para dar conhecimento ao rei gentio (1)
De sua chegada a tão longínqua parte.
O lusitano marujo entra pelo rio
Que ali tem a foz; da natura a encoberta arte,
E sua cor, o rosto estranho e o traje novo,
Faz com que venha, para vê-lo, todo o povo.
1-Gentio: Camões usa este termo para designar a todos os que não eram cristãos.
Entre a gente que a vê-lo concorria,
Se chega um Mahometa, que nascido
Fora na região da Berberia,
Lá onde fora Anteu obedecido.
(Ou, pela vezinhança, já teria
O Reino Lusitano conhecido,
Ou foi já assinalado de seu ferro;
Fortuna o trouxe a tão longo desterro).
24o No meio da multidão que corria,
Vem um Mahometa (1) que havia nascido
Na região africana da Berberie (2),
Nas terras onde Anteu (3) foi obedecido.
(Talvez pela vizinhança, ele já conhecia
O ilustre reino lusitano, tão erguido,
Ou já tivesse sofrido com o luso ferro,
Ou a má sorte o levou a tão longe desterro).
1- Mahometa: islamita, seguidor da religião maometana.
2- Berberie: região da África do Norte.
3- Anteu: um dos Gigantes que foi morto por Hércules. Habitava na Líbia ou em Marrocos.
Em vendo o mensageiro, com jocundo
Rosto, como quem sabe a língua Hispana,
Lhe disse: - « Quem te trouxe a estoutro mundo,
Tão longe da tua pátria Lusitana?»
- «Abrindo (lhe responde) o mar profundo
Por onde nunca veio gente humana;
Vimos buscar do Indo a grão corrente,
Por onde a Lei divina se acrecente.»
25o Dirigindo-se ao luso muito contente,
E como conhece a língua Hispana (1),
Diz-lhe: o quê te trouxe a esta parte do Oriente,
Tão longe de tua amada pátria lusitana?
- Vimos desbravando, responde o luso, a corrente
Do mar, aonde nunca veio alma humana;
Vimos buscar a Índia e à sua gente,
Para que a fé em Cristo mais se aumente.
Espantado ficou da grão viagem
O Mouro, que Monçaide se chamava,
Ouvindo as opressões que na passagem
Do mar o Lusitano lhe contava.
Mas vendo, enfim, que a força da mensagem
Só pera o Rei da terra relevava,
Lhe diz que estava fora da cidade,
Mas de caminho pouca quantidade;
26o Espantou-se com a grande viagem
O Mouro, que Monçaide (1) se chamava,
E com as dificuldades que na passagem
Do mar sofreram, conforme o luso falava.
Mas, como o conteúdo importante da mensagem
Só para o rei da terra é que se destinava,
O marujo pergunta sobre o Governante da cidade,
E Monçaide lhe diz que está numa vizinha localidade.
1- Monçaide: nome próprio do mouro que falava espanhol e serviu de guia e intérprete aos portugueses da expedição de Vasco da Gama.
E que, entanto que a nova lhe chegasse
De sua estranha vinda, se queria,
Na sua pobre casa repousasse
E do manjar da terra comeria;
E despois que se um pouco recreasse,
Co ele pera a armada tornaria,
Que alegria não pode ser tamanha
Que achar gente vizinha em terra estranha.
27o Mas que enquanto o rei não voltasse
Ele, prazerosamente, lhe oferecia,
Sua humilde casa para que o luso repousasse
E onde os manjares da terra ele lhe serviria.
E depois que o mensageiro descansasse
Junto dele, para a Armada também iria,
Pois lhe era uma felicidade tamanha
Encontrar vizinhos numa terra estranha.
O Português aceita de vontade
O que o ledo Monçaide lhe oferece;
Como se longa fora já a amizade,
Co ele come e bebe e lhe obedece.
Ambos se tornam logo da cidade
Pera a frota, que o Mouro bem conhece.
Sobem à capitaina, e toda a gente
Monçaide recebeu benignamente.
28o O português aceita de boa vontade
O que Monçaide lhe oferece;
E como se houvesse uma longa amizade,
Com ele come, bebe e lhe agradece.
Logo depois, ambos deixam a cidade
E vão para a frota, que o mouro já conhece.
Sobem na nau capitânia e toda gente
A Monçaide recebe benignamente.
O Capitão o abraça, em cabo ledo,
Ouvindo clara a língua de Castela;
Junto de si o assenta e, pronto e quedo,
Pela terra pergunta e cousas dela.
Qual se ajuntava em Ródope o arvoredo,
Só por ouvir o amante da donzela
Eurídice, tocando a lira de ouro,
Tal a gente se ajunta a ouvir o Mouro.
29o O Capitão o abraça, alegre e sem medo,
Ouvindo o límpido idioma de Castela (1);
Junto a si coloca o Mouro e atento e quedo,
Pergunta-lhe sobre a terra e os costumes dela.
Igual quando em Ródope (2) se juntava o arvoredo,
Apenas para ouvir o amante da linda donzela
Eurídice (3) tocar a sua fabulosa lira de ouro,
Todos se calam para ouvirem o relato do Mouro.
1- Castela: uma das regiões da Espanha. O idioma espanhol.
2- Ródope: montanha da Trácia onde vivia Orfeu, que segundo a lenda, tocava uma música tão bela que até as árvores se reuniam para ouvir-lhe.
3- Eurídice: ninfa que se casou com Orfeu, mas que no dia das núpcias foi picada mortalmente por uma cobra. Orfeu desceu ao Inferno para resgatá-la tocando a “Lira de Ouro”.
Ele começa: - «Ó gente, que a Natura
Vizinha fez de meu paterno ninho,
Que destino tão grande ou que ventura
Vos trouxe a cometerdes tal caminho?
Não é sem causa, não, oculta e escura,
Vir do longinco Tejo e ignoto Minho,
Por mares nunca doutro lenho arados,
A Reinos tão remotos e apartados.
30o Ele, então, começa: - Ó gente que a natureza
Fez ser vizinha do meu pátrio ninho,
Que grande destino e que grande proeza
Levou-os a enfrentar tão áspero caminho?
Não é sem motivo ou sem causa de muita grandeza,
Que vieram dos longínquos rios Tejo e Minho (1),
Por mares que nunca foram navegados,
Para estes reinos tão distanciados.
1- Rio Minho: rio que nasce na Espanha, separa as províncias de Galizia e do Minho, no extremo norte de Portugal e deságua no Atlântico.
«Deus, por certo, vos traz, porque pretende
Algum serviço seu por vós obrado;
Por isso só vos guia e vos defende
Dos imigos, do mar, do vento irado.
Sabei que estais na Índia, onde se estende
Diverso povo, rico e prosperado
De ouro luzente e fina pedraria
Cheiro suave, ardente especiaria.
31o Deus, certamente, vos traz, porque pretende
Que uma obra sua seja, por vós, executada;
Por isto vos guia, protege e defende,
Dos inimigos no mar e da ventania desvairada.
