sábado, 30 de junho de 2012

Hajime TANABE - Filósofos Modernos e Contemporâneos


TANABE, Hajime
1885 – 1962
Antes de Filosofar é preciso confessar.

Hajime TANABE nasceu em Tóquio, Japão, em fins do século XIX. Essa relativa antiguidade e o fato dele ser um Filósofo oriental despertam a princípio certo estranhamento sobre o motivo de esse Pensador figurar no âmbito da Filosofia Ocidental e Contemporânea.

Mas essa estranheza logo se dissipa ao se observar o quão atual e ajustada é a sua Tese aos nossos dias e ao fato de que as barreiras geográficas perderam importância graças às possibilidades de troca de informações instantâneas.

No desenrolar desse Ensaio veremos que seu Pensamento se alia a tantos outros na eterna busca por respostas que move o Homem; e que vale à pena conhecê-lo, ainda que seu prestígio não tenha se espalhado como o de outros em nosso país.

Depois de estudar na Universidade, TANABE foi nomeado Professor Associado de Filosofia, na Universidade de Kyoto (a ex-capital japonesa) e ali se tornou um membro ativo do Movimento intitulado “Escola de Filosofia de Kyoto”, que trouxe novos Ares ao Pensamento tradicional japonês.

Na década de 1920, esteve por algum tempo na Alemanha estudando com os Filósofos Edmund Husserl e Martin Heidegger. Ao regressar, assumiu o cargo de Professor Pleno, mas a eclosão da 2ª Guerra o afetou profundamente e logo após a rendição do Japão ele se aposentou da vida acadêmica.

Um ano depois, em 1946, publicou sua obra “chave” intitulada de “Filosofia como Metanoética” e daí em adiante, dedicou-se à reflexão, ao estudo e à produção de textos filosóficos até que veio a falecer de causas naturais.

Sabe-se que questões como “ignorância”, “salvação” e “confissão” sempre frequentaram os estudos e as reflexões filosóficas de todos os tempos. Já na Grécia Clássica, após ter sido apontado pelo Oráculo de Delfos como o Homem mais sábio do Mundo, Sócrates tentou convencer seus pares do equívoco, mas em vão. Após inúmeras tentativas inúteis, ele acabou aceitando o epíteto, mas apenas por ser capaz de reconhecer a própria ignorância. Foi então que disse a célebre frase “Só sei que nada sei”.

Posteriormente, no século IV d.C., Santo Agostinho escreveu “As Confissões”, que pode ser considerada sua autobiografia. Nela, ele “confessa” seus erros, em meio a outras reflexões filosóficas.

No Oriente, o monge budista Shinran afirmava que a “Salvação (no sentido de iluminação, de salvação das trevas da ignorância) só é possível por meio de “Outro Poder”.

Enquanto isso, Heidegger afirmava que a Filosofia é essencialmente uma questão sobre como nos relacionamos com o “nosso eu”. Com o nosso “próprio existir”.

A soma dessas variáveis, concordes ou discordes entre si, forma um conjunto que se abriga no campo da Ética. E foram os valores éticos que formataram o Ideário de TANABE, cuja influência recebida dos Eruditos citados é patente. Abaixo poderemos observar o resumo de seu Sistema:

1 – Para um problema pertencer à Filosofia é preciso que nele exista algo inconcebível, impensável.
2 – Pois a Filosofia é justamente a ação de se fazer as “Perguntas mais profundas sobre a vida”.
3 – Contudo, antes é preciso admitir que a nossa capacidade intelectual é limitada e que Não sabemos as respostas.
4 – É preciso, portanto, confessar a nossa limitação e a nossa ignorância.

Essa ideia sobre a necessidade de “confessar a ignorância e a limitação” pode parecer estranha, mas é uma noçao que Hajime insiste em considerar. E para melhor entendermos seu ponto de vista precisaremos examinar as raízes de sua Filosofia, tanto em sua tradição europeia, quanto japonesa.

Com referência à primeira, a europeia, vemos que TANABE remontou seu Pensamento à Grécia Antiga e, como já citamos, ao Filósofo Sócrates, que “confessou” “só saber que nada sabia”. Já as raízes japonesas de seu Ideário remontam ao monge budista Shinran, da Corrente filosófica “Terra Pura”.

Embora fosse fiel aos cânones de sua Escola de Pensamento, Shinran inovou ao afirmar que a “Iluminação (ie, a elevação mental, espiritual)É impossível se confiarmos apenas em nossa própria capacidade. Em nosso próprio poder. Em invés disso devemos sempre “confessar” as nossas limitações e a nossa ignorância de modo a estarmos abertos e receptivos ao que ele chamava de Tariki*, ou “Outro Poder”, que no contexto da “Terra Pura” é o Poder do Buda Amitabha**.

*Tariki – é um nome que também foi adotado e largamente utilizado por TANABE, em seus escritos.

** Buda Amitabha – é um dos cinco Budas (representados por estatuetas) que são cultuados pelos adeptos. Amitabha é o principal da “Família de Lótus” e representa a Sabedoria discriminativa. É especialmente comprometido com a “iluminação” do Homem.

Desse modo, viu-se que a concepção de “Confissão ou de Admissão de ignorância e/ou limitação” sempre foi assaz importante no conjunto de Pensamentos que chegaram a TANABE.

A “confissão” leva ao reconhecimento do “Nada Absoluto”, que, ao cabo, conduz ao próprio despertar e à Sabedoria que disso resulta. Ou seja, ao reconhecermos que estamos despidos de qualquer saber, somos estimulados a buscá-lo até que efetivamente o alcancemos.

