terça-feira, 3 de junho de 2014

Idealismo Alemão - Parte X


A Política e a Paz

Como se viu, as reflexões, as opiniões e a exposição que Kant fez acerca da Religião renderam-lhe repreensões e perseguições. Porém, esses incômodos não atingiram limites extremos graças a sua idade e a respeitabilidade que ele havia alcançado; e é provável que as suas posições acabassem sendo esquecidas pelo Governo se ele não juntasse às mesmas as suas lucubrações a respeito da Política.

Ardoroso adepto da Revolução Política e nos costumes e vigoroso defensor da Revolução Francesa que em 1788 assustou as monarquias europeias, Kant mostrou uma face inesperada para alguém de sessenta e cinco anos de idade e diferente da quase totalidade de seus colegas professores que não titubearam em demonstrar apoio à monarquia enquanto forma legitima de governo e, em particular, ao seu soberano Frederico Guilherme II.

Mas o ideal revolucionário de Kant não teve inicio com a revolta na França, pois já em 1784 ele publicou um resumo de sua teoria política no livro intitulado “O Principio Natural da Ordem Política Considerado em Conexão com a Ideia de uma História Cosmopolita Universal”.

Ele inicia as suas reflexões discordando nesse ponto de seu ídolo Rosseau, pois a seu ver é a luta de cada indivíduo contra tudo e contra todos que faz o homem desenvolver as suas habilidades. A luta, pois, seria indispensável para o progresso humano, sendo que ela acontece por imposição da própria Lei Natural, já que se os homens vivessem “na paz dos cemitérios” nenhum desenvolvimento haveria.

Em suas palavras:

“Demos graças, pois, à natureza por essa insociabilidade, por esse ciúme e essa vaidade invejosos, por esse insatisfeito desejo de posse e poder. (...) O homem deseja a concórdia, mas a natureza é quem sabe o que é bom para a sua espécie; e ela deseja a discórdia, a fim de que o homem possa ser impelido a um novo emprego de seus poderes e a um maior desenvolvimento de suas capacidades naturais”.

Contudo, apesar dessa apologia à competição, Kant lembrava que essa luta entre os homens teve de ser regulada em certos padrões e limites para evitar que o seu excesso destruísse os benefícios que havia fomentado, surgindo daí a chamada “Sociedade Civil”.

Enquanto essa teoria tratava apenas dos indivíduos, as censuras que granjeou embutiram-se naquelas de ordem religiosa, haja vista que ela se contrapunha à ideia de um homem “feito à imagem e semelhança de Deus”; à concepção de que esse mesmo homem fazia parte de uma “espécie eleita” que plaina acima das Leis da Natureza etc.

Porém, quando ele equiparou o comportamento das Nações com o dos indivíduos e elevou esse mesmo principio para as chamadas “Questões de Estado” as investidas governamentais não tardaram, pois junto com a pregação de que a exemplo dos indivíduos que se organizaram em uma “Sociedade”, as Nações também deveriam se organizar para que lhes fosse disciplinado o comportamento, evitando-se, assim, a barbárie da exploração, da guerra e de outras mazelas que a belicosidade interesseira dos Estados promovem amiúde (uma previsão para ONU?).

Não é difícil, portanto, imaginar o mal estar que essa prédica causou, pois além dos aspectos subjetivos como os tolos valores da “honra lavada em sangue”, do “patriotismo ufano” etc. outras questões de ordem prática contribuíram para o incômodo causado, já que a guerra atende aos escusos interesses concretos dos soberanos, dos militares, do clero e outros que através da luta auferem poder e riqueza graças ao aumento na taxação e/ou com a partilha dos despojos conquistados ao inimigo vencido.

Mas novamente Kant não se intimidou com as pressões e prosseguiu com suas críticas contra os gastos militares em prejuízo das verbas destinadas a Educação, colocando uma questão que ainda hoje não foi solucionada. Em suas palavras:

“Nossos governantes não tem dinheiro para gastar na educação pública (...) porque todos os seus recursos já estão aplicados na conta para a próxima guerra”.

E, assim, ele prosseguiu, demonstrando uma coragem que beirava a audácia, já que foi a sua pátria natal que iniciou a formação de exércitos permanentes, os quais, aliás, mereceram-lhe a seguinte definição:

“Exércitos permanentes excitam os Estados, levando-os a sobrepujar uns aos outros no número de homens armados, que não tem limite. Devido às despesas provocadas por essas situações, a paz se torna em longo prazo mais opressiva do que uma guerra curta; e os exércitos permanentes são, assim, a causa de guerras agressivas feitas com o fim de acabar com esses ônus”.

Posteriormente, seguindo em sua cruzada, ele publicou, em 1795, o Ensaio intitulado “A Paz Eterna” que se constitui de um belo desenvolvimento do tema.

Nota do Autor - Para Kant um dos motivos para o incremento do militarismo em sua época, era a ganância despertada pelas riquezas descobertas na África, nas Américas e na Ásia. O desejo pelo butim incentivava a belicosidade natural existente nos homens destituídos de cultura e de ética.

Nota do Autor – a teoria kantiana a principio destoa da imagem rotineira que se faz do filósofo. Um homem pacato e talvez até medroso. Mas a sua colocação demonstrou a grandeza de seu espírito, apesar da rejeição que tal tese sofreu e ainda sofre por parte daqueles que são amestrados a se resignarem conforme as ordens religiosas. Posteriormente outro filósofo alemão, Nietzsche, retomou esse discurso sofrendo as mesmas restrições.

Continua...

Produção e divulgação de Pat Tavares, lettre, l´art et la culture, assessora de Imprensa e de Relações Públicas, no Rio de Janeiro, em Junho de 2014.

Nenhum comentário:

Postar um comentário