sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Inconfidências


Solenes, desfilarão os versos
pelas ruas de antiga idade.
Musas eternas cantam
os perenes amores
que rebrotam entre os jasmins.
E novas saudades se mostram
abaixo da Lua inconfidente.


Para a Musa de sempre.


Com carinho para Keyla, Joilson, Marcelo e Alexandra. A história vive em vocês.

terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

A Morte de Ivan Ilitch - Tolstói - Resenha





Tolstoi (1828 – 1910) nasceu no seio de uma rica família aristocrática e graças a isso desfrutou até a metade da vida de uma confortável e luxuosa condição de existência. Porém, após ter-se casado com uma mulher quinze anos mais jovem e ter sido pai de dez filhos, sofreu uma completa reviravolta em sua personalidade e tornou-se macambúzio, soturno e consciente das tristes condições em que viviam os pobres de sua pátria. No desenvolvimento dessa transformação vieram o divórcio, o recolhimento em sua propriedade, o afastamento da vida social e a leitura compulsiva dos grandes romancistas, especialmente Cervantes e Victor Hugo. Na sequência, chegaram o misticismo, o abandono das riquezas e o inicio efetivo da sua produção literária cujo mote principal focalizava os aspectos humanos e sociais. Seus textos retratavam aquilo que ele via, já que passou a visitar as áreas carentes da cidade e a manter um estreito convívio com as pessoas do povo. E foram essas aproximações e experiências que embasaram os enredos de obras como “Ana Karenina”, "Guerra de Paz" e desta, que, a exemplo das outras, mostram a crua realidade de uma sociedade injusta, egocêntrica, hedonista e dissoluta, embora, em paralelo, sempre com o contraponto de figuras nobres e de valores elevados.

Isto colocado, passemos à resenha de “A Morte de Ivan Ilitch”:

Se tu queres cantar o Mundo, cantes a tua aldeia...

A sentença acima se tornou icônica e pode perfeitamente ser usada no presente caso, bastando substituirmos a noção de espaço pela noção de tempo, pois, com efeito, os fatos ali narrados e ocorridos em c. de 1800 são tão iguais aos que ocorrem nos dias atuais, que não se pode observar a menor mudança no comportamento humano. Tanto quanto naquela época, o que hoje impera é o interesse próprio e egoísta, ainda que mal disfarçado e apenas para se atender às conveniências sociais.
O texto começa com a conversa descontraída de três servidores da Justiça que debatem assuntos banais de trabalho de carreira, tais como transferências, promoções, aumentos de salários etc. A conversa segue descontraída até que chega a noticia da morte de um dos juízes e automaticamente cada um dos presentes começa a imaginar o que aquilo pode lhe render de beneficio, em termos de promoções, transferências, aumentos de salários etc., além de sentirem o alivio pela foice da morte ter atingido a outro e não a ele próprio. E tais pensamentos, convenientemente disfarçados por hipócrita comiseração, também povoam as mentes de PIOTR IVANOVITCH e FIÓDOR VASSILIEVITCH, cuja proximidade com o morto era mais estreita e exatamente por isso o primeiro sente-se na obrigação de velar o juiz. Assim, sacrifica o repouso costumeiro após o jantar e dirige-se até a residência do falecido. Afinal, para ele o sacrifício pode ser compensador, pois a vaga que se abrirá com a morte do juiz, poderá ajudá-lo a auxiliar seu cunhado, funcionário inferior em uma estância sem importância, e com isso livrar-se da cobrança que a sua esposa e a família dela lhe fazem. Movido, então, por esses interesses, hipocritamente revestidos de solidariedade e piedade, dirige-se à casa do amigo extinto e lá, em primeiro lugar, encontra-se com outro amigo comum, SCHWARZ, que demonstrando completa indiferença com o ocorrido, não perde a oportunidade fazer piadas e confirmar que o esperam para o carteado de costume. Em seguida, finge um grande devotamento religioso e a custo consegue disfarçar o asco que sente ao avistar o cadáver. Ainda chocado com o cheiro do cadáver, com a sua aparência e com o horror da cena, sente-se reconfortado quando a viúva pede-lhe que a acompanhe, pois ela precisa conversar em particular um “assunto de extrema gravidade”. Ele a segue e logo percebe que as lágrimas que ela derrama são falsas e que o que lhe interessa de fato é saber o quanto ela pode exigir de pensão do Governo. PIOTR também percebe que ela já fez extensas pesquisas a respeito e que conhece mais do assunto do que ele mesmo e então responde que não há modo de fazer nada e que ela receberá apenas o padrão, mas ela fingindo ignorância sugere algum tipo de falcatrua, com o que ele não concorda e aproveitando-se do fato de que os serviços funerários estão prestes a começar ele se desembaraça da mesma e segue lépido e feliz ao encontro do jogo de baralho que lhe aguarda.

A outra metade da obra narra a vida de IVAN ILITCH, cuja principal característica foi a retidão profissional, familiar e social. Um indivíduo que primou em levar a vida cumprindo religiosamente todas as regras e leis, dispensando-se de aventuras e de bruscas mudanças. Uma vida recompensada por pequenas alegrias no trabalho, na aquisição e decoração de uma nova casa, vitórias no carteado e outras alegrias que são típicas de espíritos pequenos que desse modo compensam as frustrações advindas do casamento fracassado, da insuficiência do dinheiro que nunca é bastante para ostentar junto aos parentes e amigos mais pobres, da inquietude pressentida etc. E dentro dessa rotina prossegue-lhe a vida até que uma dor inesperada anuncia a chegada da doença que, ao cabo, o matará. Com a chegada da enfermidade, ele passa a pesquisar sofregamente os aspectos da mesma e devora todos os textos médicos buscando motivos de esperanças e tentando embasar a sua nova condição de enfermo e, portanto, “digno” e merecedor de atenções especiais, principalmente dos familiares; mas, ao contrário do que pretendia, logo ele começa a sentir o asco e o incômodo que causa em sua esposa e em sua filha, a despeito da tentativa que ambas fazem para parecerem atenciosas, amorosas e dedicadas. Ressente-se da indiferença das mesmas e, principalmente, do fato de sua esposa debitar-lhe a culpa por estar doente, não perdendo ocasião de falar para qualquer um que a sua situação é decorrente de sua indisciplina em não tomar os remédios como deveria; ou, então, que ele está nesse estado por ter comido aquele alimento, ou por ter usado aquela roupa e coisas similares. E o ressentimento em breve transforma-se em ódio e num crescendo de tensão, TOLSTOI relata as minúcias do cotidiano em que os mais diversos momentos causam dor, sofrimento, solidão e mais ódio, mais ressentimento, mais asco e mais vontade de que “ele descanse” e “descanse a pobre família” que por ter que suportá-lo vê-se privada de sua rotina.

É um texto duro, até cruel. E, pior, verdadeiro. É claro que existem exceções e há enfermidades e mortes que são suavizadas pelos cuidados e pelo amor que o paciente recebe, mas infelizmente são casos excepcionais e que ocorrem, geralmente, quanto a doença é breve e a morte não tarda, evitando que o trabalho e o incômodo dado pelo paciente atrapalhe a rotina daqueles que lhes são próximos. Mas TOLSTOI contou o que ocorre na aldeia, no Mundo e tanto no seu tempo, quanto no atual. Contou o que acontece com a maioria. Contou o que acontece quando a doença é empecilho ao lazer e à paz da família; quando as dores e os gritos do paciente impede-lhes o sono; quando a sua alimentação, a sua medicação e a sua higiene aumentam o trabalho; quando a sua demora em morrer retarda os planos com a herança; quando a sua degeneração física causa asco e a mental causa raiva e impaciência. Contou, enfim, o que são os homens.
 
Um texto esplêndido e uma leitura essencial. Um clássico!


Resenha feita a partir da Edição - "Biblioteca da Folha", Editora "Ediouro", com tradução de
Marques Rebelo.

Produção e divulgação de YARA MONTENEGRO, assessoria de RP, desde Ouro Preto, MG, no Verão de 2014

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

PROMETEU ACORRENTADO - As Gregas Tragédias








ÉSQUILO – 525(4)/456 AEC. - Elêusis

Cenário – região desolada na Citia, atual Sibéria.

Época da ação – primórdios da Humanidade

A 1ª Apresentação – em 458 AEC. em Atenas.


Personagens:

1. Coro – representando as Oceânidas

2. Hefesto – o deus do fogo.

3. Hermes – deus, arauto e mensageiro de Zeus.

4. Ío, filha do rei Ínaco, amada por Zeus e perseguida por Hera, a ciumenta esposa do “Pai dos Deuses”.

5. Poder e Força – divindades auxiliares de Zeus.

6. Prometeu, um dos titãs, filho de Urano (o Céu, também chamado de jápeto) e Gaia, ou de Urano e Têmis.

Prefácio

Num banquete servido aos Homens e aos Deuses, Prometeu encarregou-se de fazer a partilha de um boi assado. Ludibriando Zeus fê-lo escolher a parte onde colocara apenas ossos, camuflados por uma gordura branca. O “Pai do Deus” ao ver-se vitima do ardil encolerizou-se contra Prometeu e contra os mortais (que ficariam com as partes nobres da carne) e para castigá-los escondeu-lhes o fogo, o último elemento que faltava para que eles atingissem a civilização. O titã voou até o Olimpo, acendeu um ramo nas brasas do Sol (ou nas fornalhas de Hefestos, segundo uma variante da lenda) e deu aos Homens aquela chama. Zeus, duplamente enganado, puniu os Homens mandando à Terra a deusa Pandora e a Prometeu castigou mandando acorrentá-lo num rochedo.

A tragédia de Ésquilo começa a partir desse ponto, mas achamos oportuno recuarmos um pouco no tempo para facilitar a compreensão da peça. Também, com esse espírito, discorreremos brevemente sobre Pandora, que apesar de não estar diretamente mencionada na obra de Ésquilo ocupa um papel de destaque no encadeamento da lenda.
É bem conhecida a fábula de Pandora que ao abrir sua caixa libertou todas as maldades no Mundo. Também é comum que se creia que nem só de Maldades estava cheia a caixa, pois nela havia uma exceção benéfica: a esperança. Todavia é um erro supor que a “Esperança” fosse algo benéfico, pois ela é apenas mais uma das maldades. É a “Esperança” que ilude o Homem fazendo-o crer que seu Futuro será diferente. Que ele poderá dominar esse Futuro. É claro que mudanças superficiais ele poderá realizar, mas o intimo, a essência, está nas mãos do Destino, das circunstâncias que lhe cercam e cercarão. É a “Esperança” que obriga a Humanidade a perseverar como se fosse o mitológico Sísifo, cuja pena no Hades consistia em empurrar uma pesada rocha montanha acima e ao chegar ao cume, ver que a pedra rolava para seu ponto inicial, fazendo-o erguê-la novamente. Lendo a fábula de Pandora com a alma desarmada de clichês, nota-se a semelhança do Homem e Sísifo. Ambos fazem um inútil trabalho contínuo (ou uma vida de trabalho, cuja satisfação é sempre momentânea; e logo substituída por nova ambição) sem saber o motivo de tanta dor e sofrimento. 
Encenação

A representação teatral inicia com a chegada do “Poder”, da “Força”, de Hefestos e do prisioneiro Prometeu a um rochedo na distante e congelada Citia. Hefestos deixa escapar sua tristeza por ver um deus, um irmão seu naquela situação e logo é advertido pelo “Poder” para a necessidade de cumprir a ordem do Pai Zeus. Lembra-lhe que todos, inclusive os deuses estão presos às cordas do Destino e que tudo é inútil na tentativa de modificá-lo. Tudo é predeterminado.

Note-se que essa negação do “Livre Arbítrio” e da meritocracia para alcançar “A Salvação” voltaria à cena milênios depois nas vozes de Religiosos Protestantes. Calvino e Lutero, dentre outros, pregavam a “Graça Divina”; ou seja, seriam “Salvos” aqueles que fossem escolhidos (sic) por Deus, independentemente dos seus atos.