Destarte, para o Pensador, a Filosofia NÃO é o ato de investigar/discutir as noções, as assertivas (falsas ou verdadeiras) a Lógica, a Metafísica, a Beleza e os outros assuntos que tradicionalmente são abarcados pela disciplina.

Não é uma “Disciplina Mental, Intelectual”, mas é sim, algo muito mais fundamental, básico. É um Processo para se relacionar no sentido mais amplo possível com o “próprio eu”.

NOTA do AUTOR – nesse trecho fica clara a influência de Heidegger sobre o Ideário de TANABE, haja vista ser de sua autoria essa concepção.

TANABE acreditava que apenas pela “Confissão” é que podemos descobrir o nosso “eu verdadeiro”, pois aquilo que nós imaginamos ser não passa de um amontoado de conceitos alheios que nos foram dados. Para ele é preciso “admitir o nosso vazio” para nos vermos em essência.

Para descrever esse “Processo de Redescoberta do Eu”, Hajime usou termos religiosos em uma feliz analogia com a morte e a ressurreição pregada pelas Igrejas. Morte e ressurreição da Mente através do “Outro Poder (aqui a figura religiosa representa o poder do Raciocínio, exercido sem as amarras dos preconceitos e prejulgamentos que foram abandonados quanto ‘confessamos’ a sua inutilidade). A passagem da “visão limitada do eu” para a “perspectiva da Iluminação pela Sabedoria Verdadeira”.

Essa transformação, TANABE insiste em dizer, não é apenas “uma preparação” para a Filosofia; ie, não é um aprendizado para se habilitar ao Superior Conhecimento Filosófico. Ao contrário, tal mudança é a própria função da Filosofia, que deve estar baseada em nossa descrença sobre o nosso Saber anterior e na “renúncia de nós mesmos (na renúncia de nossa soberba em nos acharmos donos de determinados conhecimentos) que é conseguida através do “Outro Poder”; ou seja, através do Raciocínio isento de premissas, predisposições etc.

Para TANABE, em outros termos, a Filosofia NÃO é uma atividade na qual nos engajamos ou à qual aderimos. Não realidade é “algo” que acontece em nosso íntimo e que nos permite acesso ao “Verdadeiro Eu”, por meio da renúncia do ego superficial. Ou nas palavras de TANABE, quando ocorre “a ação sem um Sujeito atuante”.

NOTA do AUTOR – aqui o leitor nota a clara e vigorosa influência do Budismo no Sistema de Hajime.

A “confissão contínua, ou a renúncia, ou o ascetismo intelectual contínuo” é, para o Filósofo, o ponto de chegada definitivo. Ao exercitarmos o reconhecimento de nossa ignorância e limitação, estaremos aptos para atender ao que TANABE propõe: o abandono da busca por novas respostas para os velhos problemas filosóficos. Propõe, ainda, que reavaliemos a própria Filosofia e a utilizemos como instrumento para o crescimento mental e espiritual.

Essas ideias encontraram eco favorável entre a Intelectualidade de todo o Mundo; porém, como não poderia deixar de ser, encontraram também algumas resistências.

Seus críticos apontam em sua Filosofia o que julgam um grave defeito: a mescla com as assertivas religiosas. Todavia, é importante considerar que a Religião em pauta, o Budismo, é muito mais uma Corrente Filosófica que Teológica. Afinal, Sidarta nunca assumiu a condição de “Santo”, ou “Profeta”, ou outra forma de intermediação entre o Homem e a divindade. A Verdade que ele atingiu – e que pregou – aconteceu apenas por obra de suas reflexões mentais, filosóficas, sem que tenham sido enviadas através de um anjo (sic).

Ademais, mesmo que se ajuntasse a elementos religiosos, não estaria fazenda nada diferente de Santo Agostinho, São Tomaz de Aquino e outros Pensadores, cujos Ideários são reverentemente acatados, apesar de contaminados pelas assertivas das Religiões.

O fato, então, sendo válidas ou não essas críticas, é que se faz de suma importância conhecer o Pensamento de TANABE, pois através do mesmo conseguimos preencher uma lacuna que lamentavelmente perdura no Pensamento Ocidental.

São Paulo, 29 de Junho de 2012.

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Hans Georg GADAMER - Filósofos Modernos e Contemporâneos


GADAMER, Hans Georg
1900 – 2002
A História não nos pertence: nós pertencemos a ela.
Hermenêutica: a arte de interpretar.

No inicio do século XIX o Filósofo alemão Friedrich Schleiermacher publicou seu estudos que se tornaram a base da Hermenêutica, que como se sabe é a arte, ou a capacidade de interpretar o Sentido, ou o Significado das Palavras, ou das Leis, ou dos chamados Textos Sagrados.

Com o correr do Tempo, outros Pensadores abordaram o tema da interpretação. Em 1890, Wilhelm Dilthey escreveu sobre o assunto, e mais especificamente sobre o Circulo da Hermenêutica (logo adiante voltaremos a esse termo). Depois, em 1927, Martin Heidegger elevou a arte da hermenêutica a um de seus níveis mais elevados ao interpretar o “Ser” ou o “Existir”, em sua célebre obra “Ser e Tempo”. Na atualidade, a abordagem hermenêutica foi utilizada por Richard RORTY em seu livro “A Filosofia e o Espelho da Natureza” para interpretar a capacidade que temos de narrar a representação que fazemos do Tempo. Ou seja, usou a arte de interpretar para decifrar a forma como “Sentimos” a passagem do Tempo. Jean Paul Sartre repetiu o tema para examinar­ em sua obra “Tempo e Narrativa” a nossa habilidade para relatar o nosso “Sentimento de Tempo”; ie, como é que nós sentimos a existência de “algo abstrato e talvez inexistente em si mesmo”.