Saibam que estão na Índia, por onde se estende
Vasta terra e gente rica e muito diversificada,
Dona de reluzente ouro e de fina pedraria,
De suaves perfumes e da picante especiaria.
«Esta província, cujo porto agora
Tomado tendes, Malabar se chama;
Do culto antigo os Ídolos adora,
Que cá por estas partes se derrama;
De diversos Reis é, mas dum só fora
Noutro tempo, segundo a antiga fama:
Saramá Perimal foi derradeiro
Rei que este Reino teve unido e inteiro.
32o Esta província, em cujo porto agora
Estão ancorados, de Malabar se chama;
Seguem velhos cultos e a ídolos o povo adora,
Pois nesses lados, a idolatria se esparrama;
A Índia tem vários reis, mas só por um, já fora
Governada, conforme conta a antiga fama:
Saramá Perimal (1) foi o soberano derradeiro
Que regeu sobre o País inteiro.
1- Saramá Perimal: último soberano da Índia unificada, que reinou seis séculos antes da expedição de Vasco da Gama.
«Porém, como a esta terra então viessem
De lá do seio Arábico outras gentes
Que o culto Mahomético trouxessem,
No qual me instituíram meus parentes,
Sucedeu que, pregando, convertessem
O Perimal; de sábios e eloquentes,
Fazem-lhe a Lei tomar com fervor tanto
Que pros[s]upôs de nela morrer santo.
33o Porém, como para cá vieram,
De lá do território Arábico, outras gentes
O culto Mahomético eles trouxeram
E nele fui inserido pelos meus parentes.
De tanto que o pregaram converteram
Até Perimal, através de seus eloqüentes;
Fizeram-no crer com tanto fervor
Que ele supôs que morreria como santo de valor.
«Naus arma e nelas mete, curioso,
Mercadoria que ofereça, rica,
Pera ir nelas a ser religioso
Onde o Profeta jaz que a Lei pubrica.
Antes que parta, o Reino poderoso
Cos seus reparte, porque não lhe fica
Herdeiro próprio; faz os mais aceitos
Ricos, de pobres; livres, de sujeitos.
34o Um dia mandou aprontar um navio com presente precioso,
E nele seguiu, abarrotado de rica mercadoria,
Para cumprir com o seu imaginado dever religioso,
Junto ao túmulo do Profeta (1) que fundou essa idolatria.
Porém, antes de partir, ele dividiu o seu reino poderoso,
Entre alguns dos seus, porque não tendo filhos não lhe fica
Herdeiros naturais e, desse modo, fez de alguns eleitos,
Ricos, quem era pobre; e libertos, quem a outro estava sujeito.
1-Alusão à viagem a Meca que todo muçulmano deve fazer ao menos uma vez na vida e desde que tenha posses para tanto. Dessa viagem Perimal não voltou e desde então a Índia era dividida entre vários Estados semi-independentes.
«A um Cochim e a outro Cananor,
A qual Chale, a qual a Ilha da Pimenta,
A qual Coulão, a qual dá Cranganor,
E os mais, a quem o mais serve e contenta.
Um só moço, a quem tinha muito amor,
Despois que tudo deu, se lhe apresenta:
Pera este Calecu sòmente fica,
Cidade já por trato nobre e rica.
35o A um deixa Cochim (1), a outro Cananor (2),
A outrem deixa Chalé, a outro a Ilha da Pimenta (4),
A beltrana, o Coulão (5) e a sicrano dá Cranganor (6),
O restante deixa a quem mais o serve e o contenta.
Após tudo doado, um moço a quem tinha muito amor
É lembrado e para corrigir o erro, ele lhe apresenta
Como o legitimo herdeiro de Calecu (7), para quem fica,
Essa cidade, que naquela época já era nobre e rica.
1- Cochim: cidade indiana na costa de Malabar.
2- Cananor: cidade indiana.
3- Chalé: povoação a duas léguas de Calecu e onde os portugueses fizeram uma fortificação.
4- Ilha da Pimenta: no litoral indiano. Na costa do Malabar.
5- Coulão: cidade na costa de Malabar.
6- Cranganor: fortaleza na região de Cochim, na costa de Malabar.
7- Calecu: cidade na costa da Índia.
«Esta lhe dá, co título excelente
De Emperador, que sobre os outros mande.
Isto feito, se parte diligente
Pera onde em santa vida acabe e ande.
E daqui fica o nome de potente
Çamori, mais que todos dino e grande,
Ao moço e descendentes, donde vem
Este que agora o Império manda e tem.
36o Junto com esta cidade dá-lhe o titulo excelente
De Imperador, para que aos outros comande.
Estando tudo repartido, ele segue diligente
Para onde crê que em santa vida, acabe e ande.
Em Calecu, fica para sempre o nome do potente
Samorim, mais do que todos, digno e grande;
Daquele moço e seus descendentes, é que vem
Este, que comanda o Império e o poder detém.
«A Lei da gente toda, rica e pobre,
De fábulas composta se imagina.
Andam nus e somente um pano cobre
As partes que a cobrir Natura ensina.
Dous modos há de gente, porque a nobre
Naires chamados são, e a menos dina
Poleás tem por nome, a quem obriga
A lei não mesturar a casta antiga;
37o A religião de toda essa gente, sendo rica ou pobre,
É composta de fábulas e de lendas que se imagina.
Andam nus e somente um pano cobre
O órgão genital, conforme a Religião os ensina;
O povo se divide em duas classes; a nobre,
É chamada de Naires (1) e a menos digna
De Póleas (2), a quem a religião obriga
Que vivam afastados da classe nobre e mais antiga;
1- Naires: Do sânscrito, Nayaka, ou seja, chefe. Entre os hindus de Malabar, designava alto militar ou nobre.
2- Póleas: Párias, que no sistema hindu significa a classe, ou casta, mais baixa, privada de direitos sociais e religiosos.
«Porque os que usaram sempre um mesmo ofício,
De outro não podem receber consorte;
Nem os filhos terão outro exercício
Senão o de seus passados, até morte.
Pera os Naires é, certo, grande vício
Destes serem tocados; de tal sorte
Que, quando algum se toca porventura,
Com cerimónias mil se alimpa e apura.
38o São obrigados a exercerem sempre um mesmo oficio,
E das outras classes não podem ter a consorte;
Nem os seus filhos poderão ter outro exercício
Diferente daquele de seus antepassados e até a morte.
Para os Naires é certamente um grande sacrifício
Serem tocados pelos Póleas; de tal sorte,
Que se algum deles lhe toca, porventura,
Com mil cerimônias ele se limpa e se depura.
«Desta sorte o Judaico povo antigo
Não tocava na gente de Samária.
Mais estranhezas inda das que digo
Nesta terra vereis de usança vária.
