sexta-feira, 31 de outubro de 2014

A Canção de Bagdá



Os olhos negros de Emab
já não choram. Estão secos.
Secos os olhos, os seios,
os corpos e os campos.
Secos, como a oliveira
que do antigo terraço
assistiu a chegada de cada uma
das mil e uma noites.
Secos, como são os homens
que metralham a esperança
e bombardeiam a inocência.

Foi-se o sândalo e a mirra evaporou inútil,
pois eis que o cheiro é só o cheiro da morte,
que compartilha o tempo da vida.

Calaram-se os mercadores
e tornaram-se imóveis estátuas
as mulheres que dançavam
desde a noite dos tempos.

Noites que já foram mil
e que agora nem se contam.
O relâmpago da bomba assassina
pari breves dias instantâneos,

e ruge a eterna ciranda
da fúnebre fome
de perpétua demanda.



Aos povos que sofrem o flagelo das guerras do homem.


Lettré, l´art et la Culture - Rio de Janeiro, Primavera de 2014.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Rousseau e o Romantismo - Parte X - As grandes linhas do Pensamento rousseauniano


Rousseau e o Romantismo - Parte X -
As grandes linhas do Pensamento de rousseauniano

Rousseau foi um típico filósofo do Iluminismo, movimento filosófico que acendeu as luzes do conhecimento em substituição às superstições e a ignorância que permearam toda a Idade Média.

Diferenciou-se de Voltaire e doutros enciclopedistas por acreditar que a mente humana não estaria restrita à Razão, comportando, também, sentimentos, sensações, intuições, fé etc.

Criou, assim, um ideário que embasou o chamado “Movimento Romântico” que prosseguiu soberano por todo o século XIX e princípio do século XX e que avançou para além da Filosofia, espalhando-se pela literatura, pela escultura, pela pintura, dramaturgia, dança, música e outras formas de arte.

Uma característica marcante do Iluminismo Romântico foi a crença de que a civilização havia pervertido o homem natural; o “selvagem nobre” que havia vivido em perfeita harmonia com a natureza, livre da inveja, da cobiça, do egoísmo, da possessividade, do ciúme e doutros desvios de caráter que passaram a ser comuns em todas as sociedades civilizadas

Essa tese já estava presente no Pensamento de Montaigne e foi abraçada entusiasticamente por Rousseau que em sua obra “Discours sur l´origine et les fondements de l´inégalité parmi les hommes” a defendeu vigorosamente através da descrição ficcional do “estado natural do homem”, onde os indivíduos eram efetivamente iguais, não obstante serem dotados desigualmente pela natureza.

Eram iguais porque viviam isolados e, portanto, livres de serem subordinados a outrem mais forte e poderoso; e, porque, ao se evitarem mutuamente, como fazem os animais ao demarcarem seus territórios, evitavam os males decorrentes do ajuntamento de pessoas.

Apenas por força de cataclismos os homens se uniram iniciando o que se tornou conhecido como “a idade do ouro”, graças aos avanços verificados na vida em comum, com a conjunção de interesses e de esforços, apesar dos aspectos malévolos que surgiram paralelamente, como as guerras, as escravidões, as cobiças etc.

E esse lado sombrio mais se intensificou com a chegada do terceiro estágio da evolução humana, “a idade do ferro”, que fomentou o início dos cultivos e pastoreios e as noções de propriedade privada. Foi, então, que se abriu totalmente a “boceta de Pandora” e a corrupção da mente humana generalizou-se.

A teoria de Rousseau recebeu uma enxurrada de críticas e censuras por parte dos Religiosos e por parte de Pensadores de outras tendências, como os Enciclopedistas, por exemplo.

Os religiosos ressentiram-se, entre outros motivos, porque no ideário rousseauniano expurgava-se a ideia “Criacionista” que pregavam. Já os Enciclopedistas ressentiram-se porque o Pensamento do genebrino julgava nefasto o progresso oriundo do uso da Razão e por “sugerir” que a humanidade deveria abandonar a civilização e voltar a viver como antes da mesma. Voltaire, aliás, a esse respeito, fez uso de sua ferina ironia e disse:
“Ninguém jamais pôs tanto engenho em querer nos converter em animais. (...) (Ler Rousseau) faz nascer desejos de caminhar em quatro patas”.

