quinta-feira, 30 de junho de 2011

Sentires

Versos são
sentires abstratos
que algum Poeta
sopra ao vento;
rimas indecisas
do próprio
existir,

pois o Poema
só se realiza
no encontro
com a delicadeza
da alma
que o acolhe.

Só no encontro
com Cristina,
fôrma e molde
do amor cantado
em cada suspiro
exalado.

         

terça-feira, 28 de junho de 2011

Mãos

Dê-me a mão
e venha comigo.
Alguma estrela
haverá de
nos dar abrigo.
E algum vento
trará um tempo
amigo.
Caminhemos outro
tanto,
oremos ao novo
santo,
espantemos o velho
quebranto
e quebremos o antigo
espanto.
Outros gregos
novos teatros farão
e Dionísiacas mulheres
cantarão
ao vinho e ao perdão.
É hora da
elegância dos paramentos,
da sutileza dos argumentos
e da nudez dos sentimentos.

                  

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Rimel

Todo rímel
é inútil.
A manhã
seguinte
mostrará o
que a noite
ocultou
dos olhos
maquiados.
Dança insana
da jovem
prostituta
que balança
o corpo
de tantos
e de ninguém.
Toda purpurina
será vã,
pois o Sol
rasga toda
fantasia.
A crueza
da mediocridade
aguarda em toda
madrugada
e logo
morde esse
ensaio de Nada.

Medo

Evan rima
porto e aborto;
e Drumonnd
acrescenta
o "anjo torto".

"Gauche" eu me
quis,
mas escuto outro
poeta
que fala
do Medo Puro,
medo sem assombração,
sem ladrão embaixo
da cama
e sem Comunista que
come criancinha.

Medo Puro
do "Guache"
que não fui,
do "Anjo Torto"
que não veio
e da rima de Evan
que junta o Porto
ao que
Não chegou.

Medo Puro
do que sou.

           Para meu filho Thyago.

Baseado nas Poéticas de Evan do Carmo, Carlos Drumonnd de Andrade e de um poeta anônimo no momento, mas que tão logo me seja revelado será creditado como os anteriores.

domingo, 26 de junho de 2011

Menestrel

Sejas minha
e teu eu serei.
Sejas sereia
e teu encantamento
ouvirei.

Sejas o mel
que saboreio,
meu chão
e devaneio
e teu eu serei,

árvore e bicho
a satisfazer
teu desejo
e capricho.

Sigas confiante;
o teu caminho seguirei,
e por ti serei
momento e instante
em cada novo semblante.

Espere-me no Futuro,
pois só a ti procuro,
cor e luz
que devoram
meu escuro.
Sejas minha
e teu eu serei.

             

Gregas Tragédias - 13 - EDIPO em COLONO

Sófocles

Cenário – Palácio Real em Tebas e Bosque consagrado às Erínias, na localidade de Colono, nas cercanias de Atenas.

Época da ação – idade da Grécia lendária.

A 1ª apresentação em

Personagens:

1- Antígona

2- Coro e Corifeu – anciãos de Colono

3- Creonte

4- Édipo

5- Ismene

6- Teseu

7- Transeunte.

O grande mestre, José de Saramago, em sua obra “Jangada de Pedra” anota que um dos maiores obstáculos que o escritor enfrenta é o da simultaneidade dos fatos. Por sua própria natureza, o livro, ou qualquer texto, sempre apresentará um fato após o outro, mesmo que ambos aconteçam no mesmo tempo. Aqui se vê problema semelhante, com o desencontro no tempo das ações de Édipo, de Antígona e de Creonte. No capitulo anterior, “Antígona” de Eurípedes, a morte dos irmãos Etéocles e Polinice, mas a da mãe Jocasta ocorrem enquanto Édipo e Antígona ainda estavam em Tebas. No capitulo presente, ambos já estão banidos. Na localidade de Colono, nos arredores de Atenas. É claro que esse desencontro ocorre pelo fato de serem duas obras distintas, de dois autores diferentes. Contudo, achamos oportuno esse esclarecimento em razão de “Antígona” e “Édipo em Colono” serem complementações de “As Fenícias”. Isto dito, contamos com a compreensão do amigo (a) leitor (a).
“Édipo em Colono” é a última “Tragédia” que conta uma historia relacionada com Édipo. Aqui, ele já não se dirige aos súditos, mas à jovem Antígona, sua filha, sua conselheira e seu amparo durante o exílio. Antígona difere de sua irmã Ismene, que é uma figura secundária e de seus irmãos, pois é ela quem cuida do bem estar coletivo. Primeiro ajuda o pai a encontrar asilo para viver seus últimos dias e após a sua morte, volta para Tebas onde tenta impedir o duelo dos irmãos e, no fim, para sepultar Polinice. Quando Édipo chega ao Santuário das Eumênides, em Atenas, lembra-se do antigo Oráculo de Apolo que lhe indicava ser ali o local onde deve morrer, e decide ficar para desfrutar do repouso derradeiro. É aqui que começa a encenação.

- Filha, a que terra nós chegamos? Quem se animará a dar abrigo a esse mendigo? Resignação, a dor me ensinou. Abandonei minha índole heróica e só peço o pouco que me dão. Tu vês Antígona, algum lugar profano, algum bosque, onde possamos descansar? Perguntemos aos nativos os seus costumes, pois convém aos estrangeiros aceitar as normas da casa aonde chega.

- Ó, meu sofrido pai, eu vejo ao longe as muralhas que circundam uma cidade. Acho que estamos em local sagrado, pois as Oliveiras de Atená e os Loureiros de Apolo são exuberantes. Assim como as Videiras de Dionísio e o canto dos rouxinóis. Mas venha, paizinho, descanse nessa pedra.

- Sim, deixe-me repousar. Tu já sabes onde nós estamos filha?

- Estamos em solo ateniense, pai. Queres que eu me informe sobre o nome dessa localidade?

- Sim filha. Os viajantes que nos disseram ser ateniense a região não especificaram o nome do lugar e eu preciso saber se já chegamos ao lugar que o antigo Oráculo me indicou. Aqui é desabitado?

- Não, pai. Um dos moradores se dirige para cá. Vou lhe perguntar, ou o senhor prefere indagar-lhe pessoalmente?

- Sim, filha, deixe que eu mesmo lhe pergunte.

- Amigo, tu pode nos dizer onde estamos?

- Sim. Mas antes, ancião, deixes esse lugar em que estás, pois aí é solo sagrado. Não pode ser violado, pisado. Foi consagrado às “Deusas Terríveis”, filhas da Terra e do negro abismo.

- Deusas Terríveis? Mas como devo chamá-las, amigo?

Chame-as de “Eumênides”, responde-lhe o morador. Outros belos nomes também lhes são dados.

Como já se viu alhures, os gregos chamavam as Erínias, ou Fúrias, com belos e positivos nomes na esperança de lhes abrandar a ferocidade e conquistar-lhes a simpatia.

Édipo invoca, então, o beneficio das deusas dizendo que ali será seu último assento, pois assim revelou o Oráculo de Apolo. O habitante local pede que Édipo se tranqüilize, pois ele não lhe fará mal algum. Em seguida responde à pergunta de Édipo sobre o nome da localidade e reafirma que é uma região sagrada e consagrada ao deus Poseidon (Netuno, em latim) e ao titã Prometeu. Onde, velho, tu repousas é chamado de “Umbral de Bronze”, sendo-lhe patrono o Cavalheiro chamado de “Colono”, o qual, apesar de pouco conhecido, aqui é venerado.

- Então, amigo, a região é toda habitada? Vós outros são governados por um Rei ou pelo Povo?

- Por um Rei, chamado Teseu, filho de Egeu.

- Alguém poderia levar-lhe um recado meu?

- Sim. Mas para avisar-lhe que tu estás aqui, ou para pedir-lhe que venha vê-lo.

- Para informar-lhe que se ele me prestar um pequeno favor, a recompensa será régia.

- Mas velho, que proveito um cego como tu pode oferecer a um Rei?

- Trago comigo uma palavra que tem enorme valor.

- Velho, eu falarei com os demais e eles decidirão se tu podes ou não ai ficar.

Édipo, pergunta a Antígona se o morador já partiu.

- Sim, pai, está tudo tranqüilo.

Édipo, então, dirige-se às Eumênides dizendo: ó deusas, em teu solo encontrei repouso. Não sejam duras contra Apolo, tampouco contra mim. Se cá estou é por ter recebido há muito tempo um vaticínio dele dizendo que eu acharia repouso para o corpo e para a alma numa longínqua terra, onde ilustres deusas concederiam descanso a esse velho assoberbado de penas e mágoas. E, de fato, em vosso solo, encontrei alivio para minhas dores e aqui encontrarei o fim da vida e das minhas atribulações. O Oráculo previu, também, que eu verei sinais que me avisarão quando o momento da passagem for chegado. Quando trovões, sismos e raios forem lançados por Zeus e iluminarem o Céu e abalarem a Terra eu saberei que é hora de partir para o Hades. Não cheguei a esse bosque aleatoriamente. Alguma força divina para cá me encaminhou. Já é um dos sinais, pois sem a condução do Destino eu nunca acharia esse arvoredo e essa rocha onde descanso. Por isso deusas, deixem-me ficar até que me chegue o momento extremo. Tenham piedade do alquebrado Édipo. Valha-me ilustre Atená. Nesse momento Antígona lhe interrompe para avisar da vinda de alguns homens. Ele lhe pede que o esconda no matagal, pois quer apenas ouvir os recém chegados. O Coro, formado por aqueles homens, pergunta a Antígona quem é ele e onde está? Não poderia cometer aquela heresia de pisar em solo santo. Ter a petulância de assentar-se no bosque sagrado. No arvoredo consagrado às deusas, cujos nomes eles temem pronunciar. Um deles incita os demais a procurarem-no: vamos companheiros, achemos quem devassou o sacro lugar. Nesse ponto Édipo responde: é a mim que procuram. Só tenho ouvidos, pois meus olhos se foram por minha própria mão. Oh, horror! Assusta-se o Corifeu e lhe pergunta quem é?

- Não me considerem um fora-da-lei homens.

- Mas quem és tu?

- Sou Édipo. Aquele que só vê através dos olhos da filha. Através da minha adorada Antígona.

O Coro, na seqüência, entoa um canto lamentoso em que diz: olhos mortos, tu fostes gerado sob alguma maldição. Vê-se que acumulas muitos anos. De nós nada tema. Não acrescentaremos sofrimentos aos que já carrega. Tu, pobre velho, entraste em local proibido e não poderemos ir ter contigo; assim, se tu quiseres manter a conversa, saia de teu refúgio, pois enquanto não vier o silêncio não será quebrado. Nada falaremos.

- O que faço filha?

- Atenda-os, pai.

- Dê-me a mão filha. Creio que serei tratado com justiça. Senhores: aproximo-me confiando em vós.

O Corifeu lhe responde dizendo que venha sem temor. Desse lugar em que tu estás só sairás por livre vontade.

- Isso, senhor. Dê mais alguns passos. Guia-o jovem.

Tu estás, homem, no estrangeiro e, portanto, nada faça que desagrade a cidade que te acolher. Sim, retruca Édipo. Está bem. Respeitarei os costumes do lugar que me abrigar. Leve-me, filha, ao local propicio para ouvirmos e falarmos; pois, ver, eu já não posso mais. Dialoguemos sem gerar conflitos.

- Isso mesmo ancião, diz o Corifeu. Aqui nessa plataforma rochosa tu ficarás bem. Agora que estás acomodado, diga-me quem és tu, de onde és e por que tantas desventuras te magoam?

- Sou um expatriado, senhores... Édipo tenta prosseguir, mas a emoção o silencia.

- Por que vacilas velho?

- Não perguntes quem eu sou, diz Édipo. Contentes-te com o que já sabes.

Por quê? Torna a questionar o Corifeu.

- Minha origem é infame. Ó, que farei filha, geme Édipo?

- Responde pai. Teus erros não são teus.

- Sim. Por que ocultar-lhes?

Vamos velho, exaspera o Corifeu. Deixe de subterfúgios e diga quem é teu pai, donde vens e quem é? Pare de embromar e diga.

- Tu ouviste falar de um filho de Laios, rei de Tebas? Descendente dos LABDÁCIDAS, estirpe de LÁBDACO, que foi pai de Laios e avô de Édipo?

- Oh, esse Édipo és tu?

- Sim, mas não te espantes com o que digo. Vou te contar a origem do mal que nos persegue: Laios quando era jovem teve um “amor não natural (homossexual)” por Crisipo, filho de Pêlops, que ao saber do fato, foi tomado de fúria e lançou pesada maldição contra Laios. Lançou-lhe o mau agouro de que ele morreria pelas mãos do próprio filho e que este deitaria com a própria mãe. Essa maldição foi encampada pelos deuses que desde então são adversos à minha gente.

É interessante notar que essa homofobia que vigorou na Grécia mais remota, não se estendeu até a chamada “Idade de Ouro”, de Péricles, Sócrates, Platão e Aristóteles, quando o relacionamento homossexual era admitido com naturalidade.

O que dizer, pergunta o Corifeu? Lamento por ti, mas não podemos conviver com sua maldição. Saia, pois, de nossa terra. Ande! Desapareça!

- Mas tu não cumpriras o que prometestes?

- Não! Não há promessa que se sustente ante as forças do Destino. Fora! Não contamines com teu infortúnio a minha cidade.

Nesse momento Antígona toma a palavra e diz aos senhores do Coro: benevolentes, vós outros me parecem, mas como a desventura de meu pai não foi o suficiente para conseguir seus benefícios, eu lhes rogo que nos abriguem. Façam-no por mim, se não for por ele. Vestida de negra dor, meus olhos suplicantes penetram os vossos e eu vos falo como alguém de sangue igual. Nos senhores, eu e meu pai, repousamos como se estivéssemos nos braços de um deus. Eu imploro vossos favores e rogo pelo que tendes de mais caro: filhos, deuses, esposas, bens. Não nos abandonem, pois os erros que meu pai cometeu foram involuntários e ditados pelos deuses. E os senhores sabem que nenhum mortal pode escapar da ira de uma divindade.

No discurso de Antígona é possível ler nas entrelinhas que a “Força do Destino” vence qualquer racionalidade. Dessa relativização da Razão é que, provavelmente, germinaram alguns ramos da filosofia posterior. As forças inconscientes já eram, então, pressentidas, embora fossem colocadas no exterior dos indivíduos e não em suas psiques.

Responde-lhe o Corifeu: comovidos nós estamos. Temos pena de vossos infortúnios, mas o temor que sentimos pelas deusas é maior.

Retruca-lhe Édipo: mas a vossa Atenas não é famosa por abrigar todos os suplicantes? Por que eu acreditei nessa boa fama se agora vos me arrancam do assento onde descanso? E isso, apenas por temerem o meu nome e não os meus atos? Atos, senhores, que fiz apenas para me defender das injustiças que me perseguem desde o nascimento. Saibam que os deuses nos olham constantemente e premiam os que são generosos, religiosos e punem os malvados que não cumprem as Leis da hospitalidade e desdenham da religião. Ademais, senhores, eu vos trago benefícios e bastará que tu, ilustre senhor, traga seu líder para eu dizer quais serão esses benefícios. Por isso eu imploro para me deixarem ficar sob a proteção de seu abrigo.

