segunda-feira, 30 de junho de 2014

Schopenhauer e o Idealismo Alemão - O Suicidio - Parte VIII


O Suicídio
Vimos que a demência senil e a insanidade atuam como esconderijos contra os sofrimentos causados pela alternância de luta, frustração e tédio de que se constitui a vida. Porém, existem circunstâncias em que nem esses refúgios são suficientes e só resta ao indivíduo buscar o esconderijo derradeiro: a morte autoinfringida.
O suicídio é execrado em praticamente todo o Ocidente, tanto pelo aspecto religioso, quanto pelo ético. Nalgumas religiões*, como no Judaísmo, por exemplo, não se hesita em tratar o falecido como um desertor execrável, um pária, cujo espírito será destinado às amarguras do Inferno (Seol) e o corpo físico aos mais remotos cantos dos cemitérios.
No aspecto ético, a pecha de covarde é automaticamente colocada no suicida e o seu gesto extremo, além da perplexidade e da dor natural aos casos fatais, causa uma série adicional de sofrimentos às suas relações familiares, profissionais, comerciais e de amizade pela culpa que pode ocasionar, seja ela indevida ou não.
Mas, segundo Schopenhauer, essa rejeição, na verdade, é apenas um reflexo invertido da “Vontade de Viver”, expressa pelas suas formas individuais, isto é, os homens e suas instituições. Afinal, o Instinto de Sobrevivência é tão imperativo que lhes soa como uma terrível blasfêmia qualquer ato contrário a ele.
Contudo, a aversão expressa pelos humanos não é avalizada, sequer sentida, pela “Vontade Geral”, já que para a “Essência de Tudo” a morte deliberada de uma de suas expressões é larga e prontamente compensada por vários nascimentos não desejados, o que torna o balanço final ainda mais positivo para si.
Assim, se for certo vermos no suicida um indivíduo que derrotou o Instinto de Viver, é preciso, também, que vejamos que a sua vitória foi um mero triunfo individual, pois a “Vontade” continua na espécie, como, aliás, comprova-se pela reação da mesma ao indivíduo que se matou.
Nas palavras de Schopenhauer:

“O suicídio, a voluntariosa destruição da existência fenomenal isolada, é um ato fútil e tolo, porque “a coisa em si mesma” – a espécie, a vida e a vontade em geral – continua inalterada por ele, assim como o arco-íris dura, por maior que seja a velocidade com que os pingos que o sustentam venham a cair”.

A constante necessidade, a quase eterna frustração e o tédio ameaçador continuam depois da morte do indivíduo; e continuarão enquanto a Vontade dominar o homem. Não poderá haver paz nem felicidade enquanto essa mesma Essência não for subordinada ao Conhecimento e à Inteligência. Não haverá vitória efetiva sobre os males da vida enquanto o homem não souber “Viver com Sabedoria”.
A seguir detalharemos o pensamento de Schopenhauer sobre este tema.

Nota do Autor – sobre as censuras religiosas e éticas* que são feitas ao suicida será preciso registrar que é um comportamento associado às religiões que predominam no Ocidente, o Judaísmo e o Cristianismo, e o oriental Islã. Outras culturas orientais não o veem de forma tão negativa, sendo que algumas religiões da Índia, como o Jainismo, por exemplo, adotam-no como caminho para ascensão espiritual, principalmente através da inanição com o consequente esgotamento do corpo físico e de seus desejos. Noutros lugares, como no Japão, por exemplo, para muitos, o suicídio é uma alternativa válida ante o fracasso e a derrota. Posturas que podem chocar as mentes ocidentais, mas que devem ser vistas dentro do contexto em que acontecem.


Produção e divulgação de Pat Tavares, lettre, l´art et la culture, assessora de Imprensa e de RP., do Rio de Janeiro em Junho de 2014.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Schopenhauer e o Idealismo Alemão - Parte VI


O Espaço, o Tempo e a Individuação
Vimos então, segundo Schopenhauer, que tudo que fazemos e sentimos está previamente programado e que somos apenas mais uma das tantas expressões com que a Vontade se manifesta, sendo que só no Espaço e no Tempo parecemos Seres independentes e separados do Todo.
Espaço e Tempo que constituem o “principio da individuação”, o qual divide a “Vida” em organismos distintos que surgem em diferentes lugares e épocas.
Espaço e Tempo que são como o célebre “véu de Maya”, ou seja, a ilusão que esconde a unidade de tudo, pois, em verdade, existe apenas a vida e, portanto, a Vontade, que é a sua essência.

A Continuidade de Tudo

Em sua obra “Conversa com Goethe”, Schopenhauer diz que “compreender claramente que o indivíduo é apenas o fenômeno e não a ‘coisa em si mesma’ e ver na constante mudança da matéria a permanência fixa da forma, é entender a essência da Filosofia”. Na sequência ele afirma que:

“Aquele para quem os homens e todas as coisas não tenham parecido, o tempo todo, meros fantasmas ou ilusões, não tem capacidade para a Filosofia. (...) A verdadeira Filosofia da história está em perceber que em todas as intermináveis mudanças e heterogênea complexidade de eventos, é apenas o mesmíssimo ser inalterável que está diante de nós, que hoje persegue os mesmos fins que perseguia ontem e perseguirá sempre. O filósofo histórico tem, por isso, de reconhecer o caráter idêntico em todos os eventos (...) e, apesar de toda a variedade de circunstâncias especiais, de trajes, condutas e costumes, ver em toda parte a mesma Humanidade. (...) Ter lido Heródoto é, do ponto de vista filosófico, ter estudado bastante história. (...) O tempo todo e em toda parte o verdadeiro símbolo da natureza é o circulo, porque ele é o plano ou tipo de recorrência”.