Preso por grossas cadeias, Prometeu experimenta a solidão com a partida de seus carcereiros e dá inicio as suas lamúrias e queixumes (alguns estudiosos veem nessa cena o original da cena da Crucificação de Jesus: um Ser Divino, protetor dos Homens, é castigado por tê-los favorecido.) até que ouve um barulho que lhe indica a chegada de alguém. São as Oceânidas que lhe trazem sua amizade e sua solidariedade. Prometeu, repete-lhes suas queixas e lhes ouve dizer que Zeus é um “Novo Rei” ainda em fase de consolidação do poder e inexperiente em seus mandos e desmandos.

Esse fato se repete a sorrelfa em várias oportunidades na História do Homem, principalmente quando as revoltas, justas ou injustas, chegam ao Poder e a agitação social, inclusive com violência, faz-se presente até que haja uma acomodação de todos os agentes deslocados por aquela convulsão.

Através do Coro, as Ninfas contestam Prometeu que julga ser motivo de escárnio doutros deuses. Ponderam que ninguém poderia ficar satisfeito com aquela situação. Nesse ponto, Prometeu cita pela primeira vez a hipótese de Zeus vir a ser derrubado por outro deus. Cita, então, um segredo (que se desposasse Tétis, o filho que gerassem o destronaria. Por isso, o Senhor dos Deuses fez com que ela se casasse com o mortal Peleu, a quem deu o filho chamado Aquiles, o maior guerreiro grego) que sabe e que interessa diretamente a Zeus, pois nele está o nome de quem o substituirá no trono. Prossegue afirmando que tal trunfo lhe é valioso e que por isso não será revelado mesmo que lhes sejam ditas doces palavras, ou lhes sejam aplicadas cruéis torturas.

Ante o medo que as Ninfas externam, dizendo que o coração de Zeus é tão duro quanto um diamante, Prometeu as consola retrucando que chegará o tempo que ele, o soberano Pai dos Deus, será curvado pelas circunstâncias e será obrigado a vir humildemente pedir-lhe socorro. Na sequencia, Prometeu responde ao Corifeu (representando a líder das Ninfas) contando o que fez para receber aquele castigo. Contou-lhe primeiro que foi decisivo como aliado de Zeus contra os titãs, pois usou além da força bruta a sutil inteligência; e se queixa da ingratidão de Zeus, nesse assunto.

Prosseguindo sua narrativa, contra-argumenta com o Coro, dizendo-lhe ser fácil criticar, mas de tudo que fez de nada se arrepende, pois como tinha o dom da adivinhação sabia de antemão o que teria que enfrentar, embora não esperasse que em condições tão duras. E tudo por amor aos homens...

Volta à questão do egocentrismo. Por amor ao Homem, ou por desejo de se opor a Zeus? Por ciúme do poder adquirido pelo irmão? A segunda opção tem mais probabilidade de ser a verdadeira.

Nesse momento chega o titã Oceano que presta juras de amizade enquanto censura Prometeu por não ter se submetido ao poder de Zeus. Primeiro ele recebe as criticas com polidez, mas depois usa de sarcasmo e diz que os covardes, como Oceano, não devem dar motivos para censuras dos poderosos do momento e que, portanto, ele deve partir sem vagar. Assumindo sua paúra, Oceano parte célere, amedrontado de ter contrariado o novo Senhor.

Nesse trecho é oportuno observar uma característica bem humana: qualquer sentimento mais nobre, a amizade, por exemplo, não resiste a um eventual risco. Tanto há milênios, quanto nos dias atuais. Há, aqui, todo um desnudamento profundo do caráter humano. Chega-se ao mais intimo do Ser, graças à genialidade de Sófocles. No outro extremo, o da nobreza dos sentimentos, as Oceânidas permanecem junto a Prometeu suavizando-lhe a solidão a que foi condenado.

Na sequencia o titã relata os benefícios que concedeu aos homens, narrando desde os primórdios da Humanidade:

1. A arte de construir casas, livrando-o das cavernas, onde vivia então.
2. O uso do raciocínio e a partir daí o conhecimento astronômico básico.
3. As ciências matemáticas e a escrita.
4. A doma e o uso dos animais de carga
5. Os navios à vela.

E após essa enumeração, queixa-se por não saber como se livrar da terrível condição em que ele próprio agora está. O Corifeu o compara a um médico talentoso, mas que desconhece o remédio que o curaria de sua enfermidade. Prometeu enumera mais algumas dádivas que deu aos Homens:

1. Os remédios e as ervas medicinais. Os alimentos funcionais.
2. As artes divinatórias. Como interpretar as estranhas de um animal sacrificado, ou o vento dos pássaros etc.
3. A metalurgia.

O Corifeu lhe pede, então, que não mais exagere no amor aos mortais. E que, se um dia libertar-se dessas correntes, leve uma vida harmoniosa com os outros deuses, especialmente com Zeus.

Responde-lhe Prometeu que ainda não é hora para a reconciliação. O Destino já fixou essa hora, bem como as dores que ainda sofrerá. E essas determinações são inflexíveis. Não podem ser alteradas. E o Corifeu faz a pergunta esperada: e quem controla o Destino (ou a Deus)?

O filho de Jápeto pondera, então, que o Destino é controlado pelas três Parcas e pelas três Fúrias, que não esquecem jamais qualquer erro. Sendo o próprio Zeus sujeito a isso.

No hinduísmo há essa concepção de Deus. Acima da TRIMURTI (Vishnu, Brahma, Shiva) está o “Deus Maior”, chamado de BRAHMAN. No catolicismo, algumas correntes já admitem que exista um “Deus” acima do demiurgo que construiu o Universo.

Na sequencia, a questão do controle de Zeus (ou de Deus, na modernidade e na contemporaneidade) é retomada pelo Corifeu, mas Prometeu se recusa ao assunto, alegando que ainda não é o Tempo certo para a revelação de tal segredo.

O Corifeu continua questionando e pergunta a Prometeu o porquê de seu amor aos Homens? Que benefícios isso lhe traz? Mas antes que o titã responda, chega à cena a beleza jovem de ÍO que atormentada pelo moscardo (a mosca da madeira) enfeitiçado, corre por todas as direções enquanto pergunta às Oceânidas sobre o prisioneiro atado à rocha, em meio aos seus próprios queixumes.

Prometeu diz conhecê-la, bem como ao seu fardo. De amada de Zeus, passou a ser a perseguida pela ciumenta esposa do “Pai dos Deuses”, Hera. Retruca a jovem pedindo-lhe que revele as futuras torturas que ainda passará. E Prometeu lhe diz que revelará o seu futuro, de forma clara e objetiva. Porém, antes que comece, o Corifeu pede a ÍO que ela própria conte seus males e ela, envergonhada, conta dos sonhos frequentes que a induziram a receber Zeus em seu corpo; de como seu pai a expulsou de casa, pensando que desse modo agradava aos deuses. E como seu físico e sua mente foram modificados para que ela ficasse parecida com uma novilha; também fala como o moscardo começou a torturar-lhe diuturnamente, impedindo qualquer repouso ou refeição. E mais contaria, mas acha melhor voltar a pedir o vaticínio de Prometeu.

Prometeu inicia seu vaticínio indicando-lhe o caminho a seguir. Nele, encontrará e deverá evitar vários povos hostis, exceto o das Amazonas que a tratarão como amiga e lhes darão um breve repouso, na dura e longa caminhada que fará até sair da Europa e adentrar a Ásia. Simultaneamente, compara seu sofrimento com o da jovem e não a persuade de desistir do suicídio. Apenas lamenta o fato de ser imortal, de lhe ser proibido o descanso que a morte promete, e lhe diz que só terá paz com a queda de Zeus; perspectiva que também alegra ÍO, pois ela entende que foi ele o causador de seus males. O titã lhe conta, então, que Zeus caiará tombado por um filho de sua estirpe; mas não será um filho seu, posto que ele só venha após serem passadas treze gerações. Também lhe diz do longo caminho que deverá percorrer já em solo asiático e dos perigos que enfrentará até que no território do atual Egito funde uma Colônia.

O Corifeu volta a lhe perguntar: quem destronará Zeus? Em resposta o titã diz que na Colônia, ÍO recuperará a forma humana e a sua paz interior. Ali gerará um filho negro, EPAFO, que cultivará a região banhada pelo Nilo criando as bases de uma linhagem real. Dessa linhagem virá o seu libertador, mas não entra em detalhes alegando que seria necessário um longo tempo para chegar ao término da narrativa, o que seria improdutivo para a jovem.

O nobre descendente de ÍO, através da linhagem de Epafo, é Herácles (Hércules, em latim) que efetivamente libertou Prometeu.

Entrementes, novamente aguilhoada pelo moscardo, ÍO chora seus sofrimentos e em desabalada carreira sai de cena.

Enquanto o Coro relata o erro de ÍO, que se “casou” apenas por estar deslumbrada pelo poder e fortuna de Zeus, Prometeu retoma seu discurso sobre a queda de Zeus e se gaba de ser o único que sabe o segredo de sua queda e como minorá-lo. As Oceânidas questionam-lhe se ele não estaria confundindo seus desejos com a real previsão do Futuro, hipótese que o titã rechaça e quando vai contra-argumentar, adentra à cena o deus Hermes, especialmente detestado por Prometeu que não lhe perdoa a servilidade, a covardia perante Zeus. Um Homem que se sujeita a ser um mero “menino de recados”.

Com esse ódio no peito, Prometeu o recebe com escárnio, acentuando sua covardia e sua servil condição de mensageiro. Hermes responde-lhe os insultos chamando-o de “Sofista”, ou seja, enganador, manipulador por meio de discurso vazio, mas convincente pela bela forma. Também lhe chama de “ladrão”, pelo “fogo” dado aos Homens. E entre ataques e contra-ataques, Hermes transmite-lhe a pergunta de Zeus sobre que casamento lhe arruinará? Ordena Zeus que Prometeu esclareça essa profecia, mas como seria de se esperar, o titã se nega a dizer quem o derrubará, enquanto continua seu feroz ataque ao mensageiro, insultando-o pela sua mediocridade, sua baixa estima e sua ingenuidade de achar que tanto ele quanto Zeus, serão eternos nos postos que ora ocupam. Ele mesmo, diz Prometeu, já assistiu à queda de dois “Pais dos Deuses”. Primeiro Urano e depois Cronos, avô e pai de Zeus.

Furioso, antes de voltar ao Olimpo, Hermes ameaça Prometeu com novos castigos: o primeiro será o “cão alado” que estraçalhará seu corpo; o segundo será a “branca águia real” que comerá seu fígado diariamente, ou na medida em que ele se regenere. O Corifeu tenta intervir na briga pedindo que Prometeu abrande sua fúria e se submeta ao novo “Rei dos Deuses”. Mas é em vão tal apelo, pois o titã reafirma sua posição e diz nada temer dos novos castigos que Zeus lhe infligirá. É acompanhado nessa determinação pelas leais Oceânidas que se recusam a abandonar o filho de Jápeto. Com isso repelem o conselho de Hermes para se afastarem e não serem feridas pelos raios de Zeus.

E firmes em sua convicção e em seu propósito, Prometeu e as Ninfas são colhidos pela imensa tempestade que se abate sobre eles, cuja fúria pressupõe o extermínio de todos. É o fim da apresentação teatral.

Epílogo

O leitor ou espectador observa que nessa Tragédia o sentimento dominante é a ira e o desejo de vingança contra uma suposta ou real injustiça. Num primeiro momento exalta-se a justeza do caráter de Prometeu. Num segundo instante, essa admiração chega às Oceânidas, cuja lealdade é voluntária. E talvez mais digna de louvor justamente por isso e pelo fato de não terem a mesma imortalidade de Prometeu, tampouco sua proteção como ente divino.

Ao fechar o livro, ou ir para casa após o teatro, o conceito de firmeza vai sendo substituído pela dúvida sobre os reais motivos de Prometeu. O que ele fez, foi mesmo por “amor aos Homens”? Ou terá sido apenas uma maneira de afrontar alguém (Zeus) que teria usurpado um trono que deveria ser seu? Foram os Homens apenas “massa de manobra”, tola e ingênua? É quase certo que a sua resposta será “Sim”. Pois olhando em retrospectiva, vê-se que o “fogo (a luz, a sabedoria)” dado pelo titã serviu para iluminar um Pensador como Platão; mas, com muito mais ocorrência, serviu para armar os Homens que se matam entre si, por conceitos absurdos. O que adiantou para a Humanidade a “civilização” que o deus lhe ofertou? Só a opressão de uns contra outros, sem que através dela se criasse efetivas melhorias para todos. Tudo que foi dado, e NÃO conquistado, veio com a maldição de todas as heranças: a criação de uma geração de incapazes, inescrupulosos, vadios e fúteis.