Replica o Corifeu: Édipo, eu sou obrigado a reconhecer que tua argumentação é justa. Porém, devo consultar as autoridades da região.

E onde, pergunta Édipo, está o Governante dessa pátria?

Em Atenas, Édipo. Um mensageiro irá procurá-lo, diz-lhe o Corifeu.

- E tu achas que ele terá consideração por um pobre cego e virá?

- Sim. Ao ouvir teu nome, ele virá. As noticias incomuns correm rápido. Teu nome o fará vir depressa, pois tu inquietas a todos.

- Que ele venha, pois. Tanto para o meu bem, como para o bem de sua cidade.

Nesse momento Antígona diz: oh Zeus! Pai, meus pensamentos estão confusos. Eu vejo que uma mulher, montada numa jumenta Etna (uma das raças de muares mais apreciadas na Grécia) vem ao nosso encontro, mas não vejo seu rosto porque um chapéu o esconde. As imagens estão embaralhando-se em minha mente, pai. Agora vejo outra mulher. Oh, espere! Agora a reconheço. É Ismene, a minha irmã e tua filha, pai.

- Filha, eu ouvi bem? É mesmo Ismene quem se aproxima?

- Sim eu vejo tua filha. Oh, meu pai e minha irmã! Quanta alegria eu sinto!

Nisso, Ismene chega e não consegue deixar de comentar o quanto sofreu para lhes encontrar; e o quanto sofre ao ver o pai e a irmã naquelas condições, como se fossem reles suplicantes. Édipo, ao contrário, pleno de alegria a recebe e pede que ela o abrace. Ismene aperta-o nos braços, juntamente com Antígona.

- Por que tu vieste, filha?

- Por estar muito preocupada contigo e com minha irmã, paizinho. E, também, para trazer-te noticias. Vim acompanhada apenas por esse escravo, o único que me restou fiel.

- E teus irmãos, o que fazem?

- As coisas vão mal, pai.

- Sim, eu vejo que teus irmãos agem tão mal quanto os egípcios. Ficam flanando em casa, enquanto as mulheres saem à lida, em busca do sustento. Eu vejo que eles, ao invés de vir encontrar o pai, deixam que as irmãs, frágeis donzelas, encarreguem-se de cuidar do genitor de todos. Ao invés de enfrentarem as dificuldades dos caminhos, ficam no Palácio dedicando-se às suas querelas. Mas diga-me filha, quais são as más noticias.

- Pai, eu não falarei das dificuldades que passei no caminho, pois só de recordá-las eu sofreria novamente. Falarei, pois, sobre os males que se abatem sobre teus filhos. A primeira discórdia entre eles surgiu com a decisão de deixar o trono para Creonte. Agora, um deus perverso, incentivou nova rixa entre ambos. Contra as Leis e os Costumes, o irmão mais novo, Etéocles, usurpou o trono e baniu Polinice. Esse, tendo chegado a Argos, casou-se com a filha do rei Adrasto e agora chefia o exército com o qual pretende invadir Tebas e recuperar o que acha ser seu direito.

- Ó minhas filhas adoradas, vós tendes esperanças de que os deuses irão conceder-nos algum alivio?

Ismene responde que sim, apoiando-se nos últimos Oráculos favoráveis.

- O que dizem esses Oráculos, Ismene?

- Que tu, paizinho, um dia trará glória e prosperidade aos homens que te abrigarem em vida e te honrarem na morte. Consta, pai, que em ti repousa a força dos mesmos, pois os deuses que antes te derrubaram, agora te levantam. Aliás, é por isso que se diz que Creonte prepara uma expedição para te repatriar ainda hoje. Para que tu voltes a morar perto de Tebas, pois a ruína emanada por seu túmulo pesaria contra ele. Por isso, agora, ele tanto te quer na sua proximidade, embora não te queira como seu Senhor.

- Mas não me terão Ismene. Eu te garanto.

- Tua decisão os afrontará, pai. Serão atingidos por tua ira quando se aproximarem de teu túmulo. Disso eu sei pai, por ter ouvido de um delegado tebano que consultou o Oráculo de Delfos.

- E os meus filhos, sabem disso?

- Sim pai, todos sabem. Os delegados anunciaram o veredicto para toda a Cidade.

- Filhos miseráveis! Mesmo sabendo disso, preocupam-se apenas com a disputa pelo Poder, sem se importarem com meu sofrimento, ou com os benefícios que ainda serei capaz de proporcionar. Que os deuses aumentem as rixas entre eles.

As voltas que o Destino dá não se limitam à literatura. Não é raro que um Homem volte a ser querido quando se descobre que será capaz de deixar uma rica herança, ou outra forma de beneficio para seus herdeiros.

Édipo prossegue amaldiçoando seus filhos. Tanto Etéocles que usurpou o Poder, quanto Polinice que não vacila em atacar a própria cidade para reconquistar o que legalmente é seu.

Note-se aqui o hiato que existe entre a legalidade e legitimidade. Aquilo que está ao abrigo da Lei, não encontra respaldo na Ética mais primitiva.

Entre lágrimas sentidas, diz: nada fizeram para impedir o meu exílio e me condenaram, por sua omissão e ação, a viver no estrangeiro à custa de esmolas. Talvez digam que eu escolhi o banimento, mas naquela hora acalorada, eu queria mesmo era ter morrido. Agora, que a dor amadureceu, eu compreendo que o banimento é pena mais severa que a morte e eles, ó filhos ingratos, não deram uma palavra sequer que pudesse afastar esse horror que me constrange. E essas pobres filhas, que ao invés de buscarem a felicidade pessoal, cuidam do velho pai sem qualquer ressentimento. Por que, deuses, o Mundo não é feito apenas para as mulheres? Eles, ao contrário, trocaram o Pai pelo Trono, pelo Poder. Não esperem, portanto, que eu os ampare. O trono que foi de Cadmo jamais cairá em suas mãos maculadas. Sim! Posso reafirmar esse vaticínio, agora que me lembro com mais detalhes do Oráculo de Apolo ao meu respeito. Que venha Creonte, ou outro qualquer que mandarem. Eu não voltarei para Tebas e, assim, não a abençoarei. Se vós atenienses, derem-me o abrigo necessário para mim e para minhas filhas, eu os recompensarei com as benesses que minha presença atrairá para vossa Cidade.

Responde o Corifeu: tu mereces nosso apoio Édipo. Zelaremos por ti e por tuas filhas, já que tu te apresentas como protetor de nossa Cidade. Deixe-me, agora, transmitir-te algumas coisas que convém saberes.

- Sim, meu caro. Em tudo eu te seguirei.

- Primeiro purificas-te com sacrifícios e oferendas às Deusas, cujo solo tu pisou primeiro. Depois ofereça libações, executadas pelas mãos imaculadas de tuas filhas. Em seguida adorna os vasos que te serão mostrados com lã de filhote de carneiro, recém tosquiado, e faça outras libações, em pé, voltado para o Levante (o leste), com aqueles vasos. Faça-as três vezes e na última, derrames todo o conteúdo do terceiro vaso no solo. A terra umedecida deverá ser coberta por ti com ramos de oliveira enquanto proferires uma prece com o coração livre de maldades, em tom suave, sem exaltação. Na seqüência, afasta-te sem voltar o rosto. Após isto tudo ter sido realizado, nós voltaremos a tratar contigo, pois sem esse ritual, estrangeiro, nada mais poderemos falar, já que o temor das Deusas é mais forte que a Lei da hospitalidade.

Optamos por alongar esse trecho para descrever uma das cerimônias religiosas que são amiúde citadas nos diversos capítulos.

- Ouviram filhas? Para mim a execução desse rito seria impossível por me faltar a força e a visão. Por isso eu lhes peço que consigam o material necessário, com a máxima brevidade.

Antígona e Ismene mostram-se solicitas para ajudarem ao pai. Ismene segue atrás dos elementos necessários e se prontifica a executar todo o ritual, enquanto pede que Antígona cuide do pai. O Corifeu a auxilia e orienta e ela parte resoluta para cumprir o rito.

Nesse ínterim o Corifeu lamenta fazer Édipo lembrar-se dos antigos males, mas se diz necessitado de conhecer a história do ancião, contada por ele mesmo. Saber os motivos da profunda e ininterrupta dor que o assola. Édipo pede-lhe que não o faça reviver tantas desgraças. O Corifeu insiste e Édipo conta que ele, de fato, matou o pai e deitou-se com a própria mãe com que gerou quatro filhos. As duas filhas que ali estão e que lhe amparam e os dois filhos que o abandonaram. Prossegue, salientando com veemência, que foram erros que cometeu involuntariamente. Que foram armadilhas que o Destino lhe armou, a mando dos deuses que queriam punir Laios pelo seu “amor indevido” ao jovem Crisipo. Mas antes que a conversa prossiga, Teseu, o rei de Atenas e região, adentra a cena.

O Corifeu, respeitosamente, apresenta-o a Édipo; eis o nosso rei: Teseu, filho de Egeu, que chega para atender ao teu chamado. Diz Teseu: como eu tive noticias da ruína de teus olhos, de imediato supus que eras tu que me chamava ilustre Édipo. No caminho, minha suposição inicial, foi confirmada. Agora, pelos andrajos que vestes e pelas marcas em teu rosto, posso ver o quanto a vida te maltratou. Estou condoído e desejo saber o que tu queres de minha Cidade? Eu te atenderei, pois me lembro que também já fui um exilado e sofri com males incontáveis. Assim, eu nunca afastaria qualquer outro que esteja em situação difícil. Afinal, somos mortais e nunca sabemos o que o amanhã haverá de nos trazer.

Responde Édipo: nobre Teseu, que mais eu poderia acrescentar ao teu discurso esplêndido? Eu, assim, pouco falarei. Quem eu sou, donde venho e quem são meus pais, tu já sabes. Serei breve, pois, e só falarei sobre o que espero de ti. Ofereço-te meu corpo desfigurado, mas que valerá mais que o seu triste aspecto pode sugerir. O tempo dirá o lucro que te trará. Não posso revelar-te agora, mas tu saberás na hora certa, após a minha morte, o bem que eu retribuirei pelo abrigo que tu me der em vida e pelas honras que me prestar quando morrer.

- Mas esse favor que tu me pedes é bem pouco, Édipo.

- Não. Não é. Acautele-se, pois os tebanos tentarão tirar-me daqui e haverá luta.

- Teus filhos desejarão levar-te? Mas nesse caso não poderei intervir.

- Por que amigo Teseu? Quando eu queria ficar, foram esses mesmos filhos que nada fizeram para reter-me. Foram eles que não me quiseram.

- Não lhes guarde ódio, Édipo. São teus filhos.

- Não me recrimine Teseu. Minhas razões serão de teu conhecimento no futuro.

- Sim Édipo, eu não devo decidir estando mal informado. Teus repetidos infortúnios me atormentam. Serão aos mais antigos males que tu se referes?

- Não, as minhas antigas aflições já são conhecidas por toda a Grécia.

- Mas porque iriam querer-te Édipo, se foram eles mesmos que te expulsaram?

- Querem-me agora, por causa do Oráculo que seus delegados ouviram em Delfos.

- Mas o quê eles temem?

- Serem derrotados por tua Cidade, caso esta abrigue meu túmulo.

- Mas por que nós lhes declararíamos guerra?

- Hoje reina a harmonia entre Atenas e Tebas, mas com o passar do tempo infindo, tu verás que a paz será quebrada por motivos fúteis. E o meu corpo, em eterno repouso, beberá o sangue dos tebanos. Agora, porém, nada mais direi, pois tais previsões são dolorosas. Mas saiba, ó rei, que teu asilo a minha pessoa e às minhas filhas será recompensado.

Teseu responde dizendo que ninguém recusaria proteção a quem lhe fosse ser benéfico. Jamais, diz, eu recusaria abrigo a um aliado leal. Estabeleças-te aqui, em COLONO, e eu ordenarei que te deem o que necessitares; ou se quiseres, venha morar em meu Palácio na gloriosa Atenas. Serás sempre bem-vindo.

- Sou-lhe muito grato Teseu. Aqui eu ficarei. Este é o lugar em que vencerei os que me maltrataram.

- Tens meu apoio. Dou-te minha palavra. Mandarei homens que saberão defender-te contra o que for preciso. Daqui, ninguém te levará contra teu desejo. Ameaças não passam de palavras vazias. A arrogância os levou a dizer que te levarão, mas creia, não conseguirão. O meu próprio nome será suficiente para expulsar quem desejar fazer-te algum mal e ainda que minha proteção falhasse, Febo (Apolo) te protegeria.

Na seqüência, o Coro assoma à cena e entoa a seguinte estrofe: à cidade de “COLONO”, dos velozes corcéis e das videiras esplendorosas, tu vieste amigo Édipo. Aqui, na cidade do deus Dionísio tu estás. A Antístrofe começa em seguida: em celestial rocio diário, brotam esplêndidos cachos e as fontes do Cefiso introduzem seu puro ouro liquido, em curto coito, na generosa terra dos fartos peitos, da qual não se aparta as Musas, tampouco a deusa Afrodite, das “Rédeas de Ouro”. A Estrofe dois continua o canto: só aqui brota a grande árvore, a qual nunca viceja na grande ilha Dória de Pélope (o Peloponeso). Indômita planta que se renova por si mesma e causa, só por existir, grande terror nos inimigos. É a celebrada Oliveira Negra (1e2) que saúda e nutre os meninos recém nascidos. É a guia de todos que aqui vivem. Protege-a o poderoso Zeus e sua potente filha Atená.

1e2 – segundo a tradição, os espartanos devastaram a região de COLONO e de Atenas, mas não tocaram nas Oliveiras por acreditarem que elas estavam consagradas aos grandes deuses. Também segundo a tradição, sabe-se que quando um menino nascia, era pendurada uma coroa de folhas de Oliveira na porta de sua casa.

A Antístrofe dois entoa loas ao grande deus Poseidon (a quem eram consagrados os navios e os cavalos e que era especialmente cultuado na região ateniense) dizendo: tu que és filho de Cronos e irmão de Zeus, foi quem nos deu a glória maior de termos sidos os primeiros a domar os cavalos e a manejar os barcos.

Nesse trecho Sófocles ufana-se de sua terra natal, descrevendo suas melhores qualidades. Esse orgulho pátrio é um sentimento que persiste no Homem e se vê o quanto põe em dúvida a viabilidade dos projetos de unificação dos países. Da globalização.

