Chegastes suave como o orvalho e então eu soube que tu eras o jasmim recém colhido, que o Rouxinol anunciara no canto primeiro da aurora.
quarta-feira, 29 de agosto de 2012
Fome
Sinto a urgência do desejo
na saudade com que te lembro.
Há fome em minha carência
e é sede a tua ausência.
E é vazio o espaço
que teu corpo preencheu.
A cama que nos fez apenas um
agora é vasta e inútil
em sua plenitude obsoleta.
Tornamo-nos vontades distantes,
pois dizem que são
tempos proibidos
e que os Poemas
já não são lidos.
Mas ainda há a espera
por essa outra música
que embalará o novo festim.
Vista o vestido mais bonito
e calce as sandálias que te
fazem mais sensual.
Breve, a orquestra
tocará o sinal.
terça-feira, 28 de agosto de 2012
Versos de Cabral
O vento que carregava
o verso de João Cabral,
primeiro soprou as águas
do Capiberibe,
mas foi em vão
que tentou lavar
a morte Severina.
Agora, que o escuro desceu,
ele só busca o Passado
que cheira ao mel
da cana esmagada,
com a alma
do homem canavial.
Agora ele só busca o Passado,
onde o urro da besta-fera
assassinava os touros embaixadores
nos dramáticos
domingos diplomáticos.
Agora ele só busca o Passado,
da Sevilha que vestia o homem
e do cais de todo porto
que despia as putas do Mundo.
Agora ele só busca
os versos de Cabral,
que o vento de lá
haverá de proferir.
Homenagem pouca ao Mestre João Cabral de Melo Neto.
Quadro de Thyago Marão Villela
domingo, 26 de agosto de 2012
Louis ALTHUSSER - Filósofos Modernos e Contemporâneos
ALTHUSSER, Louis
1918 – 1990
Nascido
na Argélia (colônia francesa à época), Louis recebeu esse nome em homenagem a
um tio paterno que morreu na 1ª Guerra Mundial.
Segundo
o Filósofo, esse tio teria sido o grande amor de sua mãe, que só se casou com
seu pai após o falecimento do amado e para cumprir o que se esperava de uma
jovem naquele tempo.
Uma
história que se assemelha a um romance de folhetim, mas que acabou tendo enorme
influência em sua personalidade, pois desde que soube do ocorrido, ainda em
tenra infância, passou a se sentir um mero “substituto”
do falecido e essa situação lhe causou graves danos psicológicos que redundaram
em sequelas severas, as quais, na idade madura, levaram-no a ser tratado até
com eletrochoques.
Porém,
os danos emocionais não lhe perturbaram a inteligência fulgurante que o fez ser
um aluno excepcional desde o inicio dos estudos.
Após a
morte de seu pai, junto com a irmã, seguiu a mãe em sua mudança para Marseille e ali se tornou adulto.
Em 1937,
aderiu ao “Movimento da Juventude Catolica”
e foi aceito na célebre École Normale Supérieure,
ENS,
em Paris.
Contudo, a deflagração da
2ª Guerra Mundial interrompeu seus estudos, pois foi convocado para servir ao
Exército no front. Como vários outros, caiu prisioneiro e permaneceu cativo num
Campo de Concentração até o Armistício. Todavia, ao contrario dos colegas, essa
condição não o entristeceu e nem o fez tentar escapar, como faziam os outros soldados
que fugiam para voltar à luta. Ele se acomodou ao cativeiro, embora isso lhe
causasse, posteriormente, muita vergonha pela covardia.
Após a beligerância,
ALTHUSSER voltou à ENS, mas novamente seus estudos tiverem que ser interrompidos.
O inimigo, agora, eram os abalos em sua saúde mental que lhe impediam de
estudar normalmente.
A própria Escola
reconheceu suas dificuldades e lhe foi solidária, permitindo-lhe residir em seu
quarto na Enfermaria, onde, aliás, ele viveu por décadas, saindo apenas para
ser internado em Hospitais nos piores períodos de sua enfermidade.
Mas, não obstante as
dificuldades, em 1948, ele conseguiu se formar e se tornou Professor na mesma.
Também nesse ano de 1948
ele se filiou ao Partido Comunista
Francês, materializando dessa maneira sua crescente simpatia pelo Ideário
Socialista.
Antes, porém, em 1946,
ele conheceu a revolucionária de origem judaico-lituana Hélène Rytmann que se tornou sua companheira até o ano de 1980,
quando ele a estrangulou num alegado surto psicótico.
Incidente que deixou sérias
dúvidas sobre a motivação. Teria sido mesmo um ataque de demência, ou um ato
doloso? A Justiça o considerou inimputável e ele foi inocentado, mas, cinco
anos depois, em seu livro “Le Avenir dure
Longtemps” ele ressuscitou o ocorrido e refletindo sobre o mesmo, assumiu
certa responsabilidade pelo assassinato.
Reflexões, aliás, que causaram
uma grande polêmica entre seus detratores e admiradores. Aos primeiros coube
recrudescer as censuras e acusações, enquanto que aos segundos restou alegar
que a citada “responsabilidade”
deveria ser entendida apenas e exclusivamente no campo filosófico e não
jurídico.
Por fim, o Sistema
Judicial acabou dando razão aos adversários do Pensador e o condenou a ser internado
judicialmente no Hospital Psiquiátrico Sainte-Anne.
Após ter cumprido sua
internação, ALTHUSSER mudou-se para o norte da França e viveu em reclusão, com
poucos amigos e se dedicando apenas à sua autobiografia. Em 22 de Março foi
fulminado por um ataque cardíaco e morreu aos 72 anos.
ALTHUSSER é considerado
um dos principais nomes do Estruturalismo* francês, ocupando o mesmo de
patamar de Claude Lévi-Strauss, Jacques LACAN, Michel Foucault e Jacques
Derrida.
NOTA do AUTOR – sobre o *Estruturalismo,
recomendo a obra de minha autoria “Filosofia
Sem Mistérios – Dicionário Sintético”- Ed. Seven System – Biblioteca 24x7.
Acesse-o em: www.fabiorenatovillela.blogspot.com
Sua notoriedade formou-se
ao longo da vida e graças à sua inteligência, erudição e produtividade, qualidades
que foram expostas nos importantes livros que escreveu e que foram lidos e
traduzidos em todo o Mundo. Destes, citamos abaixo aqueles que são considerados
“Obras-Chave”:
- Lire Le
Capital – 1965
- Pour
Marx – 1965
- Positions
– 1976.
Além dos livros,
ALTHUSSER também escreveu inúmeros Ensaios, Artigos e outros gêneros, nos quais
sempre se revela a superioridade de sua argumentação. Grande parte dos mesmos,
só veio a público após o falecimento do Pensador e a sua publicação foi
providencial para o completo entendimento de suas teses.
Dessas teses, uma das
mais importantes está contida em “Marxisme
et Humanisme (inserido em Pour Marx)” e é conhecida como “anti-humanismo teórico”.
Ali o Filósofo faz uma
confirmação vigorosa de que o Marxismo
é Anti-humanista e, aproveita o
ensejo para condenar ideias como “o potencial
humano”, “o ser da espécie” etc.
que geralmente são defendidas equivocadamente por alguns marxistas.
Afinal, para ele, deve-se
sempre privilegiar a “Luta de Classes”
em detrimento de uma suposta “importância
decisiva da condição humana”. Importância que não passaria de uma simplória
fantasia criada pela Ideologia Burguesa.
NOTA do
AUTOR – é oportuno recordar
que, ao contrário do que vulgarmente se acredita, Humanismo NÃO É sinônimo de Bondade. Humanismo é um Sistema
Filosófico que afirma ser o Homem o centro das atenções e que tudo deve ser feito
segundo os seus interesses. Para o Socialismo, o centro das atenções Não É
o indivíduo, mas a Coletividade, por isso o Marxismo é anti-humanista.
Outra tese fundamental é exposta
em seu Ensaio “Sur Le June Marx (inserido em Pour Marx)” e propõe um “Corte
Epistemológico (ou uma ruptura no estudo)” na produção literária Karl Marx, pois, segundo ele, os textos da juventude foram muito
influenciados por Hegel e por Feuerbach e não podem ser considerados
genuinamente marxistas.
Apenas os textos da
maturidade teriam importância efetiva para a construção do Socialismo, o que os
colocaria em posição avantajada sobre os primeiros.