Os Naires sós são dados ao perigo
Das armas; sós defendem da contrária
Banda o seu Rei, trazendo sempre usada
Na esquerda a adarga e na direita a espada.
39o Do mesmo modo que o povo judeu antigo
Não tocava na gente de Samária (1).
E coisas mais estranhas, além das que lhes digo,
Vocês verão nesta terra singular e rara.
Os Naires ocupam-se apenas em enfrentar o perigo
Das guerras, quando então defendem da contrária
Parte, o seu Rei, manejando com destreza a usada
Adaga na mão esquerda e, na direita, a espada.
1- Samária: cidade na Palestina, capital das tribos que se separaram da de Judá e Benjamim. Adversária e rival de Jerusalém.
«Brâmenes são os seus religiosos,
Nome antigo e de grande preminência;
Observam os preceitos tão famosos
Dum que primeiro pôs nome à ciência;
Não matam cousa viva e, temerosos,
Das carnes têm grandíssima abstinência.
Somente no Venéreo ajuntamento
Têm mais licença e menos regimento.
40o Chamam-se Brâmanes os seus religiosos,
Um nome antigo e de grande proeminência;
Seguem com rigor os preceitos mais famosos
Daquele que primeiro nomeou esta ciência;
Não matam nenhum ser vivo, e, temerosos,
De qualquer carne, fazem abstinência.
Apenas nos seus veneráveis alojamentos
É que ficam à vontade, sem regulamentos.
«Gerais são as mulheres, mas somente
Pera os da geração de seus maridos
(Ditosa condição, ditosa gente,
Que não são de ciúmes ofendidos!)
Estes e outros costumes vàriamente
São pelos Malabares admitidos.
A terra é grossa em trato, em tudo aquilo
Que as ondas podem dar, da China ao Nilo.»
41o As suas mulheres são acessíveis somente
Aos integrantes da classe de seus maridos.
Talvez seja uma boa condição e uma feliz gente,
Pois ao menos, por ciúmes não são perseguidos!
Esses e outros costumes esquisitos, geralmente,
Pelos malabares são aceitos e admitidos.
A terra é má para o cultivo, mas se tem tudo aquilo
Que as águas podem oferecer, da China ao rio Nilo.
Assi contava o Mouro; mas vagando
Andava a fama já pela cidade
Da vinda desta gente estranha, quando
O Rei saber mandava da verdade.
Já vinham pelas ruas caminhando,
Rodeados de todo sexo e idade,
Os principais que o Rei buscar mandara
O Capitão da armada que chegara.
42o Enquanto Monçaide ia contando,
O boato se espalhava pela cidade,
Sobre a chegada dos lusitanos. Foi quando
o rei mandou que se apurasse a verdade.
Logo vinham pelas ruas caminhando,
Rodeados por gente dos dois sexos e vária idade,
Os Ministros a quem o rei ordenara
Que buscassem o Capitão da Armada que chegara.
Mas ele, que do Rei já tem licença
Pera desembarcar, acompanhado
Dos nobres Portugueses, sem detença
Parte, de ricos panos adornado
Das cores a fermosa diferença
A vista alegra ao povo alvoroçado;
O remo compassado fere frio
Agora o mar, despois o fresco rio.
43o Vasco da Gama, com a devida permissão
Do rei para desembarcar, segue acompanhado
Pelos nobres portugueses e sem demorar vão
Ricamente vestidos, com belo tecido adornado.
As variadas vestes e as cores em profusão
Alegram as vistas do povo alvoroçado;
O movimento compassado dos remos fere o frio
Oceano Índico e, depois, o fresco rio.
Na prata um regedor do Reino estava
Que, na sua língua, «Catual» se chama,
Rodeado de Naires, que esperava
Com desusada festa o nobre Gama.
Já na terra, nos braços o levava
E num portátil leito üa rica cama
Lhe oferece em que vá (costume usado),
Que nos ombros dos homens é levado.
44o Na praia, um dos Ministros do rei estava;
Cargo ilustre que na Índia de “Catual” se chama,
Rodeado pelos nobres Naires, ele esperava
Com extraordinária festa pelo ilustre Gama.
E entre os abraços, ele já o convidava
Para ir na liteira (2), como aquilo se chama,
Conforme era o costume arraigado.
Assim, nos ombros de homens, Vasco é carregado.
1-Catual: autoridade civil e religiosa dos Malabares.
2-Pequena carruagem em que os passageiros vão deitados e que é transportada por escravos, ou pessoas das Castas inferiores.
Destarte o Malabar, destarte o Luso,
Caminham lá pera onde o Rei o espera;
Os outros Portugueses vão ao uso
Que infantaria segue, esquadra fera.
O povo que concorre vai confuso
De ver a gente estranha, e bem quisera
Perguntar; mas, no tempo já passado,
Na Torre de Babel lhe foi vedado.
45o Desta maneira seguem o Malabar e o Luso
Para o palácio aonde o rei os espera.
Os outros portugueses, conforme o uso
Da infantaria, os seguem como romaria.
O povo que acorre às ruas estava confuso
Por ver aquela gente estranha e bem quisera
Falar-lhes; porém desde o passado,
Com a Torre de Babel, o diálogo lhes foi vedado.
O Gama e o Catual iam falando
Nas cousas que lhe o tempo oferecia;
Monçaide, entr'eles, vai interpretando
As palavras que de ambos entendia.
Assi pela cidade caminhando,
Onde üa rica fábrica se erguia
De um sumptuoso templo já chegavam,
Pelas portas do qual juntos entravam.
46o O Gama e o Catual iam falando
Sobre os assuntos que a ocasião oferecia;
Entre eles, Monçaide, vai interpretando,
Pois o idioma de ambos, ele compreendia.
Assim, pela cidade iam caminhando,
Onde uma próspera economia se erguia.
Por fim, num suntuoso templo chegaram,
E juntos, pela porta, logo entraram.
Ali estão das Deidades as figuras,
Esculpidas em pau e em pedra fria,
Vários de gestos, vários de pinturas,
A segundo o Demónio lhe fingia;
Vêm-se as abomináveis esculturas,
Qual a Quimera em membros se varia;
Os cristãos olhos, a ver Deus usados
Em forma humana, estão maravilhados.
47o Ali, das divindades estão as figuras,
Esculpidas em madeira e em pedra fria.
Variados são os rostos nas várias pinturas,
Em segundo plano vem o Demônio, com maestria.
Vêm-se as deformadas e abomináveis esculturas,
Igual à de Quimera (1) cujos membros varia.
Os cristãos, ao verem os deuses representados
Como humanos, ficam assombrados.
1- Quimera: animal fabuloso, com a cabeça de leão, corpo de cabra e cauda de serpente. Segundo a lenda expele chamas com a boca, o quê, para alguns eruditos, é a fonte das lendas medievais sobre os dragões.