Certamente, foi um exagero de Voltaire, pois o propósito de Rousseau era apenas o de combater os abusos e não repudiar os mais altos valores humanos. E como essa, as outras críticas nem sempre foram razoáveis ou justas, pois, em verdade o filósofo de Genebra nunca ventilou a ideia de o homem voltar ao estado primitivo, sendo a sua pretensão apenas buscar a origem das desigualdades sociais e econômicas para que medidas corretivas fossem tomadas para que se minimizassem os efeitos nefastos da marcha da evolução.

Para ele, a reversão dessas injustiças poderia ser feita com relativa facilidade se fossem tomadas algumas providências, dentre as quais:

a) Estabelecer-se a igualdade de Direitos e de Deveres Políticos para todos os cidadãos, independentemente de sua origem, fortuna, cultura etc. Estabelecer-se o respeito por uma “Vontade Geral” para se evitar o predomínio da vontade particular de grupos determinados.

b) Prover educação para todas as crianças, baseada nos princípios de Esparta; ou seja, devoção à pátria e austeridade física e moral.

c) Estipular-se um sistema econômico hibrido, combinando os recursos da propriedade privada com os recursos públicos, acrescidos de tributos sobre heranças e sobre o consumo de objetos de luxo.

Para Rousseau, esse tripé, acrescido das complementações necessárias, seria suficiente para que o homem resgatasse de suas origens primitivas, a revalorização dos Sentimentos em detrimento da Razão intelectual, glorificada naquela quadra de tempo como uma verdadeira deusa, capaz de tornar o homem plenamente feliz.

Seria, pois, desse modo, o retorno à natureza que ele propunha. Uma volta às origens autênticas que foram desfiguradas pelas convenções sociais e pelo artificialismo da vida civilizada. Um retorno contido ao campo da atitude, do comportamento; e não no sentido literal, com o abandono das cidades, das artes, das ciências etc. como diziam os seus críticos e inimigos.

Aos poucos essas suas ideias foram sendo aceitas mais facilmente e como os seus admiradores passaram a divulgá-las mais amiúde, o seu Sentimentalismo passou a ombrear com o Racionalismo de Voltaire, Diderot e outros, numa árdua disputa, sem vencedores.

Nos próximos capítulos adentraremos mais minuciosamente em cada um dos pontos de vista defendidos por Rousseau.

Lettré, l´art et la culture. Rio de Janeiro, Primavera de 2014.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Rousseau e o Romantismo - Parte IX - A estada na Inglaterra e a desavença com Hume


Rousseau e o Romantismo - Parte IX -
A estada na Inglaterra e a desavença com Hume

Depois de dois anos e meio sofrendo ofensas morais, Rousseau começou a sofrer ataques físicos, cujo ápice aconteceu em setembro de 1765 quando a sua casa em Val-de-Travers-Motiers foi severamente apedrejada durante a noite toda.

Seu temor, então, já caminhava para a franca paranoia e ele vivia aterrorizado ante a iminência de ser atingido pessoalmente ou de sua esposa sofrer algum atentado.

Nesses dias, recebeu a visita de uma amiga parisiense, Mme. De Verdelin, que lhe aconselhou a mudar-se para a Grã Bretanha onde poderia ficar em paz, haja vista que lá, o Clero não disponha de poder algum e a autoridade do Governo era limitada pela Constituição. Ademais, a amiga se dispôs a apresentá-lo ao grande filósofo inglês Hume (David – 1711-1776 - Escócia), que nessa época estava em Paris e que lhe seria de muita ajuda para a instalação.

E, realmente, poucos dias depois, ele recebeu uma carta do britânico, repleta de elogios à sua obra e com insistentes convites para residir em Londres.
Assim, logo após ter fugido da casa apedrejada e ter-se instalado provisoriamente na ilha de Saint Pierre, em Neuchâtel, no lago Bienne (de onde, alias, foi expulso poucas horas após chegar), ele tomou a decisão e com a ajuda do Príncipe de Conti, François Louis de Bourbon, que lhe conseguiu um passaporte especial, ele rumou para a Inglaterra nos primeiros dias do mês de Janeiro de 1766.