NOTA do AUTOR – essa tese de ALTHUSSER encontrou forte resistência entre alguns
intelectuais, principalmente por parte de Lukács
(Georg, 1885 -1971 – Hungria), o que gerou uma acirrada polêmica entre
ambos. No ensaio relativo ao Pensador húngaro, voltaremos ao tema.
No Ensaio “Contradiction et Surdétermination”,
surge mais uma das importantes teorias de ALTHUSSER que se utiliza de um termo
da psicanálise para colocar o Conceito da Sobredeterminaçao.
Aqui, o Pensador o utiliza para substituir a ideia de “Contradição” por um modelo mais complexo de causalidade múltipla
em situações políticas.
Essa concepção, que,
aliás, é muito próxima do “Conceito de
Hegemonia” de Antonio Gramsci (1891
– 1937 – Itália) propõe que variados motivos (ou causas) contribuem muito
mais para o surgimento de determinados fatos políticos (ou situações políticas, como, por exemplo, a Revolução Bolchevique, o
Golpe Militar de 1964 no Brasil etc.) que apenas uma simples “Contradição interna” ou “incoerência
interna” de um Sistema econômico e/ou político.
Ou seja, grosso modo, não
será apenas as “Contradições do Capitalismo (como, aliás, supõe inúmeros adeptos do Socialismo)” que deflagrará o sucesso do Socialismo.
Vários outros fatores haverão de determinar o êxito ou não do processo.
Será, portanto, um “Fator Superior, ou Sobredeterminante” que
estipulará a maneira como certo “Fato Político”
acontecerá.
Outro ponto fundamental
em seu Sistema é o Conceito chamado de “Aparelhos Ideológicos do Estado” e a
análise sistemática sobre o Conceito “Ideologia”.
Aliás, ALTHUSSER, também
é conhecido como o “Teorico das Ideologias” em razão da profundidade e correção
com que tratou o tema. Seu Ensaio, “Idéologie
et Appareils Idéologiques d’état (Notes pour une recherche)”, a propósito,
é reputado como um dos mais importantes do gênero.
Nele, o Pensador expõe a
sua concepção sobre o que seja a “Ideologia*” (tomando por base, novamente, o conceito de Gramsci (1891 – 1937 – Itália) acerca da hegemonia da mesma), afirmando peremptoriamente
que a mesma É uma prática (uma rotina material, física, real) em todas as Sociedades e não só uma abstração, uma “ideia equivocada” que o “Racionalismo Esclarecido” eliminaria
como se acreditou por algum tempo.
*IDEOLOGIA - conjunto de ideias e conceitos que se propõem elevados e capazes de
direcionar os comportamentos de um grupo social.
E afirma que em virtude
dessa supremacia ser estabelecida por “forças
políticas (ie, por Homens que detém
e exercem o Poder Político através de Associações, Partidos etc.)”, ela (a Ideologia*) É resultante de noções
e de pensamentos oriundos do Inconsciente e da “Fase do Espelho*”.
E para complementar o
trabalho, ele descreve as Estruturas e os Formatos das mesmas, as quais seriam
inevitáveis “Agentes de Repressão”,
haja vista ser impossível lhes escapar, ou não lhes ser obedientes.
NOTA do AUTOR – grosso modo, pode-se dizer que a Ideologia resulta de atividades
mentais Irracionais (lendas, mitos,
valores irracionais) do Subconsciente e Não,
obviamente, de elaboradas Reflexões Racionais e ponderadas.
Por outro lado, a “Fase do
Espelho” atua impondo a “necessidade” do Indivíduo se espelhar no Outro,
refletir-se nele e imitá-lo. Assumir, pois, as suas Ideias, ou Ideologias.
Aos interessados na questão da “Fase
do Espelho*” sugerimos a leitura do Ensaio sobre Jacques Lacan constante dessa obra.
Prosseguindo, na
sequência abordaremos suas ideias acerca do “Estado” e dos “Aparelhos
Ideológicos” do mesmo.
Os Aparelhos Ideológicos
do Estado
Segundo ele, o Estado só
passa a existir a partir do Poder de Estado, ou seja, através da
tomada e/ou manutenção do mesmo.
Só então é possível a
instalação do Aparelho de Estado –
ie, a administração, a burocracia, as Forças Armadas etc.
Como se percebe são
noções associadas, mas divergentes, pois o Aparelho de Estado pode continuar
existindo (com a máxima normalidade que a situação permitir) enquanto Forças Divergentes lutam (ou só o disputam através de votos) pela posse e/ou manutenção do Poder de Estado.
O Estado Burguês e
Marxista
Como se sabe, o Marxismo
considera o “Estado Burguês” um
aparelho repressivo, ou uma “máquina de
repressão” que permite às “Classes
Dominantes” exercer a sua dominação sobre o proletariado através da “Mais Valia” e da violência das armas.
O “Estado Burguês” não é apenas a burocracia (inoperante,
sufocante e má intencionada), mas também É o Exército, Marinha e
Aeronáutica (que exercem o papel de
“braço armado”), o Chefe de Estado, o 1º Ministro, a Polícia, o Judiciário etc.
O Estado, em resumo, é a “Força
de execução e intervenção repressiva” que está a serviço da “Elite”, ou “Classe Dominante”.
O Essencial da Teoria
Marxista para o Estado
O objetivo inicial da “Luta de Classes” é a tomada do Poder
do Estado para na sequência utilizar o Aparelho do Estado em
prol do proletariado.
O Proletariado, após
destruir o “aparelho burguês”
existente, numa primeira etapa
deverá usar o Aparelho de Estado em beneficio das Classes desfavorecidas e no
correr do tempo, conscientizar-se progressiva e continuamente para levar uma
vida comunitária que redundará no abandono de antigos hábitos e valores,
chegando, ao cabo, na extinção completa e definitiva do Poder e do Aparelho
de Estado, que é o Objetivo final.
Mas o que efetivamente
será destruído? O que é realmente, fisicamente essa estrutura?
Para dirimir as dúvidas, ALTHUSSER
adentra os meandros do Sistema e subdivide os “Aparelhos Ideológicos”
conforme as respectivas características, pois o “Marxismo Erudito” – do
qual ele era legitimo representante – considera o “Estado” como um órgão mais complexo do que diz a própria teoria
marxista básica e rudimentar.
A enorme importância de
sua contribuição está precisamente nesse ponto. Pois só ele estabeleceu a
citada subdivisão, ao contrário dos outros Eruditos, como Gramsci, que nada realizaram nesse campo.
Ainda que soubessem que o
Aparelho (Repressivo) do Estado não
se resume ao “Estado Oficial, Governamental”
e que outras Instituições da Sociedade Civil também fazem parte
do conjunto de “Forças Repressoras”
optaram pelo silêncio, por razões desconhecidas.
Dessa sorte, ALTHUSSER
incumbiu-se da tarefa e estabeleceu as Organizações
não Oficiais que atuam como “bedéis
sociais”. São elas:
AIE = Aparelho Ideológico
do Estado.
AIE - Religioso (as
Igrejas, as Seitas, as Religiões),
AIE - Escolar (O Sistema
de Escolas Públicas e Privadas),
AIE – Familiar,
AIE – Jurídico,
AIE - Político (os
diferentes Partidos, o Sistema Político, a Câmara, o Senado etc.),
AIE - Sindical (O
Conjunto dos Sindicatos, das Centrais Sindicais),
AIE - Cultural (as
Letras, as Belas-Artes, os Esportes etc.),
AIE – da Informação (A
Imprensa escrita, a Televisão, o Rádio).
Após tê-las identificado,
o Pensador insistiu na necessidade de não se confundir os Aparelhos Ideológicos do Estado com os Aparelhos (Repressivos) do Estado, haja vista existirem as seguintes
diferenças entre ambos:
- Existe
apenas um Aparelho (Repressivo) do
Estado, enquanto que são vários os Aparelhos
Ideológicos.
- Enquanto o primeiro pertence ao Público,
através do Governo, os segundos são de propriedade privada. Porém, ainda
assim, podem ser considerados “Estatais”
na medida em que se sabe o quão o Público e o Privado estão associados* no
“Estado Burguês”. Ademais, neste
contexto, pouco importa se os “Aparelhos”
são Públicos ou Privados, vez que atuam como Aparelhos Ideológicos do Estado.
*NOTA do AUTOR - grosso modo essa promiscuidade pode ser observada em algumas Empresas
de Segurança que embora sejam privadas, agem como se fosse Forças Policiais.