Vê-se, pois, pelos Filósofos citados a importância da Hermenêutica para a Filosofia e foi essa relevância que atraiu o Pensador Georg Hans GADAMER para tema, o qual, aliás, tornou-se sua marca registrada. Com efeito, foi GADAMER quem mais se ligou a essa forma de estudo, a “Filosofia Hermenêutica” ou o “Estudo sobre as formas que os Seres Humanos usam para interpretar o Mundo, a Vida e a Si mesmo”, dentre tantos outros Filósofos.

GADAMER nasceu em MARLBURG e foi criado em BRESLAU, cidade que atualmente deixou de ser alemã, tendo sido incorporada à Polônia, com o nome de WOCLAW.

Seus estudos de Filosofia tiveram inicio em sua cidade natal e prosseguiram na de criação, onde ele escreveu uma segunda tese de Doutorado, sob a orientação de Martin Heidegger que a partir daí, tornou-se uma influência constante em seu Ideário.

Em MARLBURG, GADAMER tornou-se Professor Associado iniciando sua longa carreira acadêmica que culminou, entre outros êxitos, com a sucessão do Filósofo Karl Jaspers na emérita posição de Professor de Filosofia em Heidelberg, em 1949.

Paralelamente à sua carreira de Educador, GADAMER foi um escritor profícuo e sua obra prima “Verdade e Método” – publicada quando ele já tinha 60 anos – é vista como um precioso legado ao Pensamento Contemporâneo. Nela, o Filósofo tece criticas vigorosas contra a concepção atual de que apenas as Ciências são capazes de oferecer um caminho seguro para a Verdade. Ou seja, para ele, também a Filosofia, entre outras disciplinas, é capaz de oferecer uma versão absolutamente condizente com a verdadeira natureza de uma Coisa, de um Ser, de um fato etc.

Mas a par da firmeza com que defendeu suas opiniões e suas teses, a sua afabilidade e inteligência renderam-lhe admiradores, amigos, prestigio e conforto material até o final de longa e proveitosa vida.
Para GADAMER:

1 – Compreendemos o Mundo por meio da Interpretação.

2 – A interpretação que fazemos é sempre referente a uma determinada época histórica mesmo que imaginemos estar fazendo uma “interpretação geral e total”, haja vista que o Mundo está sempre contido em uma “época história”, por mais longa e abrangente que ela seja. Mesmo que abarque desde o nascimento até o fim do Mundo será uma “época histórica determinada”, com principio e fim. Um intervalo de tempo que pode ser medido. Assim sendo, independente da extensão do período interpretado, dele obtemos os nossos preconceitos e as nossas predisposições.

3 – Não podemos entender os Seres, as Coisas, os Fatos fora desses preconceitos e predisposições. Nossa capacidade intelectual não nos permite compreender nada que não se ajuste a esses pré julgamentos, ou pré conceitos, ou pré disposições.

4 – Por isso, a História não nos pertence, pois somos nós que pertencemos a ela na medida em que a investigação feita sobre a mesma é que modela o que pensamos e como agimos. Modela o que somos. Ao interpretarmos um fato de tal maneira, agiremos de modo a lhe dar uma resposta à altura. Reagimos ao que no Passado se fez e em cima disso é que criamos as nossas concepções sobre a vida.

NOTA do AUTOR - O racismo, por exemplo, subsiste em larga medida por causa de no Passado ter-se atribuído às pessoas negras qualidades negativas.

GADAMER ao se referir ao Tempo diz que ao vermos objetos históricos não devemos considerar esse mesmo Tempo como um abismo a transpor, mas como um intervalo preenchido por Saberes que ao serem interpretados iluminam a nossa compreensão atual.

Por isso, para ele a Hermenêutica (do grego “Hermeneuo” = interpretação) é o mais completo e efetivo instrumento à disposição dos Seres Humanos para interpretarem o Mundo.

GADAMER, como já se disse, estudou parte da Filosofia sob a orientação de Heidegger que em certa ocasião proclamou que “o dever da Filosofia é interpretar o Mundo”. Essa linha de trabalho implica considerar que a interpretação é sempre um processo de aprofundamento da nossa compreensão a partir do conhecimento inicial que já detemos.

É um procedimento análogo ao modo de se interpretar, por exemplo, um poema. Inicia-se com a leitura cuidadosa do mesmo, usando-se o Saber que já temos naquele momento. Se nos deparamos com um verso, ou com uma estrofe que nos surpreende pela singularidade ou pela estranheza, torna-se necessário atingir um nível mais profundo de entendimento, o que exige estudos, pesquisas em léxicos, em biografias, em efemérides etc. Ou seja, exige um trabalho intelectual baseado no depósito de informações que outros, no Passado ou na História, legaram ao Mundo. De posse, então, dessas novas luzes habilitamo-nos ao exercício da interpretação, a qual, prosseguindo ocasiona a mudança em nosso modo de ver, de sentir, de captar o texto.

E quando o sentido do Poema como um todo muda, vemos que também é possível a mudança no Sentido, ou no significado, de cada verso. Essas mudanças parciais e a mudança no Todo é o chamado Círculo Hermenêutico.

Heidegger abordava a Filosofia dessa maneira circular e, fiel ao Mestre, GADAMER seguiu-lhe os passos, como se vê em sua obra “Verdade e Método”, de 1960.

Contudo, o discípulo foi além para mostrar que a nossa Compreensão parte sempre do ponto de vista de um determinado acontecimento histórico (a Revolução Francesa, por exemplo). Essa forma de compreender o Mundo leva ao fato de que os nossos Conceitos, pré conceitos, Juízos (ou Julgamentos), crenças, as perguntas que julgamos oportunas e as respostas que nos satisfariam etc. são sempre produtos da História. E como não há modo de ficarmos fora da História, sob a pena de não conseguirmos entender a vida, encontramos a seguinte consequência: somos impedidos de alcançar uma perspectiva inteiramente subjetiva; ie, um ponto de vista que seja apenas e exclusivamente nosso, pessoal, pois os elementos que citamos acima (Juízos [ou Julgamentos], conceitos, crenças etc.) estão “contaminados” pela perspectiva de quem nos precedeu.