No novo país, Rousseau recebeu de Hume toda a atenção e ajuda necessária. Foi-lhe ofertada para morar uma aprazível residência no campo, pertencente a Mr. Davenport e lhes foram apresentados os maiores intelectuais da Corte. O casal instalou-se confortavelmente na casa chamada de Wooton, e Rousseau escreveu uma longa e sincera carta de agradecimentos ao novo amigo.

Durante certo tempo a amizade entre ambos floresceu, mas um incidente tolo provocou o rompimento entre ambos e o retorno de Rousseau à França.

O fato originou-se de uma pilhéria de mau gosto feita pelo criador do gênero “romance gótico”, Mr. Horace Walpole (1717-1797, Inglaterra) que escreveu uma carta falsa, atribuída a Frederico, rei da Prússia, com um convite para que Rousseau fosse residir na sua Corte, em Berlim, gozando de altos privilégios. O genebrino, ao vê-la publicada no jornal “St. James Chronicle”, logo desconfiou da autenticidade do convite e atiçado por sua paranoia acusou injustamente ao amigo Hume pela zombaria. Obviamente que Hume ofendeu-se com a injustiça e contra-argumentou através de um Artigo, deplorando o seu comportamento ingrato.

A troca de farpas entre ambos acirrou-se de tal modo que acabou se tornando um verdadeiro deboche e sob tal pressão não restou alternativa a Rousseau senão voltar à França, onde se escondeu, sob o pseudônimo de “Renou”, no castelo de Trye, próximo a Gisors, graças à generosidade de seu amigo, o Príncipe de Conti, proprietário do lugar. Enquanto esteve ali, Rousseau viu o seu “Dictionnaire de Musique” ser publicado, após ter-lhe custado anos de trabalho meticuloso.

Esperançoso de que aquela publicação pudesse favorecê-lo de algum modo, deixou Trye atabalhoadamente, em junho de 1768, e foi para Bourgoin, próxima a Lyon, onde oficializou seu casamento com Thérèse de Vasseur, sua concubina de longa data. Logo após, foi para Monquin, escrevendo nesse interregno “As Confissões”.

Em 1770, decidiu defender-se das acusações que lhe eram assacadas e foi para Paris com essa finalidade, porém, ao chegar logo percebeu que não seria molestado e, então, reassumiu seu nome de batismo.

Sentindo-se mais confiante a cada dia, Rousseau voltou a frequentar os salões sociais onde lia com certa frequência trechos de sua obra “Confissões”, causando, com essas revelações, um verdadeiro escândalo e alguma hostilidade entre os ouvintes. Por fim, o desconforto atingiu tamanha proporção que a sua ex amiga, Mme d´Épinay, exigiu que o chefe de polícia o proibisse de prosseguir com as leituras.

Em 1771, trabalhou para um grupo de nacionalistas poloneses pesquisando e escrevendo sobre as maneiras de como eles deveriam proceder para reformarem as suas Instituições. O resultado final do trabalho foi objeto de sinceros elogios e, depois, foi compilado e publicado com o título de “Considerations sur le Gouvernement de Pologne”.

Em 1775, já aparentando algum desequilíbrio emocional, voltou a tratar de si mesmo na obra “Rousseau juge de Jean Jacques: dialogues”, cujo mote é a sua tentativa de justificar seus atos perante a Sociedade. Em dezembro desse mesmo ano, quis “deixar a obra sob a proteção divina” e para isso tentou enterrar um exemplar da mesma sob o altar da Catedral de Notre Dame, sendo impedido, no entanto, por uma grade de ferro. Sua paranoia, ante o empecilho, atingiu o paroxismo e ele se pôs a gritar que o próprio Deus juntara-se aos seus inimigos (sic). Foi o seu último ato público.

Recolhido em sua casa, na companhia apenas de Thérèse e de eventuais jovens que o visitavam ocasionalmente, ele se dedicou ao seu último livro “Devaneios de um caminhante solitário”, que para muitos é o seu trabalho mais suave e sereno. Nele, ele escreveu sobre a natureza dos sentimentos humanos em relação à natura física, concreta.

Em maio de 1778 mudou-se para Ermenonville, numa propriedade do Marquês René de Girardin e passado pouco mais de um mês, faleceu. Foi sepultado na Ilha des Peupliers, no lago de Ermenonville e, posteriormente, durante a Revolução, os seus restos mortais foram transladados para o Panteon, em Paris.
***
Sobre Rousseau pesa um dos piores erros que qualquer Ser vivo pode cometer: o abandono da própria cria. E talvez pela magnitude dessa terrível falta, os seus muitos acertos pessoais ficaram para sempre ofuscados.