- Aqui se
tem a diferença mais importante. O Aparelho
(Repressivo) do Estado funciona principalmente através da violência
explícita, física e só secundariamente através do convencimento
ideológico, através da Ideologia. Já no Aparelho Ideológico do Estado dá-se o inverso; ou melhor, nele a violência explícita
é substituída pela camuflada e a pressão é exercida através de sanções, exclusões,
expulsões etc. Não deixa de ser uma violência, é claro, mas como é executada
com atenuantes, dissimulações e simbolismos, escamoteia sua face perversa
enquanto atinge a todos que focaliza.
ALTHUSSER prossegue esclarecendo
que apesar dessas diferenças, ambos os Aparelhos
são complementares e combinam as suas forças para favorecer a Classe Dominante,
que usa o Aparelho Ideológico do Estado
para impor a sua Ideologia e se vale do Aparelho
(Repressivo) do Estado para fazer com que ela seja obedecida.
NOTA do AUTOR - Para corroborar sua tese, ALTHUSSER cita a preocupação de Lênin em
reformular radicalmente o Aparelho Ideológico de Estado- Escolar, para permitir
que o Proletariado garantisse por intermédio dos estudos, o futuro da Revolução
e a passagem para o Socialismo.
A Elite usa os poderes
dos Aparelhos Ideológico e Repressivo do
Estado para conservar a sua posição, mas sempre tomando o cuidado especial
de manter-se hegemônica sobre e nos Aparelho Ideológico do Estado, pois sabe
que nenhuma Classe Social consegue
permanecer no Poder se não se autolegitimar, por mais falaciosas e cínicas que
possam ser as suas argumentações.
Por outro lado, e graças a
essa preocupação da Classe Dominante,
é possível observar que os Aparelhos Ideológicos do Estado são,
também, meio e espaço valiosos para se deflagrar a “Luta de Classes”, pois neles,
a “Classe Dominante” não dispõe de
facilidade absoluta para impor suas Leis e seus interesses, já que as “Classes exploradas” possuem os meios e
os instrumentos efetivos para se expressar e reagir.
Ao contrário do que
sucede nos Aparelhos (Repressivos) do
Estado onde a força e a violência das armas e a brutalidade do
autoritarismo cala qualquer tentativa de oposição.
ALTHUSSER e a Educação.
No Passado a quantidade
de Aparelhos Ideológicos do Estado
era maior que na atualidade e, dentre eles imperava a Igreja, que além das questões espirituais, também ditava as normas
sobre as chamadas questões seculares, tais como, a Escola, a Economia, a Cultura,
a Política etc.
Praticamente todo o
Ideário de uma Sociedade obedecia aos seus mandamentos.
O advento da Revolução
Francesa não resultou apenas na transferência do Poder de Estado para a
Burguesia Capitalista, mas também no
ataque ao principal Aparelho Ideológico
do Estado, ou seja, a Igreja.
Com isso a primazia
ideológica foi transferida para outra Instituição: a Escola.
A Escola se encarrega de
doutrinar as crianças, inculcando-lhes de
modo diferente os “Saberes (a língua materna, suas
noções acerca da Ciência, da Economia, da Política, da História etc.)” da Ideologia Dominante e, também, a própria “Ideologia Dominante (sua
Moral, Educação Cívica, Filosofia do Regime etc.)”.
E tal pregação é muito
bem sucedida, pois nenhum outro Aparelho
Ideológico do Estado possui tantos trunfos para obter sucesso quanto ela,
haja vista que a mesma dispõe de uma audiência cativa por vários anos, que lhe
dedica cinco ou seis horas por dia e, sobretudo, que é composta por indivíduos
tão influenciáveis, quanto podem ser as crianças e os jovens que nem sequer
formaram as respectivas personalidades.
Espremidos entre as
normas e orientações que recebem do Aparelho
Ideológico de Estado - Familiar e as que recebem do “Escolar”, os (as) alunos (as) são alvos fáceis, pois essa pressão
bilateral os torna mais frágeis ainda e prontos e aceitar o que lhes for
colocado sem meios de questionar e de fazer oposição.
Com isso, tornam-se “cúmplices involuntários” pela
manutenção da “Ideologia da Classe Dominante” e da mesma no Poder. Só em raríssimas ocasiões algum
indivíduo consegue vislumbrar a iniquidade da situação, mas, então, o Aparelho (Repressivo) do Estado é
acionado para silenciá-lo e manter o rumo de antes.
O problema, segundo
ALTHUSSER, é que também são raríssimos os Mestres dispostos (ou que tenham Cultura e Saber para isso) a questionar e contestar
o Sistema que a todos, ao cabo, escraviza.
A maioria nem sequer tem
consciência do sórdido trabalho que executa e nem do triste papel que representa.
Ao contrário, colocam todo empenho em cumprir as orientações que recebem dos
Superiores e em manter essa representação Ideológica, que, aliás, faz a Escola
atual assumir o papel que outrora foi da Igreja.
Para o Filósofo, a
educação tem importância fundamental, mas ao contrário de outros Pensadores (Durkheim, em especial) que a viam como
indutora e mantenedora do “equilíbrio
social”, ALTHUSSER desejaria que ela fosse o instrumento para a ruptura com
o Sistema e libertação dos oprimidos.
Contudo, pelas razões
acima apresentadas (desinteresse e/ou
incapacidade dos Professores e doutrinamento dos alunos) e que são decorrentes do
fato de que o papel e as operações da Educação são estipulados fora de seu
âmbito, ou mais precisamente nos Gabinetes da Classe Dominante da Sociedade
Capitalista, é inútil esperar o seu concurso para a reforma no Status Quo.
Essa conclusão levou o
Filósofo a elaborar a uma ácida critica à Sistemática implantada, conforme
segue:
A Teoria Critica
Reprodutivista
Os “Críticos Reprodutivistas” censuram o que consideram uma
característica perversa da “Escola”
nas Sociedades Capitalistas, onde a “Escola
Pública”, que recebe a massa proletária, dedica-se apenas a incutir nos
alunos a Ideologia das Classes Dominantes,
enquanto que as “Escolas Particulares”
ofertam efetivamente o “Saber Universal”
aos filhos da Elite, eternizando,
pois, a iníqua situação.
NOTA do AUTOR – correndo os riscos que toda generalização implica, associamos o termo
“Escola Pública” com baixa qualidade e “Escola Particular” com alta qualidade,
tomando por base o que acontece no Brasil atual. É claro que cometeremos
injustiças e estaremos distante da verdade se olharmos para o nível das
Universidades, quando, então, os conceitos se invertem. Pedimos desculpas aos
que forem atingidos injustamente e contamos com a compreensão de todos.
A “Crítica Reprodutivista” também enfoca o “aspecto político” do que
é dado aos alunos, em detrimento dos “aspectos
técnicos” que deveriam ser oferecidos;
e alerta para a óbvia consequência de que no Futuro essa deficiência se revelará
um filtro poderoso para impedir ou dificultar o acesso aos melhores empregos e
oportunidades.
É, pois, essa oferta equivocada
ou má intencionada que faz com que a “Escola”
destinada ao proletariado seja vista como uma mera “Reprodutora de um Proletário submisso”
na medida em que lhe ensina (sic) apenas conceitos que legitimam a Ideologia da
Classe Dominante.
Assumida por ALTHUSSER e
logo encampada por vários outros Intelectuais alinhados à Esquerda no espectro
Político, a Teoria Critica Reprodutivista floresceu significativamente
durante o célebre Maio de 1968 e a
partir daí tornou-se “peça de resistência”
para todos que se opõem aos ditames na área educacional, impostos pela
Sociedade Capitalista.
NOTA do AUTOR – merece destaque nesse quesito a obra de Jean – Claude Passeron e
Pierre Bordieu, “La Reproduction”, que ambos escreveram em 1970.
Porém, mesmo quem lhe
reconhece a propriedade e a correção, observa-lhe a falha de se limitar a expor
a situação caótica, sem propor qualquer alternativa substituta.
Uma das criticas mais
lúcidas à mesma partiu do Filósofo brasileiro Dermeval Saviani (1946 – Professor Emérito da Unicamp SP.) que a
taxou de equivocada por afirmar que a Educação não tem poder para
determinar, ou estipular, como devem ser as relações sociais e por aceitar
passivamente o jugo dessas relações iníquas.
Saviani ainda argumenta
que a mesma julga erroneamente que na Sociedade
Capitalista a Educação limita-se a resguardar os interesses do Capital, impedindo o surgimento de
qualquer proposta pedagógica e deixando os “Educadores
de Esquerda” sem perspectivas.