Antígona acompanha o Coro e diz: solo enaltecido por tantos louvores é hora de comprovar sua fama brilhante. Édipo a interrompe para indagar se ela vê alguma novidade. Após perscrutar o horizonte a jovem lhe informa sobre a vinda de Creonte, acompanhado de pomposa comitiva. Alarmado, Édipo dirige-se aos anciãos do Coro dizendo-lhes que o seu futuro a eles pertence, mas o Corifeu o tranqüiliza dizendo que sossegue. Que eles ainda têm força e valentia, não obstante a idade avançada. Que o Poder de Atenas rechaçará qualquer insulto. Nesse meio tempo, Creonte chega à presença deles e respeitosamente lhe diz: nobres senhores dessa terra, percebo que estão espantados com minha chegada inesperada. Mas não há motivo para temerem, tampouco me maltratarem. Não venho com intenção malévola, pois sei que estou velho e frágil e que a força de Atenas é superior a qualquer outra. Aqui estou incumbido de persuadir ao senhor Édipo a regressar ao seu lar, na Tebas das Sete Portas. Venho como emissário de todos os tebanos, pois as suas dores e mágoas são de todos em geral e minhas em particular. Assim sendo, peço-lhes licença para dirigir-me ao meu desafortunado cunhado. Ouve-me, Édipo. Todos os cadmeus te esperam, venha para casa. É tão triste ver-te mendigando, amparado apenas por minhas pobres sobrinhas, tão mendicantes quanto tu. Nunca pensei ver Antígona, minha futura nora, em estado tão lamentável. Rota, suja, preocupada apenas em te manter vivo, como ela poderia encontrar algum marido, deuses? Quem iria querê-la? Vamos, Édipo; a vossa miséria envergonha a todos nós. Em nome dos deuses eu te imploro a esquecer os rancores, os ódios, e voltar ao Palácio que sempre foi teu. Despeça-se e agradeça aos bons amigos que aqui te acolheram. Tu lhes deves favores, mas os deve muito mais à terra que te viu nascer e que te amparou por tantos anos.

Irado, Édipo retruca: ó Creonte hipócrita. Sempre a encobrir as suas malévolas intenções com palavras suaves, dignas. Agora, vejo que tu torna a armar-me uma armadilha. Ao nosso parentesco tu nunca deste importância, mas ao saberes que eu serei útil, por graça dos deuses, insolente e cinicamente tu me procuras e tenta tirar-me donde me trataram com respeito e generosidade sem que ainda soubessem que eu teria algum valor. Por todo teu sórdido oportunismo eu me declaro rompido contigo em definitivo e te aviso: não queiras reconduzir-me à força. Sei bem que tu não planejas devolver o Palácio que foi de meus pais e meu. Ao contrário, tu me alojarás em um sitio qualquer, nas proximidades de Tebas, apenas para se proteger de um ataque ateniense. Mas isto não acontecerá. O que haverá de acontecer é que meu “Gênio Vingador” instalar-se-á em Tebas e fará com que a sorte de meus filhos seja maligna. Insanos, lutarão até a morte pelo Poder e pela herança; mas a terra que pensavam herdar, servirá apenas para enterrar seus cadáveres. E a sorte de Tebas, que eu conheço graças aos vaticínios que recebi de Apolo e de Zeus, também será negra. Pobres tebanos. Eu sei que minhas palavras não te convencem, mas tu verás que estão certos os prognósticos aflitivos que faço. As predições dos males que te aguardam. Portanto, se um resto de decência te sobrou, deixa-me viver aqui. Ainda que aflito com a má sorte de minha pátria, estou melhor que em tua sórdida companhia.

Creonte não se dá por vencido e responde: Édipo tu está a delirar. Quem tu pensa que sairá vencedor dessa disputa, tu ou eu?

- Quem ousaria tocar-me, Creonte? O que tu trama?

- Édipo, uma de tuas filhas já está em meu poder. A outra, brevemente, também estará.

- Infame!

- E logo tu também estarás.

Aflito, Édipo pede socorro aos anciãos do Coro e o Corifeu vocifera contra Creonte, ameaçando-o e expulsando-o. Contudo, o tebano não lhe toma conhecimento e manda seus asseclas aprisionarem Antígona, que, em desespero, clama por ajuda. O Corifeu intervém, mas Creonte repudia sua investida dizendo que ele não tocou em Édipo e que, portanto, não infringiu nenhuma Lei, ou faltou ao seu compromisso.

O Corifeu rejeita a sua falácia e lhe cobra dignidade e respeito, mas Creonte alega que só está levando o que lhe pertence (sic). Édipo grita pelo socorro dos atenienses, enquanto o Corifeu continua a enfrentar Creonte que lhe diz que ao atacar-lhe, está atacando toda Tebas, em sua pessoa. Indiferente, o Corifeu continua o enfrentamento, mas o irmão de Jocasta desdenha de sua autoridade e de sua capacidade de reação. Vendo-se desrespeitado, o velho líder convoca seus companheiros enquanto os tebanos arrastam Antígona ao som dos gritos desesperados de Édipo. Arrogante, Creonte diz a Édipo que elas já não serão mais seus amparos e que se ele quer arruinar a sua própria pátria, que o faça, mas que enfrente as conseqüências desse erro. Diz: o tempo te mostrará que agindo dessa maneira, tu ages contra teus próprios interesses. Em meio ao burburinho e às vozes exaltadas em gritos e xingamentos, o Corifeu insiste para que Creonte lhe obedeça e das palavras passa à luta física, ameaçando não libertá-lo enquanto ele não libertar as jovens que raptou. Irritado, Creonte retruca que suas exigências vão muito além das filhas de Édipo. Que ele visa o próprio Édipo. E quando a altercação atinge seu ponto máximo, Teseu entra em cena gritando: que algazarra é esta, que me impediu de continuar o sacrifício de um belo touro ao grande Poseidon?

- Majestade, esse homem malvado raptou minhas filhas e ameaça levar-me também.

Teseu, rapidamente determina que seus guardas interrompam o sacrifício que executava e que se juntem a outros para impedir o fluxo nas estradas e, com isso, impedir a fuga dos raptores com as raptadas. Para Creonte diz seu desejo é matar-lhe, mas que o tratará da mesma forma que ele tratou as filhas de Édipo. Que somente o libertará, quando as jovens forem restituídas ao pai. Em seguida acusa-o de denegrir a si próprio e ao seu país, pois a célebre Tebas não pode ser representada por um tipo como ele. Diz: não foi Tebas quem lhe ensinou a praticar essas vilanias; elas são próprias de teu caráter deformado. Diz-lhe ainda que em sua pátria as Leis e a Justiça são praticadas e respeitadas, mas que ele, Creonte, ao arrepio dessas Leis, apossou-se indevidamente do que queria, sem respeitar os direitos alheios. Pergunta-lhe, em tom de desafio, se ele imaginou que não haveria homens em Atenas? Que ele escaparia impune? Prossegue dizendo: aqui, Creonte, nada acontece sem o consentimento do rei e das Leis e tu deverias saber como se comportar em uma terra estrangeira. Tua idade deveria ser-te melhor conselheira, mas parece que ela só aumenta a tua estupidez. Repito homem! Daqui tu só sairás quando devolveres as pobres indefesas que levou.

Creonte, num misto de subserviência irônica e arrogância, responde: rei, eu nada disse que pusesse em dúvida a virilidade dos homens de Atenas. Tampouco afrontei suas Leis, mas eu não podia imaginar que um parente meu fosse tão benquisto em tua pátria. Principalmente se esse parente for um parricida incestuoso que ofendeu os pilares mais básicos de qualquer sociedade. Ao vir buscá-lo tinha em mente que resgatava o que era nosso, e apesar de seus pecados e das maldições que ele lança contra mim, contra meus filhos, contra os seus próprios filhos e até contra sua pátria, não temos qualquer intenção de maltratá-lo. Quanto à tua ameaça, veja, eu sou um único homem. Velho e frágil. Faça, pois, o que a consciência te mandar. Entretanto, aviso-te que eu reagirei a tua agressão com o pouco de poder que me resta.

Atente-se que em momento algum, inclusive nas outras “Tragédias” aqui resumidas, Creonte assume a sua parcela de culpa no episódio do incesto de sua irmã, o qual, a rigor, só aconteceu por ele ter oferecido a mão de Jocasta ao primeiro que vencesse a Esfinge. Fosse ele, quem fosse. Assim, se Creonte errou inconscientemente e de boa fé, também Édipo e Jocasta erraram de modo igual.

Édipo, ultrajado pelo discurso do cunhado diz: cachorro imundo! Verme ignóbil! Tu te deleitas em falar dos meus erros, mas tu sabes que eu só os cometi involuntariamente, cumprindo os desígnios imutáveis e insondáveis das divindades. Agora tu bajulas Teseu e a gloriosa Atenas, mas saibas que tu és um verme que não se envergonha por atacar um velho cego e duas meninas inocentes.

Teseu, acompanhando a ira de Édipo, fala para si mesmo que enquanto discutem o tempo urge e não são tomadas ações mais contundentes. Com firmeza e severidade diz a Creonte que lhe informe o caminho ou o esconderijo de seus asseclas e o intima a ser seu guia na perseguição. Diz: Creonte, eu sei que tu não se arriscarias sozinho nessa empreitada, mas saiba que estou prevenido contra qualquer golpe que tu tentes contra minha pátria e te aconselho a não fazer, pois tu não sabes o tamanho de minha vingança. Agora ande, mostre-me o esconderijo de teus capangas e pense bem no que eu te disse; o que pensa ganhar com trapaças, custar-te-á muito caro.

Creonte volta a demonstrar insolência ao dizer que ali ele nada pode fazer, mas se aquela ameaça lhe fosse feita em Tebas, o resultado seria outro.

Teseu ordena-lhe que se cale e, na seqüência, pede a Édipo que o aguarde com tranqüilidade, pois tudo fará para devolver-lhe as filhas amadas. Comovido, Édipo agradece.

O Coro assoma à cena e entoa a seguinte Estrofe: se eu estivesse às margens de Elêusis, aonde as procissões vindas de Atenas iluminam o escuro da noite com suas tochas beatificadas, e onde os inimigos caem nas mãos de Ares guerreiro, como se fossem vitimas para os sacrifícios feitos pelos descendentes de EUMOLPO (rei e pontífice que fundou Elêusis, cujos descendentes formavam uma casta de sacerdotes devotos da deusa Deméter [ou Perséfone]) eu veria que ali Teseu recuperaria as virgens filhas de Édipo. A Antístrofe, em seguida, canta: ou a neve que recobre as rochas, para além de “EA”, assistirá a captura dos raptores feita pelos bravos cavaleiros que conduzem os imponentes potros consagrados a Atená e a Poseidon, o amado filho de REA (titânida que se casou com Cronos, seu irmão, e gerou os deuses Zeus, Poseidon, Héstia, Deméter, Hera e Hades). Na Estrofe dois, continua-se a especulação sobre a captura: lutam? Já se ouvem os bons prognósticos para as filhas de Édipo? Oh Zeus, cessa agora todas as dores. Sim, eu prevejo vitória retumbante no combate e suspiro meu desejo de alçar voo como se fosse uma pomba e do alto assistir à luta. Na Antístrofe, entoa-se: salve Zeus! Salve Senhor dos Deuses! Conceda força e vitória aos nossos. Que seja exitosa a captura dos malvados. Que Palas Atená, tua augusta filha, nos proteja. Que Apolo e sua irmã Ártemis (Vênus, em latim), amparem os moradores dessa terra.

O Corifeu, ao encerrar o ato, diz a Édipo que ele veja como seus agouros foram acertados, pois ao longe já consegue enxergar Antígona e Ismene de volta, protegidas por valente escolta.

- Como, ouvi bem? Onde?

Antígona atira-se nos braços do pai e entre manifestações de afeto, lamenta por ele não poder enxergar o nobre homem que a devolveu a ele.

- Sim filha, bem que eu gostaria de ver esse brilho em minha frente.

Pai, nós fomos salvas por Teseu e seus comandados.

- Mas onde vocês estão filhas? Contem-me o que ocorreu.

- Aqui pai, juntinho a ti. Sim, contarei tudo, mas penso que o Senhor deveria dirigir-se ao nobre Teseu, o salvador de nós duas.

Édipo, comovido, pede que Teseu não se espante com as demonstrações de carinho entre filhas e pai. Diz que não esperava mais revê-las e que por tamanha felicidade, esbanja palavras. Diz, ainda, que a ele deve essa imensa felicidade. E prossegue falando: tu as salvaste, quem mais o faria? Que os deuses te recompensem, nobre rei. Em outros lugares não encontrei justiça, piedade e lealdade como aqui; como em tua abençoada terra. Como eu poderia te pagar se tenho apenas palavras? Por isso, ó rei, deixe-me tocar tua mão direita e beijar tua face...mas, não, oh! O que eu iria fazer. Como eu poderia tocar o filho de Egeu, que não carrega nodoa alguma. Eu, pecador, só devo tocar em outro pecador. Assim, que meu agradecimento fique à distância, sublime Teseu.

Responde Teseu que o carinho demonstrado não o espantou, nem a precedência dada à recepção das mesmas. E que isso não o melindrou de forma alguma. Diz: não procuro adornar minha vida com palavras, mas sim com feitos, com atos. E tu viste que minhas promessas não são vazias. Entrego-te, pois, tuas filhas incólumes, intocadas pelos raptores. Quanto ao combate não quero alardear glórias. Elas te contarão, se desejar ouvir, como o fato aconteceu. Contarão o que viram e o que ouviram, mas antes eu quero-te falar sobre uma informação que me chegou por acaso, no meio do caminho. É uma noticia que julgo merecer tua atenção.

- Do que é que se trata, ó filho de Egeu?

- Consta que alguém que se diz seu parente, embora não viva em Tebas, estava no mesmo altar em que eu sacrificava um touro em honra ao deus Poseidon, quando fui salvar tuas filhas.

- Quem será ele? Donde virá?

- Sei apenas que ele quer conversar contigo. Mesmo que seja por poucos instantes.

- Que será? Os suplicantes sempre querem algo mais que uma simples conversa.

- Recordas-te de algum parente em Argos que poderia querer falar contigo?

- Não, não... ou melhor, espere. Acho que sei quem é, mas não me pergunte quem seja.

- Por que Édipo?

- Creio que o suplicante, segundo dizem minhas filhas, é meu filho Polinice, a quem odeio.

- Ora Édipo, escute-o. Ouvir-lhe não o obrigará a nada.

- Admirável Teseu, para um pai, a voz de um filho como ele é um insulto. Peço-te, não me obrigues a recebê-lo.

- Mas Édipo, trata-se de um suplicante e ouvir-lhe é uma obrigação que a Lei dos deuses nos impõe.

Antígona intervém e também pede ao pai que ceda. Diz-lhe: deixe-o, pai, adorar o deus que escolheu e nos permita receber nosso irmão. Que prejuízo haverá em ouvi-lo? Tu o geraste e por isso, paizinho, mesmo que ele te fira com palavras e idéias, não é justo que se retribua a maldade com outra maldade. Outros pais também tiveram filhos ingratos, mas foram apaziguados pelos deuses, pelos amigos e pela própria Razão. Se tu olhar verás que os teus males são oriundos dos males de teu pai e de tua mãe e essa corrente, se não for cortada, continuará a produzir desgraças infinitamente. Não te obstines.