Todas essas questões perpassam os Juízos de todos que têm contato com a obra de Ésquilo, cada qual analisando de uma maneira própria. Mas é certo que todos - independentemente do juízo que faça das personagens - concordam que se saboreou um texto de beleza superlativa. Uma das grandezas de Ésquilo, cuja sutileza permite a quem dele se aproxima, viajar pelos meandros das almas humanas e divinas.
 
Rio de Janeiro, 12/02/2011.



Produção e divulgação de YARA MONTENEGRO, assessoria de RP., desde Ouro Preto, MG, no Verão de 2014.

sábado, 15 de fevereiro de 2014

Ângulo


Talvez alguma Lua
vença esse escuro
que preenche a janela.
E, talvez, essa solidão das Gerais
siga a bruma que se perde pela serra.

Talvez um poema antigo
reviva em alguma gaveta.

E, talvez, o amor que canta
dance nessas pedras molhadas,
não sei se de chuva,
não sei se de saudade.



Produção e divulgação de YARA MONTENEGRO, assessoria de RP., desde Ouro Preto, MG, no Verão de 2014.



Sutis

 
Serão sutis as estrelas,
pois sabem da fragilidade da noite
e da inconsistência das verdades.
Ainda assim, vagam nessas ladeiras
os amores idos e vindos
e o canto de todas as Musas
refaz a mágica de viver.


            Para a Musa.



Produção e divulgação de YARA MONTENEGRO, assessoria de RP., desde Ouro Preto, MG, no Verão de 2014.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

ALCESTE ( O egoísmo ou a falsa nobreza) - As Gregas Tragédias


EURÍPEDES – 495/406 AEC – Salamina

Cenário: a frente do palácio de Admeto, rei da cidade de Feras, nas Tessália.

Época da ação – idade da Grécia lendária

Local – cidade Feras, Tessália.

A 1ª apresentação – 438 AEC em Atenas.

Personagens:

1. Admeto, rei de “Feras”.
2. Apolo, deus
3. Coro
4. Êumelo, criança, filho de Admeto e Alceste
5. Feres, pai de Admeto.
6. Herácles, semideus e herói grego.
7. Morte, na figura de um ator vestido de preto.
8. Serva de Alceste e Servo

O sentimento preponderante nessa obra de Eurípides é o Egoísmo, embora disfarçado em sentimentos mais nobres. E sobre ele falaremos com mais intensidade que nos outros resumos para que uma crítica mais ácida possa ser feita a enredos e personagens que não primam pela virtude sincera; com isso deixa-se aberta a porta por onde o leitor pode observar realidades e sentimentos que não são exclusivos de nossa época.

Sempre estiveram com o homem e, infelizmente, sempre estarão. É a maneira “civilizada” de exercer o “instinto de sobrevivência” que noutras criaturas do reino animal é ostensivo e, talvez, mais honesto.

A história tem inicio com o deus Apolo vangloriando-se de ter enganado as Parcas (entidades que regulam a vida dos homens) e como conseguiu convencê-las a poupar Admeto quando a hora de sua morte chegasse, mas desde que ele encontrasse um substituto voluntário. Agiu Apolo por gratidão à generosa hospedagem que Admeto lhe deu quando ele foi banido do Olimpo pelo Pai Zeus, como castigo por ter matado os Ciclopes (artesões do fogo), em vingança pelo assassinato de seu filho, Asclépio, pelo próprio Zeus.

O tempo passa e Admeto busca desesperadamente o substituto que morra em seu lugar, mas nem seu próprio pai, tampouco sua própria mãe consentem em sacrificar-se pelo filho, apesar de já terem vivido uma longa vida e estarem mais próximos da morte natural que os outros consultados. Em todos, note-se, age poderosamente o egoísmo. E cada qual expõe suas razões, as quais diferem na superfície, mas são idênticas na essência. De Admeto que reluta em cumprir os desígnios do Destino até os seus pais, de quem se poderia esperar o “sacrifício extremo” para salvar o filho.

Por fim, quando todos já se recusaram, deixando às claras seu apego a si próprio, surge uma exceção: Alceste, a esposa de Admeto, que se propõe a substituí-lo por amor. Essa nobreza, contudo, não resiste a um exame mais acurado, pois não encerra nenhuma verdade. Afinal, que amor é esse que a afastará do “Ser Amado”? Se ela temia esse distanciamento na viuvez, como o aceita agora? Afinal, a “distância” é a mesma. 

Sim, pois essa ausência também estará consigo no Hades, em nada diferindo da primeira e com um agravante: se na viuvez ela perderia “apenas” o marido, ao morrer, perderá além dele os seus filhos. Como, então, classificar seu gesto extremo? Egoísmo, mas agora precedido pelo egocentrismo. Egocêntrica por desejar ser o “centro das atenções”, das lamúrias e das baixas glorificações que as almas mais humildes prestam a tal comportamento. Egoísta por não pensar sequer nos filhos, que deixará crianças, órfãs, dependentes, para atingir seu objetivo egocêntrico.

A história prossegue com a chegada de Herácles (Hércules, em latim) sendo hospedado por Admeto que nada lhe diz sobre o drama que se desenrola em seu Palácio. E Herácles aproveita sua estadia em lautos banquetes e outros prazeres.

Entrementes, a morte de Alceste se aproxima e Admeto chora descontroladamente enquanto ela se despede da vida com um discurso repleto de lamúrias, de autocomiseração, de auto glorificação, sem se esquecer de pedir a Admeto que ele não se case de novo. Entre outros exemplos, aparece novamente o seu egoísmo: ao mostrar o medo de que seu “corajoso sacrifício” perca brilho com o tempo e com as novas alegrias de outro casamento. Fica claro seu desejo de se tornar um paradigma de “amor conjugal” e de “desprendimento”.

Morta Alceste, Admeto prepara seu funeral e entra em cena seu pai, Feres. Admeto o ataca verbalmente com furor, debitando-lhe a morte da esposa, pois se ele aceitasse morrer em seu lugar, ela ainda estaria viva. Raciocínio torno, sem dúvida. Feres, revida o ataque chamando-o, entre outros contra-argumentos, de covarde, pois permitiu que a própria mulher enfrentasse a dor que era sua. Proibido de assistir ao funeral, Feres sai de cena e só não é aplaudido por ter resposto as coisas em seus devidos lugares, pela ligação, já mencionada, que as almas menos capazes experimentam com os simulacros de coragem e amor.

Na sequencia, Herácles chega à frente do palácio e após ter sido criticado pelo povo, na voz do Coro, pela sua alegre estadia na casa de tantos sofrimentos, informa-se do ocorrido e louvando Admeto pela hospitaleira acolhida mesmo enfrentando tão grave crise, sai de cena. Só regressa, pouco depois, acompanhado por uma mulher encoberta por grossas vestimentas. O rei indaga-lhe de quem se trata e o herói, após algum suspense, descobre o rosto da mulher. É, claro, Alces-te, ressurgida na vida por ter sido resgatada da morte pelo semideus. Obviamente que esse “gran finale” é festivo, pois todos estão vivos, o Destino foi ludibriado e o egoísmo poderá se perpetuar como os dias atuais comprovam.

É uma história muito bem vista pelas camadas menos instruídas, mas o mesmo não se dá com os mais cultos. Alguns eruditos chegam mesmo a descaracterizá-la como tragédia, haja vista o incomum e talvez inconveniente “final feliz”. Pode-se até perguntar: Eurípedes fez conscientemente uma crítica ao egoísmo, ou pretendeu atingir o sucesso imediato junto às massas pouco instruídas, que normalmente reagem com afoiteza à aparência das coisas?

Para muitos, inclusive para esse modesto escrevinhador, essa obra é o arquétipo, ou o modelo das atuais telenovelas, filmes, alguns livros, folhetins etc., pois as más intenções são secretas (ou desdenhadas) e todas as situações extremas são resolvidas – mesmo que impossíveis – com num passe de mágica. 

O que importa é dar um “final feliz” a quem dele necessita.


Rio, 01/02/2011



Produção e divulgação de YARA MONTENEGRO, assessora de RP, desde Ouro Preto, MG, no Verão de 2014.

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

ANTÍGONA - As Gregas Tragédias



SÓFOCLES – c. 496/406

Personagens:

1. Antígona
2. Coro
3. Creonte
4. Eteócles
5. Eurídice
6. Hermon
7. Ismene
8. Megareu
9. Mensageiros
10. Polinice
11. Tirésias
  
"Se alguém perguntar quem foi Antígona que respondam: foi aquela que morreu pouco antes de Tebas".

Após a queda de Édipo, o trono de Tebas deveria ficar com Eteócles e Polinice, sendo que cada um reinaria pelo prazo de um ano, em sistema de rodízio. Porém, Eteócles não cumpriu o acordo e exilou Polinice que foi residir em Argos. Ali, conseguiu convencer o rei argivo a guerrear contra Tebas e Argos fez o cêrco, mas antes que a guerra se iniciasse efetivamente, Polinice desafiou Eteócles para um duelo, sendo que o vencedor tomaria o trono tebano definitivamente. Essa modalidade de luta, “o duelo singular”, era comum na época e aquele que realizaram foi mortal para os dois, caídos por golpes do irmão adversário.

Com a morte dos herdeiros, a vacância no Governo foi preenchida por Creonte, irmão de Jocasta e tio de ambos e de suas irmãs Antígona e Ismene. Seu primeiro ato de Governo foi entregar o comando das Armas Tebanas ao seu filho Hermon, noivo apaixonado de Antígona. E o jovem comandante usa seu talento e consegue romper o cerco e desbaratar o inimigo. Enquanto isso, Creonte baixa seu segundo decreto: proibir que o corpo de Polinice receba qualquer celebração fúnebre e que seja sepultado, pois alega o novo rei que ele foi um traidor de sua pátria. Entrementes o povo começa a se exceder nas comemorações pela vitória frente aos argivos e atropeladamente as Forças Militares avançam atrás dos inimigos fugitivos.

A proibição de sepultar e de honrar funebremente a Polinice causa surda revolta entre a população e faz com que Antígona expresse às claras seu inconformismo com tal medida, alegando que o sepultamento é uma “Lei Divina”, superior, portanto, a qualquer édito humano. E que, além disso, é uma desumanidade deixar o defunto entregue às aves e aos cães. Creonte se mantém irredutível e Antígona parte para o confronto direto alegando que fará o sepultamento e as cerimônias relativas, ainda que isto lhe custe à vida.

Após pedir em vão o auxilio de sua irmã Ismene; e burlando a vigilância da guarda, a jovem conseguiu realizar o sepultamento e os votos, mas após uma curta investigação descobre-se que fora ela quem realizara tal enterro e Creonte determina que ela seja presa em uma caverna, sem qualquer conforto, inclusive a de companhia e da própria luz do Sol, até que morra. Foram inúteis os argumentos que Antígona repetiu-lhe acerca da desumanidade e da impropriedade de se colocar a frente das Leis Divinas (ou da Constituição em tempos de Estados laicos) a vontade de um sujeito, mesmo (e inclusive por isso) que seja um Ditador.

A proibição de enterrar Polinice já não tivera a unanimidade da população e, agora, o castigo impetrado contra Antígona também não é aceito por grande parte do povo. E se o povo não pôde externar seu repúdio, o mesmo não se deu com Hermon que ao saber do castigo à noiva enfrentou a prepotência do pai e acabou sendo destituído por ele do comando das tropas. Foi substituído por seu irmão Megareu, mas a inabilidade deste contribuiu para que os ventos da guerra virassem e os argivos além de defenderem suas terras começaram a vencer os tebanos.