Mas, ele prossegue, se
tal fato fosse real, o que restaria a esses “Educadores
de Esquerda” senão abandonar o ofício (?); o quê, como se sabe, não é o que acontece.
Epilogo
De todo modo, as objeções
e oposições que são colocadas contra o Pensamento de ALTHUSSER, neste
particular e no geral, são naturais e até previsíveis, posto que a Filosofia seja
exatamente isso: a dialética em
busca da melhor compreensão.
São pontos de vista divergentes que em nada ofuscam o brilho de sua Filosofia
e a coragem em criticar conceitos arraigados e ultrapassados.
sábado, 25 de agosto de 2012
Alameda
Caminhas pela alameda
e os lírios te saúdam.
As folhas caídas
são coisas da vida,
na velha espera
pela nova quimera.
Que boa sorte o Sol te preconize
e no mármore a eternize,
e que todos os Aedos
afastem os teus medos.
Em breve o vento trará
o perfume das tulipas
e será a rota certeira
da vida verdadeira.
Por isso, passa
teu passo
pela alameda.
E que a vida te conceda,
doce Papillon
essa clara certeza
de sempre seguir,
pois eis que a vida
é a dádiva de ir.
e os lírios te saúdam.
As folhas caídas
são coisas da vida,
na velha espera
pela nova quimera.
Que boa sorte o Sol te preconize
e no mármore a eternize,
e que todos os Aedos
afastem os teus medos.
Em breve o vento trará
o perfume das tulipas
e será a rota certeira
da vida verdadeira.
Por isso, passa
teu passo
pela alameda.
E que a vida te conceda,
doce Papillon
essa clara certeza
de sempre seguir,
pois eis que a vida
é a dádiva de ir.
sábado, 18 de agosto de 2012
Friedrich NIETZSCHE - Filósofos Modernos e Contemporâneos
NIETZSCHE, Friedrich
1844 – 1900
Humano, demasiado humano.
Deus Morreu!
O Homem é algo a ser superado!
O Tele-Evangelismo atual e NIETZSCHE.
“... NIETZSCHE reagiu à Filosofia de Hegel e
ao Historicismo alemão. Ao primeiro, atribuía um interesse anêmico pela
História e confrontava esse desinteresse com a própria vida, já que sua principal
reivindicação era por uma reavaliação de todos os Valores (sobretudo da Moral
Cristã que ele taxava de ‘Moral Escrava’) para que o curso da vida dos ‘Fortes’
não fosse retardado ou obstruído pelos ‘Fracos”.
Para NIETZSCHE a Tradição filosófica e o Cristianismo tinham se afastado
do Mundo (físico, material) e se voltado para o ‘Céu’, ou para o ‘Mundo das
Ideias’, sendo que os mesmos não passavam de ilusões.
Por isso, conclamava ‘sede fiéis à Terra’ e não acreditem naqueles que
falam de esperanças além desse Mundo...”.
Trecho extraído de “O Mundo de Sofia” de Jostein Gaarder – Editora Cia
das Letras.
Friedrich NIETZSCHE nasceu na Prússia, no seio de uma família religiosa,
na qual o pai e seus tios eram Ministros da Igreja Luterana.
Órfão de pai ainda na primeira infância, NIETZSCHE foi criado pela mãe,
pela avó e pelas tias, mas nem essa presença feminina majoritária foi suficiente
para suavizar a sua Personalidade, cuja introspecção impediu que gozasse de
amizades e de convívio social.
Aluno brilhante, aos 24 anos de idade se tornou Professor na
Universidade de Basel, onde conheceu o compositor Richard Wagner (1813 – 1883, considerado
o maior compositor alemão) que influenciou decisivamente o seu Ideário,
até que o antissemitismo do maestro causasse o rompimento da amizade de ambos.
Em meados de 1870, NIETZSCHE contraiu difteria e depois da enfermidade
nunca mais recuperou a saúde completa. Por isso, teve que renunciar ao seu
cargo de Professor em 1879 e viajar por toda a Europa durante uma década em
busca de cura para seus males.
Em 1889, quando tentava evitar que um cavalo fosse chicoteado, desmaiou
em plena rua e sofreu um tipo de Colapso Mental que agravou seu estado e o
levou à morte, aos 55 anos de idade.
Contudo, antes do fim, NIETZSCHE legou ao Mundo um Sistema
Filosófico primoroso. Com ele, ideias que antes eram sequer
ventiladas, como a inexistência de Deus, por exemplo, ganharam um ordenamento
de tal profundidade e coerência que seguramente abriram o caminho para que,
entre outros, o Existencialismo vingasse pouco tempo depois.
Tais concepções foram expostas em seus vários livros e textos esparsos.
Em relação aos primeiros, citaremos a seguir, aqueles que são considerados suas
obras-chave. Em relação aos segundos, sugerimos a pesquisa e o estudo de suas
interpretações acerca dos Filósofos Pré Socráticos, pois ali estão concentrados
vários de seus princípios.
1.
O Nascimento da Tragédia, 1872.
2.
Assim falou Zaratustra, 1883 – 1885 (sobre o qual nos
debruçaremos com mais ênfase).
3.
Para Além do Bem e do Mal, 1886.
4.
Crepúsculo dos Ídolos, 1888.
Na sequência analisaremos os diversos temas que compõe o mosaico do Pensamento de NIETZSCHE.
Na Grécia clássica, Platão afirmava que o “Mundo
Verdadeiro” era o “Mundo das Ideias”, um “local” imaterial,
metafísico, onde estariam os “modelos” de todas as Coisas e
Seres que existem materialmente, e que, por isso, não passariam de meras e
grosseiras cópias imperfeitas daqueles moldes.
Esse Ideário, ao contrário do que acredita a maioria, não é de autoria
do Mestre grego. Sua origem remonta ao Hinduísmo, no qual Platão bebeu durante
suas viagens ao Sub Continente Indiano.
Mas, independentemente de qual seja a sua fonte original, o fato é que a
teoria ganhou adeptos e, com o tempo, o status de “Verdade Absoluta”. Principalmente
depois de ter sido encampada pelo Cristianismo, que a catapultou
para todo o Ocidente e fez da mesma a base de toda Cultura europeia e dos
territórios colonizados.
Desse modo, por milênios se acreditou que:
1.
O Cristianismo está correto quando diz que tudo neste Mundo (físico,
concreto, material) é menos importante que aquilo que está
no “Céu”, ou no “Mundo após a morte”.
2.
E também quando prega que devemos nos afastar do que parece importante
nesta vida e tentar transcendê-la através da negação da mesma. Ou seja, através
do ato de negar-se à satisfação dos desejos físicos (fome, sede, sexo,
luxo, dinheiro, conforto etc.).
Essas exortações ainda são repetidas com frequência em nossa época, tanto por motivos Católicos (e assemelhados), quanto Budistas (e assemelhados) e/ou Filosóficos (no campo da ética, patriotismo e outros semelhantes).
Triunfar sobre as necessidades e vontades do próprio corpo é um desejo
perseguido por vários Homens. Dos monges budistas e/ou hinduístas que fazem do
ascetismo um estilo de vida, até o Filósofo Schopenhauer, cujo Ideário (derivado das
“Upanishads” hindus) afirmava categoricamente
que:
“Querer” leva ao Sofrimento!
NOTA do AUTOR - a leitura de Schopenhauer
foi de fundamental importância para NIETZSCHE que lhe absorveu a Ideia, mas em
sentido contrário. Se para o outro o “Querer Viver” seria a causa primeira da
Dor, para NIETZSCHE era o motivo do prazer.
E é um ideal que recebe importantíssimo apoio de todos
aqueles que não querem dividir suas posses (Elites Social e
Financeira, Clero, Estados, Nobreza etc.) e alardeiam até o convencimento,
que a renúncia ascética é uma virtude que deve ser buscada pelos “puros”.
E os “puros” e aqueles realmente bem intencionados, não
hesitam em seguir tal publicidade, pois nela também está embutida uma promessa
que lhes é de suma importância: a esperança de que as suas mazelas
serão recompensadas, as injustiças que sofreram serão corrigidas e que, no
futuro, serão felizes.
Se no Presente o sufocamento dos desejos e das vontades os livra dos
padecimentos das frustrações advindas pela não consecução dos objetivos, a esperança
vindoura os inspira a suportar as injustiças, humilhações e penúrias que sofrem
no dia a dia sem se rebelarem. Ajuda-os a se conformarem em viver segundo “A
Moral do Escravo”.