Entretanto, nem mesmo essa sombra deslustrou o seu brilho intelectual. Com efeito, a ele a humanidade deve o necessário contraponto ao Materialismo que quase abarcou completamente o Iluminismo, com o risco, inclusive, de apequená-lo. Graças à sua inteligência superior e a sua coragem em nadar contra a corrente, a tendência incorporada em nomes consagrados como os de Voltaire, Diderot e outros não se tornou absoluta.

Graças a ele, o “Século das Luzes” não se tornou apenas o “Século da Razão”, com a lastimável perda da metade sensível, sentimental, intuitiva que complementa a grandeza humana.

A Rousseau e a seus continuadores, pois, a humanidade deve a permanência dos valores que não podem ser mensurados, mas de cuja importância não se pode duvidar.
***
Nos próximos capítulos faremos considerações pontuais sobre as ideais e obras do chamado “Filosofo do Romantismo”.



Lettré, l´art et la culture. Rio de Janeiro, Primavera de 2014.

terça-feira, 28 de outubro de 2014

O "Coxinha", o "Mac-Calango", a Legalidade e a Legitimidade


Primeiramente, quero contar com a paciência do leitor (a) por repetir números que estão sendo amplamente divulgados e que, certamente, já são de seu conhecimento.


Resultado Final da Eleição – TSE


Dilma Rousseff – 54.501.118 votos.

Aécio Neves – 51.041.155 votos.

Abstenções, nulos e brancos - 37.279.085 votos.

Total de Eleitores - 142.821.358

A primeira consideração a ser feita, por evidente, é que ao se somar os votos do candidato derrotado, mais as abstenções e mais os votos nulos ou brancos, chega-se à cifra de 88.320.240 brasileiros (as) que serão governados por quem não elegeram, independentemente de quem se sagrou vitorioso.

A Legalidade

E antes que os partidários da Candidata reeleita argumentem que:

1) são considerados apenas os votos válidos; 
2) que as regras são essas e que todos sabiam das mesmas; 
3) que os descontentes tivessem votado no Candidato derrotado
e mais uma longa série de justos argumentos, direi que lhes dou plena, geral e irrevogável razão. Sua Excelência, Presidenta reeleita Dilma Rousseff, atendeu totalmente às regras do jogo eleitoral e não há qualquer dúvida quanto à legalidade de seu êxito.

Mas, também lhes direi que o que questiono não é a Legalidade da vitória, mas sim a Legitimidade da representação oriunda desse modelo de escolha. 

A Legitimidade

Afinal, como considerar legítima uma governança que não foi eleita pela maioria? Como considerar legítimo um processo de escolha que é recusado por trinta e sete milhões de brasileiros? Provavelmente, os mesmos que estiveram nas manifestações de Junho de 2013 e que nessa eleição continuaram a não ter “quem os representasse”.

Como considerar legítimo um processo eleitoral que divide o país, apesar dos desmentidos oficiais, e enseja a separação da população conforme o seu local de nascimento ou de moradia, a sua faixa de renda e até a sua orientação sexual; ensejando, assim, o surgimento dos chamados “Coxinhas”, dos ditos “Mac-Calangos” e doutros estereótipos, tão horrorosos quanto esses.

Como considerar legítimo um processo que ameaça os pequenos avanços éticos que começavam a florescer e que, ao contrário, estimula o ressurgimento daquela visão equivocada de quem vê o Nordeste apenas como um reduto de beneficiários de programas sociais, como o chamado “Bolsa Família”, conforme já se nota nas Redes Sociais. Ou, então, que trata os habitantes do Sul e do Sudeste como “playboys”, “monstros capitalistas”, “exploradores do povo sofrido” etc. 

Como, enfim, considerar legítimo um Sistema que parece apoiar-se na máxima de Maquiavel:

“Dividir para governar”.

Acredito que para além das paixões partidárias, todos aqueles dotados de um mínimo de bom senso haverão de concordar que existe a necessidade premente de se mudar a sistemática atual.