A Vontade e o Determinismo

Entre tantas, tornou-se a célebre a sentença de Voltaire que diz: “deixaremos o mundo tão tolo e depravado quanto o encontramos”.
Mas, ainda assim, gostamos de pensar que a historia foi um reles preparativo para as “glórias” de nossa Era. Porém, essa ideia de progresso, tanto material quanto ético, não passa de uma mera estultice da nossa vaidade, pois, em essência, o homem continua a ser como sempre foi e essa constatação nos remete para a sinistra possibilidade do Determinismo ser tão hegemônico que o nosso decantado livre-arbítrio não seria nada além de uma quimera.
Em sua “Epístola 62”, o filósofo Spinoza diz que se uma pedra lançada no espaço tivesse consciência, ela certamente pensaria que estaria voando por vontade própria. Não seremos iguais a essa pedra? Movidos por uma força que desconhecemos e iludidos que comandamos os nossos voos, não seremos tão títeres quanto todo o resto?
Para Schopenhauer, sim! Todavia, ao contrário da pedra, podemos reconhecer a força que nos impulsiona como sendo a “Vontade” e através desse conhecimento podemos buscar a felicidade que nos for possível; cônscios das limitações que o Determinismo nos permitir e de acordo com as condições impostas pela realidade do mundo, que é “Mal”.

O Mundo e o Mal

Nesse trecho o leitor (a) perceberá o maior ponto de aproximação entre o Hinduísmo e a Filosofia schopenhauriana. Na verdade, é quase que uma adaptação ao estilo literário do Ocidente, daquela ancestral sabedoria dos “sadus” indianos.
Não foi Schopenhauer o primeiro filosofo ocidental a levantar essa questão, pois já na Grécia clássica o assunto veio à baila através dos Cínicos* e, também, de Aristóteles*, mas, deve-se a ele a popularização do tema pelos motivos já citados.
Segundo ele, se o mundo é a Vontade, consequentemente, é um mundo de sofrimentos, pois a Vontade indica necessidade, a qual é de tal magnitude que quase nunca pode ser satisfeita. O desejo é infinito, mas a realização é limitada.
Por isso, estando submetidos ao império dos desejos nunca podemos ter a paz, já que a satisfação de uma querência abre caminho para a seguinte.
Ademais, a própria satisfação do desejo quase sempre acarreta um novo sofrimento, que pode ser causado pela decepção com aquilo que foi conquistado e/ou pelas exigências que o resultado obtido impõe, como, por exemplo, o caso do indivíduo que conquistou um cargo político e se sente incomodado pelos rituais a que tem que comparecer, pressionado pelas cobranças de quem o ajudou na conquista, angustiado pelas responsabilidades que passou a ter etc.
E esse conjunto de frustrações, decepções e angústias levam a novos desejos, inclusive ao de poder renunciar aquilo que conseguido. E mesmo que o resultado seja satisfatório, em pouco tempo novos desejos afloram, incluindo-se o de que a conquista seja ampliada e mantida.

É a essência do mundo.

A Vontade tem de viver dela mesma, porque nada existe, realmente, além dela. Nas palavras de Schopenhauer:

“Em cada indivíduo, a medida do sofrimento que lhe é essencial foi determinada, de uma vez por todas, pela natureza; uma medida que não pode ficar vazia nem ser cheia em excesso. (...) Se uma grande e premente preocupação nos é tirada do peito (...), imediatamente é substituída por outra, cuja matéria-prima já se encontrava lá, mas não podia ser percebida pela consciência como preocupação porque não havia lugar para ela. (...) Mas agora que há espaço, ela vem ocupar o trono”.

E além desses fatos, ainda é preciso considerar que pairam no horizonte humano as eternas ameaças das forças da natureza, como os vulcões, os furacões, as secas, as inundações etc. cujo poder inelutável é capar de arrasar em segundos as obras, as quimeras e utopias que geralmente custaram anos de trabalho, penosos sacrifícios e até mesmo esforços mortais.
Dessa sorte, diante de tudo isso, para Schopenhauer “o otimismo é uma zombaria amarga das desgraças do homem”, sendo a “Teodicéia” de Leibniz, que louva uma suposta bondade divina, uma obra cujo único mérito foi ter servido para que Voltaire escrevesse a irônica antítese da mesma em seu imortal “Candido ou o Otimismo”, no qual, a sua fina ironia, destroi qualquer ilusão de que se “vive no melhor dos mundos”.

Nota do Autor* - Aristóteles disse ser sábio o homem que não busca o prazer, mas libertar-se da dor e da preocupação (ou do Eterno Querer). Os Cínicos repudiavam o prazer pelo mesmo motivo, ficando célebre a situação de Diógenes que habitava em uma barrica. Sabiam que junto do prazer, sempre está a dor (do desejo insaciável).

O Tédio

Mas a taça dos sofrimentos não se esgota na Vontade infinda nem na ameaça dos cataclismos, pois ainda que seja quase impossível satisfazer todos os desejos, se isso acontecesse, em breve chegaria o tédio. O horror de não se ter um objetivo. O terror da inutilidade e do tempo vago que nos permite sentir a nossa mais absoluta dispensabilidade.
E o emergir desse novo sofrer reforça a tese de que a Vida é essencialmente “má”, porquanto tão logo cessa a angústia dos desejos insaciados e a frustração disso decorrente, sobrevém o tédio que pressiona o homem com tamanha intensidade que ele busca com a urgência do desespero desejar alguma outra coisa para escapar daquela opressão tenebrosa.
É o caso, por exemplo, do indivíduo que anseia desesperadamente aposentar-se para fugir de um trabalho e de uma rotina massacrante, mas que tão logo consegue o repouso remunerado busca incontinenti uma nova ocupação*, para fugir do tédio que obsolência acarreta, sob a pena de se afundar na tristeza caso não encontre outra ocupação. Ou, então, o milionário que busca incessantemente aumentar a sua fortuna sem que exista qualquer necessidade ou que exerce uma série de atividades pseudos filantrópicas, culturais e semelhantes apenas para ocupar o tempo.
O fato é que não podemos fugir do que somos em essência: uma das expressões da Vontade.

Nota do Autor* – é claro que aqui não se considerou as questões financeiras por fugir do escopo do assunto.