- Tuas palavras são ponderadas, doce filha. E ainda que seja a contragosto eu o receberei. Apenas rogo, Teseu, que tu não lhe permitas fazer-me mal.

- Estranho que tu me peças isso, Édipo, pois tu acabaste de ver do que sou capaz para defender-te. Tu terás minha proteção enquanto eu viver. Sossegues quanto a isso.

O Coro, na seqüência, entoa a seguinte Estrofe: quem quer além do razoável, cultiva a insensatez. O prazer foge de quem rompe as fronteiras, pois ricos em anos, todos nós só acumularemos dores. Tanto faz se fomos módicos ou gananciosos, pois a morte envia a todos para o mesmo Hades. Na Antístrofe diz: àqueles que buscam incontrolavelmente o brilho fugaz na juventude, eu aconselho que voltem ao ninho da moderação, pois a velhice traz dores e dores. É o congresso dos males. No Epodo, fala: na velhice, infeliz e sempre só. Mas já não como aventureiro frente às borrascas que se gabava de enfrentar. Só, ante a luta que se bate dentro do próprio ser.

Após a intervenção do Coro, tem inicio o “Quinto Ato” com Antígona dizendo que avista um homem se aproximando. Diz a jovem: vejo que vem sozinho e me parece que as lágrimas banham o seu rosto. Édipo pergunta-lhe se ela o reconhece e após certa hesitação ela diz: sim, pai! É teu filho Polinice, o nosso irmão. Ele, ao chegar, ajoelha-se à frente do pai e geme suas dores. Ó pai, que desolação. Não sei por quem eu choro primeiro: se por ti, por minhas irmãs, ou se por mim. Encontro-te no exílio, amparado apenas por essas duas jovens, por minhas pobres irmãs. Sujo, roto, mendigando; ó que dura velhice tu experimenta. Tão pobre quanto teus trajes devem ser teus passadios. Como eu me sinto infame, deuses! Ver-te nessa penúria e pensar que eu a poderia ter evitado. Agora entendo porque me chamam de o “pior dos homens”. Como pude deixar que te lançassem nessa miséria ultrajante? Ó deuses! Tentarei, juro-te pai, remediar meus erros e servir-te de amparo. Quem sabe eu ainda não encontre alguma redenção. Mas, pai, por que tu nada respondes? Por que tu sais de minha proximidade sem dar uma palavra? E vós, minhas doces irmãs? Apelo ao sempre generoso coração de vocês para ajudarem-me a conquistar o perdão do nosso pai. Tentem convencê-lo a abrandar o ódio que me devota. Antígona responde-lhe: tenta tu mesmo, infeliz Polinice. Conte-lhe suas dificuldades. Palavras comovem e, talvez, despertem-lhe o afeto.

- Sim, irmã, eu tentarei.

- Pai, eu também fui banido de Tebas. Eu, o teu primogênito, fui impedido de tomar o trono que foi teu e que, por direito, seria meu. Mas teu filho mais novo, o execrável Etéocles, usurpou o Poder, apoiado pelo povo que se viu enfeitiçado por tuas maldições. Após mil atropelos pai, tornei-me genro de Adrasto, o rei de Argos. Agora, junto a ele e a mais seis valiosos Generais (1) de países aliados, marchamos contra a Cidade que me viu nascer, a Tebas das Sete Portas. E eu te prometo pai, que após matar, como desejo, ou expulsar o usurpador Etéocles virei te buscar para que retomes o Palácio que sempre foi teu. Juntos, nós governamos a nossa terra.

1 – Esses Generais, que são nomeados no Capitulo “As Fenícias”, e Polinice são os protagonistas da Tragédia intitulada “Sete (chefes) contra Tebas” de Ésquilo. Ali são narrados os fatos da guerra entre os irmãos filhos de Édipo.

Porém, pai, para que eu alcance êxito eu preciso que o senhor retire as maldições que me lançou e me dê sua benção. Sem isso eu não terei o apoio dos deuses. Sem ti eu nada conseguirei.

O Corifeu intervém e pede que Édipo responda ao filho, inclusive por consideração a Teseu, que permitiu tal encontro.

Édipo diz que falará com o filho excomungado, mas apenas por consideração ao rei de Atenas. Apenas por ele e não pelo filho. Inicia seu discurso declarando seu apreço a Atenas que o acolheu. Em seguida dá vazão à sua raiva e colericamente vocifera: tu, verme ignóbil, quando era o rei de Tebas, baniu o próprio pai e o condenou a mais negra das misérias. A mesma que, agora, diz lamentar. Mas o que me resta senão levar minha desgraça até o fim? Se eu não tivesse esses anjos, que tu chamas de irmãs, já estaria morto de inanição. Você e teu irmão, não são meus filhos. São filhos de outrem. Mas saiba que um olho divino te vigia e tu verás que se não detiveres às tropas que são tuas aliadas, Tebas sucumbirá. Tu não a conquistarás, pois antes o teu sangue ensopará a terra, junto com o sangue de teu irmão. As “Arás (maldições)” que eu vos lancei serão minhas armas na guerra que vos declaro. Guerra que ensinará aos filhos o respeito que aos pais se deve. Tu, ó sórdido verme, é tão baixo que eu te domino, mesmo que esteja rei. Vá, filho espúrio; vá, peste das pestes. A ti e ao outro, eu só deixarei maldições. A guerra nunca te dará a posse da terra dos teus ancestrais. E nem Argos te acolherá mais. Morrerás pela mão de teu irmão e ele pela tua; juntos irão para o mais fundo do Tártaro (a parte mais escura e profunda do Hades). Eu te renego e invoco as Deusas da Morte e o deus Ares para que me ajudem a lhes dar a lição que merecem. Leva essas profecias aos tebanos e aos teus aliados. Este é o legado de Édipo aos seus filhos.

Polinice, em tom de lamúria, responde: este é o triste fim das minhas andanças desastradas. Que farei? Não posso contar o que Édipo me disse aos aliados que me seguem na empreitada contra Tebas. Como eu poderia lhes contar que a minha morte e o nosso fracasso já foram decididos pelos deuses? Já não posso detê-los e só me resta ir de encontro ao meu Destino em cerrado silêncio. E a vós, irmãs queridas, que assististes às profecias e reprimendas que nosso pai me lançou em rosto, eu imploro que quando os vaticínios se cumprirem e eu morrer, que não deixem meu corpo insepulto, servindo de banquete aos corvos e aos cães. Não deixem que me desonrem e me neguem os ritos fúnebres. Se conseguirem voltar a Tebas, por amor aos deuses, sepultem meu corpo com os ritos adequados. Vós, a quem cabem todas as honras pelo devotamento que prestam ao pai, haverão de serem abençoadas pela caridade que me prestarem.

Observe-se novamente a importância dada aos ritos funerários pelos povos da Antiguidade, especialmente pelos gregos.

Antígona responde-lhe: ó Polinice, escute o que eu tenho a dizer: volte para Argos com teu exército. Não destruas a cidade que te viu nascer. Pensas, o que tu lucrarás com tanto ódio? Que recompensa a destruição de tua pátria poderá trazer-te? Não vês que agindo assim confirmas as funestas previsões? Tu acabaste de ouvir que você e Etéocles morrerão em duelo mortal. Oh, pobre irmão...

Irmã querida, depois de tudo que passei e depois de tudo ser arranjado com meus aliados eu não posso voltar atrás. Ademais, o ódio que sinto pelo usurpador é maior que qualquer temor que eu pudesse ter. Não procure me demover. Rumarei para a desgraça, como determinaram os deuses. Fiquem minhas irmãs com meu afeto. Adeus.

- Oh, pobre irmão, só me resta chorar.

- Não chore por mim, Antígona. O nosso Destino, bom ou mau, está na mão dos deuses. Só podemos aceitá-lo e pedir para que a minha desdita nunca alcance a ti e a Ismene.

Note-se que Polinice fala novamente sobre a submissão irrestrita do Homem ao seu Destino, à vontade dos deuses. Conceitos como o de Livre-Arbítrio eram inexistentes e essa plena resignação embasou fortemente algumas práticas do Cristianismo posterior.

O Coro assoma à cena e entoa a seguinte Estrofe: males geram males. Que toda ruína afaste-se de mim. A vida nos ensina que os desígnios dos deuses são imutáveis. O que hoje é elevado, amanhã será abatido.

Édipo substitui o Coro e pede às filhas que chamem Teseu.

- Paizinho, o que tu queres?

- Filha, em breve Zeus me levará ao Hades. Os trovões já anunciam que à hora é chegada.

Na Antístrofe o Coro canta: ouçamos os terríveis trovões de Zeus. Grande temor me sobe à cabeça. Que novidade eles proclamam? Oh, tremo de medo.

- Filhas, eu sinto a morte aproximando-se. Nada a desviará.

- Como tu podes saber pai? O deus Hades te acena?

- Sim, eu bem sei. Vão, filhas, pois tenho urgência de falar com o glorioso Teseu.

O Coro inicia o canto de outra Estrofe: ouçam todos o ribombar dos trovões. Eu rogo que as trevas, que recobrem o solo sejam-nos favoráveis. Que nós não sejamos julgados injustos. Se meus olhos viram Édipo, o maldito, que eu não seja punido por isso. Oh, por ti eu clamo Zeus!

Édipo, sem conseguir conter a aflição pergunta por Teseu e diz temer que ele não o encontre vivo.

- Pai, o que é que o senhor quer lhe contar está apenas em sua mente?

- Sim, Antígona, é o beneficio que eu lhe darei como recompensa por ter-nos acolhido e defendido. Eu quero cumprir a promessa que lhe fiz ao chegarmos.

Na Antístrofe, o Coro entoa: venha filho de Egeu! Depressa, meu Senhor! Se tu estiveres na longínqua gruta sacrificando um touro a Poseidon, interrompe tua oferenda e venha ouvir os benefícios que o estrangeiro deixará para nossa Cidade. Diz-se que é uma recompensa valiosa.

Não se pode deixar de notar a resignação das filhas de Édipo ante a iminência da morte do Pai. Tal atitude seria decorrente da crença sobre imutabilidade do Destino, ou apenas a sensação de alivio que adviria com o fim do fardo que carregam?

Em meio ao alvoroço Teseu chega e pergunta a razão do mesmo. Diz: dentre as vozes atenienses (lembrando que Colonos é uma localidade inserida na jurisdição de Atenas) eu posso ouvir a voz do estrangeiro. O quê os assustou? O trovão, a tempestade de granizo?

Édipo responde que não. Em seguida diz a Teseu que ele veio atraído pelos seus apelos e guiado por um deus.

- O que tu deseja, ó filho de Laios?

- Minha morte se aproxima e antes que me leve, eu quero garantir a promessa que te fiz.

- Mas por que pressentes a morte? Quais são os sinais?

- Recebo mensagens pelas vozes dos deuses. Dentre outras, os trovões e as flechas de fogo que são lançadas por mãos invisíveis.

- Diga-me, Édipo, o que eu terei de fazer?

- Siga-me até o local onde morrerei. Ali te revelarei o segredo que não posso expor a mais ninguém. Nem às minhas adoradas filhas, por mais que eu as ame. O local de minha tumba só tu saberá. Nunca o revele e ali tu sempre receberás força e poder. Quanto ao segredo repasse-o apenas ao teu filho e ele, ao filho dele; sempre de forma a mantê-lo apenas como os herdeiros do trono de Atenas. Através desse mistério, Atenas sempre estará protegida contra a “Semente do Dragão (os tebanos, cujos antepassados foram gerados a partir dos dentes do dragão que Cadmo matou)”. Repasso-o a ti porque sei de tua larga experiência e da tua honradez. Mas agora vamos. Sigam-me também, filhas adoradas. Agora serei eu quem os guiará, pois mesmo cego o deus Hermes me orienta. Oh, luz que me iluminava e que sinto apagar-se. Caminho a última etapa, antes de sumir no invisível. A ti, nobre Teseu, e a tua Cidade desejo prosperidade e paz.

O Coro, na seqüência, entoa uma estrofe onde invoca o deus Edomeu (Hades) e a deusa do Invisível (Perséfone), pedindo-lhes que concedam uma morte suave ao estrangeiro; e que também sejam suaves os seus caminhos nas planícies do Hades, pois em vida Édipo já sofreu grandes e injustas dores. Na Antístrofe, continua a súplica por Édipo, invocando as deusas Subterrâneas, o cão Cérbero e Tânatos, a personificação da morte.

Na seqüência, um mensageiro assoma à cena para comunicar o falecimento de Édipo. Quanto às circunstâncias em que a passagem se deu, diz que seu relato será curto, pois pouco viu.

Ainda assim o Corifeu lhe pede que confirme o passamento do “Atormentado” e que dê as informações que tiver sobre a passagem do mesmo. Se ela foi rápida, indolor, pacifica? O arauto diz que foi espantoso o que aconteceu, pois Édipo se encaminhou para determinado lugar sem necessitar da ajuda de ninguém. Ao contrário, foi ele quem indicou o caminho correto àqueles que o seguiam. Em determinado ponto, junto ao vaso bojudo que guarda o pacto firmado por Teseu e Perito (para desceram ao Hades em busca de Perséfone que fora raptada pelo deus Hades), tomou posição e após despir suas velhas roupas pediu às filhas que lhe dessem água pura com a qual se lavou e fez as devidas libações. Logo depois se ouviu os estrondos dos trovões de Zeus. As filhas caíram de joelhos, abraçaram-no em prantos e dele ouviram: a partir de agora já não tendes pai. Extinto está tudo o que eu fui. Vosso duro trabalho de amparar-me terminou. Só lhes deixo uma palavra em paga de tudo que me fizeram, pois jamais alguém vos deu o afeto que tivestes deste homem que agora vos é arrebatado. Desse modo os três soluçavam, mas o choro foi amainando e se fez um grande silêncio. Ouviu-se, então, uma voz divina chamar pelo tebano e, ato contínuo, ele agradeceu a Teseu pelo abrigo e pela promessa de amparar as suas filhas. Depois, Édipo pediu que todos se afastassem, já que queria falar a sós com Teseu. Após breve caminhada, nós olhamos para trás e no lugar onde estivera Édipo nada mais havia. Teseu, sozinho, estava de joelhos agradecendo ao milagre que presenciara. Como Édipo morreu só Teseu, entre os mortais, sabe. Se a Terra se abriu e o engoliu, ou se foi arrebatado aos Céus é um mistério que não sabemos. Partiu sem um gemido e sem o tormento das enfermidades. Alguns dirão que isto que contei é fruto d’algum delírio, mas eu vos asseguro que é o que eu vi.

- E as filhas de Édipo?

O mensageiro responde que estão por perto, pois ouve suas lamentações. Antígona volta à cena e entre soluços diz: ai, ai, o que nos resta além da dor? Em todo canto só vemos o sangue maldito de nosso pai. Só lágrimas, nós levamos.

- Édipo partiu, ó jovem Antígona?