Nesse ínterim, Creonte recebe a visita de Tirésias, o famoso adivinho grego, que lhe fala de seus terríveis presságios enquanto faz uma severa critica a ingenuidade insolente do rei que não percebe que a guerra tem novo vencedor e que seu reino está fadado ao fim se não ouvir os sábios conselhos de perdoar Antígona e recolocar o Exército sob o comando de Hermon. Movido por esse alerta e pela voz da parcela mais sábia da população, representada pelo Coro, Creonte considera esses caminhos, mas só se decide após ouvir de um mensageiro que Megareu tombou em combate, assim como grande parte das Forças tebanas. Apressadamente vai em direção à gruta onde Antígona fora trancafiada. Enquanto segue para lá, Eurídice, sua esposa e mãe de Megareu e de Hermon, ouve do mensageiro a funesta noticia e entrando no Palácio antecipa premonitoriamente a morte de Hermon, após o que, suicida-se.

Ao chegar à caverna, Creonte distingue uma voz de homem e a identifica como sendo a de Hermon. Rapidamente adentra e se depara com a visão trágica de Antígona morta, que se suicidara em uma forca feita com seu próprio cinto. Em desespero, insano, o rei ainda pede o auxílio de Hermon, mas dele só recebe uma cusparada no rosto e vários impropérios. Na sequencia o jovem saca de sua espada e tenta matar o pai que foge covardemente. Hermon, então, louco de amor, de dor, suicida-se também, com a própria espada.


Regressa Creonte ao Palácio e já no portão recebe a noticia do suicídio de Eurídice e do avanço definitivo das tropas inimigas. Oferece-se, então, em holocausto e junto dele, Tebas também morre.


Produção e divulgação de YARA MONTENEGRO, desde OURO PRETO - MG, no Verão de 2014.


quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

ÉDIPO em COLONO - As gregas tragédias


Sófocles

Cenário – Palácio Real em Tebas e Bosque consagrado às Erínias, na localidade de Colono, nas cercanias de Atenas.

Época da ação – idade da Grécia lendária.

Personagens:
1- Antígona
2- Coro e Corifeu – anciãos de Colono
3- Creonte
4- Édipo
5- Ismene
6- Teseu
7- Transeunte.

O grande mestre, Jose de Saramago, em sua obra “Jangada de Pedra” anota que um dos maiores obstáculos que o escritor enfrenta é o da simultaneidade dos fatos. Por sua própria natureza, o livro, ou qualquer texto, sempre apresentará um fato após o outro, mesmo que ambos aconteçam no mesmo tempo. Aqui se vê problema semelhante, com o desencontro no tempo das ações de Édipo, de Antígona e de Creonte. No capitulo anterior, “Antígona” de Eurípedes, a morte dos irmãos Etéocles e Polinice, mas a da mãe Jocasta ocorrem enquanto Édipo e Antígona ainda estavam em Tebas. No capitulo presente, ambos já estão banidos. Na localidade de Colono, nos arredores de Atenas.

É claro que esse desencontro ocorre pelo fato de serem duas obras distintas, de dois autores diferentes. Contudo, achamos oportuno esse esclarecimento em razão de “Antígona” e “Édipo em Colono” serem complementações de “As Fenícias”. Isto dito, contamos com a compreensão do amigo (a) leitor (a).

“Édipo em Colono” é a última “Tragédia” que conta uma história relacionada com Édipo. Aqui, ele já não se dirige aos súditos, mas à jovem Antígona, sua filha, sua conselheira e seu amparo durante o exílio. Antígona difere de sua irmã Ismene, que é uma figura secundária e de seus irmãos, pois é ela quem cuida do bem estar coletivo. Primeiro ajuda o pai a encontrar asilo para viver seus últimos dias e após a sua morte, volta para Tebas onde tenta impedir o duelo dos irmãos e, no fim, para sepultar Polinice.

Quando Édipo chega ao Santuário das Eumênides, em Atenas, lembra-se do antigo Oráculo de Apolo que lhe indicava ser ali o local onde deve morrer, e decide ficar para desfrutar do repouso derradeiro. É aqui que começa a encenação.

- Filha, a que terra nós chegamos? Quem se animará a dar abrigo a esse mendigo? Resignação, a dor me ensinou. Abandonei minha índole heroica e só peço o pouco que me dão. Tu vês Antígona, algum lugar profano, algum bosque, onde possamos descansar? Perguntemos aos nativos os seus costumes, pois convém aos estrangeiros aceitar as normas da casa aonde chega.

- Ó, meu sofrido pai, eu vejo ao longe as muralhas que circundam uma cidade. Acho que estamos em local sagrado, pois as Oliveiras de Atená e os Loureiros de Apolo são exuberantes. Assim como as Videiras de Dionísio e o canto dos rouxinóis. Mas venha, paizinho, descanse nessa pedra.

- Sim, deixe-me repousar. Tu já sabes onde nós estamos filha?
- Estamos em solo ateniense, pai. Queres que eu me informe sobre o nome dessa localidade?
- Sim filha. Os viajantes que nos disseram ser ateniense a região não especificaram o nome do lugar e eu preciso saber se já chegamos ao lugar que o antigo Oráculo me indicou. Aqui é desabitado?
- Não, pai. Um dos moradores se dirige para cá. Vou lhe perguntar, ou o senhor prefere indagar-lhe pessoalmente?
- Sim, filha, deixe que eu mesmo lhe pergunte. 
- Amigo, tu pode nos dizer onde estamos?
- Sim. Mas antes, ancião, deixes esse lugar em que estás, pois aí é solo sagrado. Não pode ser violado, pisado. Foi con-sagrado às “Deusas Terríveis”, filhas da Terra e do negro abismo.
- Deusas Terríveis? Mas como devo chamá-las, amigo? 
Chame-as de “Eumênides”, responde-lhe o morador. Outros belos nomes também lhes são dados.

Nota - Como já se viu alhures, os gregos chamavam as Erínias, ou Fúrias, com belos e positivos nomes na esperança de lhes abrandar a ferocidade e conquistar-lhes a simpatia.

Édipo invoca, então, o beneficio das deusas dizendo que ali será seu último assento, pois assim revelou o Oráculo de Apolo. O habitante local pede que Édipo se tranqüilize, pois ele não lhe fará mal algum. Em seguida responde à pergunta de Édipo sobre o nome da localidade e reafirma que é uma região sagrada e consagrada ao deus Poseidon (Netuno, em latim) e ao titã Prometeu. Onde, velho, tu repousas é chama-do de “Umbral de Bronze”, sendo-lhe patrono o Cavalheiro chamado de “Colono”, o qual, apesar de pouco conhecido, aqui é venerado.

- Então, amigo, a região é toda habitada? Vós outros são governados por um Rei ou pelo Povo?
- Por um Rei, chamado Teseu, filho de Egeu.
- Alguém poderia levar-lhe um recado meu?
- Sim. Mas para avisar-lhe que tu estás aqui, ou para pedir-lhe que venha vê-lo.
- Para informar-lhe que se ele me prestar um pequeno favor, a recompensa será régia.
- Mas velho, que proveito um cego como tu pode oferecer a um Rei?
- Trago comigo uma palavra que tem enorme valor.
- Velho, eu falarei com os demais e eles decidirão se tu podes ou não ai ficar.
Édipo, pergunta a Antígona se o morador já partiu. 
- Sim, pai, está tudo tranqüilo. 

Édipo, então, dirige-se às Eumênides dizendo: ó deusas, em teu solo encontrei repouso. Não sejam duras contra Apolo, tampouco contra mim. Se cá estou é por ter recebido há muito tempo um vaticínio dele dizendo que eu acharia repouso para o corpo e para a alma numa longínqua terra, onde ilustres deusas concederiam descanso a esse velho assoberbado de penas e mágoas. E, de fato, em vosso solo, encontrei alivio para minhas dores e aqui encontrarei o fim da vida e das minhas atribulações. O Oráculo previu, também, que eu verei sinais que me avisarão quando o momento da passagem for chegado. Quando trovões, sismos e raios forem lançados por Zeus e iluminarem o Céu e abalarem a Terra eu saberei que é hora de partir para o Hades. Não cheguei a esse bosque aleatoriamente. Alguma força divina para cá me encaminhou. Já é um dos sinais, pois sem a condução do Destino eu nunca acharia esse arvoredo e essa rocha onde descanso. Por isso deusas, deixem-me ficar até que me chegue o momento extremo. Tenham piedade do alquebrado Édipo. Valha-me ilustre Atená. Nesse momento Antígona lhe interrompe para avisar da vinda de alguns homens. Ele lhe pede que o esconda no matagal, pois quer apenas ouvir os recém chegados. O Coro, formado por aqueles homens, pergunta a Antígona quem é ele e onde está? Não poderia cometer aquela heresia de pisar em solo santo. Ter a petulância de assentar-se no bosque sagrado. No arvoredo consagrado às deusas, cujos nomes eles temem pronunciar. Um deles incita os demais a procurarem-no: vamos companheiros, achemos quem devassou o sacro lugar. Nesse ponto Édipo responde: é a mim que procuram. Só tenho ouvidos, pois meus olhos se foram por minha própria mão. Oh, horror! Assusta-se o Corifeu e lhe pergunta quem é?

- Não me considerem um fora-da-lei homens.
- Mas quem és tu?
- sou Édipo. Aquele que só vê através dos olhos da filha. Através da minha adorada Antígona.

O Coro, na seqüência, entoa um canto lamentoso em que diz: olhos mortos, tu fostes gerado sob alguma maldição. Vê-se que acumulas muitos anos. De nós nada tema. Não acrescentaremos sofrimentos aos que já carrega. Tu, pobre velho, entraste em local proibido e não poderemos ir ter contigo; assim, se tu quiseres manter a conversa, saia de teu refúgio, pois enquanto não vier o silêncio não será quebrado. Nada falaremos.

- O que faço filha?
- Atenda-os, pai.
- Dê-me a mão filha. Creio que serei tratado com justiça. Senhores: aproximo-me confiando em vós. 
O Corifeu lhe responde dizendo que venha sem temor. Desse lugar em que tu estás só sairás por livre vontade. 
- Isso, senhor. Dê mais alguns passos. Guia-o jovem. 

Tu estás, homem, no estrangeiro e, portanto, nada faça que desagrade a cidade que te acolher. Sim, retruca Édipo. Está bem. Respeitarei os costumes do lugar que me abrigar. Leve-me, filha, ao local propicio para ouvirmos e falarmos; pois, ver, eu já não posso mais. Dialoguemos sem gerar conflitos. 

- Isso mesmo ancião, diz o Corifeu. Aqui nessa plataforma rochosa tu ficarás bem. Agora que estás acomodado, diga-me quem és tu, de onde és e por que tantas desventuras te magoam?
- Sou um expatriado, senhores... Édipo tenta prosseguir, mas a emoção o silencia.
- Por que vacilas velho?
- Não perguntes quem eu sou, diz Édipo. Contentes-te com o que já sabes.
Por quê? Torna a questionar o Corifeu.
- Minha origem é infame. Ó, que farei filha, geme Édipo?
- Responde pai. Teus erros não são teus.
- Sim. Por que ocultar-lhes?

Vamos velho, exaspera o Corifeu. Deixe de subterfúgios e diga quem é teu pai, donde vens e quem é? Pare de embromar e diga.

- Tu ouviste falar de um filho de Laios, rei de Tebas? Descendente dos LABDÁCIDAS, estirpe de LÁBDACO, que foi pai de Laios e avô de Édipo?
- Oh, esse Édipo és tu?
- Sim, mas não te espantes com o que digo. Vou te contar a origem do mal que nos persegue: Laios quando era jovem teve um “amor não natural (homossexual)” por Crisipo, filho de Pêlops, que ao saber do fato, foi tomado de fúria e lançou pesada maldição contra Laios. Lançou-lhe o mau agouro de que ele morreria pelas mãos do próprio filho e que este dei-taria com a própria mãe. Essa maldição foi encampada pelos deuses que desde então são adversos à minha gente. 

Nota - É interessante notar que essa homofobia que vigorou na Grécia mais remota, não se estendeu até a chamada “Idade de Ouro”, de Péricles, Sócrates, Platão e Aristóteles, quando o relacionamento homossexual era admitido com naturalidade.

O que dizer, pergunta o Corifeu? Lamento por ti, mas não podemos conviver com sua maldição. Saia, pois, de nossa terra. Ande! Desapareça!
- Mas tu não cumpriras o que prometestes?
- Não! Não há promessa que se sustente ante as forças do Destino. Fora! Não contamines com teu infortúnio a minha cidade.