Todavia, apesar do caráter hegemônico que a “Virtude da
Renúncia” desfrutava em todos os segmentos da Sociedade Cristã, a
partir do inicio do Iluminismo essa concepção começou a ser
questionada. E nos séculos seguintes, o avanço do Racionalismo tornou
tal questionamento cada vez mais agudo, pois já se duvidava com muito mais
frequência de uma Moral e de uma Ética cuja base era uma lenda mitológica, ou
seja, a Religião.
E esse movimento crítico, de crescimento regular e vigoroso, encontrou
em NIETZSCHE sua expressão mais erudita. Juntamente com inúmeros outros
Pensadores, ele Não podia permitir que Mitos e Fábulas fossem
consideradas “Verdades Inquestionáveis”.
Desse modo, graças à crescente validação do Pensamento Lógico e
Racional de Pensadores de seu quilate, em contraponto ao obscurantismo
das Mitologias e Religiões, pôde se decretar que: Deus
morreu!
NOTA do AUTOR – Observe-se que o Filósofo refere-se à morte das antigas normas,
regras, leis e valores que se apoiavam nas fábulas e nos mitos divinos.
Refere-se, pois, à morte do “Deus” inventado pelos Homens, pelas Religiões e
que era, como ainda é, um instrumento usado para controlar com ameaças de
“Castigo Eterno” aos insatisfeitos e contestadores e para dar esperanças de
“recompensas além-túmulo” aos “escravos", conformados em obedecer aos
ditames sociais; aos desvalidos, aos
fracos, aos injustiçados etc. Morreu o “Deus” que fora construído pela carência
humana em perpétua necessidade de ilusão como contraponto à crueza da vida.
Morreu o “Deus” que não resistiu à lúcida coragem dos que não hesitaram em
pensar com a Verdade da lógica racional.
O Homem é uma corda estendida entre o
animal e o Super-Homem. Uma corda sobre o abismo.
“Assim falou Zaratustra” o seu livro
mais afamado.
A tese nietzschiana de que o Homem é “algo a ser superado” foi
apresentada pelo Filósofo em sua obra mais afamada, Assim Falou
Zaratustra, o qual foi escrito em três partes distintas durante
os anos de 1883 e 1884 e mais um apêndice redigido em 885.
Foi escrita rapidamente, sendo, por exemplo, que a conclusão da primeira
parte não custou mais que alguns dias. E mesmo com essa ligeireza, o Filósofo
obteve êxito ao conseguir expor sua teoria desafiadora com clareza e
consistência.
E muito contribuiu para esse sucesso o recurso de romancear o texto
filosófico. Ao se utilizar dessa prerrogativa, NIETZSCHE conseguiu dar um “rosto” ao
que seria apenas abstrato e, por isso, de difícil compreensão.
NIETZSCHE a usou para lançar uma censura vigorosa contra o modo de
pensar tradicional e, principalmente, contra as seguintes concepções:
1.
A noção que temos do Homem, ou da Natureza Humana.
2.
A ideia que fazemos de Deus.
3.
As ideias que concebemos acerca da Ética e da Moral.
Noutro livro, o Pensador já havia afirmado que se deveria “Filosofar com um martelo” numa clara alusão à necessidade de estilhaçar as antigas ideias filosóficas, especialmente em relação àquelas citadas acima.
E, com efeito, em Assim Falou Zaratustra ele foi
contundente em suas criticas, as quais se revestiram de seu estilo impetuoso e
febril para ganhar maior ressonância. Aliás, tal foi o rigor empregado que para
muitos as suas afirmativas aproximavam-se mais de Profecias do
que da Filosofia, propriamente dita.
Zaratustra inicia sua Pregação.
Zaratustra é um nome alternativo dado ao profeta Zoroastro.
Nascido na Pérsia, atual Iraque, em c. 628 – 551 a. C. ele foi o fundador
do Zoroastrismo que ainda hoje se constitui como sólida
religião. A ideia central da mesma é a luta entre o BEM e o MAL, mas o “Zaratustra de
NIETZSCHE” coloca-se para “além do BEM e do Mal”,
posto que já ultrapassasse as concepções puramente arbitrárias do que
significariam tais conceitos.
A escolha desse nome para a personagem não foi aleatória, ficando clara
a ironia de NIETZSCHE, já que ele não concordava com a crença em que se
despreza a relatividade do Bem e do Mal.
O relato se inicia contando que aos trinta anos, o Profeta se muda para
o alto de uma montanha onde por uma década vive em completa solidão, até que em
certa manhã acorda sentindo-se cansado pelo acúmulo de Sabedoria que o retiro
lhe proporcionou. Decide, então, voltar ao convívio humano para compartilhar o
seu Saber com a Humanidade.
No sopé da montanha encontra-se com um velho eremita e reconhece que já
estiveram juntos há dez anos, quando de sua subida. O ermitão observa as
mudanças que Zaratustra sofreu com o tempo e simbolicamente lhe diz que quando
o viu subir ele só carregava “Cinzas (aludindo aos antigos
conceitos)” e que agora o vê portando “Fogo (em alusão à chama, à
luz, à energia das novas concepções)”.
Na sequência, o velho lhe pergunta por que ele se dará ao trabalho de
compartilhar com os demais a sapiência que arduamente conquistou? E não satisfeito,
aconselha-o a ficar nas montanhas, já que os Homens não conseguirão (talvez nem
desejem) entender a sua mensagem.
Ao lhe responder Zaratustra questiona a validade da vida que o eremita
leva e ao saber que ele se limita a cantar, a rir, a chorar e a louvar a Deus
põe-se a rir, pois seria inútil debater com o mesmo. E, enquanto avança, repete
consigo mesmo: como é possível que esse eremita ainda não tenha
sabido que Deus morreu?
A Morte de Deus e o descrédito do
Público.
Essa afirmativa sobre “a morte de Deus”, como se pode
imaginar, causou um enorme rebuliço entre a Intelectualidade e, mais ainda,
entre o populacho insuflado pelo Clero.
Afinal, à época, a simples dúvida acerca da existência Divina era
considerada não só uma blasfêmia, mais um verdadeiro crime. Até Filósofos Racionalistas
do quilate de Descartes, por exemplo, não ousavam pensar que Deus
inexistisse.
É claro que NIETZSCHE não era o único que negava a existência do “Ser
Supremo”, ou melhor, do “Ser Supremo” tal como era
apresentado pelas Religiões e pelas velhas concepções filosóficas. Muitos
outros partilhavam dessa negação, mas foi NIETZSCHE quem assumiu o ônus de
fazer tal declaração publicamente. E a rejeição que ele enfrentou foi
pesadíssima, como, aliás, ainda hoje é. Por muito tempo o vocábulo em
latim “niilismo”, por exemplo, que significa a descrença em tudo,
foi associado com falta de caráter.
Mas não obstante a rejeição, ou talvez pela mesma, o fato é que sua
teoria ganhou adeptos e se tornou a mais famosa do Pensador. A ela, claro, está
visceralmente ligada a noção de que o Homem é “algo a ser superado”,
com as indefectíveis alterações que isso causaria nos códigos Morais da
Sociedade.
E tanto essa superação, quanto as alterações nos Valores Morais são os
assuntos que ocupam as reflexões de Zaratustra enquanto ele prossegue seu
caminho.
Ao chegar a uma cidade, tal ligação se torna mais explícita como se pode
observar quando ele vê que uma multidão assiste à exibição de um acrobata que
anda em uma corda bamba.
Juntando-se ao povo, o Profeta fala antes que o artista inicie seu
espetáculo: “vejam, vou ensiná-los o que é o Super-Homem” na
tentativa de lhes explicar a sua ideia de que o Homem é capaz de ir além, de se
superar. Mas, como resposta, o público limita-se a rir de sua arenga imaginando
que ele fizesse parte do show.
NOTA do AUTOR – a advertência do eremita aqui já começa a se concretizar. Observe-se a
elegância do estilo de NIETZSCHE ao expor a dificuldade do populacho em se libertar
dos protótipos de comportamento.
E fazer parte de um show, ser um superficial “showman” não era uma preocupação apenas da
personagem, pois NIETZSCHE deixa claro sua apreensão sobre a forma como seu
livro será recebido, pois teme ser visto como alguém raso, sem erudição e sem
conteúdo.