- Sim. Partiu como desejava partir. Sem ferimento de guerra, longe da fúria do mar e sem os grilhões de Creonte. Os lábios da Terra se abriram e ele desceu ao ventre escuro. Agora sobre os meus olhos e os de minha irmã, desce a sombra fatal. Somos errantes, jogadas às ondas da vida. Quem nos dará abrigo?

Ismene reforça as lamúrias de Antígona e diz que gostaria de ter descido ao Hades junto com o pai.

O Corifeu intervém para dizer-lhes de sua admiração pela nobreza da trilha que ambas percorreram e da necessidade de se aceitar os desígnios dos deuses.

Aqui se nota novamente que o pranto é mais intenso pelas dificuldades que os sobreviventes enfrentarão com a morte do ente querido, do que pela morte e desaparecimento do mesmo.

Antígona retoma sua cantilena dolorosa e externa sua dor pela falta do pai, enquanto jura que nunca deixará de lamentar sua morte. Ismene acrescenta novas lágrimas pelo temor do que o futuro lhes reserva. Antígona, semi-inconsciente, pede que a irmã lhe acompanhe de volta ao túmulo do pai, dizendo que sente uma estranha compulsão de estar junto a ele. A irmã não entende aquele estranho desejo e reluta em seguir-lhe, enquanto tenta demovê-la de tal intento.

- Ó Ismene, leve-me até lá e acabe comigo. Não suporto mais a vida que nos é tão madrasta.

- Não Antígona amada. Pense em mim. Agora somos apenas nós duas. Não me deixe só nesse Mundo tão cheio de crueldade.

O Corifeu intervém e Antígona volta à razão. Diz-lhe a jovem que teme voltar para o abrigo ateniense e se pergunta para onde ir, junto com a irmã. Nesse momento Teseu volta à cena e pede que as irmãs cessem as preocupações com o futuro, pois é indigno esse pensamento enquanto se chora pela morte de quem tem o reconhecimento de todos e descansa em paz.

- Cessem o choro, jovens, pois com ele só atrairão a ira dos deuses. Digam-me em que eu posso lhes ajudar?

Antígona insiste que gostaria de ir ao túmulo do pai, mas Teseu pondera que ali é um local proibido. Que foi o próprio Édipo quem determinou que ninguém soubesse onde seu túmulo estaria. Que não fosse revelado sequer o nome do lugar. Disse-me, continua Teseu, que se eu cumprisse tal determinação, Atenas prosperaria em paz.

Antígona replica que ao saber desse desejo do pai, aceita a interdição e conta que planeja voltar com Ismene para Tebas, onde tentarão impedir as mortes dos irmãos.

O Corifeu encerra a encenação pedindo que cessem as lagrimas, pois o rio voltou a correr em seu curso.

São Paulo, 24 de Junho de 2011

sábado, 25 de junho de 2011

Reviver

Em algum Tempo,
nossos passos
já dançaram
um só
Espaço.

Leve dança,
em que unimos
as nossas memórias
e fundimos as
nossas histórias.

Leve dança,
da alma
que se lança
no Infinito
dos Possíveis.

           

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Autógrafos

A solidão do
salão repleto,
reflete-se em
cada gesto
incompleto.

Mulheres de plástico
flertam com Homens
vazios.
São fins
de cios.

Relações e
desolações,
das falsas
erudições.
Das falsas
constelações.

Plano

Falta-me a tua paz
e a maciez de
teu carinho.
Falta-me o abrigo
de teu ninho.

Estou só, no planalto
que desconheço.
, sob um Céu
que não reconheço.

Esconderam-se as
estrelas que eu via.
Resta a noite,
nessa estranha
sesmaria.

           

domingo, 19 de junho de 2011

Manhãs

Pedirei aos velhos
Xamãs,
a graça de acordar-te
em todas as
manhãs;
e a dádiva
das mil noites que
passarão
qual torrente de
monção.

Pedirei a todos os
Orixás
a benção de
saber-te em minha vida,
qual promessa cumprida.
Pois só tu repôs
esperança
e motivo
para o ato
de estar vivo.

E a todos os Santos
farei um apelo,
pois te sei
a ponta do novelo
que guia meus passos
nesse Labirinto
de tantos traços.

E a quem mais houver
por ti pedirei,
Rainha
que me faz Rei.

sábado, 18 de junho de 2011

Cristal

Então aconteceu:
partiu-se o Cristal
e o parto de luz
iluminou a minha
espera;

eis-te em minha
vereda,
como estrela a ser
possuída,
como carícia a ser
sentida,
como trilha a ser
seguida,
como mágoa a ser
proibida
e alma a ser
despida.

         

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Gerais

A face branca
de uma Lua
exagerada,
ilumina esse
quarto nas Gerais.

E essa luz
que goteja
assiste minha
saudade.
Falta-me a metade.

Falta-me Cristina,
poema
que não
termina.

        

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Luzes

Porque outro
Sol
reinaugura-me a
cada manhã;
eu sei
que outra
luz
me ilumina,
são os olhos
de Crhistina.

          

terça-feira, 14 de junho de 2011

Distância

Porque saudade
é a distância
que se sente,

eis que de repente
tua ausência,
cristaliza minha dor.

             

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Thyago

No Principio foi o Verbo e algum delirio.
Verbo e Delirio de fazer.
Fez-se o Filho.
De bônus, veio o brilho.
De bônus, veio o trilho.

No meio, o menino
de um certo Destino:
Quixote e moinho;
de bônus, o caminho.

Pouco mais do meio,
o Poeta Idealista
viveu cada fantasia
e se descobriu Artista.
Máscara e cena;
Ave Anarquista!

Findo o meio, há que explorar o Sotão e o Porão.
Dos 18 aos 19, virou "bixo" e indeciso Socialista
a andar nas ruas que ainda haverão.

Em 23 anos, filho, tu me deu mais que orgulho. Tu me deu a certeza de que tudo valeu à pena. Feliz Aniversário. Beijos.

domingo, 12 de junho de 2011

Quantos

Quantos Homens
a Fonte
já viu passar?
Quanta dor,
quanto amor,
desfilaram
nessa Alameda?

Homens passam
carregando
o que são;
e deixam
nesse chão
uma marca,
um sinal,
de que viveram
em vão.

Nada lhes restou,
só a Fonte sobrou
para assistir
outro ir e vir,
na eterna Mandala
que nada fala.

Os Homens seguem,
o solo
os acoberta
e o esquecimento
apaga
seus sonhos,
feitos,
quimeras
e Primaveras.

Quantos Homens
a Fonte
ainda verá?
Quantas almas
sonharão
nessa Alameda?

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Concluir

É Outono na vida,
a flor foi banida,
a paixão foi proibida
e a poesia esquecida.

Quadra sem herói
do vento que destrói
os castelos de areia
em constante e meia.

O rascunho do verso
jaz imerso.
Inconcluso poema,
de semi extinto tema.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Amar-te

Amar-te
com a paixão
das bacantes
e com a
suavidade
dos eternos
instantes.

E depois,
adormecer-te
com a calma
da brisa
do Atlântico,
que insisto
sentir aqui.
 
          

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Idas e Vindas

Porque se supõe
além da arte
e do artista,
a beleza que
não se avista,

imagina-se
a amplidão
desse Teatro,
onde a cada
entreato
troca-se a platéia,

para que outrém insista
ver o que não se avista
na arte
de igual artista.

E tudo se repete,
como o programa promete.

sábado, 4 de junho de 2011

Gregas Tragédias - 12 - AS FENÍCIAS

Eurípedes – 485/406
Cenário – Palácio Real em Tebas
Data da 1ª Apresentação – Entre 411-408 aC.


Personagens:

1. Antígona
2. Coro e Corifeu - composto por mulheres fenícias
3. Etéocles
4. Jocasta
5. Polinice
6. Preceptor


Eurípedes apresenta Jocasta como a única que consegue manter certa racionalidade, após a revelação do parricídio e do incesto. Nessa condição, ela tenta organizar o Mundo de seus transtornados filhos, gerados com o incestuoso marido. É sua função de mãe; e para melhor desempenhá-la busca descobrir e corrigir a causa dos inúmeros infortúnios que assolam a Casa dos descendentes de Cadmo.

A peça tem inicio com Jocasta que lamentosamente invoca o Sol e recapitula com a calma possível – talvez surpreendente em face dos acontecimentos – o Destino dos descendentes do herói. Em seu monólogo diz:

Ó Sol, que traças as rotas no Céu com teu Carro de Ouro, puxado pelos fogosos corcéis, com que raio tu fulminastes a gloriosa Tebas no dia em Cadmo1 aqui pisou, vindo da distante Fenícia?

1 – Cadmo era filho do rei da Fenícia, chamado Agenor. A mando do pai saiu à procura de sua irmã, Europa, raptada por Zeus. Depois de várias e infrutíferas buscas, consultou o Oráculo de Delfos que o aconselhou a desistir da busca e fundar uma cidade onde uma vaca lhe indicasse ser o local correto. Após algumas aventuras, fundou Tebas e nela reinou até o fim da vida.

Cadmo que se casou com Harmonia, de Chipre, e com ela gerou Polidoro, pai de LÁBDACO, de quem Laios é filho e meu primeiro marido. Eu, que sou filha de Meneceu e irmã de Creonte não podia dar-lhe filhos e ele procurou uma solução no Templo de Febo (Apolo), mas o deus vaticinou que a semente que ele plantasse geraria um filho que o mataria e causaria a ruína de sua Casa. Porém, um dia, ébrio de desejo, plantou-me sua semente sem se importar com a profecia de Apolo. Contudo, quando dei à luz um menino, ele se lembrou da advertência e ordenou que os pastores o matassem. O menino, devido às amarras com que lhe aprisionaram, teve os pés inchados e disso resultou seu nome: Édipo, dos pés inchados (Édipo = pés inchados, em tradução literal). Porém os pastores não o mataram por pena e os cavaleiros do rei Pólibo o resgataram e entregaram-no ao rei e à rainha, que também era estéril. Édipo foi criado como um filho genuíno e como príncipe de tornou homem. Mas desde a adolescência boatos sobre sua verdadeira descendência inquietavam-lhe o coração e quando a tais boatos foram acrescentados a profecia de que ele mataria o pai e se deitaria com a mãe, ele deixou Corinto para que o vaticínio nãos se concretizasse. Angustiado, procurou uma resposta no Templo de Apolo e por coincidência, ou por ordem do Destino, Laios seguia para o Oráculo de Delfos para assegurar-se que o filho estava morto realmente, como lhe disseram os pastores. O caminho de ambos se cruzou e uma tola divergência sobre a precedência num entroncamento resultou em briga e na morte de meu marido.

Nesse tempo, a Esfinge assolava Tebas e Creonte, que sucedeu Laios no trono, anunciou que daria minha mão ao primeiro que vencesse o monstro. O Destino quis que Édipo a derrotasse, decifrando o enigma que ela lhe propôs. Surpresa com a resposta correta, a serpente-dragão desequilibrou-se e caiu no fundo precipício próximo. Foi o fim das mazelas em Tebas. Édipo se tornou meu segundo marido e comigo gerou quatro filhos: Etéocles, Polinice, Antígona e Ismene. Reinou com sabedoria e a cidade floresceu. Mas a paz do que parecia ser uma família perfeita ruiu, quando veio à tona o horror do parricídio e do incesto, cometido por meu filho e marido1.

1-Maiores detalhes no capitulo “Édipo Rei”, nessa obra.

Édipo vazou os olhos com os alfinetes das túnicas, dizendo que seus olhos nunca mais veriam tanto horror e desde então é possuído por triste insânia que o leva a maldizer os filhos, frutos do seu amor espúrio. Os filhos adultos mantêm-no aprisionado, escondido do escárnio público. Querem que se esqueçam do terrível Destino que nos aterrou. Trancado a “sete chaves”, Édipo urrou tantos impropérios e maldições contra todos e especialmente contra Etéocles e Polinice, que disputavam com voracidade o Poder vago, com o afastamento do pai, que eles se assustaram com a possível fúria dos deuses e acordaram que Polinice, o mais novo, partiria em exílio voluntário, enquanto Etéocles governaria. Combinaram que após um ano as posições se inverteriam, mas Etéocles não honrou o compromisso e baniu o irmão para sempre. Polinice foi viver em Argos e ali se tornou genro do rei Adrasto e comandante do exército. Agora, nessa condição, marcha contra a “Tebas das Sete Portas”.

Para evitar o conflito eu os persuadi a conversarem como irmãos antes de recorrerem às lanças. Agora vejo que retorna o mensageiro que enviei, trazendo a noticia da vinda de meu filho caçula. Rogo-te Zeus luminoso que nos socorra. Faça que meus filhos cheguem a um acordo e não permita que os homens incorram no erro da violência.

Nestes trechos, observa-se a fria racionalidade de Jocasta. Pouco lhe importou que o filho recém nascido fosse destinado à morte e nem lhe pesa na consciência a parte do erro que cometeu ao se deitar incestuosamente com Édipo. Alguns dirão que se trata de uma mulher prática e objetiva; outros, que se trata de uma mulher sem caráter, egoísta e materialista. Eurípedes permite que seus leitores escolham a visão que melhor lhes convir.

Após o longo monólogo de Jocasta, a cena muda para o Preceptor que desempenhara a função de mensageiro junto a Polinice. Já com a princesa Antígona, ele diz: nobre alteza, como tua mãe permitiu que tu deixasses os aposentos das donzelas e satisfizesse o desejo de ver o exército argivo (de Argos), que marcha sob o comando de teu irmão, deixe-me sondar o caminho para que não cometamos o erro de ensejar que alguém fale contra a tua e a minha honra. Por ora fique aqui, a salvo dos olhares dos servos, e deixe que eu te reporte o que acontece. Terás informações precisas, pois serei teu olho e teu ouvido, e te contarei tudo que ouvi e vi enquanto estive no acampamento argivo para deixar a mensagem de tua mãe ao príncipe Polinice. Pronto, agora estamos seguros, venha e observe o que quiseres, pois estamos a salvo de olhares indiscretos. Ninguém se aproxima do Palácio.

Antígona pede ajuda para galgar à janela e passa a assistir as manobras das tropas. Um grito de assombro lhe escapa e o Preceptor comenta o imponente avanço do inimigo. Antígona teme a invasão e aflita questiona o servo acerca das medidas de defesa da cidade. Se as sete portas estão trancadas e se as muralhas que Cadmo construiu estão firmes. O servo a acalma e insiste para que ela observe as tropas para bem conhecê-las. Antígona admira-se com um dos homens que encabeçam o exército e o Preceptor lhe diz que é o rei Hipomedon, aliado de Argos. Sem se conter, Antígona fala de seu encantamento pela imponência majestosa do guerreiro, pelo brilho de suas armas e pelo seu porte de cavaleiro, que se compara ao de um deus. O servo aponta-lhe outro e diz que é Tideu, filho de Eneu, um grande guerreiro, mas o fascínio da princesa não se repete.