Nesse momento Antígona toma a palavra e diz aos senhores do Coro: benevolentes, vós outros me parecem, mas como a desventura de meu pai não foi o suficiente para conseguir seus benefícios, eu lhes rogo que nos abriguem. Façam-no por mim, se não for por ele. Vestida de negra dor, meus o-lhos suplicantes penetram os vossos e eu vos falo como alguém de sangue igual. Nos senhores, eu e meu pai, repousamos como se estivéssemos nos braços de um deus. Eu imploro vossos favores e rogo pelo que tendes de mais caro: filhos, deuses, esposas, bens. Não nos abandonem, pois os erros que meu pai cometeu foram involuntários e ditados pelos deuses. E os senhores sabem que nenhum mortal pode escapar da ira de uma divindade. 

Nota - no discurso de Antígona é possível ler nas entrelinhas que a “Força do Destino” vence qualquer racionalidade. Dessa relativização da Razão é que, provavelmente, germinaram alguns ramos da filosofia posterior. As forças inconscientes já eram, então, pressentidas, embora fossem colocadas no exterior dos indivíduos e não em suas psiques.

Responde-lhe o Corifeu: comovidos nós estamos. Temos pena de vossos infortúnios, mas o temor que sentimos pelas deusas é maior.

Retruca-lhe Édipo: mas a vossa Atenas não é famosa por abrigar todos os suplicantes? Por que eu acreditei nessa boa fama se agora vos me arrancam do assento onde descanso? E isso, apenas por temerem o meu nome e não os meus atos? Atos, senhores, que fiz apenas para me defender das injustiças que me perseguem desde o nascimento. Saibam que os deuses nos olham constantemente e premiam os que são generosos, religiosos e punem os malvados que não cumprem as Leis da hospitalidade e desdenham da religião. Ademais, senhores, eu vos trago benefícios e bastará que tu, ilustre senhor, traga seu líder para eu dizer quais serão esses benefícios. Por isso eu imploro para me deixarem ficar sob a proteção de seu abrigo.
Replica o Corifeu: Édipo, eu sou obrigado a reconhecer que tua argumentação é justa. Porém, devo consultar as autoridades da região.

E onde, pergunta Édipo, está o Governante dessa pátria?
Em Atenas, Édipo. Um mensageiro irá procurá-lo, diz-lhe o Corifeu.
- E tu achas que ele terá consideração por um pobre cego e virá?
- Sim. Ao ouvir teu nome, ele virá. As noticias incomuns correm rápido. Teu nome o fará vir depressa, pois tu inquietas a todos.
- Que ele venha, pois. Tanto para o meu bem, como para o bem de sua cidade.

Nesse momento Antígona diz: oh Zeus! Pai, meus pensamentos estão confusos. Eu vejo que uma mulher, montada numa jumenta Etna (uma das raças de muares mais apreciadas na Grécia) vem ao nosso encontro, mas não vejo seu rosto por-que um chapéu o esconde. As imagens estão embaralhando-se em minha mente, pai. Agora vejo outra mulher. Oh, espere! Agora a reconheço. É Ismene, a minha irmã e tua filha, pai.

- Filha, eu ouvi bem? É mesmo Ismene quem se aproxima?
- Sim eu vejo tua filha. Oh, meu pai e minha irmã! Quanta alegria eu sinto!

Nisso, Ismene chega e não consegue deixar de comentar o quanto sofreu para lhes encontrar; e o quanto sofre ao ver o pai e a irmã naquelas condições, como se fossem reles suplicantes. Édipo, ao contrário, pleno de alegria a recebe e pede que ela o abrace. Ismene aperta-o nos braços, juntamente com Antígona.

- Por que tu vieste, filha?
- Por estar muito preocupada contigo e com minha irmã, paizinho. E, também, para trazer-te noticias. Vim acompanhada apenas por esse escravo, o único que me restou fiel.
- E teus irmãos, o que fazem?
- As coisas vão mal, pai.
- Sim, eu vejo que teus irmãos agem tão mal quanto os egípcios. Ficam flanando em casa, enquanto as mulheres saem à lida, em busca do sustento. Eu vejo que eles, ao invés de vir encontrar o pai, deixam que as irmãs, frágeis donzelas, encarreguem-se de cuidar do genitor de todos. Ao invés de enfrentarem as dificuldades dos caminhos, ficam no Palácio dedicando-se às suas querelas. Mas diga-me filha, quais são as más noticias.

- Pai, eu não falarei das dificuldades que passei no caminho, pois só de recordá-las eu sofreria novamente. Falarei, pois, sobre os males que se abatem sobre teus filhos. A primeira discórdia entre eles surgiu com a decisão de deixar o trono para Creonte. Agora, um deus perverso, incentivou nova rixa entre ambos. Contra as Leis e os Costumes, o irmão mais novo, Etéocles, usurpou o trono e baniu Polinice. Esse, tendo chegado a Argos, casou-se com a filha do rei Adrasto e agora chefia o exército com o qual pretende invadir Tebas e recuperar o que acha ser seu direito.

- Ó minhas filhas adoradas, vós tendes esperanças de que os deuses irão conceder-nos algum alivio?

Ismene responde que sim, apoiando-se nos últimos Oráculos favoráveis. 

- O que dizem esses Oráculos, Ismene?
- Que tu, paizinho, um dia trará glória e prosperidade aos homens que te abrigarem em vida e te honrarem na morte. Consta, pai, que em ti repousa a força dos mesmos, pois os deuses que antes te derrubaram, agora te levantam. Aliás, é por isso que se diz que Creonte prepara uma expedição para te repatriar ainda hoje. Para que tu voltes a morar perto de Tebas, pois a ruína emanada por seu túmulo pesaria contra ele. Por isso, agora, ele tanto te quer na sua proximidade, embora não te queira como seu Senhor.
- Mas não me terão Ismene. Eu te garanto.
- Tua decisão os afrontará, pai. Serão atingidos por tua ira quando se aproximarem de teu túmulo. Disso eu sei pai, por ter ouvido de um delegado tebano que consultou o Oráculo de Delfos.
- E os meus filhos, sabem disso?
- Sim pai, todos sabem. Os delegados anunciaram o veredicto para toda a Cidade.
- Filhos miseráveis! Mesmo sabendo disso, preocupam-se apenas com a disputa pelo Poder, sem se importarem com meu sofrimento, ou com os benefícios que ainda serei capaz de proporcionar. Que os deuses aumentem as rixas entre eles.

Édipo prossegue amaldiçoando seus filhos. Tanto Etéocles que usurpou o Poder, quanto Polinice que não vacila em atacar a própria cidade para reconquistar o que legalmente é seu.

Note-se aqui o hiato que existe entre a legalidade e legitimidade. Aquilo que está ao abrigo da Lei, não encontra respaldo na Ética mais primitiva.

Entre lágrimas sentidas, diz: nada fizeram para impedir o meu exílio e me condenaram, por sua omissão e ação, a vi-ver no estrangeiro à custa de esmolas. Talvez digam que eu escolhi o banimento, mas naquela hora acalorada, eu queria mesmo era ter morrido. Agora, que a dor amadureceu, eu compreendo que o banimento é pena mais severa que a morte e eles, ó filhos ingratos, não deram uma palavra se-quer que pudesse afastar esse horror que me constrange. E essas pobres filhas, que ao invés de buscarem a felicidade pessoal, cuidam do velho pai sem qualquer ressentimento. Por que, deuses, o Mundo não é feito apenas para as mulheres? Eles, ao contrário, trocaram o Pai pelo Trono, pelo Poder. Não esperem, portanto, que eu os ampare. O trono que foi de Cadmo jamais cairá em suas mãos maculadas. Sim! Posso reafirmar esse vaticínio, agora que me lembro com mais detalhes do Oráculo de Apolo ao meu respeito. Que venha Creonte, ou outro qualquer que mandarem. Eu não voltarei para Tebas e, assim, não a abençoarei. Se vós atenienses, derem-me o abrigo necessário para mim e para minhas filhas, eu os recompensarei com as benesses que minha presença atrairá para vossa Cidade.

Responde o Corifeu: tu mereces nosso apoio Édipo. Zelaremos por ti e por tuas filhas, já que tu te apresentas como protetor de nossa Cidade. Deixe-me, agora, transmitir-te algumas coisas que convém saberes.

- Sim, meu caro. Em tudo eu te seguirei.
- Primeiro purificas-te com sacrifícios e oferendas às Deusas, cujo solo tu pisou primeiro. Depois ofereça libações, executadas pelas mãos imaculadas de tuas filhas. Em seguida a-dorna os vasos que te serão mostrados com lã de filhote de carneiro, recém tosquiado, e faça outras libações, em pé, voltado para o Levante (o leste), com aqueles vasos. Faça-as três vezes e na última, derrames todo o conteúdo do terceiro vaso no solo. A terra umedecida deverá ser coberta por ti com ramos de oliveira enquanto proferires uma prece com o coração livre de maldades, em tom suave, sem exaltação. Na seqüência, afasta-te sem voltar o rosto. Após isto tudo ter sido realizado, nós voltaremos a tratar contigo, pois sem esse ritual, estrangeiro, nada mais poderemos falar, já que o temor das Deusas é mais forte que a Lei da hospitalidade.

Optamos por alongar esse trecho para descrever uma das cerimônias religiosas que são amiúde citadas nos diversos capítulos.

- Ouviram filhas? Para mim a execução desse rito seria im-possível por me faltar a força e a visão. Por isso eu lhes peço que consigam o material necessário, com a máxima brevidade.

Antígona e Ismene mostram-se solicitas para ajudarem ao pai. Ismene segue atrás dos elementos necessários e se prontifica a executar todo o ritual, enquanto pede que Antígona cuide do pai. O Corifeu a auxilia e orienta e ela parte resoluta para cumprir o rito.

Nesse ínterim o Corifeu lamenta fazer Édipo lembrar-se dos antigos males, mas se diz necessitado de conhecer a história do ancião, contada por ele mesmo. Saber os motivos da profunda e ininterrupta dor que o assola. Édipo pede-lhe que não o faça reviver tantas desgraças. O Corifeu insiste e Édipo conta que ele, de fato, matou o pai e deitou-se com a própria mãe com que gerou quatro filhos. As duas filhas que ali estão e que lhe amparam e os dois filhos que o abandonaram. Prossegue, salientando com veemência, que foram erros que cometeu involuntariamente. Que foram armadilhas que o Destino lhe armou, a mando dos deuses que queriam punir Laios pelo seu “amor indevido” ao jovem Crisipo. Mas antes que a conversa prossiga, Teseu, o rei de Atenas e região, adentra a cena. 

O Corifeu, respeitosamente, apresenta-o a Édipo; eis o nosso rei: Teseu, filho de Egeu, que chega para atender ao teu chamado. Diz Teseu: como eu tive noticias da ruína de teus olhos, de imediato supus que eras tu que me chamava ilustre Édipo. No caminho, minha suposição inicial, foi confirmada. Agora, pelos andrajos que vestes e pelas marcas em teu rosto, posso ver o quanto a vida te maltratou. Estou condoído e desejo saber o que tu queres de minha Cidade? Eu te atenderei, pois me lembro que também já fui um exilado e sofri com males incontáveis. Assim, eu nunca afastaria qualquer outro que esteja em situação difícil. Afinal, somos mortais e nunca sabemos o que o amanhã haverá de nos trazer.

Responde Édipo: nobre Teseu, que mais eu poderia acrescentar ao teu discurso esplêndido? Eu, assim, pouco falarei. Quem eu sou, donde venho e quem são meus pais, tu já sabes. Serei breve, pois, e só falarei sobre o que espero de ti. Ofereço-te meu corpo desfigurado, mas que valerá mais que o seu triste aspecto pode sugerir. O tempo dirá o lucro que te trará. Não posso revelar-te agora, mas tu saberás na hora certa, após a minha morte, o bem que eu retribuirei pelo abrigo que tu me der em vida e pelas honras que me prestar quando morrer.