Um, na cabeça cornos esculpidos
Qual Júpiter Amon em Líbia estava;
Outro, num corpo rostos tinha unidos,
Bem como o antigo Jano se pintava;
Outro, com muitos braços divididos,
A Briareu parece que imitava;
Outro, fronte canina tem de fora,
Qual Anúbis Menfítico se adora.
48o Um dos deuses tem na cabeça, cornos esculpidos,
Igual a Júpiter Amon (1) que na Líbia estava;
Outro tinha, num só corpo, vários rostos unidos,
Assim como ao antigo Jano (2) se retratava;
Outro, com muitos braços divididos,
A Briareu (3) parece que imitava;
Outro tinha a fronte canina para fora,
Igual a Anúbis Menfítico (4) que no Egito se adora.
1- Júpiter Amon: Pai e senhor dos deuses. Divindade egípcia. Os romanos juntaram o seu nome ao de Júpiter e era representado com dois cornos.
2- Jano: divindade romana que era representada com dois rostos para ter no presente, simultaneamente, o passado e o futuro.
3- Briareu: um dos Gigantes, que tinha cinqüenta cabeças e cem braços.
4- Anúbis Menfítico: divindade egípcia que tinha a cabeça de cão e o corpo humano.
Obs – note-se que Camões coloca os deuses indianos como parecidos com egípcios e romanos, porém, a verdade seria o oposto. Foi o panteão hindu que foi copiado por todas as outras culturas. Esse erro, ainda hoje é freqüente.
Aqui feita do bárbaro Gentio
A supersticiosa adoração,
Direitos vão, sem outro algum desvio,
Pera onde estava o Rei do povo vão.
Engrossando-se vai da gente o fio
Cos que vêm ver o estranho Capitão.
Estão pelos telhados e janelas
Velhos e moços, donas e donzelas.
49o Ali, no Templo, é feita pelo bárbaro gentio
A supersticiosa e selvagem adoração;
Dali eles seguem sem qualquer outro desvio,
Para onde estava o rei do povo pagão.
Vai engrossando de gente, como se fosse um rio,
A multidão que vem para ver o estranho capitão.
Amontoam-se nos telhados e nas janelas
Os velhos, os moços, as senhoras e as donzelas.
Já chegam perto, e não [com] passos lentos,
Dos jardins odoríferos fermosos,
Que em si escondem os régios apousentos,
Altos de torres não, mas sumptuosos;
Edificam-se os nobres seus assentos
Por entre os arvoredos deleitosos:
Assi vivem os Reis daquela gente,
No campo e na cidade juntamente.
50o Logo chegam, e não com passos lentos,
Dos jardins perfumados e formosos,
Que abrigam os reais aposentos,
Onde não há altas torres, embora suntuosos.
Os nobres fazem os seus assentamentos
Por entre os bosques frondosos.
E assim os governantes daquela gente,
Usufruiem do campo e da cidade, simultaneamente.
Pelos portais da cerca a sutileza
Se enxerga da Dedálea facultade,
Em figuras mostrando, por nobreza,
Da Índia a mais remota antiguidade.
Afiguradas vão com tal viveza
As histórias daquela antiga idade,
Que quem delas tiver notícia inteira,
Pela sombra conhece a verdadeira.
51o Pelos vãos das cercas a sutileza
Já se enxerga, na labiríntica capacidade
De por figuras mostrar-se, segundo a nobreza,
A história da Índia desde a remota antiguidade
Estão pintados com tal vigor e clareza
Os acontecimentos daquela antiga idade,
Que quem dela tiver uma noção ligeira,
Vendo as figuras a conhecerá inteira.
Estava um grande exército, que pisa
A terra Oriental que o Idaspe lava;
Rege-o um capitão de fronte lisa,
Que com frondentes tirsos pelejava
(Por ele edificada estava Nisa
Nas ribeiras do rio que manava),
Tão próprio que, se ali estiver Semele,
Dirá, por certo, que é seu filho aquele.
52o Num dos painéis estava um exército, que pisa
A terra Oriental que o rio Idaspe (1) lava;
Comanda-o um Capitão (2) de pele lisa,
Que com frondosos tirsos (3) lutava
(Por ele fora edificada a cidade de Nisa
Nas margens do rio que ali minava),
Tão realista o quadro que se o visse Sêmele (4),
Certamente diria que o seu filho era aquele.
1- Idaspe: Um dos afluentes do rio Ganges.
2- O capitão era o deus Baco, que sempre é retratado como jovem. Daí a “pele lisa”, ou sem rugas. Segundo a lenda era o fundador da cidade de Nisa.
3- Tirsos: bastão enfeitado com plantas com o qual se representa Baco.
4- Sêmele: deusa, mãe de Baco.
Mais avante, bebendo, seca o rio
Mui grande multidão da Assíria gente,
sujeita a feminino senhorio
De üa tão bela como incontinente.
Ali tem, junto ao lado nunca frio,
Esculpido o feroz ginete ardente
Com quem teria o filho competência.
Amor nefando, bruta incontinência!
53o Noutro painel se vê bebendo, até secar o rio,
Uma grande multidão da Assíria (1) gente,
Que é governada pelo feminino poderio
Duma mulher (2) tão bela quanto incontinente (3).
Junto a ela e nunca frio,
O feroz cavaleiro (4) ardente,
Que teve com o próprio filho mortal desavença,
Amor execrável, selvagem incontinência.
1- Assíria: relativo a antiga Assíria, atual Iraque.
2- Referência a Cleópatra, rainha do Egito.
3- Incontinente: sexualidade excessiva. Não confundir com “incontinenti”, sinônimo de imediato.
4- Julio César: amante de Cleópatra que foi assassinado por Brutus, seu filho adotivo. Na ocasião de seu assassinato pelos Senadores, Julio Cesar disse a frase “até tu, Brutus” que se tornou proverbial.
Daqui mais apartadas, tremulavam
As bandeiras de Grécia gloriosas
(Terceira Monarquia), e sojugavam
Até as águas Gangéticas undosas.
Dum capitão mancebo se guiavam,
De palmas rodeado valerosas,
Que já não de Filipo, mas, sem falta
De progénie de Júpiter se exalta.
54o Um pouco mais distantes tremulavam
As bandeiras da Grécia, tão gloriosas,
(Bandeiras da 3A monarquia) que já dominavam,
Até as terras do Ganges, com suas águas caudalosas.
O jovem comandante que as levavam,
Era rodeado pelas palmas de vitórias valorosas,
Que não são as de Filipo (1), mas que retrata,
A outro descendente de Júpiter, que tanto se exalta.
1- Filipo: o pai de Alexandre Magno, rei da Macedônia, que conquistou a Pérsia e a Índia.
2- Júpiter: pai e senhor dos deuses. Figurativamente, Camões o cita como ascendente de Alexandre em razão das qualidades divinas deste último.
Os Portugueses vendo estas memórias,
Dizia o Catual ao Capitão:
- «Tempo cedo virá que outras vitórias
Estas que agora olhais abaterão;
Aqui se escreverão novas histórias
Por gentes estrangeiras que virão;
Que os nossos sábios magos o alcançaram
Quando o tempo futuro especularam.