A Dor e o Conhecimento

E a malignidade da Vida não diminui com o aumento do saber. Ao contrário, pois quanto mais instruído for o indivíduo, maior será o seu sofrimento. Por outro lado, quanto mais estúpido for o sujeito, menores serão os seus desejos e, portanto, a sua dor e o seu tédio, já que dele é possível escapar graças a qualquer tipo de diversão e, também, pelo falacioso consolo que a religião oferece. Segundo Schopenhauer:

“Porque, à medida que o fenômeno da Vontade se torna mais completo, o sofrimento se torna cada vez mais aparente. Na planta ainda não há sensibilidade, não havendo, portanto, dor. Um certo grau muito pequeno de sofrimento é experimentado pelas espécies mais baixas da vida animal. (...). Ele aparece, primeiro, em alto grau, com o completo sistema nervoso dos animais vertebrados**, e sempre em grau mais elevado quanto mais a inteligência se desenvolve. Assim, na proporção que o conhecimento atinge a distinção, que a consciência ascende, a dor também aumenta e chega ao seu ponto máximo no homem. E então, outra vez, mais distintamente o homem sabe – quanto mais inteligente ele for –, mais dor ele terá; o homem dotado de gênio sofre mais do que todos os outros”.

Ademais, aqueles que são mais bem dotados intelectualmente e por isso possuem maior acervo na memória e maior capacidade de antevisão, tem o seu sofrimento aumentado, já que as maiores dores estão nas lembranças e na antecipação dos fatos, quer pelas frustrações dos desejos não realizados, quer pelo temor de não satisfazer os futuros.
Dessa forma, não há como escapar da sinistra constatação de que a Vida se resume no eterno pêndulo de desejo insaciável e tédio avassalador, cabendo ao homem o triste papel de um joguete a serviço da Vontade. Por isso, segundo Schopenhauer, em sua obra magnífica “A Divina Comédia”, Dante só conseguiu descrever corretamente o Inferno, bastando-lhe copiar o que é o mundo; porém, quando tentou descrever o Céu, a Vida não lhe ofereceu nenhum exemplo de paz e felicidade.

Nota do Autor **– atualmente se sabe que a dor nos animais superiores como os cães, os elefantes, golfinhos etc. não se limita apenas aos aspectos concretos, mas, também, provém de fatores abstratos como a saudade, o trauma pela morte de um dos membros da manada etc.

Os Jovens e a Felicidade
Para Schopenhauer a ilusão da felicidade só é possível para a ignorância dos jovens, haja vista que a mocidade acredita ser um prazer estar sob o jugo da Vontade e por isso viver sob a alternância de luta e tédio*.
Apenas com a maturidade** se percebe o peso dessa escravidão e a inevitabilidade da derrota. Segundo Schopenhauer:
“A alegria e a vivacidade da juventude são devidas, em parte, ao fato de que, quando estamos subindo a montanha da vida, a morte não está visível; ela se encontra lá embaixo, no outro lado. (...) Cada dia que vivemos nos dá o mesmo tipo de sensação que o criminoso experimenta a cada passo rumo ao cadafalso”.

Nota do Autor* - essa alternância entre necessidade de lutar continuamente e de ser acossado pelo tédio talvez seja uma das explicações para o consumo de drogas que se verifica nessa fase da vida. Primeiro, droga-se para aumentar a capacidade de combater pelos objetivos e, depois, para tolerar o vazio do tédio.

Nota do Autor** - é possível que o horror que se sente pelo amadurecimento e pela velhice venha da constatação de que nessas idades as ilusões terminam. Quer-se, a todo custo, conservar-se as utopias da juventude, mais do que a própria.

O Medo da Morte
E no fim, resta ao homem encontrar-se com o seu destino: a morte. Justamente quando a experiência se consolida e se transforma em sabedoria, o cérebro inicia o processo de degeneração e, então, até aquele tesouro que se julgava seguro, o saber, começa a perder o seu valor.
E essa perda, somada às outras que se multiplicam por todo o corpo, reforça o medo da morte, que, se antes era apenas instintivo, passa a ser racional, ainda que essa seja a última centelha do raciocínio.
O homem comum não consegue resignar-se com o fim absoluto e por isso cria inúmeras quimeras filosóficas e religiosas para se consolar, mas essa própria crença, especialmente a na imortalidade da alma, é sinal inequívoco do horror que sente. E ante tamanha aflição, não é incomum que ele recorra à demência para fugir dessa funérea perspectiva.


Produção e divulgação de Pat Tavares, lettre, l´art et la culture, assessora de Imprensa e de RP. no Rio de Janeiro, no inverno de 2014

quarta-feira, 25 de junho de 2014

A canção de Saigon


Canta a canção de Saigon
o lamento do amor proibido,
pois eis que entre
o jasmim recém florido
e a mão que o afagaria
ergueu-se o dragão do Ocidente
e o fogo escrito em napalm
ceifou os versos escritos
em ancestrais ideogramas.

Canta a canção de Saigon
o martírio imposto
pelas rudes almas
que nada sabem
da delicadeza dos amores,
em puro linho embalados,
que levam os colibris
pelos jardins enluarados.

 
                                                                           Homenagem pouca ao gênio de Claude Lelouch.

Produção e divulgação de Pat Tavares, lettré, l´art et la culture, assessoria de Imprensa e de RP, no Rio de Janeiro, no Inverno de 2014.

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Cantares


Canto a canção que
o rouxinol anuncia
e o amanhecer
desse novo dia.

Canto o Menestrel precedente
e a gitana das boas sinas,
a doce dádiva das Minas.

Canto outra Dulcinéia,
a nova estrela que estréia,
e noutro Rocinante
sigo a balada
do outro Cavaleiro Andante.

E mais Cantos eu canto, pois eis
que brilham os olhos da amada
e riem-me os diamantes de antes.

Canto ao mundo, canto à vida,
já que de novo o tempo é largo
e comprido é o Rio
que ainda andarei,
pelos caminhos que só eu sei.

Para a moça bonita.