- E aquele outro, mestre? Não é o concunhado de Polinice?

- Sim alteza. É etólio, como seu escudo indica.

- Mestre, como tu sabes tanto?

- É que conheci os emblemas, alteza, quando estive no acampamento argivo.

-E aquele?

- É Partenopeu, filho de Atalanta.

-Oh, que o arco de Ártemis o mate, vocifera a princesa. Que ele morra! Não veio para destruir a nossa cidade?

- Sim, alteza, concorda subserviente o Preceptor. Contudo, minha doce criança real, eles marcham cobertos pela justiça, pois vosso irmão Etéocles não foi justo com Polinice e ele tem o direito de reclamar o que é seu. Por isso, Antígona, oxalá os deuses não escutem tuas imprecações injustas.

- E onde, mestre, está aquele que foi gerado por minha mãe? Onde está Polinice?

- Ali, princesa. Próximo ao túmulo das Sete Filhas de Níobe. Veja que ele acompanha o rei Adrasto.

- Não vejo muito Preceptor. Só distingo sua silhueta. Mas se eu pudesse voaria ao seu encontro e o envolveria em carinhoso abraço. Pobre exilado. Ó sim, agora vejo como sua armadura resplandece ao Sol.

- Logo, alteza, ele virá a essa Casa para tua alegria. Virá seguro, pois a trégua o protege.

- Quem é aquele de aspecto tão venerável, mestre?

- É o vidente ANFIARAU, alteza. Veja que ele leva consigo os animais que sacrificará para saciar a sede de sangue das Entidades Infernais.

- Ó deusa Artemis, veja com que graça ele incita os potros. Mas onde está o terrível CAPANEU que brande tantas ameaças contra nós?

- Logo ali, princesa. Observe como ele já estuda a melhor maneira de escalar as muralhas.

- Deusa Nêmeses, sábio Zeus abrandem sua violência e nos protejam de sua bruta selvageria.

- E aquele mestre, não é quem ameaça arrastar as tebanas cativas para Micenas e para Lerna? Ó Artemis, divina filha de Zeus, não permita que eu chore nas redes de tal cativeiro.

- Agora, filha, entre. Recolhe-te aos teus aposentos de donzela. Tu já satisfizeste teu desejo de ver as tropas. Muitas mulheres, atraídas pelo tumulto geral, aproximam-se do Palácio e se elas a virem, logo farão intrigas sobre tua “honra”.

Colocamos a palavra “Honra” entre parênteses, na frase anterior, para caracterizar a união desse conceito com a virgindade da mulher. Da donzela. Vê-se, pois, que essa união de conceitos (honra = virgindade) precede as Escrituras judaico-cristãs; e embora seja um padrão quase extinto no Ocidente, ainda vigora com força em grande parte do Oriente. Também se pode observar que se na Antiguidade seu valor se prendia diretamente ao “valor (comercial, de troca) da moça” para eventuais trocas políticas e/ou comerciais, hoje seu apelo se vincula mais às questões religiosas e machistas.

Nesse momento, o Coro reassume a Palavra a canta a Estrofe I, onde se relata a vinda das mesmas, na condição de oferendas ao deus Apolo, para que o deus ajude Tebas a vencer seus inimigos, pois a dor e a derrota tebana serão idênticas na Fenícia, haja vista ser esta última a origem dos tebanos. Logo após, inicia o canto da Antístrofe I (de métrica similar a da estrofe): fomos eleitas, na nossa Fenícia natal, as oferendas mais preciosas a serem ofertadas a Lóxias (Apolo). Enviaram-nos para a Cidade de Cadmo, para a terra do rei Laios, aparentado com a estirpe do ilustre ancestral Agenor. Mandaram-nos como jóias de ouro para servir ao grande deus. As águas da Fonte Castália já nos aguardam para lavarem nossos cabelos virginais. Oh, pedra de cumes de fogo, vinha que destila os fartos cachos, quisera pudéssemos formar o Coro Sagrado de Apolo. Na seqüência iniciam a Estrofe II: agora, porém, o deus da guerra, Ares glorioso, ameaça-nos com o ferro e com o fogo. Que a sorte nos seja benigna. Comuns e iguais são as dores. Se padecerem estas Sete Torres (as sete portas da muralha que circunscrevia Tebas), a Fenícia ancestral também padecerá, pois o sangue dos tebanos e dos fenícios é igual, tal qual a ascendência. Somos todos filhos da venerada ÍO e, por isso, os males que doem em vós, doem em nós. A Antístrofe II diz: ó, uma nuvem de escudos envolvem os muros. A densa imagem da batalha já se pressente. Os golpes de Ares sobre os filhos de Édipo serão terríveis. Oh, muito perto está o golpe fatal das Erínias (as Fúrias). Eu tremo ante tua força Argos, pois Polinice marcha junto em busca da justiça que lhe foi negada.

Nos trechos acima, o (a) leitor (a) notou a inclusão das “Estrofes e Antístrofes” cantadas pelo Coro. É um recurso teatral que se mostra em várias “Tragédias”, mas que aqui foram pouco citados por colidirem com o escopo dessa obra.

Na seqüência a ação passa para Polinice que verbaliza sua inquietação e sua desconfiança ao adentrar a sua Tebas. Diz para si: as Portas se abriram deixando-me entrar, mas temo que mãos traiçoeiras me ataquem. Pressinto olhares que me espreitam. Tenho que ter atenção redobrada e nunca desligar-me da poderosa espada. Nem em minha mãe eu confio totalmente, ainda que tenha sido dela a iniciativa de propor uma trégua. Só me sinto protegido por estar perto dos altares domésticos que conheço desde a infância. Mas, que vejo? Um grupo de mulheres estrangeiras à porta do Palácio? Falarei com elas.

- Senhoras estrangeiras o que fazem à porta de um Palácio grego? De onde são?

- Responde o Corifeu: na Fenícia fomos geradas e nascidas. Os descendentes de Agenor para cá nos enviaram como ofertas ao deus Apolo para que ele proteja Tebas de seus inimigos. Etéocles iria nos enviar ao Sagrado Templo de Loxias (Apolo) quando as tropas argivas e seus aliados chegaram. Mas, agora, diz-me quem és tu, senhor?

- Sou Polinice, filho de Édipo, o filho de Laios. E de Jocasta, a filha de Meneceu.

- Ó sangue do nosso sangue fenício. Descendente como nós do ilustre Agenor. Dobro reverente meus joelhos ante de ti, como é costume em minha terra. Mas, ó Senhora Jocasta, por que demoras em vir abraçar teu filho?

Jocasta, no interior do Palácio, escuta as mulheres fenícias e responde: ó amigas, paciência. Sou uma velha que tem dificuldade para arrastar os pés. Mas, ó filho amado! Já te vejo. Ao fim de tantos dias amargos, vejo teu rosto querido. Venha, deixe-me abraçar-te. Como, minha linda criança, eu posso exprimir a felicidade que sinto? Tudo renasce. A alegria revive e esqueço por momentos que tu, amado filho, fostes arrancado com violência do lar que te criou. Banido injustamente pelo próprio irmão. Tebas, filho, chora tua ausência. Veja minha branca e tosquiada cabeça de tantas preocupações e dores. Só de luto é que me visto, pois já não acho correto usar as roupas brancas dos dias felizes. Teu velho pai, ó pobre Édipo, com os olhos vazados, foi separado de todos e trancafiado em alguns aposentos do Palácio que foi dele. Atormentado pelas tantas mazelas, busca a todo instante matar-se com a espada e com a forca e chora, pragueja e urra sua dor, enquanto amaldiçoa os filhos. Ó filho, são tantos os nossos males. Mas e tu? Fale-me, amado, de teu casamento. Da casa em que vives. És feliz? É para essa nova família que tu dedicas toda tua energia? Oh, deuses! Como isso é cruel para mim, para o velho Édipo. Oh, tu contraiu núpcias e eu nem pude organizar os preparativos, os festejos, os rituais. A pátria que te viu nascer não pode cumprir os ritos devidos. Que arda no Inferno o culpado por todas as desgraças que arrebentam em minha cabeça e coração.

Polinice, na seqüência, diz: mãezinha, eu fiz bem ou mal em atender teu convite para vir à casa de meu inimigo? Eu amo minha pátria, porém vim aqui com muito medo de que meu irmão tivesse armado uma cilada. Atravessei a praça com a espada na mão e atento a tudo. Só a confiança que ainda tenho em ti é que me animava a prosseguir. A entrar na cidade dos meus ancestrais. Chorando, eu revi o Palácio, os altares dos meus deuses, a minha escola e a águas do rio Dirce. Com violência, eu daqui fui arrancado para viver em terra estranha. Rios de lágrimas vertem de meus olhos e vejo com muita dor os teus cabelos tosquiados e o luto de tuas roupas. Os males nos esmagam. O ódio é cruel, mãezinha. Ataca até as pessoas do mesmo sangue e separa o que deveria ser inseparável. Mas, diga-me, o que é feito de meu velho pai? E minhas irmãs? Sentem minha falta?

Oh filho, responde Jocasta, algum deus devasta sem dó a família de Édipo. Tudo começou quando indevidamente eu tive um filho. Depois, na sórdida união, nasceste tu e teus irmãos. E agora o que fazer? É um decreto divino que devo suportar. Mas, filho, eu tenho que te fazer algumas perguntas que talvez firam teu coração. É necessário filho e não consigo ficar calada. Primeiro, diz-me como te sentes banido? É muito ruim?

- Sim, mãe, é péssimo.

- Por que filho?

- O pior é que não se pode falar abertamente e ser obrigado a suportar as asneiras dos Governantes.

- Sim. Calar-se é coisa para escravos. E comportar-se como um ignorante deve doer muito.

- E servir de capacho para se obter alguma vantagem, mãe? Só eu sei o quanto me machuca.

- Aos exilados, filho, diz-se que sempre lhes sobra alguma esperança.

- Sim, mas ela está sempre muito longe.

- Do que tu vivias, antes do casamento com a princesa, filho?

- Comia um dia e noutro não. E dos favores que os amigos me davam.

- E os amigos e ex-hóspedes do teu pai não te ajudaram?

- Nada, o necessitado deixa de ter amigos.

- Mesmo para tu que nasceu na nobreza?

- A nobreza em nada me ajudou.

- Pelo que tu me dizes, a pátria é o bem mais precioso.

- Sim. A gente só percebe quando a perde.

- Por que fostes para Argos?

- Não sei. Não tinha intenção. Acho que um deus protetor para lá me chamou.

- Sim, deus e sábio. E teu casamento como foi?

- Loxias (Apolo) enviou um Oráculo a Adrasto dizendo metaforicamente que conviria que suas filhas casassem com um “leão” e com um “javali”. Naquela noite aproximei-me do rei para pedir abrigo e logo depois apareceu outro banido, chamado de Tideu, filho de Eneu. Adrasto nos comparou aos animais enquanto brigávamos como feras por um leito e por uma ceia. E por nos comparar ao leão e ao javali, deu-nos as filhas em casamento.

- E tu és feliz no casamento?

- Sim, não posso me queixar.

- E o exército, por que te seguiu?

- Adrasto prometeu devolver-nos às pátrias. Eu seria o primeiro. Muitos “dânaos” e “micênios” me apóiam. Não me agrada a ajuda deles, mas não posso dispensá-la. Por isso, movo um exército contra minha própria cidade. Juro pelos deuses que não queria recorrer à força contra quem mais quero bem. Mãe, os meus e os vossos tormentos dependem de ti. Reconcilia-me com meu inimigo. Põe fim às nossas divergências. Sem justiça nada poderá prosperar, pois “para os homens não há Bem maior que o dinheiro”. E eu não sou diferente. Também quero o dinheiro que me pertence, pois sem dinheiro não se é nada.

Com sincera simplicidade, Polinice resume e expõe o motivo real de todos os conflitos: a ganância. O desejo por riquezas, mesmo quando alguns outros motivos são citados; pois estes, só disfarçam o motivo real.

Interrompendo o diálogo de mãe e filho, o Corifeu anuncia que Etéocles se aproxima.

Chegado, Etéocles dirige-se à mãe: aqui estou. Em consideração a ti e só a ti, é que vim. Interrompi as manobras de defesa para ouvir tua arbitragem. Depois, dirigindo-se a Polinice, pergunta rudemente: para fazer a paz é que trouxestes quatrocentos e cinqüenta guerreiros para dentro das muralhas sem minha participação?

Jocasta intervém e pede calma a ambos. Nada de fúria, pede aos filhos. Vocês não têm um inimigo ante os olhos. Veja Etéocles, é o teu irmão que chegou. E tu, Polinice, olhe teu irmão. Olhem-se nos olhos e será mais fácil falar e escutar. Fales tu primeiro, Polinice, por ter sido injustiçado, como diz. Que um deus seja o juízo e nos conceda a vossa reconciliação.

Polinice toma a palavra e diz: a verdade dispensa longos arrazoados. O argumento mentiroso é que precisa de longos e capciosos discursos. Exilado, eu penso, afastei-nos das maldições de nosso pai Édipo e, conforme o combinado com Etéocles, eu pensei estar dividindo a herança e o trono de maneira justa; mas ele, após jurar por todos os deuses que aceitaria tal trato, não honrou a palavra empenhada. Por isso, mãe, pela falta da palavra empenhada, é que eu estou aqui para reivindicar os meus direitos. Basta que ele honre sua palavra e me deixe governar em anos intercalados e devolva a minha metade da herança. Se isso for feito, prometo-te que afastarei de imediato o exército que trouxe. Mas se ele recusar, eu agirei. Os deuses sabem que ajo dentro da Justiça, a qual, aliás, foi-me negada na época em que fui banido com insolência.

Retruca Etéocles dizendo: se tudo fosse correto não haveria amargura entre os homens. Não, não quero entregar o Poder a quem vem armado reivindicá-lo. Seria um insulto a Tebas curvar-se ante as lanças micênicas. A palavra conseguiria bem mais que a espada, mas ao invés de vir tratar da trégua com o espírito desarmado, eis que ele está aqui nos ameaçando. Se ele quiser a luta que a faça, não recuarei. Se for preciso ferir a Justiça, melhor que seja agora, comigo na posição de Tirano. A decência que fique com os outros.

“Às favas os escrúpulos de consciência...” disse o Coronel Jarbas Passarinho, Ministro à época, para concordar com o AI5 (Ato Institucional n.5), em 1968, que consolidou e endureceu a Tirania Militar no Brasil. Vê-se que milênios antes, Eurípedes colocou na boca de uma de suas personagens fala de teor semelhante. Tal como o brasileiro, Etéocles tenta justificar a Ditadura, a usurpação do Poder, a indecência política e moral, a falta de honorabilidade, com um discurso que prima pelo cinismo e pela falta de caráter, típicos dos Ditadores.

O Corifeu antecipa-se à Jocasta para dizer do erro que comete Etéocles ao elogiar fatos que são indefensáveis. Ao elogiar a iniqüidade.