55o Enquanto iam vendo estas memórias,
O Catual dizia ao Capitão:
- Logo virão outras vitórias
Quê a estas, que agora vês, encobrirão.
Aqui se escreverão novas histórias
De povos estrangeiros que chegarão;
Pois os nossos adivinhos assim visualizaram
No futuro, quando o sondaram.
«E diz-lhe mais a mágica ciência
Que, pera se evitar força tamanho,
Não valerá dos homens resistência,
Que contra o Céu não val da gente manha;
Mas também diz que a bélica excelência,
Nas armas e na paz, da gente estranha
Será tal, que será no mundo ouvido
O vencedor por glória do vencido».
56o Também lhe diz que a mágica ciência
Previra, que para se evitar força tamanha,
Insuficiente será que se oponha resistência,
Pois a vontade do Céu vence qualquer artimanha;
E que a guerreira excelência,
Na guerra e na paz, daquela gente estranha
Será tanta que em todo mundo serão ouvidos
Louvores aos vencedores daqueles fortes vencidos.
Assi falando, entravam já na sala
Onde aquele potente Emperador
Nüa camilha jaz, que não se iguala
De outra algüa no preço e no lavor.
No recostado gesto se assinala
Um venerando e próspero senhor;
Um pano de ouro cinge, e na cabeça
De preciosas gemas se adereça.
57o Assim conversando, já entravam na sala
Onde os aguardava o poderoso Imperador,
Que se recostava num sofá que não se iguala
A nenhum outro, tanto pela arte quanto pelo valor.
No seu ilustre e sábio semblante se assinala
A expressão de um venerável e próspero senhor;
Com um tecido recamado de ouro se veste e na cabeça
Com pedras preciosas se adereça.
Bem junto dele, um velho reverente,
Cos giolhos no chão, de quando em quando
Lhe dava a verde folha da erva ardente,
Que a seu costume estava ruminando.
Um Brâmene, pessoa preminente,
Pera o Gama vem com passo brando,
Pera que ao grande Príncipe o apresente,
Que diante lhe acena que se assente.
58o Bem junto dele, um velho reverente,
Ajoelhado no chão, de quando em quando
Dava-lhe a verde folha da erva ardente,
Que por vicio, ele estava sempre ruminando.
Um Brâmane, pessoa muito influente,
Para junto do Gama vem com passo brando,
Para que ao grande Príncipe o apresente,
O qual, já na sua frente, pede que ele sente.
Sentado o Gama junto ao rico leito,
Os seus mais afastados, pronto em vista
Estava o Samori no trajo e jeito
Da gente, nunca de antes dele vista.
Lançando a grave voz do sábio peito,
Que grande autoridade logo aquista
Na opinião do Rei e do povo todo,
O Capitão lhe fala deste modo:
59o O capitão já estava sentado junto ao rico leito,
E os outros lusos mais afastados; fixando a vista,
O rei Samorim reparava nos trajes e no jeito
Daquela gente que, por ele, nunca fora vista.
Usando a voz grave e poderosa, vinda do sábio peito,
A qual, uma grande credibilidade logo conquista,
Perante a opinião do rei e do povo todo,
Vasco da Gama lhe fala deste modo:
- «Um grande Rei, de lá das partes onde
O Céu volúbil, com perpétua roda,
Da terra a luz solar co a Terra esconde,
Tingindo, a que deixou, de escura noda,
Ouvindo do rumor que lá responde
O eco, como em ti da Índia toda
O principado está e a majestade,
Vínculo quer contigo de amizade.
60o Um grande Rei das distantes terras onde
O céu volúvel, com a eterna roda,
A luz do Sol, com a própria Terra esconde (1),
Escurecendo a região que deixou com negra nódoa (2),
Ouviu por lá o grande rumor que responde
Aos ecos daqui, os quais contam que, por ti, a Índia toda,
É governada com sábia majestade,
E por isso quer estabelecer contigo vínculos de amizade.
1- Referência ao movimento de rotação da terra.
2- Nódoa: mancha. Referência à noite.
«E por longos rodeios a ti manda
Por te fazer saber que tudo aquilo
Que sobre o mar, que sobre as terras anda,
De riquezas, de lá do Tejo ao Nilo,
E desd'a fria plaga de Gelanda
Até bem donde o Sol não muda o estilo
Nos dias, sobre a gente de Etiópia,
Tudo tem no seu Reino em grande cópia.
61o E por longos caminhos, a ti, ele me manda,
Para que tu saibas que tudo aquilo,
Que sobre o mar ou sobre a terra anda
E as riquezas existentes, desde Tejo ao Nilo,
Desde a fria terra da Gelanda (1),
Até as que existem onde o Sol mantém o estilo
Tórrido todos os dias, sobre a gente da Etiópia (2),
Ele as tem no seu Reino, com muitas cópias.
1- Gelanda: Zelândia, província da Holanda. Não confundir com A Nova Zelândia.
2- Etiópia: nome antigo da região ao sul do Egito.
«E se queres, com pactos e lianças
De paz e de amizade, sacra e nua,
Comércio consentir das abondanças
Das fazendas da terra sua e tua,
Por que creçam as rendas e abastanças
(Por quem a gente mais trabalha e sua)
De vossos Reinos, será certamente
De ti proveito, e dele glória ingente.
62o E para propor-te, se pactos e alianças
De paz e de amizade, livres de falsidade e crua.
E para lhe consultar sobre o comércio das abundâncias
De riquezas que existem nesta imensa terra tua,
Para que cresçam os rendimentos e as abastanças
(O real motivo por que a gente trabalha e sua)
Dos dois reinos, o que lhe será, com certeza,
Proveitoso, enquanto que para ele será uma proeza.
«E sendo assi que o nó desta amizade
Entre vós firmemente permaneça,
Estará pronto a toda adversidade
Que por guerra a teu Reino se ofereça,
Com gente, armas e naus, de qualidade
Que por irmão te tenha e te conheça;
E da vontade em ti sobr'isto posta
Me dês a mi certíssima resposta.»
63o E assim sendo, que os laços dessa amizade
Entre vós, firmemente permaneça,
Estando ele pronto para auxiliar-te na adversidade
Que, pelas guerras, ao teu reino aconteça,
Com armas, soldados e navios de ótima qualidade,
Pois ele o terá como irmão e que tu, assim, o reconheça;
Isto dito, creio que deixei a nossa intenção bem exposta.
E te peço que me dê uma sincera resposta.