Produção e divulgação de Pri Ghuilhen, lettre, l´art et la culture, assessoria de Imprensa e de Relações Públicas, no Rio de Janeiro, em Junho de 2014.

domingo, 22 de junho de 2014

A Estrela da Noite Fria


Porque tu sabes
que o perfume do manacá
renova-se em cada florada
e que nova Musa
reflete-te na Enseada,
tu bem sabes,
estrela da noite fria,
que é tempo
de uma nova poesia

Para Jullie.

Produção e divulgação de Pat Tavares, lettre, l´art et la culture, assessoria de Imprensa e de Relações Públicas, no Rio de Janeiro, em Junho de 2014.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

A Volta


E como a vida se partisse,
pouco ouvi de quem nada disse
nos labirintos desconhecidos
em que vaguei nos sonhos perdidos.

Os caminhos foram vários,
tantas máscaras em tantos armários.
Por fim, prenderam os meus canários
e destruíram os meus cenários.

Mas eis que volta a Oriental delicadeza,
dispo-me da aspereza e visto a certeza
de ser aquele que sempre tece,
o que nunca se esquece.

É a vida que retorna,
a gota que entorna
e o sopro de uma carícia morna.

Produção e divulgação de Pri Guilhen, lettre, l´art et la culture, assessoria de Imprensa e de RP., do Rio de Janeiro, em Junho de 2014.

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Schopenhauer e o Idealismo Alemão - Parte III


O Mundo como Ideia ou Representação.

Como se disse anteriormente, uma das razões para o sucesso que Schopenhauer alcançou é a clareza com que ele expôs as suas concepções. E, com efeito, uma das primeiras qualidades que se nota no livro “O Mundo como Vontade e Representação (mental, ou ideia) é a leveza no estilo com que ele redigiu o seu texto.
Ao contrário de Kant, Hegel, Spinoza e outros, que se caracterizaram pela dificuldade de suas linguagens, Schopenhauer é coloquial, direto e pródigo em oferecer exemplos concretos do cotidiano, que facilitam a compreensão de seus argumentos e conclusões, cujo eixo, diga-se, gira em torno da ideia central de que o Mundo é a Representação Mental que fazemos dele; e que a sua essência é a Vontade.
Uma ideia pinçada diretamente da Filosofia/Teologia Hindu – especialmente explicitada no Budismo – e que outorga ao homem a plena responsabilidade por suas dores, sofrimentos e angústias, já que elas são o resultado de sua ganância desmedida, de seu apego à matéria, e do tédio que lhe sobrevém por lhe faltar conteúdo interior.
Ao endossar essa tese, Schopenhauer descartava qualquer interferência divina, mística, sobre a vida do homem, sugerindo, portanto, um ateísmo que à época soava como uma blasfêmia terrível e isso, certamente, foi uma das causas da rejeição que o seu Pensamento despertou, haja vista que a penúria e a desesperança que campeavam na ocasião quase que exigiam o consolo, mesmo que falacioso, de um socorro divino. Embora a sua Filosofia fosse compreensível, clara, ordenada e aceitável para grande parte da população, ela fora maculada pelo “defeito” de negar uma ilusão. Outro motivo para essa rejeição encontra-se no fato de que ele atacava sistematicamente aqueles indivíduos que poderiam facilitar-lhe a aprovação e granjear-lhe simpatia: os Professores universitários e os Doutores em Filosofia. A esse respeito, aliás, tornou-se célebre o seu ataque a Hegel, o “ditador intelectual”, no prefácio da segunda edição da obra. Abaixo algumas sentenças do mesmo, a título de ilustração:
“Nenhum período pode ser mais desfavorável à Filosofia do que aquele no qual ela é vergonhosamente usada de forma incorreta, de um lado para favorecer objetivos políticos, e de outro, como meio de vida (...). Não haverá, então, nada para se opor à máxima ‘primeiro viver, depois filosofar’? Esses cavalheiros desejam viver e, na verdade, viver à custa da filosofia. À Filosofia se dedicam, com suas esposas e filhos (...). Nada se consegue em troca de ouro, a não ser mediocridade (...). É impossível que uma era que há vinte anos vem aplaudindo um Hegel – esse Caliban intelectual – como o maior dos Filósofos (...) faça com que alguém que tenha observado isso fique desejoso de sua aprovação”.
Ao bem da verdade se deve dizer que as censuras de Schopenhauer não podem ser consideradas sinceras, pois ele também ambicionava a glória, a fama e a fortuna e alguns de seus críticos mais severos chegam a afirmar que as invectivas que ele proferia amiúde, eram fruto apenas de uma inveja vil e de um sórdido despeito pelo sucesso alheio.
Contudo, apesar da glória não ter chegado, o seu ideário havia sido colocado na cena da Filosofia e de modo paulatino as suas concepções começaram a ganhar os adeptos necessários para sobreviverem até que o reconhecimento pleno enfim chegasse.
Dessa sorte, amparado pela resistência que as suas teorias demonstravam em meio a tantas hostilidades, ele continuou a exercer a sua natural imodéstia e foi com ela que ele abriu o seu livro, declarando: “O Mundo é a minha ideia”, sem se importar com as críticas que anteriormente ridicularizaram uma sentença semelhante que fora proferida pelo filósofo Fichte, com a pergunta sarcástica: “O que é que a mulher dele diz disso?”.
Pouco ou nada lhe importava a opinião de terceiros, pois a sua intenção era agregar credibilidade à sua teoria, utilizando-se do Pensamento de Kant como um avalista inquestionável. Afinal, fora o mestre que afirmara que o mundo externo só chega ao nosso conhecimento através de nossas Sensações e Ideias.
Após essa entrada “avalizada” pela tese kantiana, ele colocou uma bem ordenada crítica ao Materialismo, a qual, alguns estudiosos julgam dispensável; enquanto outros, inclusive esse escrevinhador, julgam útil para o público que ele buscava atingir, ou seja, os iniciantes nas lides filosóficas. De todo modo, todos reconhecem a valia de seus argumentos ali contidos.
Ele inicia o capitulo com a seguinte indagação: “Como explicar a Mente como matéria, quando só conhecemos a matéria através da mente?”. Na sequência ele afirma que:
“Se tivéssemos seguido o materialismo até agora com ideias claras, quando atingíssemos o ponto mais elevado seriamos tomados de um acesso do inextinguível riso dos Olimpio. Como que acordando de um sonho, ficaríamos de imediato, cientes de que o fatal resultado – o conhecimento – que ele atingira com tanto esforço estava pressuposto como condição indispensável de seu próprio ponto de partida: pura matéria; e quando imaginávamos que pensávamos matéria, na realidade só pensávamos o sujeito que percebe a matéria: o olho que a vê, a mão que a sente, a compreensão que a conhece. Assim, o tremendo erro inicial revela-se de forma inesperada; porque subitamente se percebe que o último elo é o ponto de partida, a cadeia de um círculo (...). O Materialismo grosseiro que mesmo agora, em meados do século XIX, tem sido novamente servido na ignorante ilusão de que é original (...) estupidamente nega a força vital e, antes de tudo, tenta explicar os fenômenos da vida com base em forças físicas e químicas, e estas também com base nos efeitos mecânicos da matéria (...) mas eu nunca acreditarei que até mesmo a mais simples combinação química possa dar margem, alguma vez, a uma explicação mecânica; muito menos no caso das propriedades da luz, do calor e da eletricidade. Estas irão, sempre, exigir uma explicação dinâmica”.
De fato, é impossível solucionar os enigmas metafísicos ou revelar a essência da matéria, estudando-se primeiramente a mesma e só depois o Pensamento. É imperioso que comecemos com aquilo que entendemos direta e intimamente, ou seja, nós mesmos. Nunca se chegará à verdadeira natureza das coisas, à sua essência, partindo-se do exterior para o interior, pois, por mais que exista esforço e boa vontade, só se chegará a imagens e a nomes. Porém, se partirmos para uma investigação séria sobre a natureza, estrutura e funcionamento da nossa mente será possível descobrir “a coisa em si” do mundo externo.
Com esse discurso contra o Materialismo, Schopenhauer reforçou a sua tese de que o mundo é uma construção mental, uma representação que fazemos e a partir dessa consolidação ele parte para a segunda parte de sua obra, onde reafirma ser a Vontade a essência desse mundo. É o que veremos na sequência.