A mãe Jocasta tenta chamar os filhos à racionalidade dizendo: Etéocles por que te entrega à Ambição, a mais nefasta das deusas? Vem dela, a tua loucura. Pensa filho, a Igualdade é que distribui o Sol e a Lua, sem que um inveje o outro. Quanto à Tirania, doce e amargo mel, por que tanto a preza? Empunhando o cetro tu te achas maior? Mais poderoso? Na verdade, filho, tu só abraça o vazio. Os mortais não possuem bens, valores, riquezas. Só os administram, pois os deuses os tomam sem qualquer aviso. O que tu queres? O Bem de Tebas, ou só o Poder? Se for o último, veja que uma guerra pode tirá-lo de ti em definitivo. Se for o Bem da Cidade, eu te pergunto: que Bem pode vir da morte, da destruição, da escravidão? Mas tu podes dizer que nenhuma dessas desgraças acontecerá se vencer a guerra. Porém, eu te pergunto, de novo: para qual deus tu dedicarás à vitória? Qual deles aceitará tua devoção? Qual deles perdoará o fato de ter matado o próprio irmão? Veja meu filho, não há vitória. Em todas as hipóteses tu perdes.

Esse último trecho da fala de Jocasta fica mais bem compreendido se trocarmos o vocativo e a idéia de deuses, pela idéia de remorso, de culpa. Não é raro que ladrões bem sucedidos, com o tempo, vivam o amargor da culpa, do arrependimento. São os chamados “tristes milionários”.

E tu, Polinice, tire da cabeça as más idéias que Adrasto inspirou. O que disse a Etéocles também te serve e com mais um agravante: se perderes a guerra como vais voltar a Argos? Tu suportarás as censuras? Ouvir que por causa de uma celeuma pessoal, toda uma pátria foi aniquilada?

Filhos, não há virtude na violência!

Irredutível, Etéocles diz à mãe: chega! Não há volta. Eu mando na cidade. Polinice, saia daqui, já!

Polinice rebate: quem tu pensas ser? Tente encostar-me a espada que logo eu te mando para o Hades.

Nesse clima, os irmãos continuam a trocar insultos e ameaças enquanto Jocasta afunda-se na depressão por nada ter conseguido.

Na seqüência, o Coro assume a cena e entoa a seguinte estrofe: Cadmo veio da distante Fenícia e aqui viu repousar uma novilha selvagem, conforme lhe predisse um Oráculo. Viu que aqui deveria semear o rico solo, junto às correntezas do rio Dirce, cujas águas irrigam a relva e as lavouras. Aqui Sêmele gerou o deus Brômio (Dionísio), filho de Zeus. Coroas de heras cobriram o menino, bendizendo o deus celebrado pelas mulheres tebanas que gritam “Evoé1”.

1 – Evoé – grito ritualístico sem tradução possível. Por aproximação no sentido, pode-se entender como “salve”.

A antístrofe inicia-se logo em seguida: aqui vivia o Dragão do deus Ares, que Cadmo matou com potente golpe na cabeça. Depois, por conselho da divina “Palas (Atená)”, semeou os dentes da fera abatida e deles nasceram homens guerreiros que, sorrateiramente, Cadmo induziu a lutarem entre si, não restando um só em pé. O sangue que deles jorrou empapou a terra que hoje resplandece.

O Epodo (a última parte de uma Ode) inicia-se logo após e diz: invoco-te Epafo, filho da nossa ancestral “ÍO” e de Zeus onividente. Clamo por tua prece na nossa bárbara língua (bárbara por não ser grega e sim fenícia). Vem a esta terra que teus descendentes fundaram. Nela reina a Divindade de duplo nome: Perséfone ou Deméter (a esposa do deus Hades e, por isso, a rainha do Inferno). Defende esta terra, pois aos Imortais tudo é possível.

Após a fala do Coro, o cenário da peça se modifica e se vê Etéocles convocando seu tio Creonte para aconselhar-se sobre a guerra. Diz-lhe o irmão de Jocasta: Etéocles preciso muito falar contigo. Procurei-te por toda parte, mas não te encontrava.

- O mesmo aconteceu comigo, tio. Quero teus conselhos, pois a reconciliação com Polinice não aconteceu.

Creonte indaga ao sobrinho que providências ele tomará, pois segundo soube Polinice confia no sogro e no exército.

- Que providências, tio? Não entendi.

- Os argivos enviaram um espião que prendemos e, segundo ele, o ataque não demorará. Seremos completamente cercados. Por isso te fiz a pergunta. Quais as providências que tu pensa tomar para evitar essa situação?

- É importante, tio, que nossas forças tomem posição fora das muralhas, além do fosso, para o combate imediato.

- Etéocles parece-me que tu não vês o que importa realmente. Temos poucos homens e o exército deles é muito superior ao nosso.

- Mas tio, eu acho que são covardes.

- Não sei não. A fama de Argos é boa em toda Grécia.

E entre a prudência do velho e a impetuosidade do jovem, os dois estudam a melhor tática de defesa até que concordam em deixar sete generais e seus batalhões defendendo cada qual uma das sete portas de Tebas. Eles enfrentarão assim, os sete generais inimigos que assaltarão cada uma das mesmas. Isto resolvido, Etéocles sai para tomar as providencias práticas, dentre as quais a escolha dos generais. Antes, porém, diz que se morrer em combate o tio deverá cuidar do casamento de Antígona e Hermon; ela, sua irmã e ele, filho de Creonte. Também lhe confia os cuidados com a mãe e com os negócios de Governo e deixa a ordem taxativa de que, se morrer, o corpo de Polinice não seja sepultado em Tebas, sob pena de castigo extremo a quem o fizer, mesmo que seja de seu circulo de íntimos. Depois, pede que o adivinho Tirésias seja chamado por Meneceu, também filho de Creonte, pois ele quer se consultar sobre o que é melhor para a guerra. Sobre o pai Édipo não emite qualquer ordem a ser cumprida, apenas diz que o reprova, mas que ele já está pagando pelos seus erros.

Nesse momento o Coro assume a cena e entoa a seguinte estrofe: por que, Ares guerreiro, teu canto abafa o alegre hino de Brômio (o deus Dionísio)? Por que tu não danças com a bela juventude? Por que lanças carros e cavalos espartanos contra os argivos e, destes, contra os tebanos? A inflamada Éris (Erínias, Fúrias) já arquiteta as duras calamidades contra os Reis de Tebas. Contra a raça dos descendentes de LÁBDACO (dentre os quais Laios). Na Antístrofe diz: oh, por que o rebento de Jocasta e Laios não foi morto? Quem nos dera que a Esfinge nunca tivesse atormentado Tebas e, com isso, trazido Édipo para esse Reino. Agora Éris espalha desventura entre os filhos de Édipo, pois os “não limpos”, jamais serão limpos, haja vista que vieram de ventre impuro. Do imundo ventre de Jocasta que se deitou com o próprio filho. No Epodo, diz: tu, Gaia, deusa primeira, gerastes outrora um dragão que se tornou a desgraça e a fama de Tebas. Para as núpcias de “Harmonia” os filhos de Urano vieram e “ÍO” gerou os primeiros Reis cadmeus, mas agora tudo isso se perde nos dias distantes.

A cena muda e agora surge o adivinho Tirésias que diz: filha ande com cuidado, guia-me nessa estrada, pois tu és meus olhos. Segure com firmeza as tábuas em que registrei os vaticínios que fiz e não os deixe sofrer avarias. Ao jovem Meneceu indaga se falta muito para chegarem, pois já lhes doem os joelhos. Mas Creonte lhe diz: calma, amigo. Tu já chegaste. Já estás em porto seguro. Que bom, diz Tirésias. Mas por que tu me chamaste com tanta urgência? Primeiro, homem, recobra o fôlego e relaxe, diz-lhe Creonte.

Sim, retruca o profeta. Estou deveras cansado. Estava com os filhos de Erecteu (os atenienses), para quem consegui importante vitória em sua guerra contra EUMOPO, da Trácia. Trouxeram-me ontem e me deram essa linda coroa de ouro, por gratidão. Foi o seu primeiro despojo de guerra.

Essa coroa, diz Creonte, simboliza a nossa doce vitória sobre os inimigos. Enfrentamos mar revolto, como tu percebes. Os “dânaos” nos ameaçam e sentimos enorme aflição por essa situação. Nosso rei Etéocles já partiu para enfrentar as tropas micênicas e deixou-me a tarefa de saber de ti como deveremos proceder para bem defender a Cidade.

Nota-se na fala de Tirésias certa prepotência ao tomar para si os méritos da vitória de Atenas. Essa pretensão pode ser compreendida pelo enorme respeito que Tebas lhe outorgava resultante do acerto de suas previsões anteriores. Outro fato que contribui para o auto elogio está ligado à influência que ainda hoje os ditos “sensitivos”, “médiuns”, “videntes” e afins exercem sobre o homem comum.

Bom Creonte, diz Tirésias, se eu estivesse conversando com Etéocles eu nada revelaria sobre os vaticínios, mas a ti eu falarei: Tebas padece desde que Laios teve um filho contra a vontade dos deuses, o qual, depois, tornou-se marido da própria mãe. Em seus olhos arruinados, ele viu o Saber divino. Os filhos de Édipo, desejosos de soterrar essa mácula, caíram no erro de esconderem o pai e essa sórdida história. Por desonrar-lhe, esconder-lhe e maltratar, eles atraíram a ira das Erínias. E ninguém, como se sabe, pode reverter tal maldição. Agora, a morte mútua chegou para ambos. O choque das lanças cobrirá a terra de cadáveres e a Cidade será arrasada, se meus conselhos não forem ouvidos. Por tudo isso só lhes restaria uma providência, mas eu suponho que tu não a aceitarás. Por isso, amigo Creonte, eu me vou, pois se ficar terei o mesmo destino trágico de vós outros.

Creonte pede ao sábio que fique e lhe responda do quê foge? Pede-lhe, também, que diga aos cidadãos que ele poderá salvá-los, para lhes dar alguma esperança. Tirésias, após alguma relutância, diz que concordará se ele, Creonte, estiver disposto a lhe ouvir. Ante o assentimento deste, o sábio começa a relatar suas terríveis previsões e pergunta por Meneceu. Creonte responde que o filho está próximo deles e, então, Tirésias pede que ele se retire.

- Mestre, deixe-o ficar. Ele sabe guardar segredo.

- Que fique, mas a responsabilidade será só tua, ó Creonte.

- Direi em primeiro lugar que ele, teu filho, deverá se sacrificar pela pátria. Que deverá morrer para que Tebas resista aos invasores.

- Não velho. Isto não! Não posso consentir com essa atrocidade

- É uma atrocidade para ti, Creonte. Para a cidade será a salvação.

- Vá para o Inferno, adivinho dos demônios. Dispenso teus oráculos, Tirésias.

- Tu esmagas a verdade quando ela te dói, Creonte?

- Ó Tirésias, eu te suplico. Não conte a ninguém esse teu vaticínio, pois se dele souberem não tardarão em vir sacrificar meu filho.

- Tu queres que eu me cale só para te favorecer?

- Sim mestre. Eu lhe imploro que não mates o meu Meneceu.

- Não, eu não o matarei. Outros o farão. Meu oficio é só falar.

- Oh deuses, donde vem essa calamidade que se abate sobre mim?

- Tua pergunta é sensata. Creonte imola teu filho no mesmo lugar em que o Dragão de Ares foi morto. A razão dessa exigência é o antigo ódio que o Deus da Guerra tem pelos Cadmeus (Tebanos). Se tu pagar essa divida com o sangue de teu filho, Ares será teu aliado e gloriosa será a tua vitória sobre Adrasto. Da antiga raça dos guerreiros que nasceram dos dentes do Dragão, só resta tu e tua descendência. Hermon não se presta ao sacrifício por já estar comprometido ao matrimonio com Antígona, destarte, sobra apenas Meneceu. Escolhe, pois, entre o sacrifício de teu filho, ou o da tua Cidade.

Logo em seguida Tirésias pede que a filha o leve de volta para casa. No caminho pragueja contra seu dom profético, pois quando fala a verdade desagrada o consulente e, quando mente, desagrada aos deuses.

O Coro assoma à cena e pergunta a Creonte a razão de seu mórbido silêncio. Responde-lhe Creonte: o quê lhes dizer. Só lhes digo que não oferecerei a vida de meu filho à Cidade. Eu já vivi o suficiente e estou pronto a morrer por Tebas, mas não estou para lhe entregar a carne que eu gerei. Por isso, dirigindo-se à Meneceu, foge a toda pressa, filho. Tirésias logo contará seu vaticínio aos outros que breve aqui virão para exigir teu sacrifício. Vá! Foges! Se demorares eles o matarão e nós estaremos liquidados.

Observe-se a genialidade de Eurípedes que ao mudar o prenome (“tu” para “nós”) consegue ilustrar o tamanho da dor que a morte de um filho acarreta aos pais. Ambos morrem juntos.

Mas o menino, aturdido por aquela brusca mudança em sua vida, revela seu horror infantil e questiona o pai sobre como e aonde ir.

- Vá, filho. O mais distante possível. Ultrapasse Delfos e siga para a Etólia. De lá tome o rumo para o “Território Sagrado”, o Santuário de DODONA. Ali tu terás um deus como guia.

- Mas como eu viajarei pai? Com que recursos?

- Eu te darei o ouro necessário filho.

- Já irei pai. Antes, porém, vou me despedir da mulher que me amamentou quando eu era um bebê, a tia Jocasta.

- Vá Meneceu, mas não te demores, pois o tempo urge.

Na frente do Palácio, Meneceu conta às mulheres do Coro o ocorrido e lhes confidencia que não fugirá, como deseja seu pai. Diz que só concordou para acalmar sua angústia senil e para evitar que ele o impedisse de se sacrificar pela amada Tebas. Não posso ir, diz, pois como eu poderia esperar complacência dos Homens e dos deuses? Que acolheria e perdoaria alguém que traiu a família, os amigos, à pátria. Morrerei pela minha terra. Irei ao lugar indicado pelo adivinho Tirésias e ali me ferirei com a espada. Meu sangue banhará a terra e, assim, afastarei o Mal que ameaça a Cidade e salvarei minha honra.

O Coro, na seqüência, canta uma estrofe cujo tema é a Esfinge: tu vieste, filha alada da Terra e da Equidana (monstro do subterrâneo que gerou várias aberrações, dentre as quais o CÉRBERO, A HYDRA DE LERNA, A ESFINGE etc.) para assolar os Cadmeus. Por tua causa derramaram milhares de lágrimas, até que o brilhante Édipo nos salvasse de ti. Primeiro, a alegria da Cidade; depois, o pranto graças às bodas com a própria mãe. Funestas bodas a emporcalhar a cidade. Sangue sobre sangue. Pobre Édipo que lançou os próprios filhos em ruinosa luta ao proferir sobre eles as mais terríveis maldições. Agora, só o menino Meneceu mostra-se admirável. Pleno de coragem, ele marcha resoluto a caminho da morte, para salvar a terra de seu pai e de seu povo. Ao pai Creonte causará grande dor, mas à “Tebas das Sete Portas” dará retumbante vitória. Quisera que todas fôssemos mães de filhos assim, ó deusa Palas Atená.