- Mas esse favor que tu me pedes é bem pouco, Édipo.
- Não. Não é. Acautele-se, pois os tebanos tentarão tirar-me daqui e haverá luta.
- Teus filhos desejarão levar-te? Mas nesse caso não poderei intervir.
- Por que amigo Teseu? Quando eu queria ficar, foram esses mesmos filhos que nada fizeram para reter-me. Foram eles que não me quiseram.
- Não lhes guarde ódio, Édipo. São teus filhos.
- Não me recrimine Teseu. Minhas razões serão de teu conhecimento no futuro.
- Sim Édipo, eu não devo decidir estando mal informado. Teus repetidos infortúnios me atormentam. Serão aos mais antigos males que tu se referes?
- Não, as minhas antigas aflições já são conhecidas por toda a Grécia.
- Mas porque iriam querer-te Édipo, se foram eles mesmos que te expulsaram?
- Querem-me agora, por causa do Oráculo que seus delega-dos ouviram em Delfos.
- Mas o quê eles temem?
- Serem derrotados por tua Cidade, caso esta abrigue meu túmulo.
- Mas por que nós lhes declararíamos guerra?
- Hoje reina a harmonia entre Atenas e Tebas, mas com o passar do tempo infindo, tu verás que a paz será quebrada por motivos fúteis. E o meu corpo, em eterno repouso, bebe-rá o sangue dos tebanos. Agora, porém, nada mais direi, pois tais previsões são dolorosas. Mas saiba, ó rei, que teu asilo a minha pessoa e às minhas filhas será recompensado.

Teseu responde dizendo que ninguém recusaria proteção a quem lhe fosse ser benéfico. Jamais, diz, eu recusaria abrigo a um aliado leal. Estabeleças-te aqui, em COLONO, e eu ordenarei que te deem o que necessitares; ou se quiseres, venha morar em meu Palácio na gloriosa Atenas. Serás sempre bem-vindo.

- Sou-lhe muito grato Teseu. Aqui eu ficarei. Este é o lugar em que vencerei os que me maltrataram.

- Tens meu apoio. Dou-te minha palavra. Mandarei homens que saberão defender-te contra o que for preciso. Daqui, ninguém te levará contra teu desejo. Ameaças não passam de palavras vazias. A arrogância os levou a dizer que te levarão, mas creia, não conseguirão. O meu próprio nome será suficiente para expulsar quem desejar fazer-te algum mal e ainda que minha proteção falhasse, Febo (Apolo) te protegeria.

Na seqüência, o Coro assoma à cena e entoa a seguinte estrofe: à cidade de “COLONO”, dos velozes corcéis e das videiras esplendorosas, tu vieste amigo Édipo. Aqui, na cidade do deus Dionísio tu estás. A Antístrofe começa em seguida: em celestial rocio diário, brotam esplêndidos cachos e as fontes do Cefiso introduzem seu puro ouro liquido, em curto coito, na generosa terra dos fartos peitos, da qual não se aparta as Musas, tampouco a deusa Afrodite, das “Rédeas de Ouro”. A Estrofe dois continua o canto: só aqui brota a grande árvore, a qual nunca viceja na grande ilha Dória de Pélope (o Peloponeso). Indômita planta* que se renova por si mesma e causa, só por existir, grande terror nos inimigos. 

A Antístrofe dois entoa loas ao grande deus Poseidon (a quem eram consagrados os navios e os cavalos e que era especialmente cultuado na região ateniense) dizendo: tu que és filho de Cronos e irmão de Zeus, foi quem nos deu a glória maior de termos sidos os primeiros a domar os cavalos e a manejar os barcos.

Notas - menção à celebrada "Oliveira Negra" com que se saúda e se nutre os meninos recém nascidos. É a guia de todos que aqui vivem. Protege-a o poderoso Zeus e sua potente filha Atená. Segundo a tradição, os espartanos devastaram a região de COLONO e de Atenas, mas não tocaram nas Oliveiras por acreditarem que elas estavam consagradas aos grandes deuses. Também segundo a tradição, sabe-se que quando um menino nascia, era pendurada uma coroa de folhas de Oliveira na porta de sua casa. Observe-se o quanto Sófocles ufana-se de sua terra natal, descrevendo suas melhores qualidades. Esse orgulho pátrio é um sentimento que persiste no Homem e se vê o quanto põe em dúvida a viabilidade dos projetos de unificação dos países. Da globalização.

Antígona acompanha o Coro e diz: solo enaltecido por tantos louvores é hora de comprovar sua fama brilhante. Édipo a interrompe para indagar se ela vê alguma novidade. Após perscrutar o horizonte a jovem lhe informa sobre a vinda de Creonte, acompanhado de pomposa comitiva. Alarmado, Édipo dirige-se aos anciãos do Coro dizendo-lhes que o seu fu-turo a eles pertence, mas o Corifeu o tranquiliza dizendo que sossegue. Que eles ainda têm força e valentia, não obstante a idade avançada. Que o Poder de Atenas rechaçará qualquer insulto. Nesse meio tempo, Creonte chega à presença deles e respeitosamente lhe diz: nobres senhores dessa terra, percebo que estão espantados com minha chegada inesperada. Mas não há motivo para temerem, tampouco me maltratarem. Não venho com intenção malévola, pois sei que estou velho e frágil e que a força de Atenas é superior a qualquer outra. Aqui estou incumbido de persuadir ao senhor Édipo a regressar ao seu lar, na Tebas das Sete Portas. Venho como emissário de todos os tebanos, pois as suas dores e mágoas são de todos em geral e minhas em particular. Assim sendo, peço-lhes licença para dirigir-me ao meu desafortunado cunhado. Ouve-me, Édipo. Todos os cadmeus te esperam, venha para casa. É tão triste ver-te mendigando, amparado apenas por minhas pobres sobrinhas, tão mendicantes quanto tu. Nunca pensei ver Antígona, minha futura nora, em estado tão lamentável. Rota, suja, preocupada apenas em te manter vivo, como ela poderia encontrar algum marido, deuses? Quem iria querê-la? Vamos, Édipo; a vossa miséria envergonha a todos nós. Em nome dos deuses eu te imploro a esquecer os rancores, os ódios, e voltar ao Palácio que sempre foi teu. Despeça-se e agradeça aos bons amigos que aqui te acolheram. Tu lhes deves favores, mas os deve muito mais à terra que te viu nascer e que te amparou por tantos anos.

Irado, Édipo retruca: ó Creonte hipócrita. Sempre a encobrir as suas malévolas intenções com palavras suaves, dignas. Agora, vejo que tu torna a armar-me uma armadilha. Ao nosso parentesco tu nunca deste importância, mas ao saberes que eu serei útil, por graça dos deuses, insolente e cinicamente tu me procuras e tenta tirar-me donde me trataram com respeito e generosidade sem que ainda soubessem que eu teria algum valor. Por todo teu sórdido oportunismo eu me declaro rompido contigo em definitivo e te aviso: não queiras reconduzir-me à força. Sei bem que tu não planejas devolver o Palácio que foi de meus pais e meu. Ao contrário, tu me alojarás em um sitio qualquer, nas proximidades de Tebas, apenas para se proteger de um ataque ateniense. Mas isto não acontecerá. O que haverá de acontecer é que meu “Gênio Vingador” instalar-se-á em Tebas e fará com que a sorte de meus filhos seja maligna. Insanos, lutarão até a morte pelo Poder e pela herança; mas a terra que pensavam herdar, servirá apenas para enterrar seus cadáveres. E a sorte de Tebas, que eu conheço graças aos vaticínios que recebi de Apolo e de Zeus, também será negra. Pobres tebanos. Eu sei que minhas palavras não te convencem, mas tu verás que estão certos os prognósticos aflitivos que faço. As predições dos males que te aguardam. Portanto, se um resto de decência te sobrou, deixa-me viver aqui. Ainda que aflito com a má sorte de minha pátria, estou melhor que em tua sórdida companhia.

Creonte não se dá por vencido e responde: Édipo tu está a delirar. Quem tu pensa que sairá vencedor dessa disputa, tu ou eu?

- Quem ousaria tocar-me, Creonte? O que tu trama?
- Édipo, uma de tuas filhas já esta em meu poder. A outra, brevemente, também estará.
- Infame!
- E logo tu também estarás.

Aflito, Édipo pede socorro aos anciãos do Coro e o Corifeu vocifera contra Creonte, ameaçando-o e expulsando-o. Contudo, o tebano não lhe toma conhecimento e manda seus asseclas aprisionarem Antígona, que, em desespero, clama por ajuda. O Corifeu intervém, mas Creonte repudia sua investida dizendo que ele não tocou em Édipo e que, portanto, não infringiu nenhuma Lei, ou faltou ao seu compromisso.

O Corifeu rejeita a sua falácia e lhe cobra dignidade e respeito, mas Creonte alega que só está levando o que lhe pertence (sic). Édipo grita pelo socorro dos atenienses, enquanto o Corifeu continua a enfrentar Creonte que lhe diz que ao atacar-lhe, está atacando toda Tebas, em sua pessoa. Indiferente, o Corifeu continua o enfrentamento, mas o irmão de Jocasta desdenha de sua autoridade e de sua capacidade de reação. Vendo-se desrespeitado, o velho líder convoca seus companheiros enquanto os tebanos arrastam Antígona ao som dos gritos desesperados de Édipo. Arrogante, Creonte diz a Édipo que elas já não serão mais seus amparos e que se ele quer arruinar a sua própria pátria, que o faça, mas que enfrente as conseqüências desse erro. Diz: o tempo te mostrará que agindo dessa maneira, tu ages contra teus próprios interesses. Em meio ao burburinho e às vozes exaltadas em gritos e xingamentos, o Corifeu insiste para que Creonte lhe obedeça e das palavras passa à luta física, ameaçando não libertá-lo enquanto ele não libertar as jovens que raptou. Irritado, Creonte retruca que suas exigências vão muito além das filhas de Édipo. Que ele visa o próprio Édipo. E quando a altercação atinge seu ponto máximo, Teseu entra em cena gritando: que algazarra é esta, que me impediu de continuar o sacrifício de um belo touro ao grande Poseidon?

- Majestade, esse homem malvado raptou minhas filhas e ameaça levar-me também.

Teseu, rapidamente determina que seus guardas interrompam o sacrifício que executava e que se juntem a outros para impedir o fluxo nas estradas e, com isso, impedir a fuga dos raptores com as raptadas. Para Creonte diz seu desejo é matar-lhe, mas que o tratará da mesma forma que ele tratou as filhas de Édipo. Que somente o libertará, quando as jovens forem restituídas ao pai. Em seguida acusa-o de denegrir a si próprio e ao seu país, pois a célebre Tebas não pode ser representada por um tipo como ele. Diz: não foi Tebas quem lhe ensinou a praticar essas vilanias; elas são próprias de teu caráter deformado. Diz-lhe ainda que em sua pátria as Leis e a Justiça são praticadas e respeitadas, mas que ele, Creonte, ao arrepio dessas Leis, apossou-se indevidamente do que queria, sem respeitar os direitos alheios. Pergunta-lhe, em tom de desafio, se ele imaginou que não haveria homens em Atenas? Que ele escaparia impune? Prossegue dizendo: aqui, Creonte, nada acontece sem o consentimento do rei e das Leis e tu deverias saber como se comportar em uma terra estrangeira. Tua idade deveria ser-te melhor conselheira, mas parece que ela só aumenta a tua estupidez. Repito homem! Daqui tu só sairás quando devolveres as pobres indefesas que levou.

Creonte, num misto de subserviência irônica e arrogância, responde: rei, eu nada disse que pusesse em dúvida a virilidade dos homens de Atenas. Tampouco afrontei suas Leis, mas eu não podia imaginar que um parente meu fosse tão benquisto em tua pátria. Principalmente se esse parente for um parricida incestuoso que ofendeu os pilares mais básicos de qualquer sociedade. Ao vir buscá-lo tinha em mente que resgatava o que era nosso, e apesar de seus pecados e das maldições que ele lança contra mim, contra meus filhos, contra os seus próprios filhos e até contra sua pátria, não temos qualquer intenção de maltratá-lo. Quanto à tua ameaça, veja, eu sou um único homem. Velho e frágil. Faça, pois, o que a consciência te mandar. Entretanto, aviso-te que eu reagirei a tua agressão com o pouco de poder que me resta.