Produção e divulgação de Pat Tavares, lettre, l´art et la culture, assessora de Imprensa e de RP., do Rio de Janeiro em Junho de 2014.

domingo, 15 de junho de 2014

Schopenhauer e o Idealismo Alemão - Parte I


Preâmbulo

Antes de iniciarmos o capitulo sobre Schopenhauer será justo fazer algumas observações sobre a suposta desvalia de seus estudos, imputada por seus detratores que não hesitam em afirmar que a sua Filosofia é uma reles adaptação, ou mesmo um plágio descarado, do Hinduísmo e de suas continuações, como o Budismo, o Jainismo e assemelhados. É indubitável que o pensamento schopenhauriano foi fortemente influenciado por essas filosofias, mas, longe de ocultar tal fato, ele sempre o enalteceu.
Por isso, o leitor livre de pré-conceitos encontrará em seu ideário muito mais que uma simples réplica, pois ao longo de seus estudos a marca de sua genialidade é patente; assim como a coragem de vestir sem falsos pudores a toga do chamado “Pessimismo Filosófico” que à época revestia-se de ares acintosos para o status quo, já que se contrapunha ao Idealismo enigmático e otimista de Hegel, cujo predomínio no cenário erudito era absoluto.
Veremos no correr deste Ensaio que Schopenhauer foi um jovem de temperamento difícil, em permanente conflito contra as ideias predominantes, contra a família em geral e especialmente contra a mãe, uma romancista bem sucedida, e, talvez, até consigo próprio.
Essa personalidade melancólica, irritadiça, contestatória e até paranoica em alguma medida, não sofreu grandes transformações com o avanço da idade, porém, a partir de seu encontro com as doutrinas orientais – sugerido por amigos de refinada cultura – ele pôde canalizar as suas iras e frustrações para a produção das obras que ainda hoje lhe asseguram um destacado lugar no panteão da cultura alemã.

Schopenhauer e a origem do Pessimismo.