A Reforma Política

Prometeu a Senhora Presidenta reeleita fazer uma “Reforma Política”. Medida, que a meu ver, será mais importante que qualquer outra, desde que não se limite a tratar das questões menores e tenha a coragem de enfrentar os tabus que infelicitam a nossa República desde o seu nascimento. 

Que haja, sob seus auspícios, uma profunda discussão acerca do Presidencialismoatual, pois como se viu, ele não capaz da promover a necessária legitimidade do Poder conquistado.

Discutir com seriedade, se não é o momento de se instalar o Parlamentarismo – como existente noutras grandes democracias, haja vista a maior facilidade que ele concede ao eleitor de mudar os maus governos e, destarte, influir com mais eficiência sobre a gestão da riqueza que produz e que o Governante eleito gerencia. 

Discutir seriamente se já não passou da hora de se consolidar na grade escolar nacional (e não eliminá-los, como ameaça fazer a Senhora Presidenta Eleita) cursos de Filosofia, Sociologia e Política (sem doutrinamento) para que desse modo a população abandone de vez o ranço saudosista pelo “Pai Imperador”, que os mais humildes de intelecto, ainda enxergam na figura do Presidente (a). Que aos alunos, seja ensinado que os Candidatos e Candidatas são apenas indivíduos que disputam um emprego. Indivíduos comuns, que disputam uma vaga no Serviço Público para atuarem como gestores do País por um tempo determinado e não são, definitivamente, “Heróis Libertadores” que haverão de salvar o “povo oprimido” da “ameaça comunista”, da “exploração capitalista” ou das diabruras do Saci Pererê. 

Discutir, enfim, outro tipo de Governo que ao se tornar legítimo seja reconhecido universalmente, já que, ai sim, expressará a vontade da maioria efetiva. 

Com a palavra, os senhores eruditos que melhor saberão decidir.

A mim, modesto escrevinhador, incapaz de avançar nas minúcias dessas formas de regência, por me faltar instrução e sabedoria, só cabe essa pequena contribuição ao debate. Oxalá, a luz que dele surgir afaste a escuridão que já se mostra tão ameaçadora quanto foi num passado recente.


Fabio Renato Villela
São Paulo, 27 de Outubro de 2014.

sábado, 25 de outubro de 2014

Rousseau e o Romantismo - Parte VIII - A Perseguição Política


A princípio, Rousseau não deu muita importância à ameaça de prisão e foi com certa relutância que ele atendeu ao apelo da Mme. De Luxemburgo para que fugisse de Paris com a maior urgência.

Inicialmente pensou em ir para Genebra, mas devido à má recepção que lá foi dada ao seu livro “Discurso sobre a desigualdade entre os homens”, ele desistiu da ideia e passou a considerar a hipótese de mudar-se para o território de Berna, também na Suíça, na cidade de Yuerdum. E, assim, rumou para essa localidade e se abrigou na casa do amigo, M. Roguin, contando, segundo alguns, com a conivência dos oficiais franceses que deveriam prendê-lo antes que fugisse.

Sentindo-se confortável e seguro na nova vivenda, Rousseau começou a providenciar a sua instalação definitiva, mas o Congresso de Berna também o condenou e ordenou que fosse preso.

Teve, então, que empreender nova fuga e aceitou o convite de Mme. Boy de La Tour e se refugiou em Motiers, Condado de Neuchâtel, sob a proteção do Imperador Frederico, o Grande. Ali, trabalhou na revisão de seu “Dictionnaire de Musique” e no esboço de “Memória”, enquanto travava relações com o Mal. George Keith, refugiado escocês, e com outros intelectuais perseguidos que se ocultavam sob o manto do Imperador filósofo.

As condenações, as ordens de prisão, a queima de seus livros em praça pública e as outras manifestações hostis que foram realizadas, mostraram-lhe a magnitude do sentimento negativo que a Suíça lhe dedicava. Um conjunto nefasto que lhe causou certa amargura, mas que, também, deu-lhe o material necessário para escrever uma de suas obras mais célebres “Le Levite d´Éphraim”.