Subvertendo Antigos Valores
NIETZSCHE acreditava que algumas ideias tornaram-se visceralmente
ligadas, como, por exemplo, a de “Deus e Humanidade” entre
outras.
NOTA do AUTOR – um claro exemplo dessa associação pode ser visto naquilo que NIETZSCHE
expressou como “Humano, demasiado
humano”.
Segundo o Filósofo o Homem cria alguns Valores e algumas afirmativas, como o de que “Somos todos
irmãos”, “Deus é Pai”, a Abnegação, a Bondade etc. e com o correr do tempo
esquece-se que os criou. Uma vez que a origem foi esquecida, tais Valores
passam a ser creditados a Deus, como se Ele os tivesse estabelecido; porém, os mesmos são apenas criações “humanas, demasiadamente
humanas”.
Destarte, quando afirmou através de sua personagem, Zaratustra,
que “Deus Morreu!” ele não atacou apenas a Religião, mas
também ao conjunto de Valores que julgamos mais “Sublimes”, tais
como, os que citamos acima.
A “morte de Deus” não seria apenas o falecimento de uma
divindade, mas o fim de todos os “Valores Sublimes” que
herdamos.
E essa censura, esse ataque, atendeu a um dos objetivos centrais da
Filosofia nietzschiana que é o de reavaliar os Padrões e Valores. Reavaliar
a importância efetiva de cada um, questionando todas as maneiras habituais de
Pensar sobre a Ética, sobre a Moral e sobre o Sentido, ou o Significado prático
da própria vida.
Ao fazer tal proposta, o Filósofo insistia que estava inaugurando
uma “Filosofia da Alegria”, que visava justamente afirmar e
confirmar a grandeza da vida presente. Da vida que se vive aqui e agora.
Para ele, muitas das coisas que julgamos “boas”, na
verdade, são apenas maneiras de limitar o acesso das pessoas aos
prazeres do Mundo físico. Criar regras para disciplinar à vida sexual é um
claro exemplo disso. Evitar extravasar-se em público porque não seria de
bom-tom é outro, ou, então, sujeitar-se a empregos tediosos apenas porque se
julga que “é um dever”.
A proposta de NIETZSCHE é justamente a de se confrontar essas “Filosofias
que negam a vida” e que em contrapartida ofertam a esperança de sermos
reconhecidos no “outro Mundo”, ou como “mártir abnegado
neste mesmo”.
Blasfemando contra a Vida
NIETZSCHE recorre ao vocabulário religioso para dele pinçar o
termo “blasfêmia” que normalmente é usado contra aqueles que
rejeitam os cânones litúrgicos.
Vocábulo que com ele, claro, ganha outro significado; e com
esse sentido oposto, blasfemo passa a ser a denominação de
todos que “negam a Vida”, ie, que negam os desejos, as vontades que
o Homem naturalmente possui e que sufoca por pressão das normas e regras
ditadas por terceiros.Pelas convenções e tratativas estipuladas por outros, que
assim o controlam com a “ameaça do Castigo Eterno” ou com
a “recompensa além-túmulo”.
Por isso, vemos que depois de proclamar a vinda do Super-Homem, Zaratustra
passa a condenar a Religião, especialmente o Cristianismo.
NOTA do AUTOR – o decantado Super-Homem seria alguém dotado de enorme poder e
independência mental e corporal. Capaz de se libertar das amarras criadas pelas
fábulas Divinas, Celestes e de ter a coragem de celebrar a Vida, fazendo-a
conforme os seus desejos. NIETZSCHE nega que tal personagem tenha existido, mas
citou Sócrates, Napoleão Bonaparte, Shakespeare como modelos.
Segundo ele, no Passado, a “maior blasfêmia” era contra
Deus, mas doravante seria contra a Vida.
Este, aliás, Zaratustra reconhece, foi o seu maior erro. Não deveria
ter-se isolado na Montanha para oferecer intermináveis preces a um Deus que não
existe. Ali, ele, Zaratustra, pecou contra a Vida.
O Mundo Real
No Ensaio “Como o Mundo Verdadeiro se tornou finalmente fábula”,
publicado no livro “O Crepúsculo dos Deuses”, NIETZSCHE faz nova
alusão à “morte de Deus”.
Neste Ensaio, cujo subtítulo é “A História de um Erro”, ele
faz um resumo da História da Filosofia Ocidental e aponta a fábula Celeste
e Divina – iniciada por uma leitura errada de Platão – como a
causadora da perda de nossa noção sobre a grandeza do Mundo Real (ou físico, concreto,
material).
Como se sabe, Platão dividia o Mundo (aqui entendido em
seu sentido amplo e não apenas como o Planeta Terra) em “Aparente” que
é o Mundo físico, concreto, que nós captamos através dos Sentidos (tato, visão,
audição, paladar e olfato); e o Mundo Real ao
qual só temos acesso parcial através do Intelecto, das
reflexões, do pensamento.
O “Mundo das Aparências” não é Real,
Verdadeiro, porque está sujeito a constantes transformações e a ter um fim.
O “Mundo Real”, ao contrário, é Eterno,
Infindável, Imutável.
Essa conclusão, o sábio grego extraiu de suas observações sobre a
Matemática. Mais precisamente de seus estudos sobre a Geometria, onde ele observou,
por exemplo, que a forma, ou o formato de um Triângulo é sempre igual. Ele é,
sempre foi e sempre será idêntico.
Perpetuamente inalterável, independentemente de seu tamanho, do material
de que foi feito, do fato de ser bi dimensional (desenhado, apenas) ou tri dimensional (esculpido), de sua utilidade,
de sua cor etc.
Através de nossa capacidade mental sabemos que ele é composto por três
lados, que a soma de seus ângulos será sempre 180º etc. mesmo que ele não esteja
sendo observado ou captado por alguém.
A “Ideia Triângulo” existe independentemente de ser
captada, ou não.
Essa tese de Platão tornou-se universalmente aceita e o conceito permeou
a Filosofia por milênios, ganhando inclusive outros nomes, como “a
coisa em si” ou o “númeno” de Kant, ou a “Essência”,
ou a “Substância” etc.
E mesmo a célebre divergência havida entre ele e o seu discípulo
Aristóteles não passou de uma querela acerca da “localização” desse “Mundo
das Ideias”.
Para o Mestre, essas “Ideias, ou Modelos, ou Paradigmas, ou
Padrões etc.” estavam em um “espaço imaterial, metafísico”,
enquanto que para o aluno, a “Ideia” estaria na própria Coisa,
ou Ser a quem anima, dá vida. Como se fosse a sua “alma, ou espírito”.
Através dos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e
olfato) nós captamos “As coisas triangulares”, ou seja, os
objetos que tem naturalmente a forma triangular, ou que são fabricados com esse
formato (a pirâmide, a flâmula etc.).
Essas “coisas triangulares”, além de suas utilidades
práticas, também são úteis para que nós possamos ter um vislumbre – mesmo que
opaco – da “Ideia Triângulo”.
Afinal, por uma característica de nossa capacidade mental, nós
necessitamos de um ponto inicial, de uma base, para
entendermos qualquer coisa abstrata, imaterial.
Destarte, se quisermos conhecer, por exemplo, a “Bondade” nós
precisaremos formar na Mente um esboço dessa substância. Mas como não conseguimos
formar qualquer ideia a partir do nada, recorremos aos “atos, ou
ações de bondade” para termos uma noção – mesmo que desfocada – daquela
essência.
É claro que tais visões não são perfeitas e tampouco nos mostram o “Mundo
Verdadeiro”.
E justamente por reconhecer que a visão que podemos ter do “Mundo
Real” é limitada, que o próprio Platão já alertava
para sua limitação, esclarecendo que sua proposta foi a de explicar o surgimento
das Coisas, dos Seres e o porquê de haver entre os indivíduos da mesma classe,
ou categoria, uma característica comum, malgrado as diferenças individuais,
pessoais.
E que nunca teve a intenção que a sua magistral concepção fosse aviltada
e apequenada a ponto de servir de fundamento para uma crença mitológica.
Mas os Homens assim o fizeram, tanto por falta de escrúpulos, quanto por
falta de erudição, de conhecimento. E a grandeza do Platonismo acabou
servindo como base para a ideologia de uma seita que, lembremos, surgiu após
dois milênios da vida do Mestre helênico.