Mais tais preconceitos, tais ideias, ou crenças preconcebidas, segundo GADAMER, não devem ser vistos negativamente, pois é preciso que tenhamos a consciência de que são “Pontos de Partida” para as nossas conclusões vindouras.

Nossa compreensão sobre os significados atuais de um fato, de um Ser, de um objeto etc. baseiam-se nas concepções anteriores, no Saber já existente. Por isso, esse não deve ser olhado de forma negativa, pois foi sobre tais bases que pudemos refletir e trabalhar mentalmente para chegarmos ao conceito que melhor se nos adeque.

Ademais, mesmo que fosse possível livrarmo-nos de todos os conceitos anteriores, nós não teríamos mais clareza sobre as Coisas, até porque nos faltaria uma base de comparação e um ponto inicial para as nossas reflexões. Sem um Sistema que nos permita interpretar determinada coisa, nós não somos capazes de traduzir ou decifrar nada.

GADAMER prega que o processo de interpretar, de compreender o Mundo e a nossa própria vida (o nosso “eu”) é similar a “uma conversa com a História”.

Quando lemos textos históricos que existem há séculos, as tradições e os posicionamentos neles contidos mostram-nos as nossas próprias normas, Leis, regras culturais, predisposições, preconceitos, crenças etc. Ou, ao menos, a base, a fundamentação desses nossos elementos.

E isto nos permite ampliar e aprofundar a compreensão sobre a nossa vida presente. Assim, por exemplo, quando leio Platão posso descobrir que estou aprofundando meu entendimento sobre ele, mas, também, sobre mim mesmo. Sobre meus pensamentos, sentimentos e atitudes, os quais, ao se clarearem poderão até ensejar modificações que os melhore. Posso, ainda, entender que não apenas leio Platão, mas que também sou lido por ele, na medida em que o comportamento que ele descreve é justamente o que sigo.

Através desse “diálogo”, ou “Fusão de Horizontes”, nas palavras de GADAMER, a minha compreensão do Mundo alcança um nível mais rico e profundo a cada palavra que “trocamos” com o outro. Entendemos que:

Como uma experiência está dentro da totalidade da vida, essa mesma totalidade da vida, também está presente em cada experiência.


São Paulo, 27 de Junho de 2012.

Arne NAESS - Filósofos Modernos e Contemporâneos


NAESS, Arne
1912 – 2009
“Presidente do GREENPEACE Norueguês em 1988”
“Pense como uma Montanha”. Aldo Leopold
O Pensamento pelo Futuro tem que ser leal à Natureza.

Em c. 1660 o Filósofo Espinosa (1632 – 1677) propôs sua “Filosofia da Natureza” como uma “Extensão de Deus”. Abusando da “Licença Literária”, diremos que propôs ser o Mundo o “corpo físico” de Deus.
Em 1960, o cientista britânico James Lovelock propôs sua Teoria chamada de “Hipótese de Gaia”, na qual defende o ponto de vista da Terra ser um “organismo vivo”.

Reutilizando, novamente, a “Licença Literária” pode-se imaginar que o Homem é um micróbio (ou uma micro vida, semelhante aos milhões que habitam o seu próprio corpo) que se hospeda no interior do “Corpo de Deus”, ou no “Organismo Vivo”.

Pois bem, quando os micróbios que habitam o Corpo do Homem prejudicam sua saúde e ameaçam sua existência, recebem como resposta a mais completa eliminação através do uso de medicamentos.
Mas não se sabe se os Micróbios que habitam o corpo humano tomam voluntariamente, ou por mera ignorância o remédio que os haverá de exterminar.

Quanto ao Homem, sabe-se que sim...

Enquanto escrevo este Ensaio, há poucos quilômetros da minha mesa acontece uma reunião (Rio + 20) que deveria discutir e encontrar soluções para os problemas ecológicos que o Mundo, ou melhor, que a Humanidade enfrenta.
Contudo, antes de seu encerramento uma única conclusão é visível: foi um retumbante fracasso!

Por que?

Se a maioria das pessoas diz concordar sobre a necessidade de que se façam os ajustes necessários para equilibrar o consumo humano com as possibilidades da Terra, por que não se chega a um acordo?
Ganância, arrogância, ignorância? Certamente. E mais o que?

Seremos atraídos, seduzidos inexoravelmente para o fim inevitável que a natureza promove quando lhe convém limpar o Planeta da espécie que lhe é mais perniciosa?

Ou haverá alguma esperança nessa luta que Ecologistas, ou apenas cidadãos conscientes, desenvolvem com tenacidade?

O Ecologismo ganhou vigor a partir do bombardeio de Hiroshima, que obrigou o Japão a se render. Pela primeira vez a Humanidade viu o poder que dispunha para exterminar a vida no Globo.
Os bíblicos cataclismos saltaram da condição de mera hipótese para a de possibilidade. Talvez probabilidade. O “Fim do Mundo” tornou-se palpável. E ao medo atômico, não tardou a se juntar a paúra pelo esgotamento dos recursos naturais (vale dizer: fome e sede) e pela degradação ambiental e climática. O “horror de Malthus*” foi ressuscitado.