E foi por conta dessa mágoa que ele escreveu, em 1763, ao Conselho de Genebra renunciando à sua cidadania. O órgão oficial respondeu-lhe através de um Artigo intitulado “Lettrés de la Champagne”, ao qual, ele, ironicamente, retrucou com outro Artigo que chamou de “Lettré de la Montagne”.
Ainda em 1763 ele sofreu nova condenação, dessa feita ordenada pelo Arcebispo de Paris; e em 1764 a campanha difamatória prosseguiu e ele passou a ser hostilizado através de um panfleto anônimo1, “Les Sentiment des Citoyens”, que o acusava de ser um pai desnaturado, um hipócrita e um amigo ingrato.

Ao contrário dos anteriores, esse novo insulto causou-lhe muita mágoa e foi, então, que ele decidiu escrever a sua autobiografia, “Confissões”, para se defender dos ataques que sofria, apresentando a sua versão dos fatos. Ele já tentara algo parecido quando redigiu um pequeno livro chamado de “Vision de Pierre de la Montagne, dit le voyant”, mas sem obter a repercussão que desejava.

Entretanto, não obstante os ataques que sofria, Jean Jacques continuou sendo requisitado por pessoas das várias classes sociais, econômicas e intelectuais que nele buscavam as respostas para as suas questões.

Todavia, nem esse apreço foi suficiente para minorar o seu sofrimento e ele decidiu aceitar o conselho de uma amiga para mudar-se para um novo país, como veremos no próximo capítulo.

Nota do Autor1 - Soube-se depois que a autoria do panfleto era de Voltaire.

Lettré, l´art et la culture. Rio de Janeiro, Primavera de 2014.

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Asas, quem dera



Quem dera, Ícaro,
tuas asas não tivessem derretido
e o teu voo
tivesse nos ensinado
que há algum sentido.
Quem dera, Asmodeu Errante, 
teus passos chegassem a algum destino;
e andar não fosse apenas
o nosso destino.
Quem dera, Cavaleiro Andante,
a tua sacra insanidade
decretasse o fim de toda mediocridade.
Quem dera, Santos Loucos,
que as tuas guerras
tivessem derrotado a árida realidade
que nos apequena
nesse obscuro canto de cena.
E quem dera, Poeta,
teus versos fossem uma trilha
e todo homem
deixasse de ser uma ilha.



Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro, Primavera de 2014.

Rosseau e o Romantismo - Parte VII - A Publicação de "Emílio", de "O Contrato Social", de "La Nouvelle Héloise" e outras


Esse vaticínio sombrio, contudo, não o desanimou, pois ele temia muito mais a morte do que as dores. Dessa sorte, após já ter publicado “Lettré a d´Alembert” e terminado “La Nouvelle Héloise”, ele continuou a trabalhar com afinco no “Institutions Politiques”, no “Contrato Social”, no “Dictionnaire de Musique” e naquela obra que para muitos é a principal: “Emile: ou de l´education”, um longo tratado sobre a educação de crianças e de jovens, cujo esboço pode ser encontrado no anterior “Materialismo du Sage”.

Segundo alguns, em “Emilio”, o filósofo tentou se redimir da culpa por ter abandonado seus cinco filhos aconselhando exageradamente aos outros pais a agirem de maneira correta na educação de seus filhos.

Na obra ele insiste sobre a necessidade de que sejam abandonados os preconceitos e as ideias errôneas que se tinha sobre o assunto.

Para outros, seus adversários mais duros, esse aconselhamento obsessivo não tinha motivação pessoal, tratando-se apenas de um mote literário ou, pior, de espúrio cinismo.

De todo modo o livro acabou se tornando um referencial e ainda hoje é usado como base para vários estudos.

Em 1761, enquanto finalizava o “Contrato Social”, foi lançada a sua outra obra “Julie”, que obteve muito sucesso. Também nesse ano foi publicado o livro “La Paix Perpétuelle” que propunha a criação de uma “federação europeia” que traria paz e prosperidade aos países membros. Um tema que de acordo com os seus inimigos não passava da compilação do ideário do Abade Saint Pierre (1658-1743 – França). Para Voltaire, o livro era apenas uma tolice digna das chacotas que ele, aliás, consignou na carta que endereçou a Rousseau.

Em 1762, foram lançados seus dois trabalhos mais renomados: o “Contrato Social”, importante tratado sobre política, sociedade e poder estatal; e o já citado “Emilio”.

Porém, apesar da excelência de ambos, os dois livros foram julgados pelo Parlamento de Paris como ofensivos ao Governo e à Religião, sendo proibida a circulação dos mesmos.