Tal embaxada dava o Capitão,
A quem o Rei gentio respondia
Que, em ver embaxadores de nação
Tão remota, grão glória recebia;
Mas neste caso a última tenção
Com os de seu conselho tomaria,
Informando-se certo de quem era
O Rei e a gente e terra que dissera;
64o Esta foi a diplomática palestra que fez o Capitão,
A qual, o rei pagão amistosamente respondia,
Dizendo que por receber embaixadores de uma nação
Tão distante muito honrado e feliz se sentia;
Contudo, para melhor deliberar e firmar uma opinião,
Com os seus conselheiros e ministros ele falaria,
Pois queria se informar melhor sobre quem era
Esse rei, essa gente e essa terra de quem lhe falara.
E que, entanto, podia do trabalho
Passado ir repousar; e em tempo breve
Daria a seu despacho um justo talho,
Com que a seu Rei reposta alegre leve.
Já nisto punha a noite o usado atalho
Ás humanas canseiras, por que ceve
De doce sono os membros trabalhados,
Os olhos ocupando, ao ócio dados.
65o Mas que, enquanto isso, descansasse do trabalho
Que tinham passado, pois em tempo breve
Ele daria o seu despacho, sem nenhum outro atalho,
Para que ao seu Rei uma resposta positiva leve.
Nisto, a noite já cobria o Mundo com seu negro agasalho,
Convidando os Homens ao repouso que ao corpo se deve.
Restaurar com o doce sono os membros cansados,
Fechando os olhos e abandonando-se aos ócios relaxados.
Agasalhados foram juntamente
O Gama e Portugueses no apousento
Do nobre Regedor da Indica gente,
Com festas e geral contentamento.
O Catual, no cargo diligente
De seu Rei, tinha já por regimento
Saber da gente estranha donde vinha,
Que costumes, que lei, que terra tinha.
66o Foram hospedados juntamente
Vasco e seus subordinados, no aposento
Do nobre rei da indiana gente,
Com festas e muito contentamento.
O Catual, por encargo diligente
Do seu rei, já tinha como intento
Investigar a estrangeira gente. De onde vinha,
Que costumes, que religião e que terra ela tinha?
Tanto que os ígneos carros do fermoso
Mancebo Délio viu, que a luz renova,
Manda chamar Monçaide, desejoso
De poder-se informar da gente nova.
Já lhe pergunta, pronto e curioso,
Se tem notícia inteira e certa prova
Dos estranhos, quem são; que ouvido tinha
Que é gente de sua pátria mui vizinha;
67o Assim, tão logo viu os carros do formoso
Mancebo Délio (1), que a luz renova,
Mandou chamar Monçaide, ansioso
Por se informar sobre a gente nova.
De imediato lhe pergunta, aflito e curioso,
Se ele tinha um relato preciso e uma confiável prova
De quem seriam aqueles estranhos; pois já tinha
Ouvido que eram da sua terra natal, uma nação vizinha.
1- Délio: outro nome de Apolo, o deus do Sol.
Que particularmente ali lhe desse
Informação mui larga, pois fazia
Nisso serviço ao Rei, por que soubesse
O que neste negócio se faria
Monçaide torna: - «posto que eu quisesse
Dizer-te disto mais, não saberia;
Sòmente sei que é gente lá de Espanha,
Onde o meu ninho e o Sol no mar se banha.
68o Que ali, particularmente, ele lhe desse
Informações detalhadas, pois fazia
Uma investigação para que o rei soubesse
O quê, neste caso e nesta situação se faria.
Monçaide lhe responde: - Ainda que quisesse
Dizer-te algo mais, eu não saberia;
Apenas sei que são lá dos lados da Espanha,
Perto da minha terra, que o Sol e o mar banha.
«Tem a lei dum Profeta que gerado
Foi sem fazer na carne detrimento
Da mãe, tal que por bafo está aprovado
Do Deus que tem do Mundo o regimento.
O que entre meus antigos é vulgado
Deles, é que o valor sanguinolento
Das armas no seu braço resplandece,
O que em nossos passados se parece.
69o Sei também, que creem num Profeta que foi gerado
Sem causar, no corpo da mãe, o desvirginamento,
E que é tão santo que por um sopro foi criado
Pelo Deus que creem, o qual do Mundo tem o regimento.
O que entre os meus ancestrais é muito comentado
Sobre eles é que o valor sanguinolento
Das armas, nos seus braços resplandece;
Conforme se viu no Passado e não se esquece.
«Porque eles, com virtude sobre-humana,
Os deitaram dos campos abundosos
Do rico Tejo e fresca Guadiana,
Com feitos memoráveis e famosos;
E não contentes inda, e na Africana
Parte, cortando os mares procelosos,
Nos não querem deixar viver seguros,
Tomando-nos cidades e altos muros.
70o Porque eles, com virtude sobre-humana,
Aniquilaram os nossos nos campos generosos
Do rico rio Tejo e do aprazível Guadiana (1),
Com atos memoráveis e muito famosos.
E não contentes, foram para a terra africana,
Atravessando os terríveis mares tempestuosos,
E para impedir que vivêssemos seguros,
Tomaram-nos as cidades de altos muros.
1- Guadiana: rio espanhol e português, que num certo trecho delimita a fronteira entre os dois paises.
«Não menos têm mostrado esforço e manha
Em quaisquer outras guerras que aconteçam,
Ou das gentes belígeras de Espanha,
Ou lá dalguns que do Pirene deçam.
Assi que nunca, enfim, com lança estranha
Se tem que por vencidos se conheçam;
Nem se sabe inda, não, te afirmo e asselo
Pera estes Anibais nenhum Marcelo.
71o E eles não têm menos esforço e artimanha
Em qualquer outra guerra que lhes aconteça,
Quer sejam contra as gentes guerreiras da Espanha,
Ou contra outros povos, que dos Pirineus (1) desça.
Assim, pode-se dizer, que por lança estranha,
Como vencidos não há quem os conheça.
Nem se sabe ainda; ou melhor, eu afirmo e declaro,
Que para estes “Anibais” não há nenhum Marcelo (2).
1 – Pirineus: os montes Pirineus, em alusão à travessia que Anibal fez sobre os mesmos para atacar Roma.
2- Referência a Aníbal, general cartagines, que foi vencido por Caio Cláudio Marcelo, na batalha de Nola.
«E s'esta informação não for inteira
Tanto quanto convém, deles pretende
Informar-te, que é gente verdadeira,
A quem mais falsidade enoja e ofende;
Vai ver-lhe a frota, as armas e a maneira
Do fundido metal que tudo rende
E folgarás de veres a polícia
Portuguesa, na paz e na milícia.»
72o Mas se essa informação não te parecer verdadeira,
Como convém, e se deles pretende
Informar-se se, de fato, é uma gente guerreira
Para quem a falsidade enoja e ofende,
Vá ver a frota deles, as suas armas e a maneira
Como fundem o metal que a todos rende.
E tu admirará os avanços da sua civilização
Na paz; e não numa guerra sem perdão.
Já com desejos o Idolátra ardia
De ver isto que o Mouro lhe contava;
Manda esquipar batéis, que ir ver queria
Os lenhos em que o Gama navegava.
