A Política e a Paz
Como se viu, as
reflexões, as opiniões e a exposição que Kant fez acerca da Religião
renderam-lhe repreensões e perseguições. Porém, esses incômodos não atingiram
limites extremos graças a sua idade e a respeitabilidade que ele havia
alcançado; e é provável que as suas posições acabassem sendo esquecidas pelo
Governo se ele não juntasse às mesmas as suas lucubrações a respeito da Política.
Ardoroso adepto da Revolução
Política e nos costumes e vigoroso defensor da Revolução Francesa que em 1788
assustou as monarquias europeias, Kant mostrou uma face inesperada para alguém de
sessenta e cinco anos de idade e diferente da quase totalidade de seus colegas
professores que não titubearam em demonstrar apoio à monarquia enquanto forma
legitima de governo e, em particular, ao seu soberano Frederico Guilherme II.
Mas o ideal revolucionário
de Kant não teve inicio com a revolta na França, pois já em 1784 ele publicou
um resumo de sua teoria política no livro intitulado “O Principio Natural da Ordem Política Considerado em Conexão com a
Ideia de uma História Cosmopolita Universal”.
Ele inicia as suas reflexões
discordando nesse ponto de seu ídolo Rosseau,
pois a seu ver é a luta de cada indivíduo contra tudo e contra todos que faz o
homem desenvolver as suas habilidades. A luta, pois, seria indispensável para o
progresso humano, sendo que ela acontece por imposição da própria Lei Natural, já
que se os homens vivessem “na paz dos cemitérios” nenhum desenvolvimento
haveria.
Em suas palavras:
“Demos
graças, pois, à natureza por essa insociabilidade, por esse ciúme e essa
vaidade invejosos, por esse insatisfeito desejo de posse e poder. (...) O homem
deseja a concórdia, mas a natureza é quem sabe o que é bom para a sua espécie;
e ela deseja a discórdia, a fim de que o homem possa ser impelido a um novo
emprego de seus poderes e a um maior desenvolvimento de suas capacidades naturais”.
Contudo, apesar dessa
apologia à competição, Kant lembrava que essa luta entre os homens teve de ser
regulada em certos padrões e limites para evitar que o seu excesso destruísse os
benefícios que havia fomentado, surgindo daí a chamada “Sociedade Civil”.
Enquanto essa teoria
tratava apenas dos indivíduos, as censuras que granjeou embutiram-se naquelas
de ordem religiosa, haja vista que ela se contrapunha à ideia de um homem “feito
à imagem e semelhança de Deus”; à concepção de que esse mesmo homem fazia parte
de uma “espécie eleita” que plaina acima das Leis da Natureza etc.
Porém, quando ele
equiparou o comportamento das Nações com o dos indivíduos e elevou esse mesmo
principio para as chamadas “Questões de Estado” as investidas governamentais não
tardaram, pois junto com a pregação de que a exemplo dos indivíduos que se
organizaram em uma “Sociedade”, as Nações também deveriam se organizar para que
lhes fosse disciplinado o comportamento, evitando-se, assim, a barbárie da exploração,
da guerra e de outras mazelas que a belicosidade interesseira dos Estados promovem
amiúde (uma
previsão para ONU?).
Não é difícil,
portanto, imaginar o mal estar que essa prédica causou, pois além dos aspectos
subjetivos como os tolos valores da “honra lavada em sangue”, do “patriotismo
ufano” etc. outras questões de ordem prática contribuíram para o incômodo causado,
já que a guerra atende aos escusos interesses concretos dos soberanos, dos
militares, do clero e outros que através da luta auferem poder e riqueza graças
ao aumento na taxação e/ou com a partilha dos despojos conquistados ao inimigo
vencido.
Mas novamente Kant não se
intimidou com as pressões e prosseguiu com suas críticas contra os gastos
militares em prejuízo das verbas destinadas a Educação, colocando uma questão que
ainda hoje não foi solucionada. Em suas palavras:
“Nossos
governantes não tem dinheiro para gastar na educação pública (...) porque todos
os seus recursos já estão aplicados na conta para a próxima guerra”.
E, assim, ele
prosseguiu, demonstrando uma coragem que beirava a audácia, já que foi a sua pátria
natal que iniciou a formação de exércitos permanentes, os quais, aliás,
mereceram-lhe a seguinte definição:
“Exércitos
permanentes excitam os Estados, levando-os a sobrepujar uns aos outros no número
de homens armados, que não tem limite. Devido às despesas provocadas por essas
situações, a paz se torna em longo prazo mais opressiva do que uma guerra
curta; e os exércitos permanentes são, assim, a causa de guerras agressivas feitas
com o fim de acabar com esses ônus”.
Posteriormente, seguindo
em sua cruzada, ele publicou, em 1795, o Ensaio intitulado “A Paz Eterna” que
se constitui de um belo desenvolvimento do tema.
Nota
do Autor - Para Kant um dos motivos para o incremento do militarismo
em sua época, era a ganância despertada pelas riquezas descobertas na África,
nas Américas e na Ásia. O desejo pelo butim incentivava a belicosidade natural
existente nos homens destituídos de cultura e de ética.
Nota
do Autor – a teoria kantiana a principio destoa da imagem
rotineira que se faz do filósofo. Um homem pacato e talvez até medroso. Mas a
sua colocação demonstrou a grandeza de seu espírito, apesar da rejeição que tal
tese sofreu e ainda sofre por parte daqueles que são amestrados a se resignarem
conforme as ordens religiosas. Posteriormente outro filósofo alemão, Nietzsche,
retomou esse discurso sofrendo as mesmas restrições.
Continua...
Produção e divulgação de Pat Tavares, lettre, l´art et la culture, assessora de Imprensa e de Relações Públicas, no Rio de Janeiro, em Junho de 2014.
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