Quantas pessoas haviam morrido em busca do sonho republicano? Quantas viveram pela crença que Napoleão Bonaparte suscitara? E o que restara das lutas e das esperanças?
Um nobre da dinastia dos Bourbon voltara ao trono da França; a monarquia revigorada pela vitória em Waterloo mostrou-se mais sólida que antes e todas as riquezas que antes existiam viraram cinzas, consumidas pelos bombardeios. Foi isto o que restou.
E não apenas isso, pois também restaram milhões de homens mortos, lavouras destroçadas, desemprego em massa graças à crescente mecanização e, como corolário, a mais negra miséria, seguida por suas filhas inseparáveis: a fome, a doença e a violência generalizada.
Restara, em suma, uma Europa devastada.
E foi esse quadro sombrio que produziu o “Pessimismo”, enquanto estilo e estética, nas Artes e na Cultura em geral.
Viu-se, então, naquela funesta primeira metade do século XIX o aparecimento de poetas como Byron, na Grã Bretanha; De Musset, na França; Heine, na Alemanha; Leopardi, na Itália; Pushkin e Lermontof, na Rússia, cujos versos cantavam, sobretudo, o desencanto, a desesperança, a tristeza. Idem no campo da música com Schubert, Schumann, Chopin e até Beethoven em sua última fase, que compuseram obras eivadas de melancolia. E no terreno da Filosofia, o movimento pessimista se fez mais aparente e, dentre outros, nesse quesito, sobressaiu-se Schopenhauer, cuja pena expôs sem contemplação a mediocridade, a bestialidade e a desimportância que o homem intui possuir, mas que se nega a admitir, buscando desesperadamente ocultar através de falaciosas composições filosóficas, artísticas e religiosas essa realidade tenebrosa.
E naquela cena de completa devastação material e degeneração moral, coube à Filosofia de Schopenhauer o encargo de espelhar a destruição e tentar ser um guia que pudesse auxiliar o homem a se enxergar completamente desnudo de suas máscaras e atavios, para que através desse despojamento ele percebesse a insanidade de suas escalas de valores, ambições e condutas. É certo que tal meta pecava pela pretensão, já que milênios de fantasiosas teorias religiosas e filosóficas inculcaram-lhe uma descabida arrogância; porém, é justo considerar que a partir de seu advento a Filosofia abandonou a sua pernóstica incompreensibilidade, tornando-se mais palatável para os leigos e permitindo com isso que o homem comum passasse a pensar em si próprio sem as quimeras de outrora.
Se os despossuídos de dinheiro e de inteligência ainda encontravam consolo nas linhas da Religião, aqueles outros que viviam em patamares intelectuais mais elevados já tinham abandonado qualquer fé mística e só enxergavam as ruínas que constituíam o seu mundo em 1818.
Era, portanto, inevitável que esses mesmos homens comuns se perguntassem: por que?
Cada túmulo, cada execução por dividas, cada bancarrota era uma pergunta. Seria um castigo de Deus, que assim punia aqueles que ousaram, a partir de Voltaire, a pensar? Seria o reino de Lúcifer em pleno gozo com o sofrimento de quem acreditara nas Luzes do Iluminismo, da Razão e rejeitara a crença supersticiosa?
Alguns acharam que sim e a exemplo do poeta Novalis, do escritor Gogol e doutros, não hesitaram em voltar para a irracionalidade da religião.
Outros, porém, recusaram-se a caminhar para o retrocesso e a exemplo de Schopenhauer, Byron, Leopardi, Lermontof etc. reafirmaram o seu ateísmo, a sua descrença em um Deus que havia permitido todas aquelas mazelas, e enfrentaram com a coragem que a verdade exige o dilema que tangencia a humanidade: o vislumbre da santidade contra a bestialidade de nosso cotidiano.

Produção e divulgação de Pri Guilhen, lettre, l´art et la culture, do Rio de Janeiro em 16 de Junho de 2014.

sábado, 14 de junho de 2014

Tatuagem


E porque tu habitas
os meus sonhos,
as noites são
amantes desejadas.
E porque juntos
voamos o desejo consumado,
sei-te em mim
um poema tatuado.

Para a moça bonita.

Produção e divulgação de Par Tavares, lettre, l´art et la culture, do Rio de Janeiro em Junho.


quinta-feira, 12 de junho de 2014

Thyago


No Principio foi o Verbo e algum delírio.
Verbo e delírio de fazer. 
Fez-se o Filho.
De bônus, veio o brilho.
De bônus, veio o trilho.

No meio, o menino 
de um certo destino
de Quixote e moinho;
de bônus, o caminho.

Pouco mais do meio, o Poeta Idealista
que viveu cada fantasia 
e se descobriu Artista.
Máscara e cena; 
Ave, Anarquista!

Findo o meio, há que explorar o Sotão e o Porão.
Dos 18 aos 19, virou "bixo" e indeciso Socialista
a andar nas ruas que ainda haverão.


E nas ruas que já houveram, filho, você continuou a me dar muito mais que orgulho. Deu-me, sempre, a certeza de que o meu Mundo se faz melhor porque tu existe. Eu te amo cada vez mais.
Feliz aniversário.


Ao meu filho Thyago


segunda-feira, 9 de junho de 2014

Olhares


Os olhos que me olham
são olhos de carícia.
Olhos de sonhos refeitos
em leitos desfeitos.
Olhos que contam andanças
e antecipam doces lembranças.
Olhos da mulher amada,
sob a Lua da Enseada.


Para a moça bonita.

Produção e divulgação de Pat Tavares, lettre, l´art et la culture, assessoria de Imprensa e de Relações Publicas, no Rio de Janeiro em Junho de 2014.

sábado, 7 de junho de 2014

Idealismo Alemão - Parte XII - Temas de Filosofia


Considerações finais sobre o Pensamento de Kant

Iniciaremos nossos comentários com o seguinte questionamento: será realmente o Espaço apenas uma “Forma de Sensibilidade” desprovida de qualquer realidade concreta, objetiva, independente da mente que o percebe?

Por um lado, pode-se dizer que sim, já que é um conceito vazio até que seja preenchido por coisas, Seres etc., que são percebidos ou captados através dos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato) e entregues à mente para serem classificados e organizados de acordo com a posição de cada um em relação aos demais. A mente não tem a capacidade de percebê-lo fora de si mesma. É indispensável que ele “a adentre” nesse processo. Por isso, é certo que o Espaço seja visto como uma “forma necessária” do sentido interno.

Porém, é indubitável que existem “fatos espaciais” que independem de qualquer percepção para existirem efetivamente, como, por exemplo, o circuito anual que a Terra efetua ao redor do Sol em forma elíptica.

Tampouco o Tempo é apenas uma construção mental feita através da coordenação de Sensações. Se nós captamos o Espaço através da percepção simultânea de objetos diferentes e de vários pontos; de modo análogo captamos o Tempo, mas aqui a simultaneidade é substituída pela sucessão, de modo que ele nos chega como uma Sensação de “antes” e de “depois” ou como uma medida* do movimento. O certo é que a sua efetiva existência independe de ser captada pela mente, como, aliás, pode ser observado no ciclo de nascimento, duração da vida e morte de uma árvore, de um homem etc.

Nota do Autor – aos interessados na questão do Tempo enquanto conceito, recomendamos o Ensaio, “O Tempo, segundo os Filósofos”, de nossa autoria, publicado em: www.fabiorenatovillela.com.

Feitas essas colocações, pode-se especular o motivo de Kant ter colocado o Tempo e o Espaço como simples “elementos para organizar as Sensações recebidas”.