NOTA do AUTOR – O Economista Malthus (Thomas Robert, 1766 – 1834 – Grã Bretanha) ficou conhecida pelo pessimismo que impregnava ao seu Pensamento filosófico e foi de sua lavra a trágica equação que previa uma Progressão Geométrica (2, 4, 8, 16, 32) na população da Terra e apenas uma Progressão Aritmética (2, 4, 6, 8) na produção de alimentos. Ou seja, chegaria o dia em que o Planeta não conseguiria sustentar a todos os Homens. Até agora a profecia foi afastada, entre outros motivos, pelo avanço tecnológico que permite melhores colheitas e maior produtividade. Contudo a degradação promovida pela Humanidade pode ser um fator não previsto por Malthus, mas que acabará auxiliando para que seu tenebroso vaticínio se cumpra.

E como o medo e a necessidade geram todas as atitudes, no espaço de poucos anos, Conceitos enraizados foram drasticamente soterrados e o padrão a ser seguido mudou drasticamente. O conceito de Conservacionismo instalou-se definitivamente entre os Homens.

Apesar de todos os pesares, a Consciência de que os Recursos Naturais são finitos e de que a Biodiversidade é imprescindível para a nossa própria sobrevivência adentrou em “Mentes e Corações” e os antigos paradigmas se inverteram. Quase que de chofre, caçador tornou-se assassino; lenhador tornou-se predador e pecuarista latifundiário, praga a ser exterminada. O desenvolvimento a qualquer preço tornou-se um anátema.

NOTA do AUTOR – recomenda-se a releitura de uma das Histórias Infantis mais célebres do Mundo – O Chapeuzinho Vermelho – para medir a extensão da inversão supra referida. Ali, os heróis eram o lenhador e o caçador, enquanto que o vilão era o Lobo. Absolutamente o inverso de hoje.

E são esses novos conceitos, essas novas posturas – em escalas e intensidades variadas – que desenham o Futuro. Alguns rejeitam os excessos dos Ecologistas, principalmente quando seus interesses são atingidos, como se verifica com a famosa “Bancada Ruralista” do Congresso Brasileiro. Outros os incentivam e outros, ainda, os praticam. O certo, porém, malgrado as variações, é que o Mundo se tornou Ecologista.

Novo Mundo em que determinadas Organizações e determinados Indivíduos tornaram-se destaques pelo fervor de suas convicções e pelo vigor de suas lutas. Dentre esses, neste Ensaio abordaremos au passant, o “Greenpeace” e mais detalhadamente Arne NAESS, que foi seu Presidente na Noruega, no final da década de 1980. 

Reconhecido como o principal Filósofo norueguês do século XX, NAESS foi o mais jovem professor da Universidade de Oslo. Aos 27 anos já lecionava na Instituição, onde permaneceu até se aposentar em 1970.

Adepto do montanhismo, foi o comandante de uma bem sucedida expedição à Montanha TIRICH MIR, no Paquistão, em 1950. Além dessa, realizou mais algumas ao redor do Mundo e em todas absorveu uma vasta gama de conhecimentos que serviram para solidificar o amor e o respeito à Natureza que ele naturalmente sempre teve.

Ao se aposentar, aproveitou o tempo livre para desenvolver seu Ativismo e o seu Ideário a favor da Ecologia. Participante ativo (ou Radical*, segundo alguns críticos) de várias campanhas e manifestações, sempre pregou a necessidade de se respeitar os limites do Planeta, a biodiversidade, a bioesfera e, ao cabo, a vida humana, já que tudo isso é feito com a finalidade de lhe garantir a sobrevivência.

*NOTA do AUTOR – em certa ocasião, Arne chegou a se acorrentar às rochas da “Queda Mardalfossen”, na Noruega, para protestar contra a construção de um reservatório.

Em 2005, como reconhecimento pela excelência de sua luta em prol de uma Causa tão nobre – a Causa da Natureza e do Homem – o Filósofo recebeu a Comenda de “Cavalheiro” e não hesitou em utilizar essa nova tribuna para prosseguir as exortações de suas ideias, as quais podem ser resumidas da seguinte maneira:

1 – Pensar como uma Montanha* é
2 – compreender que somos parte (e não Senhores) da Bioesfera.
3 – E entender a nossa responsabilidade em relação aos outros Seres vivos.
4 – Devemos, pois, pensar sobre as necessidades do Meio Ambiente como um Todo e, consequentemente, abandonar a mesquinhez dos desejos individuais e imediatistas.

*NOTA do AUTOR – a expressão “Pensar como uma Montanha” foi criada em 1949, pelo Ecologista estadunidense Aldo Leopold. Guarda Florestal no inicio do século XX, certo dia ele baleou uma loba e escreveu: “alcançamos a velha loba a tempo de ver um brilho verde selvagem morrendo em seus olhos... Percebi e sei desde então que havia algo de novo naqueles olhos, algo conhecido apenas pela loba e pela Montanha”.
A partir desse instante, Leopold teve a ideia de que devemos “pensar como uma Montanha”, reconhecendo não apenas as nossas necessidades, mas as de todos os Seres. E passou a fazer frequentes alertas sobre as implicações ou consequências de nossas atividades e atitudes egoístas e imediatistas. Por isso insistia que: “pensar como uma Montanha”, ou seja, identificar-se com o ambiente em Geral e ter consciência da importância do mesmo em nossas próprias vidas é um ato de suma necessidade para nossa própria sobrevivência como espécie.

A expressão “Pensar como uma Montanha” se tornou direta e intimamente associada ao conceito de “Ecologia Profunda”, criado por NAESS.

Vimos acima, resumidamente, o Pensamento de NAESS e como não poderia ser diferente, o Movimento “Ecologia Profunda” levantou as mesmas bandeiras, as quais podem ser expostas em dois tópicos:

1 – cabe-nos reconhecer que somos “apenas” parte da Natureza e não seu Proprietário ou Senhor. Compreender que não estamos além, acima, ou separados dela. Sem essa compreensão e aceitação, serão inúteis quaisquer tentativas para salvar o Planeta; ou melhor, a vida humana no Planeta.