Nota - atente-se que em momento algum, inclusive nas outras “Tragédias” aqui resumidas, Creonte assume a sua parcela de culpa no episódio do incesto de sua irmã, o qual, a rigor, só aconteceu por ele ter oferecido a mão de Jocasta ao primeiro que vencesse a Esfinge. Fosse ele, quem fosse. Assim, se Creonte errou inconscientemente e de boa fé, também Édipo e Jocasta erraram de modo igual.

Édipo, ultrajado pelo discurso do cunhado diz: cachorro imundo! Verme ignóbil! Tu te deleitas em falar dos meus erros, mas tu sabes que eu só os cometi involuntariamente, cumprindo os desígnios imutáveis e insondáveis das divindades. Agora tu bajulas Teseu e a gloriosa Atenas, mas saibas que tu és um verme que não se envergonha por atacar um velho cego e duas meninas inocentes.

Teseu, acompanhando a ira de Édipo, fala para si mesmo que enquanto discutem o tempo urge e não são tomadas ações mais contundentes. Com firmeza e severidade diz a Creonte que lhe informe o caminho ou o esconderijo de seus asseclas e o intima a ser seu guia na perseguição. Diz: Creonte, eu sei que tu não se arriscarias sozinho nessa empreitada, mas saiba que estou prevenido contra qualquer golpe que tu tentes contra minha pátria e te aconselho a não fazer, pois tu não sabes o tamanho de minha vingança. Agora ande, mostre-me o esconderijo de teus capangas e pense bem no que eu te disse; o que pensa ganhar com trapaças, custar-te-á muito caro.

Creonte volta a demonstrar insolência ao dizer que ali ele nada pode fazer, mas se aquela ameaça lhe fosse feita em Tebas, o resultado seria outro.

Teseu ordena-lhe que se cale e, na seqüência, pede a Édipo que o aguarde com tranqüilidade, pois tudo fará para devolver-lhe as filhas amadas. Comovido, Édipo agradece.

O Coro assoma à cena e entoa a seguinte Estrofe: se eu estivesse às margens de Elêusis, aonde as procissões vindas de Atenas iluminam o escuro da noite com suas tochas beatificadas, e onde os inimigos caem nas mãos de Ares guerreiro, como se fossem vitimas para os sacrifícios feitos pelos descendentes de EUMOLPO (rei e pontífice que fundou Elêusis, cujos descendentes formavam uma casta de sacerdotes devotos da deusa Deméter (ou Perséfone) eu veria que ali Teseu recuperaria as virgens filhas de Édipo. A Antístrofe, em seguida, canta: ou a neve que recobre as rochas, para além de “EA”, assistirá a captura dos raptores feita pelos bravos cavaleiros que conduzem os imponentes potros consagrados a Atená e a Poseidon, o amado filho de REA (titânida que se casou com Cronos, seu irmão, e gerou os deuses Zeus, Poseidon, Héstia, Deméter, Hera e Hades). Na Estrofe dois, continua-se a especulação sobre a captura: lutam? Já se ouvem os bons prognósticos para as filhas de Édipo? Oh Zeus, cessa agora todas as dores. Sim, eu prevejo vitória retumbante no combate e suspiro meu desejo de alçar voo como se fosse uma pomba e do alto assistir à luta. Na Antístrofe, entoa-se: salve Zeus! Salve Senhor dos Deuses! Conceda força e vitória aos nossos. Que seja exitosa a captura dos malvados. Que Palas Atená, tua augusta filha, nos proteja. Que Apolo e sua irmã Ártemis (Vênus, em latim), amparem os moradores dessa terra.

O Corifeu, ao encerrar o ato, diz a Édipo que ele veja como seus agouros foram acertados, pois ao longe já consegue enxergar Antígona e Ismene de volta, protegidas por valente escolta.

- Como, ouvi bem? Onde?

Antígona atira-se nos braços do pai e entre manifestações de afeto, lamenta por ele não poder enxergar o nobre homem que a devolveu a ele.

- Sim filha, bem que eu gostaria de ver esse brilho em minha frente.

Pai, nós fomos salvas por Teseu e seus comandados.

- Mas onde vocês estão filhas? Contem-me o que ocorreu.
- Aqui pai, juntinho a ti. Sim, contarei tudo, mas penso que o Senhor deveria dirigir-se ao nobre Teseu, o salvador de nós duas.

Édipo, comovido, pede que Teseu não se espante com as demonstrações de carinho entre filhas e pai. Diz que não esperava mais revê-las e que por tamanha felicidade, esbanja palavras. Diz, ainda, que a ele deve essa imensa felicidade. E prossegue falando: tu as salvaste, quem mais o faria? Que os deuses te recompensem, nobre rei. Em outros lugares não encontrei justiça, piedade e lealdade como aqui; como em tua abençoada terra. Como eu poderia te pagar se tenho apenas palavras? Por isso, ó rei, deixe-me tocar tua mão direita e beijar tua face...mas, não, oh! O que eu iria fazer. Como eu poderia tocar o filho de Egeu, que não carrega nodoa alguma. Eu, pecador, só devo tocar em outro pecador. Assim, que meu agradecimento fique à distância, sublime Teseu.

Responde Teseu que o carinho demonstrado não o espantou, nem a precedência dada à recepção das mesmas. E que isso não o melindrou de forma alguma. Diz: não procuro adornar minha vida com palavras, mas sim com feitos, com atos. E tu viste que minhas promessas não são vazias. Entrego-te, pois, tuas filhas incólumes, intocadas pelos raptores. Quanto ao combate não quero alardear glórias. Elas te contarão, se desejar ouvir, como o fato aconteceu. Contarão o que viram e o que ouviram, mas antes eu quero-te falar sobre uma informação que me chegou por acaso, no meio do caminho. É uma noticia que julgo merecer tua atenção.

- Do que é que se trata, ó filho de Egeu?
- Consta que alguém que se diz seu parente, embora não viva em Tebas, estava no mesmo altar em que eu sacrificava um touro em honra ao deus Poseidon, quando fui salvar tuas filhas.
- Quem será ele? Donde virá?
- Sei apenas que ele quer conversar contigo. Mesmo que seja por poucos instantes.
- Que será? Os suplicantes sempre querem algo mais que uma simples conversa.
- Recordas-te de algum parente em Argos que poderia querer falar contigo?
- Não, não... ou melhor, espere. Acho que sei quem é, mas não me pergunte quem seja.
- Por que Édipo?
- Creio que o suplicante, segundo dizem minhas filhas, é meu filho Polinice, a quem odeio.
- Ora Édipo, escute-o. Ouvir-lhe não o obrigará a nada.
- Admirável Teseu, para um pai, a voz de um filho como ele é um insulto. Peço-te, não me obrigues a recebê-lo.
- Mas Édipo, trata-se de um suplicante e ouvir-lhe é uma obrigação que a Lei dos deuses nos impõe.

Antígona intervém e também pede ao pai que ceda. Diz-lhe: deixe-o, pai, adorar o deus que escolheu e nos permita receber nosso irmão. Que prejuízo haverá em ouvi-lo? Tu o geraste e por isso, paizinho, mesmo que ele te fira com palavras e idéias, não é justo que se retribua a maldade com outra maldade. Outros pais também tiveram filhos ingratos, mas foram apaziguados pelos deuses, pelos amigos e pela própria Razão. Se tu olhar verás que os teus males são oriundos dos males de teu pai e de tua mãe e essa corrente, se não for cortada, continuará a produzir desgraças infinitamente. Não te obstines.

- Tuas palavras são ponderadas, doce filha. E ainda que seja a contragosto eu o receberei. Apenas rogo, Teseu, que tu não lhe permitas fazer-me mal.
- Estranho que tu me peças isso, Édipo, pois tu acabaste de ver do que sou capaz para defender-te. Tu terás minha proteção enquanto eu viver. Sossegues quanto a isso.

O Coro, na seqüência, entoa a seguinte Estrofe: quem quer além do razoável, cultiva a insensatez. O prazer foge de quem rompe as fronteiras, pois ricos em anos, todos nós só acumularemos dores. Tanto faz se fomos módicos ou gananciosos, pois a morte envia a todos para o mesmo Hades. Na Antístrofe diz: àqueles que buscam incontrolavelmente o brilho fugaz na juventude, eu aconselho que voltem ao ninho da moderação, pois a velhice traz dores e dores. É o congresso dos males. No Epodo, fala: na velhice, infeliz e sempre só. Mas já não como aventureiro frente às borrascas que se gabava de enfrentar. Só, ante a luta que se bate dentro do próprio ser.

Após a intervenção do Coro, tem inicio o “Quinto Ato” com Antígona dizendo que avista um homem se aproximando. Diz a jovem: vejo que vem sozinho e me parece que as lágrimas banham o seu rosto. Édipo pergunta-lhe se ela o reconhece e após certa hesitação ela diz: sim, pai! É teu filho Polinice, o nosso irmão. Ele, ao chegar, ajoelha-se à frente do pai e geme suas dores. Ó pai, que desolação. Não sei por quem eu choro primeiro: se por ti, por minhas irmãs, ou se por mim. Encontro-te no exílio, amparado apenas por essas duas jovens, por minhas pobres irmãs. Sujo, roto, mendigando; ó que dura velhice tu experimenta. Tão pobre quanto teus trajes devem ser teus passadios. Como eu me sinto infame, deuses! Ver-te nessa penúria e pensar que eu a poderia ter evitado. Agora entendo porque me chamam de o “pior dos homens”. Como pude deixar que te lançassem nessa miséria ultrajante? Ó deuses! Tentarei, juro-te pai, remediar meus erros e servir-te de amparo. Quem sabe eu ainda não encontre alguma redenção. Mas, pai, por que tu nada respondes? Por que tu sais de minha proximidade sem dar uma palavra? E vós, minhas doces irmãs? Apelo ao sempre generoso coração de vocês para ajudarem-me a conquistar o perdão do nosso pai. Tentem convencê-lo a abrandar o ódio que me devota. Antígona responde-lhe: tenta tu mesmo, infeliz Poli-nice. Conte-lhe suas dificuldades. Palavras comovem e, talvez, despertem-lhe o afeto.

- Sim, irmã, eu tentarei.
- Pai, eu também fui banido de Tebas. Eu, o teu primogênito, fui impedido de tomar o trono que foi teu e que, por direito, seria meu. Mas teu filho mais novo, o execrável Etéocles, usurpou o Poder, apoiado pelo povo que se viu enfeitiçado por tuas maldições. Após mil atropelos pai, tornei-me genro de Adrasto, o rei de Argos. Agora, junto a ele e a mais seis valiosos Generais (1) de países aliados, marchamos contra a Cidade que me viu nascer, a Tebas das Sete Portas. E eu te prometo pai, que após matar, como desejo, ou expulsar o usurpador Etéocles virei te buscar para que retomes o Palácio que sempre foi teu. Juntos, nós governamos a nossa terra.

Nota - esses Generais, que são nomeados no Capitulo “As Fenícias”, e Polinice são os protagonistas da Tragédia intitulada “Sete (chefes) contra Tebas” de Ésquilo. Ali são narrados os fatos da guerra entre os irmãos filhos de Édipo.

Porém, pai, para que eu alcance êxito eu preciso que o se-nhor retire as maldições que me lançou e me dê sua benção. Sem isso eu não terei o apoio dos deuses. Sem ti eu nada conseguirei.

O Corifeu intervém e pede que Édipo responda ao filho, inclusive por consideração a Teseu, que permitiu tal encontro.

Édipo diz que falará com o filho excomungado, mas apenas por consideração ao rei de Atenas. Apenas por ele e não pelo filho. Inicia seu discurso declarando seu apreço a Atenas que o acolheu. Em seguida dá vazão à sua raiva e colericamente vocifera: tu, verme ignóbil, quando era o rei de Tebas, baniu o próprio pai e o condenou a mais negra das misérias. A mesma que, agora, diz lamentar. Mas o que me resta senão levar minha desgraça até o fim? Se eu não tivesse esses anjos, que tu chamas de irmãs, já estaria morto de inanição. Você e teu irmão, não são meus filhos. São filhos de outrem. Mas saiba que um olho divino te vigia e tu verás que se não detiveres às tropas que são tuas aliadas, Tebas sucumbirá. Tu não a conquistarás, pois antes o teu sangue ensopará a terra, junto com o sangue de teu irmão. As “Arás (maldições)” que eu vos lancei serão minhas armas na guerra que vos declaro. Guerra que ensinará aos filhos o respeito que aos pais se deve. Tu, ó sórdido verme, é tão baixo que eu te domino, mesmo que esteja rei. Vá, filho espúrio; vá, peste das pestes. A ti e ao outro, eu só deixarei maldições. A guerra nunca te dará a posse da terra dos teus ancestrais. E nem Argos te acolherá mais. Morrerás pela mão de teu irmão e ele pela tua; juntos irão para o mais fundo do Tártaro (a parte mais escura e profunda do Hades). Eu te renego e invoco as Deusas da Morte e o deus Ares para que me ajudem a lhes dar a lição que merecem. Leva essas profecias aos tebanos e aos teus aliados. Este é o legado de Édipo aos seus filhos.