Ambos partem da praia, a quem seguia
A Naira geração, que o mar coalhava;
À capitaina sobem, forte e bela,
Onde Paulo os recebe a bordo dela.
73o Já em desejos o Ministro Idólatra ardia,
Ansioso para ver o que Monçaide lhe contava.
Manda preparar os botes, pois queria
Ir aos navios em que Vasco da Gama navegava.
Ambos partem da praia e os seguia
Tantos Naires, que até ao mar lotava.
Sobem na nau capitânia, forte e bela
E Paulo da Gama os recebe a bordo dela.
Purpúreos são os toldos, e as bandeiras
Do rico fio são que o bicho gera;
Nelas estão pintadas as guerreiras
Obras que o forte braço já fizera;
Batalhas têm campais aventureiras,
Desafios cruéis, pintura fera,
Que, tanto que ao Gentio se apresenta,
A tento nela os olhos apacenta.
74o Os toldos, das naus, são vermelhos e as bandeiras
São feitas com a mais pura seda que o bicho gera;
Nelas estão pintadas as guerreiras
Proezas que o poderoso braço luso já fizera;
Retratam as batalhas campais aventureiras
E os desafios cruéis, vencidos numa outra Era.
Para o Ministro, aquelas figuras tanto representa,
Que apenas nelas ele coloca a sua vista atenta.
Pelo que vê pergunta; mas o Gama
Lhe pedia primeiro que se assente
E que aquele deleite que tanto ama
A seita Epicureia experimente.
Dos espumantes vasos se derrama
O licor que Noé mostrara à gente;
Mas comer o Gentio não pretende,
Que a seita que seguia lho defende.
75o Sobre tudo ele pergunta; mas o Gama
Pede-lhe que primeiro se sente
E que as delicias que tanto ama
Os seguidores de Épicuro (1) ele experimente.
De jarros transbordantes se derrama
O vinho que fez Noé (2) desnudar-se ante sua gente;
Porém, comer e beber o pagão não intenciona,
Pois a sua religião o proíbe e o condiciona.
1- Épicuro: filosofo grego cuja doutrina prega que o Bem é a satifasção moral. Camões erra ao citá-lo, pois quem dizia ser o Bem, a satifação dos desejos materiais é outra corrente filosófica: o Hedonismo.
2- Referência ao vinho que Noé teria bebido em excesso, quando, então, ficou nu e foi visto por um de seus filhos, CAM, fato que a invés de cobrir-lhe, comentou com os irmãos aquela degeneração. Isto lhe custou a maldição paterna e fez com que sua descendência, os CANANEUS, fossem tidos como os vilões na Bíblia.
A trombeta, que, em paz, no pensamento
Imagem faz de guerra, rompe os ares;
Co fogo o diabólico instrumento
se faz ouvir no fundo lá dos mares.
Tudo o Gentio nota; mas o intento
Mostrava sempre ter nos singulares
Feitos dos homens que, em retrato breve
A muda poesia ali descreve.
76o Soam as trombetas, que na paz remete o pensamento
Para as imagens da guerra, quando o som rompe os ares;
Com chamas diabólicas o feroz instrumento
Da artilharia (1) se faz ouvir até nos fundos dos mares.
O pagão a tudo observa; mas muito mais atento
O seu olhar se fixava nos singulares
Feitos daqueles homens, os quais, em narrativa breve,
A calada poesia pintada nas bandeiras descreve.
1- Instrumento da Artilharia: os canhões.
Alça-se em pé, co ele o Gama junto,
Coelho de outra parte e o Mauritano;
Os olhos põe no bélico trasunto
De um velho branco, aspeito venerando,
Cujo nome não pode ser defunto
Enquanto houver no mundo trato humano:
No trajo a Grega usança está perfeita;
Um ramo, por insígnia, na direita.
77o Por fim, levanta-se e o Gama levanta junto,
Em outra parte estão Coelho e o Mauritano;
O Catual fixa a vista num guerreiro transunto (1)
A figura de um velho branco, de aspecto venerando,
Cujo nome, pensa, não pode ser o de um defunto,
Enquanto houver no mundo qualquer tratado humano.
Trajava-se no estilo grego, de forma perfeita;
E trazia um ramo, como símbolo, na mão direita.
1-Transunto: quadro, retrato, imagem. O desenho de uma batalha.
Um ramo na mão tinha... Mas, ó cego,
Eu, que cometo, insano e temerário,
Sem vós, Ninfas do Tejo e do Mondego,
Por caminho tão árduo, longo e vário!
Vosso favor invoco, que navego
Por alto mar, com vento tão contrário
Que, se não me ajudais, hei grande medo
Que o meu fraco batel se alague cedo.
78o Tinha um ramo na mão... Mas, ó cego (1)
Que quase cometo um ato louco e temerário,
Quando sem vós, ninfas do Tejo (2) e do Mondego (3),
Pretendi seguir por este caminho longo e extraordinário!
O vosso favor eu invoco, pois navego
Por alto mar, com vento tão contrário
Que, sem a ajuda de vocês, tenho muito medo
De que o meu frágil bote naufrague muito cedo.
1-Nessa estrofe Camões refere-se a si próprio e enquanto se queixa por trilhar o longo e árduo caminho de escrever uma Epopéia, pede que as Ninfas da Poesia não o desamparem, pois ele teme não conseguir concluir sua obra.
2-Tejo: o rio Tejo.
3-Mondego – rio Português e Espanhol.
Olhai que há tanto tempo que, cantando
O vosso Tejo e os vossos Lusitanos,
A Fortuna me traz peregrinando,
Novos trabalhos vendo e novos danos:
Agora o mar, agora experimentando
Os perigos Mavórcios inumanos,
Qual Cánace, que à morte se condena,
Nüa mão sempre a espada e noutra a pena;
79o Vejam que enquanto venho (1) exaltando
O vosso rio Tejo e os vossos lusitanos,
O destino me faz ir peregrinando,
Vendo novas obras e outros danos;
Numa hora, é o mar que estou experimentando,
Noutra, são os perigos dos combates desumanos,
Igual a Cánace (2), que ao suicídio se condena,
E que tem numa mão a espada e na outra a pena;
1-Camões continua a se lamuriar, agora em razão de seu trabalho na Asia que o obrigava a viagens e a enfrentar guerras entre os locais e destes contra invasores. Compara-se a Cánace, por trazer na mão a espada com a qual enfrentava os combates e a pena com que escrevia “Os Lusíadas”.
2- Cánace: filha do deus Eolo. Como ela tinha cometido incesto com o seu irmão foi induzia pelo pai a suicidar-se. Então, enquanto escrevia uma carta de despedia para o irmão mantinha a espada numa mão e a pena noutra.
Agora, com pobreza avorrecida,
Por hospícios alheios degradado;
Agora, da esperança já adquirida,
De novo mais que nunca derribado;
Agora às costas escapando a vida,
Que dum fio pendia tão delgado
Que não menos milagre foi salvar-se
Que pera o Rei Judaico acrecentar-se.