2 – somos parte da Biodiversidade e dela necessitamos, pois todas as formas de vida são interdependentes. Logo, ao exterminarmos uma espécie, é uma parte de nós mesmos que estamos matando.

Para ele, só protegeremos efetivamente o meio-ambiente e a nós mesmos se adotarmos tal concepção de vida. Conclamou o Mundo a ver que não estamos apartados da Terra e que urge acharmos o nosso lugar nessa cadeia de vidas interligadas, reconhecendo em todas elas, o valor insubstituível de cada uma para a subsistência do Todo.

Também se deve a NAESS a criação do conceito Eu Ecológico; ou seja, o percebimento de “si próprio” como um Ser diretamente ligado a uma “Comunidade Maior” que abriga todos os Seres vivos. Desse modo, ampliamos a nossa identificação com o “Mundo dos lobos, dos insetos, das ervas e até das Montanhas”. Perceber-se como um Ser que sabe que o Mundo Natural não é aquilo que lutamos para subjugar, controlar. É, isso sim, o conjunto de todas as Coisas que sustentam os Seres que compartilham o Planeta. É a soma de tudo que existe, inclusive nós. Seres com os mesmos direitos e deveres de todos os outros e que, justamente por isso, não podem extrapolar suas ambições ao ponto de ferir os direitos dos demais. Seres que reconhecem o Mundo Natural como seu próprio lar e que sabem que ao destruir o próprio lar, é a si que condenam.

A “Ecologia Profunda” de NAESS influiu vigorosamente na “Filosofia Ambiental” e no desenvolvimento do “Ativismo Ecológico”, indicando inclusive como é possível para o cidadão das grandes metrópoles, conectar-se com o seu “Eu Ecológico” e a partir daí exercer suas atividades em prol de todos.

Embora tal apossamento seja difícil, reconhece o Filósofo, em virtude das pressões do meio urbano não será de todo impossível se houver firme e convicto desejo do indivíduo, como bem disse o Filosofo e Mestre Zen Robert Aitken Roshi em uma palestra que proferiu no ano de 1984:

“Quando pensamos como uma Montanha, pensamos também como um urso negro, de modo que o mel escorre por sua pele enquanto se toma o ônibus para o trabalho”

São Paulo, 23 de Junho de 2012.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Pierrot


Agradeço ao Editor pelo Espaço concedido, que muito me honra.
Visite o Jornal de São Luis - Maranhão, clicando no Link abaixo:


WEB


Porque a solidão
ainda esvazia a noite,
os sonhos que teimam

vagam como fantasmas
nessa tela que brilha
em vão.

Luzes vadias que
imitam a arte perdida
e a Poesia corrompida.

Assisto as pessoas,
mas não as toco.
Dissolveram-se em bytes.


Abraços aos (às) amigos (as) Poetas de Campinas SP.

segunda-feira, 25 de junho de 2012

Fellini às 8,30


Entre as pernas
da Prostituta do Mundo,
esconde-se a vergonha
do Cúmplice Pecado Burguês.
E ainda que a Espaçonave
carregue o Diabo
em seus 50 metros,
a Felicidade, diz Orígenes,
cá não está.
Não, Homem, não aqui,
pois eis que aos Serafins pertence
e é dom que não se suborna.
Que girem as burras
e rolem as antigas Liras,
enquanto a Musa recém vinda
é a distância que se aproxima
em surreal movimento
de desencontro na chegada
de toda partida.
Que os licores da sobremesa
sejam servidos, eis que
finda o banquete,
e os flautins já
tocam vulgares hosanas
no metafilme que se faz
ao som do gênio em "F".

E, depois, o frio vento
arranha-me a pele recém barbeada,
enquanto não chega
o carro da Realidade.

Homenagem pouca ao gênio Frederico Fellini.

domingo, 24 de junho de 2012

À Filha


Há tanta dor, filha...

Poucas palavras em
uma frase econômica,
mostraram que a vida
que eu pensava me esperar
por algum outro foi preenchida.

Tu sabes, filha,
o que foi esse tempo último,
em que mais que à morte
eu temi perder a ti e ao teu irmão;
e ao sonho que sonhava.

Tu sabe, filha,
da dor, da angústia,
do medo, do horror.
Tu sabes...

Mas então, como
se não houvesse existido,
o pesadelo se foi
e, ingênuo, voltei a sonhar.
E enquanto sonhei,
atrevi-me a ser feliz.

Agora, não mais.
Direto como um golpe,
chegou-me o fim.

No Mundo em que
pretendi voltar, outro
a faz feliz. Tomara, filha,
que sim. Que seja assim.
Que ela possa viver,
o que eu só imaginei.

De novo terei
que juntar os pedaços
e seguir o velho caminho,
que nunca me pareceu
tão vazio quanto agora.
Tão doído, quanto aquele
adeus sem sentido.

sábado, 23 de junho de 2012

Brisa do Atlântico


Quem dera a chuva
que lava o Mundo
regasse essa
nova esperança
e apagasse a mágoa
que sobreviveu ao
último porre.

Quem dera se
dessa insônia
vingasse um poema;
quem dera se
dessa caneta
nascesse um verso
à Princesa renovada
e toda espera
fosse terminada.

Quem dera,
fresca brisa do Atlântico,
tu me dissesse
que de novo
o amor amanhece.

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Rio +


Em c. 1660 o Filósofo Espinosa (1632 – 1677) propôs sua “Filosofia da Natureza” como uma “Extensão de Deus”. Abusando da “Licença Literária”, diremos que propôs ser o Mundo o “Corpo Físico” de Deus.