Polinice, em tom de lamúria, responde: este é o triste fim das minhas andanças desastradas. Que farei? Não posso contar o que Édipo me disse aos aliados que me seguem na empreitada contra Tebas. Como eu poderia lhes contar que a minha morte e o nosso fracasso já foram decididos pelos deuses? Já não posso detê-los e só me resta ir de encontro ao meu Destino em cerrado silêncio. E a vós, irmãs queridas, que assististes às profecias e reprimendas que nosso pai me lançou em rosto, eu imploro que quando os vaticínios se cumprirem e eu morrer, que não deixem meu corpo insepulto, servindo de banquete aos corvos e aos cães. Não deixem que me desonrem e me neguem os ritos fúnebres. Se conseguirem voltar a Tebas, por amor aos deuses, sepultem meu corpo com os ritos adequados. Vós, a quem cabem todas as honras pelo devotamento que prestam ao pai, haverão de serem abençoadas pela caridade que me prestarem.

Antígona responde-lhe: ó Polinice, escute o que eu tenho a dizer: volte para Argos com teu exército. Não destruas a cidade que te viu nascer. Pensas, o que tu lucrarás com tanto ódio? Que recompensa a destruição de tua pátria poderá trazer-te? Não vês que agindo assim confirmas as funestas previsões? Tu acabaste de ouvir que você e Etéocles morrerão em duelo mortal. Oh, pobre irmão...

Irmã querida, depois de tudo que passei e depois de tudo ser arranjado com meus aliados eu não posso voltar atrás. Ade-mais, o ódio que sinto pelo usurpador é maior que qualquer temor que eu pudesse ter. Não procure me demover. Ruma-rei para a desgraça, como determinaram os deuses. Fiquem minhas irmãs com meu afeto. Adeus.

- Oh, pobre irmão, só me resta chorar.
- Não chore por mim, Antígona. O nosso Destino, bom ou mau, está na mão dos deuses. Só podemos aceitá-lo e pedir para que a minha desdita nunca alcance a ti e a Ismene.

Nota - observe-se que Polinice fala novamente sobre a submissão irrestrita do Homem ao seu Destino, à vontade dos deuses. Conceitos como o de Livre-Arbítrio eram inexistentes e essa plena resignação embasou fortemente algumas práticas do Cristianismo posterior.

O Coro assoma à cena e entoa a seguinte Estrofe: males geram males. Que toda ruína afaste-se de mim. A vida nos ensina que os desígnios dos deuses são imutáveis. O que hoje é elevado, amanhã será abatido.
Édipo substitui o Coro e pede às filhas que chamem Teseu.

- Paizinho, o que tu queres?
- Filha, em breve Zeus me levará ao Hades. Os trovões já anunciam que à hora é chegada.
Na Antístrofe o Coro canta: ouçamos os terríveis trovões de Zeus. Grande temor me sobe à cabeça. Que novidade eles proclamam? Oh, tremo de medo.
- Filhas, eu sinto a morte aproximando-se. Nada a desviará.
- Como tu podes saber pai? O deus Hades te acena?
- Sim, eu bem sei. Vão, filhas, pois tenho urgência de falar com o glorioso Teseu.

O Coro inicia o canto de outra Estrofe: ouçam todos o ribombar dos trovões. Eu rogo que as trevas, que recobrem o solo sejam-nos favoráveis. Que nós não sejamos julgados injustos. Se meus olhos viram Édipo, o maldito, que eu não seja punido por isso. Oh, por ti eu clamo Zeus!

Édipo, sem conseguir conter a aflição pergunta por Teseu e diz temer que ele não o encontre vivo.

- Pai, o que é que o senhor quer lhe contar está apenas em sua mente?
- Sim, Antígona, é o beneficio que eu lhe darei como recompensa por ter-nos acolhido e defendido. Eu quero cumprir a promessa que lhe fiz ao chegarmos.

Na Antístrofe, o Coro entoa: venha filho de Egeu! Depressa, meu Senhor! Se tu estiveres na longínqua gruta sacrificando um touro a Poseidon, interrompe tua oferenda e venha ouvir os benefícios que o estrangeiro deixará para nossa Cidade. Diz-se que é uma recompensa valiosa.

Em meio ao alvoroço Teseu chega e pergunta a razão do mesmo. Diz: dentre as vozes atenienses (lembrando que Colonos é uma localidade inserida na jurisdição de Atenas) eu posso ouvir a voz do estrangeiro. O quê os assustou? O trovão, a tempestade de granizo?

Édipo responde que não. Em seguida diz a Teseu que ele veio atraído pelos seus apelos e guiado por um deus.

- O que tu deseja, ó filho de Laios?
- Minha morte se aproxima e antes que me leve, eu quero garantir a promessa que te fiz.
- Mas por que pressentes a morte? Quais são os sinais?
- Recebo mensagens pelas vozes dos deuses. Dentre outras, os trovões e as flechas de fogo que são lançadas por mãos invisíveis.
- Diga-me, Édipo, o que eu terei de fazer?
- Siga-me até o local onde morrerei. Ali te revelarei o segredo que não posso expor a mais ninguém. Nem às minhas adoradas filhas, por mais que eu as ame. O local de minha tumba só tu saberá. Nunca o revele e ali tu sempre receberás força e poder. Quanto ao segredo repasse-o apenas ao teu filho e ele, ao filho dele; sempre de forma a mantê-lo apenas como os herdeiros do trono de Atenas. Através desse mistério, Atenas sempre estará protegida contra a “Semente do Dragão (os tebanos, cujos antepassados foram gerados a partir dos dentes do dragão que Cadmo matou)”. Repasso-o a ti porque sei de tua larga experiência e da tua honradez. Mas agora vamos. Sigam-me também, filhas adoradas. Agora serei eu quem os guiará, pois mesmo cego o deus Hermes me orienta. Oh, luz que me iluminava e que sinto apagar-se. Caminho a última etapa, antes de sumir no invisível. A ti, nobre Teseu, e a tua Cidade desejo prosperidade e paz.

O Coro, na seqüência, entoa uma estrofe onde invoca o deus Edomeu (Hades) e a deusa do Invisível (Perséfone), pedindo-lhes que concedam uma morte suave ao estrangeiro; e que também sejam suaves os seus caminhos nas planícies do Hades, pois em vida Édipo já sofreu grandes e injustas dores. Na Antístrofe, continua a súplica por Édipo, invocando as deusas Subterrâneas, o cão Cérbero e Tânatos, a personificação da morte.

Na seqüência, um mensageiro assoma à cena para comunicar o falecimento de Édipo. Quanto às circunstâncias em que a passagem se deu, diz que seu relato será curto, pois pouco viu.

Ainda assim o Corifeu lhe pede que confirme o passamento do “Atormentado” e que dê as informações que tiver sobre a passagem do mesmo. Se ela foi rápida, indolor, pacifica? O arauto diz que foi espantoso o que aconteceu, pois Édipo se encaminhou para determinado lugar sem necessitar da ajuda de ninguém. Ao contrário, foi ele quem indicou o caminho correto àqueles que o seguiam. Em determinado ponto, junto ao vaso bojudo que guarda o pacto firmado por Teseu e Perito (para desceram ao Hades em busca de Perséfone que fora raptada pelo deus Hades), tomou posição e após despir suas velhas roupas pediu às filhas que lhe dessem água pura com a qual se lavou e fez as devidas libações. Logo depois se ouviu os estrondos dos trovões de Zeus. As filhas caíram de joelhos, abraçaram-no em prantos e dele ouviram: a partir de agora já não tendes pai. Extinto está tudo o que eu fui. Vosso duro trabalho de amparar-me terminou. Só lhes deixo uma palavra em paga de tudo que me fizeram, pois jamais alguém vos deu o afeto que tivestes deste homem que agora vos é arrebatado. Desse modo os três soluçavam, mas o choro foi amainando e se fez um grande silêncio. Ouviu-se, então, uma voz divina chamar pelo tebano e, ato contínuo, ele agradeceu a Teseu pelo abrigo e pela promessa de amparar as suas filhas. Depois, Édipo pediu que todos se afastassem, já que queria falar a sós com Teseu. Após breve caminhada, nós olhamos para trás e no lugar onde estivera Édipo nada mais havia. Teseu, sozinho, estava de joelhos agradecendo ao milagre que presenciara. Como Édipo morreu só Teseu, entre os mortais, sabe. Se a Terra se abriu e o engoliu, ou se foi arrebatado aos Céus é um mistério que não sabemos. Partiu sem um gemido e sem o tormento das enfermidades. Alguns dirão que isto que contei é fruto d’algum delírio, mas eu vos asseguro que é o que eu vi.

- E as filhas de Édipo?

O mensageiro responde que estão por perto, pois ouve suas lamentações. Antígona volta à cena e entre soluços diz: ai, ai, o que nos resta além da dor? Em todo canto só vemos o sangue maldito de nosso pai. Só lágrimas, nós levamos. 

- Édipo partiu, ó jovem Antígona?
 - Sim. Partiu como desejava partir. Sem ferimento de guer-ra, longe da fúria do mar e sem os grilhões de Creonte. Os lábios da Terra se abriram e ele desceu ao ventre escuro. Agora sobre os meus olhos e os de minha irmã, desce a sombra fatal. Somos errantes, jogadas às ondas da vida. Quem nos dará abrigo?

Ismene reforça as lamúrias de Antígona e diz que gostaria de ter descido ao Hades junto com o pai.

O Corifeu intervém para dizer-lhes de sua admiração pela nobreza da trilha que ambas percorreram e da necessidade de se aceitar os desígnios dos deuses.

Antígona retoma sua cantilena dolorosa e externa sua dor pela falta do pai, enquanto jura que nunca deixará de lamentar sua morte. Ismene acrescenta novas lágrimas pelo temor do que o futuro lhes reserva. Antígona, semi-inconsciente, pede que a irmã lhe acompanhe de volta ao túmulo do pai, dizendo que sente uma estranha compulsão de estar junto a ele. A irmã não entende aquele estranho desejo e reluta em seguir-lhe, enquanto tenta demovê-la de tal intento.

- Ó Ismene, leve-me até lá e acabe comigo. Não suporto mais a vida que nos é tão madrasta.
- Não Antígona amada. Pense em mim. Agora somos apenas nós duas. Não me deixe só nesse Mundo tão cheio de crueldade.

O Corifeu intervém e Antígona volta à razão. Diz-lhe a jovem que teme voltar para o abrigo ateniense e se pergunta para onde ir, junto com a irmã. Nesse momento Teseu volta à cena e pede que as irmãs cessem as preocupações com o futuro, pois é indigno esse pensamento enquanto se chora pela morte de quem tem o reconhecimento de todos e descansa em paz.

- Cessem o choro, jovens, pois com ele só atrairão a ira dos deuses. Digam-me em que eu posso lhes ajudar?

Antígona insiste que gostaria de ir ao túmulo do pai, mas Teseu pondera que ali é um local proibido. Que foi o próprio Édipo quem determinou que ninguém soubesse onde seu túmulo estaria. Que não fosse revelado sequer o nome do lugar. Disse-me, continua Teseu, que se eu cumprisse tal determinação, Atenas prosperaria em paz.

Antígona replica que ao saber desse desejo do pai, aceita a interdição e conta que planeja voltar com Ismene para Tebas, onde tentarão impedir as mortes dos irmãos.

O Corifeu encerra a encenação pedindo que cessem as lágrimas, pois o rio voltou a correr em seu curso.

São Paulo, 24 de Junho de 2011