Alguns estudiosos sustentam que a sua intenção ao afirmar essa subjetividade, essa abstração foi a de se opor ao Materialismo que então predominava o cenário. E, paralelamente, opor-se à ideia de um tipo de Deus, tão objetivo quanto o Espaço e o Tempo, que pudesse ser conhecido racionalmente, como propunham o clero e os demais adeptos da “Teologia Racional”.

Para outros, porém, a sua insistência levou-o ao erro, pois já seria mais que suficiente a sua afirmativa sobre o “Idealismo Critico” que nos ensinou que toda realidade (física, concreta) só nos é revelada através das idealizações que fazemos da mesma, após tê-la captado ou percebido pelos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato), pelas Sensações.

Outro ponto que lhe é contestado diz respeito à “Verdade Cientifica” e a sua obsessão pela “Verdade Absoluta”, pois a própria Ciência, inclusive a Matemática, sabe-se relativa em suas verdades e se contenta com um alto grau de probabilidade. Não são poucos os eruditos que se perguntam se o conhecimento “necessário” será, de fato, necessário?

Porém, não obstante essa argumentação contrária é inquestionável o valor da contribuição kantiana ao saber humano. Principalmente por ter demonstrado em definitivo que o mundo externo, as coisas que nos rodeiam, só é conhecido por nós como uma Sensação resultante da captação feita pelos sentidos.

E, também, por ter comprovado que a mente humana não é uma “cera passiva”, uma “tabula rasa” sujeita aos ditames das Sensações, como afirmou Hume e outros Filósofos empiristas. Ao contrário, a mente é um “agente ativo” que seleciona e reconstrói a experiência que lhe chega. Um agente que pode, inclusive, fazer subtrações naquilo que os Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato) captaram e lhe carrearam sem eliminar a sua grandeza.

E a ele também se deve o questionamento acerca do conceito “Categorias”, que desde Aristóteles reinou sem qualquer investigação mais atenta. Serão as Categorias ou “formas interpretativas de pensamento” anteriores às Sensações e às experiências? Ou serão adquiridas pela memória da espécie e repassadas ao individuo? Ou serão como “sulcos” de pensamento onde se encaixam as Sensações chegadas? Ou, então, hábitos de percepção e concepção que são provocados pelas Sensações, as quais se organizam nos mesmos em um primeiro momento para serem, depois, reorganizadas pela memória, segundo parâmetros mais refinados, até serem transformadas em ideias efetivas?

E mais outros elementos poderiam ser citados, mas seria desnecessário, pois mesmo a discordância de alguns acerca da unidade* da mente é incapaz de lhe empanar o brilho.

Nota do Autor – Kant julgava que a unidade da mente seria nativa (a “transcendental unidade de percepção”) enquanto outros sábios julgam-na adquirida, haja vista a possibilidade dela deixar de existir a partir de um distúrbio qualquer, como a amnésia, por exemplo.

Tampouco diminui a sua grandeza, o rude tratamento que foi dado à sua Ética no século XIX. Os homens de letras da época rejeitaram peremptoriamente a sua ideia de que o Senso Moral seria inato, a priori, absoluto, pois se vivia o auge da concepção Evolucionista que proclamava ser o Senso Moral uma espécie de “depósito social” instalado em cada indivíduo, o qual até poderia ter uma inata propensão a viver em comunidade, embora isso não o tornasse uma “Criação Divina” dotado automaticamente da sabedoria sobre o “certo” e o “errado”, até porque esses conceitos já eram vistos acertadamente como relativos e alteráveis conforme as condições concretas ou objetivas de cada situação. Para aqueles sábios e muitos outros, inclusive da atualidade, nenhuma ação é boa apenas por si mesma, como propunha Kant.

Contudo, para atenuar o equivoco do filósofo, deve-se considerar a criação que Kant recebeu e que foi fortemente influenciada pelo “Pietismo” da mãe e, também, a sua vida marcada pela fragilidade física e pela estreita observância dos deveres em detrimento dos prazeres ou do simples bem estar físico. Um comportamento, diga-se, diretamente associado ao “espírito alemão”.

Todavia, mesmo nesse ponto, vemos que após um longo período de liberalismo, importantes segmentos sociais dão mostras de que anseiam por essa rigidez de costumes, de comportamento, de observação extrema de certos parâmetros e de cumprimento de deveres, ainda que a custa de sacrifícios pessoais. Para muitos, esse “chamamento kantiano ao dever” não está equivocado.

Por outro lado, mudando o prisma de nossas considerações, deparamo-nos com um dos pontos altos do Sistema kantiano ao observarmos a sua maravilhosa guinada em direção das ideias religiosas que ocorre na segunda Crítica, a da Razão Prática.

Ideias sobre “Deus, liberdade e imortalidade” que o leitor apressado julgou enterradas na primeira Critica, a da Razão Pura, aqui ressurgem como se o filosofo fosse um mágico que tira coisas de uma cartola vazia. Vê-se, maravilhado, Kant tirar do conceito de “Dever” as ideias acima.

A esse respeito, o filósofo Schopenhauer disse acreditar que Kant continuava, na realidade, tão cético quanto antes, mas que hesitava em destruir a fé popular por temer as consequências dessa falta de um poderoso freio moral. Alguns outros, pseudo Filósofos na maioria, entenderam o posicionamento de Schopenhauer de maneira errada ou má intencionada e não tardaram em debitar a Kant tentativas de “racionalizar Deus” e outras sandices do gênero. Porém, o que Kant tinha em mente, ainda segundo a visão de Schopenhauer, era derrubar os antigos erros, mas tomando o cuidado de manter em pé, através de sua “Teologia Moral” alguns suportes temporários para que esses sustentassem o homem enquanto ele não atingisse a idade em que se veria desnecessitado das superstições religiosas.

De todo modo, essas observações adversas de inimigos menores não merecem muita consideração, pois a magnitude do Ensaio “A Religião dentro dos Limites da Razão Pura” não deixa dúvidas sobre a sinceridade de propósitos de Kant, que ao transformar a base da Religião de “crença” em “conduta” fez com que a mesma se tornasse uma manifestação legitima de transcendência e Metafísica.