NOTA do AUTOR – para expor essa teoria, Platão escreveu uma fábula “O Mito da Caverna” que é, seguramente, o
melhor texto filosófico já produzido e uma das mais belas páginas da Literatura
Universal. Aos
interessados recomendo a obra de minha autoria “Filosofia Sem Mistérios – Dicionário Sintético”- Ed. Seven System
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Contudo, nem só de falcatruas foi o uso dado ao Ideário
Platônico, pois sua teoria serviu para o desenvolvimento de muitas teses
filosóficas sérias, inclusive por ser contestada em algumas.
NIETZSCHE não se enquadra entre esses Filósofos que a contestaram
enquanto Filosofia. Sua rejeição focava o mau uso que dela foi feito. Sua luta
foi contra o Cristianismo, em suas diversas correntes.
E sua batalha ganhou destaque graças ao furor de sua pena que expôs
magistralmente seus argumentos apropriados, profundos e contundentes.
Ao contrário de muitos, ele não tentou se acomodar ao “status
quo”, não se submeteu a uma “aliança com o Cristianismo”.
Ele o rejeitou com sincera e inédita transparência e isso lhe custou
ácidas criticas em seu tempo e quase que um anátema entre o populacho dos
tempos de hoje, que não hesitam em lhe associar com “as artes
diabólicas”.
Mas é claro que para indivíduos de seu quilate, criticas desse teor são
insignificantes e ele prosseguiu com sua afirmativa de que se elevar o “Mundo
Real” ao patamar de Suprassumo, enquanto se rebaixa
o “Mundo Físico, Concreto” a um “vale de lágrimas” é
um desserviço que se presta ao Homem, fazendo com que ele creia em Valores errados,
como o da resignação covarde, da submissão medrosa, do ascetismo sem sentido,
da tola ilusão em miragens e quimeras etc.
Valores Cristãos
Quando NIETZSCHE dividiu o Mundo entre “Real” e “Aparente” usou
para tanto a apropriação equivocada que o Cristianismo fizera do Platonismo.
Por isso, para ele, os Valores Cristãos eram equivocados.
Em lugar do “Mundo Real das Formas”, de Platão,
os cristãos criaram um “Mundo Real Alternativo”. Um “Paraíso,
um Céu”, que se promete aos que praticam os atos, ou as ações, considerados arbitrariamente como
virtuosos.
Restando ao “Mundo presente, físico, concreto” o papel secundário
de ser uma "escada" que os "Virtuosos" subiriam se houvessem obedecido aos Valores
Cristãos.
Ao invés da inacessibilidade do “Mundo Real” de Platão,
o “Paraíso Celeste” seria alcançável, mas apenas após a morte
e desde que o indivíduo seguisse as regras cristãs.
NOTA do AUTOR – e como defender o acerto e a correção dessas regras e desses valores?
O quê dizer, por exemplo, da absolvição dada aos exploradores europeus pelos
genocídios e pela escravidão a que sujeitavam os nativos colonizados, desde que
os mesmos fossem executados e/ou escravizados em sincronia com a “pregação do
Sagrado Evangelho”?
Tal qual o “Direito Divino” que legitimava alguns indivíduos como
Governantes de povos e de nações, as tais “Regras Cristãs” eram consideradas de
autoria do próprio Deus (quer através das
“Tábuas de Lei” que Moises teria recebido no Monte Sinai, quer por intermédio
de outras revelações que variados “Profetas” ou “Santos” teriam recebidos) e, portanto, inquestionáveis (sic).
É claro que tal justificativa só é aceitável aos humildes de
inteligência ou indolentes de alma, pois qualquer raciocínio mediano a
classifica como absolutamente ridícula.
Contudo, esse comportamento ridículo foi generalizado e ainda hoje
permeia grande parte da ideologia social. Pensadores como NIETZSCHE insistem no
bom combate para exterminá-lo, mas é uma ideia tão introjetada que os resultados
são muito menores que os desejados.
E essa condição de "simples degrau, ou escada" corrobora
o desprezo que os cristãos dedicam às Coisas, aos Seres, aos Fatos físicos,
mundanos e reafirma o apelo para reneguemos a Vida (ie, os desejos, as
inclinações naturais do Homem) em favor das Promessas que se “realizarão” no
além-túmulo.
A noção de que tudo que é valoroso é inalcançável
neste Mundo, nesta Vida, faz com que reneguemos intimamente, ou explicitamente,
todas as conquistas mundanas que obtemos. Inclusive aquelas que demandaram
esforço ético e valido para acontecerem e que por isso deveriam, sim, serem
apropriadamente valorizadas.
O resultado desse modo de pensar é a consideração de que devemos renegar
e/ou desdenhar as nossas próprias ideias, vontades, habilidades, capacidades
etc. E que devemos nos afastar e, se possível, transcender, ultrapassar, a vida
que vivemos.
Porém, ao pensarmos e agirmos dessa maneira passamos a viver em função
de uma simples quimera, de uma mera ilusão. Em função de um mito que criou
um “Mundo Real”, que, na verdade, é imaginário, ilusório.
Em razão de todas essas colocações, NIETZSCHE chama os Padres, Pastores,
Ministros e outros religiosos – especialmente os cristãos – de “Pregadores
da Morte”, porque os seus ensinamentos nos induzem a abandonar a
Vida (não necessariamente cometendo suicídio, mas abandonando as Coisas da
vida que, ao cabo, são as nossas características mais básicas) ao fazerem “publicidade
das recompensas” no Além.
Assim, ao invés de saborearmos os prazeres que o Mundo pode nos oferecer
em repetidas ocasiões (em um Eterno Retorno , pois segundo o
Filósofo “o que acontece uma
vez, acontece mil vezes”, como num lauto banquete em que os acepipes se sucedem) deixamos de
fazer o que seria necessário para desfrutarmos dos mesmos e optamos pela
inércia e pela espera dos “Prazeres Celestes” que o Futuro nos
reservaria.
Ao invés de construirmos a Felicidade, optamos por deixar “a
vida passar”, na esperança de que ela nos aguarda no Futuro se formos
passivos e obedientes. Se negarmos a nossa Vontade de Potência,
ie, a nossa Vontade, o nosso desejo de exercer o poder, ou o potencial que
temos.
Um Mundo Além do Alcance
Não é raro que se pergunte o porquê NIETZSCHE insistia com sua tese
provocativa de que “Deus Morreu”, quando sabia o potencial de
irritabilidade que ela continha.
A resposta, talvez, seja essa última parte. Era, sim, o seu desejo,
causar tal celeuma para que o abalo balançasse a estrutura vetusta em que o
Pensamento estava acomodado, mesmo que isso lhe causasse sérios prejuízos.
Antes de considerarmos tal desejo um gesto heroico, será mais prudente
olharmos apenas como um gesto de quem é coerente com suas convicções.
E para que possamos entender melhor tais convicções será oportuno
recuarmos no tempo e estudar a Filosofia de Kant (Immanuel,
1724 – 1804), cujas ideias são fundamentais para se compreender a teoria de
Friedrich.
Como é sabido, os estudos kantianos focavam a questão
relativa aos limites possíveis para o Conhecimento humano.
Em sua obra mais célebre “A Critica da Razão Pura” ele
argumenta que não conseguimos conhecer, captar, apreender “o Mundo como
ele é em si”. Só conseguimos captar “o seu corpo físico, material”,
mas não “a sua alma, sua essência”.
Nós Não podemos alcançá-lo nem
mesmo através do Intelecto, da inteligência, do raciocínio, ao
contrário do que Platão acreditava. Tampouco podemos atingi-lo
através de ações virtuosas ou pela Graça
divina como os Religiosos prometem.
Para Kant, o Mundo Real existe efetivamente,
mas está absoluta e definitivamente além
do nosso alcance.
NOTA do AUTOR – os argumentos de
Kant para chegar a essas conclusões são complexos e não serão discutidos aqui. Aos
interessados recomendo a obra de minha autoria “Filosofia Sem Mistérios –
Dicionário Sintético”- Ed. Seven System – Biblioteca 24x7. Acesse-o em: www.fabiorenatovillela.blogspot.com
NIETZSCHE utilizou-se, pois, da tese kantiana para concluir que se
o “Mundo Real” é de fato absolutamente inatingível em Vida e
Após da Morte, ele não passaria, em verdade, de “uma concepção inútil”.
De uma “ideia supérflua”.
Logo, é uma noção que deve ser descartada. Pode-se dizer que se “Deus está morto”, NIETZSCHE topou com
o cadáver.