80o Agora que sofro com uma miséria aborrecida,
E em abrigos alheios estou exilado;
Agora que tenho a esperança perdida,
E que mais do que nunca estou derrubado;
Agora que sinto, pelas costas, que está me escapando a vida,
Presa apenas por um fio tão delgado
Que foi um verdadeiro milagre salvar-me
De ao rebanho de Jesus juntar-me.
1-Nesta passagem, Camões se queixa da miséria financeira e de estar morando numa casa que não era sua. Ademais se queixa de estar correndo risco de morte e por tudo isso de ter perdido qualquer esperança. Nessa ocasião, o bardo estava sob suspeita de ser corrupto em seu cargo de fiscal nas possessões portuguesas na Asia.
E ainda, Ninfas minhas, não bastava
Que tamanhas misérias me cercassem,
Senão que aqueles que eu cantando andava
Tal prémio de meus versos me tornassem:
A troco dos descansos que esperava,
Das capelas de louro que me honrassem,
Trabalhos nunca usados me inventaram,
Com que em tão duro estado me deitaram.
81o E ainda, amadas ninfas, como se não bastasse
Tantas misérias, das quais, eu nem imaginava,
Aquele povo, por mais que eu o exaltasse,
Só me deu um desprezo que não esperava.
Ao invés do repouso que me restaurasse,
Das coroas de louro que eu tanta desejava,
Restaram-me as dificuldades me inventaram,
Pelas quais nessa triste situação me prostraram (1).
1-ainda se queixando, Camões agora investe contra seus patrícios que não reconheceram sua obra e ao invés de prêmios e louvores, só lhe restaou a desconfiaça sobre sua lisura.
Vede, Ninfas, que engenhos de senhores
O vosso Tejo cria valerosos,
Que assi sabem prezar, com tais favores,
A quem os faz, cantando, gloriosos!
Que exemplos a futuros escritores,
Pera espertar engenhos curiosos,
Pera porem as cousas em memória
Que merecerem ter eterna glória!
82o Vejam ninfas, que talentos enobrecedores
O vosso rio Tejo cria, tão leais e valorosos
Que sempre retribuem esses teus favores,
Exaltando-te em versos gloriosos!
Que bela motivação para os futuros escritores,
Para despertar os talentos curiosos,
Para as coisas dos seus passados, cuja memória
Venha a merecer a eterna glória (1)!
1-Prosseguindo nas queixas, Camões aqui alude ao fato de que apesar do não reconhecimento, as belezas do rio Tejo sempre propiciará o surgimento de novos Poetas e Escritores.
Pois logo, em tantos males, é forçado
Que só vosso favor me não faleça,
Principalmente aqui, que sou chegado
Onde feitos diversos engrandeça:
Dai-mo vós sós, que eu tenho já jurado
Que não no empregue em quem o não mereça,
Nem por lisonja louve algum subido,
Sob pena de não ser agradecido.
83o Assim, por tantos males estou forçado,
Mas espero que da vossa inspiração eu nunca padeça.
Principalmente agora, que sou chegado,
Onde as proezas pedem que eu lhes engrandeça:
Dêem-me uma grande inspiração e eu deixo jurado
Que não a usarei para aquele que não a mereça,
E nem louvarei por suborno, a algum engrandecido,
Pois isso seria ser-lhe mal agradecido (1).
1-depois de ter contado suas mágoas, Camões pede às Musas do Rio Tejo que lhe dêem uma renovada inspiração, pois desta parte em adiante do poema ele cantará as proezas que precisam ser mais glorificadas.
Nem creiais, Ninfas, não, que fama desse
A quem ao bem comum e do seu Rei
Antepuser seu próprio interesse,
Imigo da divina e humana Lei.
Nenhum ambicioso que quisesse
Subir a grandes cargos, cantarei,
Só por poder com torpes exercícios
Usar mais largamente de seus vícios;
84o Nem creiam ninfas, que eu exaltarei a fama de quem,
Antes do bem comum e da satisfação do seu rei,
Colocasse o seu próprio e mesquinho bem,
Um reles inimigo da humana honra e da Divina Lei.
A nenhum ganancioso que quisesse
Subir, com fraudes, a grandes cargos eu cantarei,
Pois estaria impelindo-o a novos e sórdidos exercícios
E incentivando-o a mais usar seus sujos vícios;
Nenhum que use de seu poder bastante
Pera servir a seu desejo feio,
E que, por comprazer ao vulgo errante,
Se muda em mais figuras que Proteio.
Nem, Camenas, também cuideis que cante
Quem, com hábito honesto e grave, veio,
Por contentar o Rei, no ofício novo,
A despir e roubar o pobre povo!
85o Não louvarei quem usa seu Poder grande e bastante
Para satisfazer a sua vaidade e o seu egoísmo feio,
E que, para contentar a plebe ignorante,
Usa de falsidades e se transforma como Proteio (1).
Tenham certeza, ninfas, de que jamais eu cante,
Aquele que, fingindo honestidade e seriedade, veio
Para servir ao Rei, naquele importante cargo novo,
Mas que apenas roubou e despiu o pobre povo.
1) Proteio: ou Proteu, deus marinhos, que como outros, podia se metamorfosear à vontade, transformando-se não somente em animais, mas também nos quatro Elementos.
Nem quem acha que é justo e que é direito
Guardar-se a lei do Rei severamente,
E não acha que é justo e bom respeito
Que se pague o suor da servil gente;
Nem quem sempre, com pouco experto peito,
Razões aprende, e cuida que é prudente,
Pera taxar, com mão rapace e escassa,
Os trabalhos alheios que não passa.
86o Nem louvarei aquele que acha justo e direito
Aplicar a real lei muito severamente,
Mas não acha justo e digno de respeito
Que se pague pelo trabalho da servil gente.
Nem àquele que com inexperiente peito,
Finge ter razão e acha que é prudente,
Sobretaxar com mão rapinante e devassa,
Os trabalhos alheios, pelos quais ele nem passa.
Aqueles sós direi que aventuraram
Por seu Deus, por seu Rei, a amada vida,
Onde, perdendo-a, em fama a dilataram,
Tão bem de suas obras merecida.
Apolo e as Musas, que me acompanharam,
Me dobrarão a fúria concedida,
Enquanto eu tomo alento, descansado,
Por tornar ao trabalho, mais folgado.
87o Apenas glorificarei os que aventuraram
Por seu Deus e por seu Rei, a amada vida,
E que a perdendo, com a fama a dilataram,
Pois as suas obras deram-lhes a glória merecida.
Apolo e as Musas, que sempre me acompanharam,
Dobrarão a inspiração que me foi concedida,
E após tomar alento e estar descansado,
Retomarei o trabalho com ânimo renovado.
muito legal e
ResponderExcluirboa interpretação
Foi de grande valia essa análise. Excelente interpretação.
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