A cena muda para um mensageiro que bate à porta do palácio e pede para falar com Jocasta. Ao ser atendido diz à rainha que enxugue as lágrimas e pare de sofrer. A matriarca indaga se ele não vem lhe trazer más noticias, como a morte de Etéocles, já que ele era o escudeiro de seu filho. Sossegue mãe, Etéocles vive. Venho para banir qualquer desassossego que lhe perturbe. Na hora decisiva não fraquejamos e o escudo cadmeu foi mais forte que a lança argiva. Teus filhos ainda atuam.

- Então, superamos os argivos? Não penetraram na Cidade? Ó deuses sejam-nos propícios e te sejam favoráveis mensageiro. Eles estão cercados? Oh, vou correndo dar a boa nova ao velho Édipo.
- Espere rainha, pois tenho também uma má noticia. O filho de Creonte, Meneceu, sacrificou-se pela Cidade no alto das torres e seu sangue foi muito apreciado pelos deuses; e sua coragem incitou aos sete batalhões que defenderam as Sete Portas, conforme tinha determinado Etéocles. Carros e ágeis soldados socorreram os pontos vulneráveis. Do alto da fortaleza vimos os argivos avançarem desde o TEUMESO e quando eles estavam perto do fosso atacamos. Os hinos e os gritos dos dois exércitos se confundiram e logo se viu a seguinte disposição bélica dos agressores: contra a Porta Central investiu PARTENOPEU; contra a “Porta de Proteu” veio o vidente ANFIAREU; na “Porta Ogígia”, o imponente HIPOMEDON; contra a “Porta Homoloídica” bateu-se TIDEU; contra a “Porta Creméia” avançou teu filho Polinice; contra a “Porta de Electra” arremessou-se CAPANEU e na Sétima Porta investiu Adrasto. Cada Porta oferecia uma visão diversa enquanto eu levava as mensagens de um a outro chefe. Logo começou o furioso combate. Muitos tombaram e o solo sorveu sangue e dor. Etéocles, infatigável, corria de um lado ao outro, reforçando alguma coragem vacilante e corrigindo alguma falha. O insolente CAPANEU subiu uma longa escada, protegido por duros escudos, e quase alcançou o cume de uma das torres, mas foi alvejado por um providencial raio enviado por Zeus. Sua morte nos inflamou e rechaçamos os inimigos com vigor. Adrasto viu que Zeus lhe era adverso e sem alternativa ordenou a retirada, mas essa não se deu em boa ordem e pareceu mais uma fuga descontrolada. Cadáveres cobrem o solo, mas nossas muralhas estão intactas.

Optamos por alongar o resumo desse trecho para registrar o nome dado a cada uma das “Portas” na muralha que circundava a antiga Tebas. E também para sinalizar o esplêndido painel que Eurípedes faz, no original, dessa batalha. Sua descrição traça com empolgante realismo as características humanas presentes numa situação extrema: a coragem, o medo, o arrojo, a covardia, a sagacidade etc.

Jocasta diz, após ouvir o relato: são fartos os favores dos deuses. Meus filhos vivem e minha pátria ainda respira. Só o pobre Creonte é que padece com a morte do amado filho. É uma vitima do meu funesto enlace com Édipo. Mas continue o relato mensageiro.

- Não, minha rainha. Deixemos o resto, pois já não há nada de bom para lhe contar.

- Tuas palavras amedrontam-me, homem.

- Sossega, pois os teus filhos ainda estão vivos. Que mais tu queres?

- Quero saber se doravante estarei segura?

- Deixe-me ir, rainha. Não me obrigues a falar. Não quero misturar a boa e a má noticia.

- Diga!

- Ó por que não te contentas com a notícia de que teus filhos vivem?

- Fale!

- Eles dispensaram os exércitos, rainha. Teus filhos concordaram em travar um duelo singular. Um contra o outro, até a morte. Etéocles assim falou: amigos e inimigos, por que desperdiçar vossas vidas por mim ou por Polinice? Eu enfrentarei meu irmão e seu eu o matar, ocuparei em definitivo o Palácio real. Se ele me matar, tudo será dele. Encerremos, pois, essa guerra inútil. Polinice, Jocasta, saiu das fileiras e aprovou o trato. Os argivos e os tebanos (cadmeus) aplaudiram o desafio e os comandantes dos dois lados juraram cumprir e fazer cumprir o acordo firmado. Logo em seguida os filhos de Édipo se prepararam para o duelo e teve inicio o pavoroso combate.

Oh, deuses, geme Jocasta. O que eu posso fazer?

- Rainha, se tu tiveres alguma palavra sábia, ou alguma mágica, acompanhe esse humilde mensageiro e separe os teus filhos. Não demores, pois a morte não nos espera. Apressa-te.

Tomada de angústia e aflição, Jocasta chama Antígona e lhe pede que a acompanhe. Que a siga para impedir que os irmãos se matem. A princesa, aturdida com o desespero da mãe, ouve o relato do duelo e a ordem de seguir com ela até o acampamento militar.

- Mãe, eu não posso ir. Lá estão tantos homens. Eu tenho vergonha.

- E agora é hora de se ter vergonha? Ande, venha!

- Mas o que eu vou fazer mãe?

- A briga, filha. Separar a briga.

- Mas como?

- Cairemos de joelhos e imploraremos que parem com tal sandice.

- Sim, mãe. Vamos!

- Já, filha! Se eles morrerem, eu morrerei também.

O Coro fecha a cena com a seguinte Estrofe: ai, ai tremo só de pensar na dor que a lança causou. Dor e mais dor. Dor da mãe infeliz. Quem verterá o sangue do outro? Ó quanto sofrimento. Clamo por Zeus, clamo pela Terra. Ferro contra ferro. Regarei com lágrimas o corpo de quem? Na seqüência inicia uma ácida Antístrofe: feras! Carniceiros por má índole. Os dois. Só cadáveres dilacerados é que produzem. Miseráveis! Fremem pelo duelo, em bárbara língua. Com bárbaro grito anunciarei o prêmio da morte. Está próxima a marcha funesta. Desdita ditada pela ira.

Creonte reabre a cena e o Corifeu comenta seu profundo pesar. Para si próprio diz-se indeciso sobre suas lágrimas. Não sabe se chora por sua perda, ou se pela Cidade ameaçada. Lamenta o filho que ao morrer cobriu-se de glória e só lhe deixou uma dor que nada mitiga. Trouxe-o para lhe prestar os rituais, mas ao procurar a irmã não a encontra para que ela organize os funerais.

- Tu, ancião, sabes de seu paradeiro?

O Corifeu responde que a viu sair seguida por Antígona, após saber que os dois filhos travariam um duelo pela posse do trono.

- Oh, novo infortúnio! Tu sabes onde se dará a luta?

- Não. Sei apenas que ela partiu há algum tempo. Penso mesmo que o duelo já terminou.

- Novas desgraças eu vejo no semblante do mensageiro que se aproxima. Diga-me, homem, o que sucedeu.

- Desgraças, Creonte. Transmitirei péssimas noticias. Teus dois sobrinhos se mataram mutuamente.

Oh, Zeus, suspira o tio de Etéocles e de Polinice. Tu ouviste casa de Édipo? Infortúnio sobre infortúnio. Haverá deuses, males maiores?

Sim, responde consternado o mensageiro. Também tua irmã, a rainha Jocasta, morreu. Ao ver os filhos mortos, matou-se com a espada de um deles.

Pobre irmã chora Creonte. Que destino funesto foi o teu. As maldições de Édipo cobraram seu preço.

Após a morte de tua irmã, prossegue o mensageiro, os dois exércitos começaram a divergir sobre quem venceu o duelo. Os “dânaos” diziam ter sido Polinice, por ter dado o primeiro golpe. Os “cadmeus” diziam ter sido Etéocles, por ter dado o golpe mais forte; e desse impasse, Creonte, para o confronto físico e geral o passo foi pequeno. Nosso exército aproveitou o fato de não ter se desarmado e aplicou dura sova no inimigo que se retirou em desordem, em fuga atropelada. Desse combate, vários tebanos lucraram com ricos despojos, enquanto seus reis choravam as mortes na família. Alguns, contudo, moderaram sua ganância e ajudam Antígona a trazer os corpos sem vida para casa.

O Corifeu toma a palavra para avisar que já se avista Antígona chegando. Com ela, os três corpos. A princesa ao ver o tio Creonte lamenta sua perda irreparável e diz: três cadáveres eu trago. Sou a bacante dos mortos. Choro por mim. Choro por Tebas. A fúria, a matança arrasou a casa de Édipo. Sangue maldito! Que será de mim? Com que prantos, ó casa minha, eu te chamarei? Já choro pela minha futura vida solitária. Mostra meu velho pai, teu sofrimento. Venha pai e sinta o peso da desgraça que nos abateu.

Nesse trecho, no original, Eurípedes torna a mostrar a grandeza de sua pena ao compor um esplêndido painel das dores do Homem. A princesa adolescente, de chofre é arrancada de sua vida fútil para ser arremessada ao horror do mundo adulto. Em seus lamentos ecoam as dores da perda de sua família, de seu Mundo adolescente, e a angústia decorrente do pressentimento das terríveis situações que doravante enfrentará. Sem dúvidas, é um clássico da literatura de todos os tempos.

Vacilante, em cegos passos, Édipo assoma à cena e dirigindo-se à filha, murmura: por que me obrigas, filha, a sair do leito que recebe as minhas lágrimas constantes?

- Pai, eu trago noticias tenebrosas. Seus dois filhos mataram-se mutuamente e tua mãe e mulher, Jocasta, ao vê-los sem vida, tomou da espada de um deles e se suicidou. O que será de nós, pai?

- Filha, como suportar tamanha dor? Oh, meus pobres filhos. Oh, minha doce Jocasta. Zeus, o deus que preside a morte assentou-se em nossa casa neste dia tão funesto.

Creonte, de súbito, diz rispidamente: cessem as lágrimas. É hora de organizarmos os enterros. Quanto a ti Édipo atente no que vou dizer: teu filho Etéocles, antes de ir para guerra, encarregou-me de substituí-lo na chefia do governo em caso de sua morte, bem como nas tarefas atinentes ao casamento de tua filha Antígona com o meu filho Hermon. Ademais, deixou-me a expressa proibição de enterrar Polinice em solo tebano, pois se ele foi capaz de investir contra a própria cidade, essa não poderá servir-lhe de leito eterno. Sendo assim, como o novo rei, meu primeiro decreto será o de te banir. Não creia Édipo, que eu faço isso por ter inimizade contigo, ou por não gostar de ti. Faço-o por ser notório que tu atrais maldições sobre Tebas e só na tua ausência é que poderemos recuperar a grandeza da cidade. Quanto a Polinice, eu ordeno que seu cadáver não receba homenagens e túmulo. Que sirva de pasto para os animais, fora das nossas muralhas. São desejos de Etéocles que eu farei cumprir, mesmo que tenha que ferir os teus sentimentos. Quanto à Jocasta e a Etéocles terão funerais com todas as pompas e glórias pertinentes à grandeza de ambos.

Como já se observou noutros trechos aqui se nota que os erros cometidos por Jocasta – ter permitido que seu filho recém nascido recebesse uma sentença de morte e ter sido conivente com o incesto – são relevados. São considerados menores que o erro cometido por Polinice que teria investido contra a cidade natal, ainda que amparado pela Justiça de requerer um direito legitimo. É certo que não se deve julgar atitudes e conceitos da Antiguidade com os olhos de hoje, entretanto é importante salientar que no campo da Ética a humanidade talvez tenha avançado, não obstante todos os desmandos que ainda são cometidos. Crimes e injustiças continuam acontecendo, mas já não contam com o beneplácito da Lei e, menos ainda, com o das pessoas de bem.

Édipo, antes de responder a Creonte, queixa-se da sorte adversa que sempre lhe acompanhou e relembra os percalços que lhe atingiram antes mesmo de nascer quando foi assinalado pelos deuses como parricida e incestuoso, o que levou Laios a decretar sua morte. Ao fim de suas amargas recordações, pergunta-se o quê será de si? Cego, velho, sem os filhos e a esposa-mãe. E, agora, sem casa e sem pátria. Sem respostas, dirige-se ao cunhado Creonte e lhe pergunta o porquê de não matá-lo simplesmente? Depois, com um resto de altivez, diz a ele que não se humilhará pedindo para ficar em Tebas. Prefere morrer à míngua, no exílio, a ter que se rebaixar.

Creonte reafirma suas ordens e a Antígona ordena que cesse as lamúrias e se recolha no aposento das donzelas até que seja esposada por Hermon. Porém, a princesa não se curva às suas determinações e pergunta-lhe como ele ousa expulsar Édipo e deixar seu irmão Polinice insepulto. Creonte retruca e Antígona replica, sempre defendendo a justiça de se dar sepultura aos mortos, pois essa é a Lei dos deuses. E o embate prossegue até que a jovem o desafia dizendo que enterrará seu irmão, ainda que isto lhe custe à vida. Creonte aferra-se à suposta traição de Polinice, mas Antígona adianta-se na discussão e se recusa a casar-se com Hermon, dizendo que seguirá o pai Édipo em seu exílio. Sem alternativa, Creonte lhe diz que se vá. Que acompanhe Édipo e que morra com ele. Édipo, nesse ponto, interrompe a altercação e diz à filha que ela deveria cuidar antes de sua felicidade do que segui-lo, pois ele, de um modo ou outro, arranjar-se-á. Que em breve entrará no Hades. Que ela o deixe, já que seria vergonhoso para uma jovem acompanhar um velho e decadente pai.

- Não, paizinho. Irei contigo. E creia que isto só me enobrecerá.

- Guia-me, então, filha amada. É tempo de que se cumpra o Oráculo de Loxias (Apolo). Aquele, que determina que eu morra em Atenas, na sagrada região de “COLONO, (nos subúrbios da capital)”.

- Às amarguras do exílio pai, caminhemos. Serei tua brisa no caminho do mar.

- Partamos filha. Tu me ensinarás a andar na amargura. Afastemo-nos desse maldito homem que não se envergonha de expulsar um homem velho e cego. Desse ímpio que não se envergonha de não cumprir a Lei dos deuses. Aqui vai quem decifrou o enigma da Esfinge e atingiu os píncaros da glória.

- Esqueça pai, dos sucessos passados. Só te causaram padecimento. Caminhemos. Ao Passado, só deixo minhas lágrimas saudosas. Estar unida ao meu pai será a minha glória. Feriram-me os ultrajes contra ti e contra meu irmão. Mas eu te juro pai, ainda que eu morra, eu o sepultarei.

As cortinas se fecham. Talvez mais pesadas.

Complementando o sentido desta “Tragédia”, publicaremos na seqüência “Antígona” e “Édipo em Colono”. Ambas serão resumidas com mais brevidade, dado suas características de complementação.

Rio, 04/06/2011