NOTA do AUTOR – é oportuno notar que “no cadáver divino” estariam as impressões
digitais de Kant, o verdadeiro autor do deicídio. Afinal, tê-lo recoberto com a manta da
completa inacessibilidade foi equivalente a suprimi-lo da vida do Homem.
O Erro mais Duradouro
Para NIETZSCHE o equivoco mais persistente em todo Pensamento Humano –
tanto filosófico, quanto religioso – é a separação que se pretende entre
o “Mundo Real” e o “Mundo Aparente”.
Para ele, se renunciarmos à ideia de “Mundo Real”, o quê
sobrará? O “Mundo Aparente”? Não! Nem este restaria.
No texto de sua autoria “Como o Mundo Verdadeiro se tornou
finalmente fábula” ele avançou na questão e propôs que em tal renúncia
se iniciaria o fim deste “erro estúpido”.
Ao enxergarmos a desnecessidade, talvez a incoerência de insistir na
separação de “Essência ou Realidade” e “Aparência”, certamente
atingiríamos o zênite do Pensar Humano. Atingiríamos, pois, o ponto mais alto
da Filosofia.
Esse é, portanto, um ponto-chave para NIETZSCHE, pois, segundo ele,
quando compreendermos que existe apenas um Mundo nós
corrigiremos o erro de transferir os nossos melhores valores e atributos para
um “Além” imaginário.
Após termos compreendido que só há um Mundo, seremos forçados a rever
nossos valores e até o significado do que seja Ser um Homem, um Ser Humano.
Então, se o próprio significado do que é SER Humano pode ser modificado,
fica claro o quanto é possível que o Homem possa ser superado; ou melhor,
o quanto ele pode se superar. O quanto é possível que exista o Super-Homem.
E esse Super-Homem, na visão de NIETZSCHE é um novo modo de ser, de
existir, cuja característica fundamental á a “Afirmação da Vida”; ie,
o individuo que se utiliza de seu poder pessoal, de suas habilidades,
capacidades e possibilidades para fazer a vida atender aos seus interesses e
satisfazer os seus desejos e vontades.
É, ao cabo, o sujeito que consegue dar um Sentido à sua existência. O “Sentido
da Terra”.
NOTA do AUTOR – ao leitor (a) não passou despercebido que o Monismo pregado por
NIETZSCHE não lhe é original. Desde os Pré-Socráticos que se discute a
Pluralidade versus a Unicidade, mas ele soube com maestria beber na fonte de Kant e na de Hegel para compor a sua teoria. Kant, ao propor a inacessibilidade absoluta ao
Mundo das Essências deu-lhe o aval necessário para que ele decretasse a
inutilidade do mesmo para a vida humana. Enquanto que de Hegel ele aproveitou o
Movimento Dialético (tese – antítese = síntese) para explicar o movimento de
ascensão que pode levar o simples humano ao estágio de Super-Homem.
NOTA do AUTOR – quando se fala em “desejos”, “Vontades” do Homem nietzschiano não se
quer dizer de “desejos ou vontades” vulgares, inferiores. Embora não se possam
excluir totalmente as mesmas, deve-se pensar que, também, podem ser as de cunho
superior, éticas, pois ambas fazem parte da vida e, ademais, classificar umas e
outras como superiores ou inferiores não deixa de ser um mero exercício de
conceituação calcado em ideias oriundas da Religião e das antigas concepções
sociais. Um atentado contra o relativismo ocasionado pelas condições que presidem
as vidas individuais e das próprias sociedades.
Criando a Nós Mesmos
NIETZSCHE não alcançou em vida sucesso com o público. E mesmo entre a
Intelectualidade a dureza de seu Pensamento radical causou mais desconforto que
aceitação.
Essa rejeição, inclusive, levou-o a ter que arcar com as despesas de
publicação de seus livros, pois não encontrou Editores que o bancassem.
Porém, após a sua morte a admiração foi acontecendo progressiva e
continuamente até que na década de 1930 o seu conceito de “Super-Homem” acabou
sendo encampado pelos Nazistas que passaram a lhe citar em sua retórica
oficial, por ordem do próprio Hitler que se lhe tornara um leitor fiel.
Seu Ideário, particularmente no trecho em que apela pela erradicação da
Moral Judaico-Cristã que dominava a Europa, soava-lhes como se fosse uma
legitimação do Sistema nazifascista.
É claro que essa legitimização decorreu apenas da má compreensão – por
falta de escrúpulos, ou de bom entendimento – das ideias nietzschianas, haja
vista que a proposta original do Pensador era justamente o contrário. Era em
favor de se resgatar, ou de se retornar, aos valores mais rústicos, físicos,
estimulantes que haviam vigorado na Europa pré- cristã.
Segundo a maioria dos estudiosos, Hitler manipulou os textos e os Pensamentos
de NIETZSCHE para que parecessem advogar o uso indiscriminado da violência
generalizada, da discriminação, da eugenia, enquanto glorificavam a “Superioridade
Ariana”.
É consenso, aliás, entre esses mesmos estudiosos que o próprio NIETZSCHE
teria ficado horrorizado com essa distorção, até porque a sua Filosofia censurava
vigorosamente aqueles Valores que os totalitaristas defendiam: o
Patriotismo, o Nacionalismo exacerbado, a Segregação, a
Religiosidade torta, a expansão colonial e outras tantas
teses que eram caras aos “donos do Poder”.
NIETZSCHE, na realidade, foi um dos poucos Pensadores que desafiou tais
Conceitos e Ideologias e, por ironia da História, foi um dos mais usados para
dar credibilidade a tais absurdos.
Justo ele, que em um trecho de “Assim Falou Zaratustra” deixou
de forma claríssima a sua opinião contrária ao Nacionalismo, quando o taxou de uma “forma
de alienação e fracasso”. Justo ele que havia alertado que “apenas
onde o Estado termina, começa o Ser Humano que Não é supérfluo”.
Contudo, apesar de todas as evidências de sua rejeição a qualquer forma
de Totalitarismo e de intolerância de cunho étnico ou social, ainda hoje essa
nódoa persiste em sua memória e não é incomum que lhe sejam assacadas injúrias
por conta dessa suposta associação; que, se houve, foi totalmente à
sua revelia e sem o seu conhecimento, pois, a aproximação de seu
Pensamento com a manipulação nazista aconteceu graças à sua irmã, Elisabeth (ela sim uma
antissemita convicta) que se aproveitou de sua posição de guardiã da obra nietzschiana,
após o Filósofo ter adoecido, para repassá-la ao Regime.
Todavia, nem essa mancha foi capaz de ofuscar totalmente o brilho de sua
Filosofia. A sua noção sobre a ilimitada possibilidade do Homem foi importante
para a constituição de vários Sistemas Filosóficos que vicejaram depois da 2ª
Guerra e as suas Ideias acerca da Religião* e sobre a importância da
autoavaliaçao foram decisivas nos Pensares de vários Filósofos
Existencialistas, como, por exemplo, SARTRE, que, aliás,
parafraseou o “Super-Homem” ao afirmar que “cada um de
nós deve definir o significado da própria existência”.
NOTA do AUTOR – acerca da Religião é interessante observar um fenômeno dos nossos
dias. As religiões evangélicas, principalmente através dos “Tele-Pastores”,
aproximaram-se muito das Ideias do Filósofo ao proporem que se “exija de Deus”
benefícios e alegrias materiais para agora, para esta vida e não mais, como no
antigo Catolicismo, para a “Vida no além”. Há quase um consenso entre eles que
os Fiéis devem buscar a realização material e a satisfação dos desejos no
momento atual e rejeitarem a espera por recompensas celestes. É claro que tais
desejos e vontades passam pelos filtros das Moralidades que pregam, mas os
mesmos não são essencialmente diferentes daqueles que NIETZSCHE pregava.
Ironicamente a Religião se apoiou em um de seus mais ardorosos críticos para
consolidar seu crescimento.
Mas não só a Filosofia se beneficiou de suas Ideias, pois outros campos
da Cultura herdaram suas visões criticas contra as tradições equivocadas do
Ocidente e, com isso, puderam ousar novas Estéticas e novas Linguagens.
Assim, por tudo, NIETZSCHE se tornou uma estrela de primeira grandeza na
constelação do Saber Humano e compreender as suas teses é vislumbrar um Futuro mais
livre, justo, criativo e, talvez, mais feliz para o Homem.
São Paulo, 17 de agosto de 2012.
Digitado por Taisinha em Porto Alegre.
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