Em 1960, o cientista britânico James Lovelock propôs sua Teoria chamada de “Hipótese de Gaia”, na qual defende o ponto de vista da Terra ser um “organismo vivo”.

Reutilizando, novamente, a “Licença Literária” pode-se imaginar que o Homem é um micróbio (ou uma micro vida, semelhante aos milhões que habitam o seu próprio corpo) que se hospeda no interior do “Corpo de Deus”, ou no “Organismo Vivo”

Pois bem, quando os micróbios que habitam o Corpo do Homem prejudicam sua saúde e ameaçam sua existência, recebem como resposta a mais completa eliminação através do uso de medicamentos. Mas não se sabe se os Micróbios que habitam o corpo humano tomam voluntariamente, ou por mera ignorância o remédio que os haverá de exterminar. 

Quanto ao Homem, sabe-se que sim...

Canta a moça latina
sua santa fúria
e bendita adrenalina.
E clama aos Donos da Vida
uma estrada não suicida.
Que saibam, geme em Mi Maior,
que o Tempo urge
e da ameaça que surge
em cada urro extinto,
em cada rio acabado
e em cada monte saqueado.

Mas são moucos
os ouvidos burgueses
dos impassíveis Reis do Mundo.
Só lhes preocupa
a fatal mercância
e o sustento da
própria extravagância
(triste arrogância).

E logo se pressente
o fracasso de tantas
"Rio + 20",
pois sustentabilidade
soa-lhes como um acinte,
já que lhes inexiste
a geração seguinte.
Pouco lhes importa o Futuro,
pois só ambicionam
o espúrio lucro
da Prostituta "Rua do Muro".

Pouco lhes importa o
canto latino da moça
que se lhes arroja
(E que, Quixotesca,
lhes enoja).
Pouco lhes importa
a outra geração
que insiste vir.
Só o ouro lhes
interessa.
Só a rapina pregressa.
Ainda que a vida
nos despeça.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Willard Van Orman QUINE - Filósofos Modernos e Contemporâneos


QUINE, Willard Van Orman
1908 – 2000
A Linguagem é uma Arte Social.

1 – A Linguagem só tem significado para nós (ie, só significa, representa efetivamente uma coisa)
2 – porque estamos habituados com a maneira com que ela é usada pelos outros.
3 – E Não porque exista uma ligação* entre os Signos (as palavras e outros sinais, como a vírgula, o de adição etc.) e as “Coisas” que eles significam, ou representam.
4 – Por isso é que a Linguagem só é significativa quando usada socialmente.

NOTA do AUTOR* – observe-se que essa concepção já fora cunhada por Ferdinand Saussure. Veja o Ensaio dedicado ao mesmo.

Nascido nos EUA, em 1908, QUINE estudou em Harvard com Alfred North Whitehead, o célebre Filósofo da Lógica e da Matemática, e conheceu o inglês Bertrand Russell que se tornou um referencial para seu Ideário.

Em 1932 completou seu Doutorado e viajou pela Europa onde aumentou seu rol de conhecimentos com vários intelectuais importantes, dentre os quais os que compunham o renomado “Círculo de Viena”.
Ao retornar, iniciou sua carreira de Professor na mesma Harvard, mas sua trajetória foi interrompida pela deflagração da 2ª Guerra Mundial, da qual ele participou na retaguarda, decifrando códigos e mensagens dos inimigos para a Marinha estadunidense.

Apaixonado pelas viagens orgulhava-se mais por ter conhecido 118 países do que pelos inúmeros Prêmios, Comendas, Menções honrosas e Láureas que lhes foram concedidas em razão da excelência de seu trabalho. Como justas homenagens à sua importante contribuição ao Pensamento atual.

Após a beligerância, em 1956, QUINE voltou a ser Professor em Harvard e lá lecionou até falecer em 2000, aos 92 anos. Deixou um apreciável legado intelectual e inúmeros textos, dos quais pinçamos as obras abaixo, que são consideradas obras chaves de sua Filosofia:

  1. Métodos de Lógica, de 1952.
  2. De um Ponto de Vista Lógico, de 1953.
  3. Palavra e Objeto, de 1960.
  4. A Busca pela Verdade, de 1990.
A dissociação entre a Palavra e a respectiva Coisa, como já se viu, foi proposta por Saussure e encontrou em QUINE um ardoroso defensor. Coube-lhe, inclusive, a tarefa de aprofundar tal dissociação acrescentando peremptoriamente que nenhuma Palavra tem um significado fixo, tampouco exclusivo ou único.

NOTA do AUTOR – principalmente em um idioma como o Português que é essencialmente polissêmico.

Para ilustrar essa afirmativa citou o caso da palavra “Coelho” que, conforme a situação pode significar:

  1. Alimento
  2. Praga para a Lavoura
  3. Cobaia para experiências científicas
  4. Bicho de estimação
  5. Etc.
Algumas Correntes Filosóficas, principalmente as mais Antigas e as que na Atualidade prendem-se excessivamente às tradições, afirmam existir uma Ligação Direta entre a Palavra e a Coisa que ela representa, ou que significa.

Como outros Pensadores, QUINE discordou vigorosamente dessa tese, pois a seu ver “A Linguagem Não trata da relação entre Objetos e Significados Verbais”, mas, ao contrário, cuida sim da correção de se saber “o que dizer” e “quando dizer”. Ou seja, a Ciência da Linguagem estuda “o que deve ser dito e quando isso deve acontecer”. Estuda, pois, o acerto (ou o erro), a propriedade, daquilo que se fala em determinado momento.