Mas é claro que um Sistema como o de Kant, cuja grandeza permite até aparentes contradições, não poderia passar incólume pela inveja de muitos, pelas bem intencionadas censuras de outros e, também, pelas evidências advindas do progresso cientifico.

Nada, porém, foi capaz de abalar a sua importância, a qual, aliás, tornou-o um referencial para todo o pensamento filosófico do Século XIX. Depois dele, a Europa em geral e a Alemanha em particular, passaram a falar amiúde sobre a Metafísica, a Transcendência, o Númeno ou “coisa-em-si” etc.

Redescobriu-se o “Mundo das Ideias” de Platão. Schiler e Goethe estudaram-no atentamente. Beethoven homenageou-o e Fichte, Schelling, Hegel e Schopenhauer produziram em rápida sucessão grandes Sistemas de Pensamentos erguidos sobre a base comum do Idealismo Kantiano.

Enquanto isso a sua crítica à Razão e a sua exaltação ao Sentimento, à Intuição prepararam o terreno para o “Voluntarismo” do já citado Schopenhauer e o de Nietzsche e para o “Intucionismo” de Bérgson, cabendo à sua afirmativa sobre a igualdade entre as Leis do Pensamento e as Leis da Realidade servir como alicerce para o Sistema de Hegel. Ademais, deve-se citar, ainda, o hodierno movimento “Neo Kantista” que busca a aplicação de seus enunciados na realidade contemporânea.

Por fim, pode-se dizer que apesar do apego do homem atual ao Materialismo e de sua crença no poder quase místico das Ciências, graças a Kant o Idealismo permanece tão vigoroso quanto antes. E se nada mais tivéssemos a agradecer-lhe, a conservação dessa janela por onde escapamos dos estreitos limites do Físico, já seria um justo motivo para o nosso eterno reconhecimento.

Produção e divulgação de Pat Tavares, lettre, l´art et la culture, assessoria de Imprensa e de Relação Públicas, no Rio de Janeiro, em Junho de 2014.


quinta-feira, 5 de junho de 2014

Idealismo Alemão - Parte XI - Temas de Filosofia


A República

Para Kant, um dos motivos para o incremento do militarismo devia-se à ganância despertada pelas riquezas descobertas na África, nas Américas e na Ásia. O desejo pelo butim incentivava a belicosidade que naturalmente já existe nos homens destituídos de cultura e de ética.

Comportamento beligerante que lhe causava uma enorme repulsa não só pelo próprio, mas também por escancarar a hipocrisia daqueles que se autoproclamavam “civilizados” e “religiosos”. Em suas palavras:

“Se compararmos os casos bárbaros de inospitabilidade (...) com o comportamento desumano dos Estados civilizados e, em especial, comerciais de nosso continente, a injustiça cometida contra eles, mesmo em seu primeiro contato com terras e povos estrangeiros, nos encherá de horror; a mera visita a esses povos era considerada por eles como o equivalente a uma conquista. A América, as terras dos pretos, as ilhas das especiarias, o cabo da Boa Esperança etc., ao serem descobertos, foram tratados como países que não pertenciam a ninguém, porque os habitantes aborígines eram considerados como se nada fossem (...). E tudo isso tem sido feito por nações que fazem um grande alarde sobre a sua piedade e que, enquanto bebem a iniquidade como se fosse água, consideram-se os próprios eleitos da fé ortodoxa”.

Ademais, a ambição desmedida em pilhar também se mostrava ávara, vez que o butim e o resultado da exploração colonial eram reservados apenas à elite, restando ao homem comum a duvidosa honra de matar e morrer “por seu Rei ou por sua pátria”.

Para o filósofo, tal comportamento provinha diretamente da típica forma de governo da época, ou seja, a Monarquia Absolutista amparada no falacioso argumento do “Direito Divino”.
Assim sendo, em sua opinião, seria indispensável substituir esse regime pela República, pois se todos participassem do Poder Político os espólios das roubalheiras e explorações coloniais seriam diminuídos substancialmente em nível individual e isto, certamente, também reduziria a cobiça dos mandatários. Passaria, pois, a ser uma tentação resistível.

A esse respeito, aliás, o “Primeiro Artigo Definitivo” de sua obra “A Paz Eterna” proclama que:
“A constituição civil de todo Estado será republicana e a guerra só será declarada por um / plebiscito de todos os cidadãos”.

Afinal, quando aqueles que são forçados a matar e a morrer tiverem o direito de optar, o caminho das armas será o menos trilhado, ao contrário da situação em que se vivia, quando quem decidia pela guerra estava livre de lhe sofrer as agruras e as consequências diretas.

E a pregação de Kant revigorou-se quando em 1795 a Revolução venceu as forças reacionárias e ele pode imaginar que o Sistema Republicano se espalharia pelo continente, plasmando o seu desejo de que não mais se privilegiasse o indivíduo por conta de sua origem e nem que a ele fossem concedidos direitos usurpados aos demais. Uma sociedade que garantisse oportunidades iguais a todos através de um ensino universal de qualidade; de melhoras substâncias no atendimento à saúde, nas condições de infraestrutura e de bem estar alimentar e cultural etc.

Uma sociedade que tendo atendida as suas necessidades básicas, pudesse praticar a sua natural solidariedade e generosidade, tornando-as parte integrante do Imperativo Categórico sem o qual a piedade religiosa não passa de uma triste farsa.

Infelizmente grande parte de seus sonhos e desejos ainda não se realizaram, mas é importante reconhecer que alguns passos foram dados no bom caminho, sendo que há, no mínimo, o crescimento da conscientização da validade dessas aspirações.

Na sequência, para finalizarmos o capitulo dedicado a Kant faremos algumas observações acerca de suas ideias.

Rio de Janeiro, 05 de Junho de 2014


Produção e divulgação de Pri Guilhen, lettre, l´art et la culture, assessora de Imprensa e de RP., do Rio de Janeiro em Junho de 2014.