Voltando ao exemplo do “Coelho”, observamos que a Linguagem é a investigação sobre o acerto de se dizer que o “animal significa um alimento” quando o momento for adequado; e não no instante em que o bicho está sendo acariciado pela criança que o considera seu amigo, seu animal de estimação.

Embora esse cuidado pareça óbvio, pois é razoavelmente observado no dia a dia, a questão se torna mais complicada quando são aumentadas as dimensões dos discursos. Não são raros os casos em que uma palavra dita no momento errado levou a conflitos, ou que fomentou erros de julgamentos que, no mínimo, impediram um Conhecimento mais verdadeiro e útil. São esses os casos que QUINE tinha em mente quando advogou sua tese, haja vista que compete a essa maravilhosa habilidade humana evitar ou corrigir os erros que a ignorância, vinda do silêncio, pode induzir.

Em seu Ensaio “A Relatividade Ontológica”, de 1968, ele afirma que a Linguagem é uma “Arte Social” não só por permitir que os Significados sejam conhecidos, mas, também e talvez principalmente, por ter essa capacidade de conciliar o Discurso com a Situação, evitando adversidades e preservando a harmonia entre o Grupo Social.

Sobre essa questão, QUINE sugere uma experiência simples, mas que ilustra com rigor seu pensamento:

Imagine que nos sentamos junto de algumas pessoas nativas doutro país e que falam um idioma que nos é desconhecido. De repente, uma Coelho surge e um dos nativos grita “gaigai”. Primeiramente imaginamos que pode haver alguma conexão entre o acontecimento – o surgimento do animal e o grito do nativo – mas com o tempo notamos que toda vez que um Coelho aparece, o mesmo grito é emitido e então concluímos que o termo “gaigai” é a tradução para o nosso “Coelho”.

Porém, segundo QUINE, essa nossa conclusão é equivocada, pois “gaigai” pode significar outra coisa, como, por exemplo, “o jantar chegou”. Ou “oh, que bicho bonito” etc.

Assim, para se descobrir o real significado do termo “gaigai” será preciso tentar outro método. Pode-se, por exemplo, apontar para outros belos animais e perguntar aos nativos se eles também são chamados de “gaigai”. Idem para outros jantares etc. Verificar com os mesmos se aquele termo é a tradução para “coelho”, ou “belo animal”, ou “suculento jantar” etc.

Porém, ainda restariam dúvidas sobre essa tradução. Afinal, o termo “gaigai” poderia significar “o conjunto de partes que formam um coelho”, por exemplo. Ou poderia até ser um grito ritual a ser exclamado todas as vezes que um coelho é avistado. Ou, uma oração ao “Deus Coelho”.

O número de alternativas é vasto e dá a medida da complexidade existente entre a Palavra e o Objeto. Desse fato, resulta a impossibilidade de se fazer a Ligação Direta entre os dois elementos como pregavam as antigas Correntes Filosóficas.

A Indeterminação da Tradução

Considerando-se então toda essa complexidade e para tentar decifrar definitivamente o significado do hipotético termo “gaigai” restaria a alternativa de se estudar denodadamente todo o Idioma daqueles nativos. Porém, isso só multiplicaria o problema, já que não podemos ter certeza de que as outras palavras que usamos para chegar a tal significado sejam elas próprias, traduções corretas.

Foi a esse impasse que QUINE deu o nome de Indeterminação da Tradução. E avançou seus estudos ao apontar as incômodas consequências que dela provém. Dentre essas, a mais importante, segundo ele, é a reconfirmação de que “As Palavras não tem Significado”. Ou, no mínimo, que Não tem significado autônomo, independente do contexto em que é utilizada.

O sentido de uma pessoa dizer “gaigai”, ou dizer “coelho” e o fato dessa Palavra ter algum significado Não advém de uma Ligação Natural (ainda que misteriosa) entre o Objeto e o Termo que o representa. Entre a Coisa e o seu Nome*. Essa Significância e esse Sentido só existem porque aprendemos a participar da Linguagem e a vê-la como uma Arte (embora não nos demos conta disso, classificando-a como se fosse uma atividade corriqueira) que propicia o Convívio Social.

NOTA do AUTOR – citamos no parágrafo anterior a relação entre a Coisa e o seu *Nome. No principio da Idade Média existiu uma Corrente Filosófica que arrebanhou grande importância por suas reflexões sobre a questão do NOMINALISMO. Ou seja, se o Nome teria uma existência independente, ou se a de um mero símbolo. Aqui não nos alongaremos nesse tópico, também chamado de “Querela dos Universais”, mas recomendamos aos interessados que consultem a obra de nossa autoria “Filosofia Sem Mistérios”, publicada pela Editora Seven System e disponível para venda em nossos Blogs ou Site.

Até aqui nos referimos à Linguagem como se ela fosse uma exclusividade da espécie Humana, mas as Ciências atuais já reconhecem essa habilidade noutras espécies também. É claro que por desconhecer suas características, sua abrangência, sua utilização etc. não se pode traçar um paralelo com a dos Humanos, porém o simples fato de existir entre outros Seres, que também formam suas sociedades, indica que a sua importância transcende ao Mundo dos Homens e a faz ser o cimento que une os ajuntamentos de indivíduos.

Observando-se, pois, que a Linguagem desempenha papel de tamanha relevância para todas as Sociedades – humanas ou não – nunca será demasiado exaltar a contribuição do Filósofo QUINE ao Pensamento Ocidental. E, particularmente, por ter rompido os grilhões que davam a cada termo um único e pobre significado. Ao expandir esses significados e vinculá-los às circunstâncias, o Pensador reconheceu paralelamente as mutações que o próprio Homem sofre em sua escalada rumo ao aperfeiçoamento de sua face social.

São Paulo, 20 de Junho de 2012.