A partir dessa condenação teve inicio uma feroz perseguição ao filósofo de Genebra, como veremos no próximo capítulo.

Lettré, l´art et la Culture, Rio de Janeiro, Primavera de 2014.

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Rousseau e o Romantismo - Parte VI - O Rompimento com os Enciclopedistas



Após o sucesso da ópera “Le Devin du Village” Rousseau ressentiu-se do afastamento de seus amigos literatos, que não compartilhavam de seu interesse pela música. Nesse assunto, aliás, ele chegou a ser desacatado pelo Barão d´Holbach, fato que motivou o longo rompimento entre ambos. Pouco depois, ele também se afastou dos seguidores do barão, chamando-os de “partido holbáquico”.
Nesse ínterim, 1752 e 1753, lançou a peça teatral “Narcisse” em formato de livro e obteve um êxito razoável. Também executou um novo trabalho para a Academia de Dijon sobre a origem da desigualdade entre os homens. Para escrever esse Tratado, acostumou-se a empreender longos passeios pelo Bosque de Saint Germain, onde, em contato com a natureza, recriou mentalmente a imagem do homem primitivo, desenvolvendo o argumento de que era a civilização a causadora dos males que afligem os indivíduos, já que na natureza, em “estado natural”, os homens eram iguais, bons e felizes; pois as divisões, as discriminações e as injustiças só tiveram inicio quando o “isolamento selvagem” foi substituído pela aglutinação em sociedades.
O seu trabalho, “Discurso sobre a desigualdade entre os homens”, não foi premiado, mas o seu valor foi ampla e generosamente reconhecido, consolidando a sua fama de escritor primoroso.
Em 1754, um amigo convidou-o a acompanhá-lo à Genebra e ele aproveitou para mostrar à esposa Thérèse a sua terra natal. Antes, porém, passou por Chambéri e prestou uma providencial ajuda à Louise, que se encontrava muito necessitada.
Em Genebra foi recebido como uma celebridade e tantas foram as demonstrações de apreço que ele considerou a hipótese de voltar para casa em definitivo. Chegou a submeter-se a uma cerimônia de reconversão ao Protestantismo, que lhe assegurava o direito de cidadania, e a iniciar as providências para a mudança. Após quatro meses voltou a Paris para os preparativos finais, mas soube, então, que a sua obra “Discurso sobre a desigualdade entre os homens” estava sendo pessimamente recebida em Genebra e o seu entusiasmo pela mudança começou a declinar. Aos poucos a intenção de mudar-se foi sendo esvaziada e por fim foi totalmente descartada quando uma admiradora francesa, Mme. Louise Florence Petronille Tardieu dÉsclavelles d`Épinay, ofereceu-lhe uma maravilhosa residência sua propriedade, chamada de Ermitage, para que ele não abandonasse a França. E além dessa oferta, também pesou em sua decisão de não retornar, o fato de Voltaire – um de seus desafetos do “partido holbáquico” – ter-se mudado para uma localidade próxima a Genebra, onde faria uma revolução no Pensamento da população.
Essa soma de argumentos contrários levou-o a se desligar definitivamente de sua pátria de origem e, em 1756, ele mudou-se para a Ermitage, onde pretendia dedicar-se a estudos profundos, especialmente sobre os assuntos dos Tratados que planejava escrever: “Institutions Politiques”, sobre as questões de Estado; e “Materialisme du Sage”, com o qual pretendia inspirar um objetivo mais espiritual no método de educação materialista. Desse último, resultou o célebre “Emilio”.
Nessa ocasião ele também escreveu uma longa missiva a Voltaire aconselhando-o a não ter uma visão tão negativa sobre o mundo. É claro que a reação do francês não foi amistosa e Rousseau morreu acreditando que seu desafeto escrevera o famoso “Cândido ou o Otimismo” apenas para refutar a sua ponderação (1).
Enquanto isso, a sua intenção de trabalhar com temas filosóficos puros esvaiu-se e já em 1757 ele se voltou para a redação de um romance chamado primeiramente de “Julie”, cujo eixo se baseava na troca de correspondência entre dois amantes. Uma trama ardente entre a personagem central e seus amores.
Nessa ocasião, conheceu a cunhada de sua benfeitora, a Condessa d´Houdedot, por quem se apaixonou, associando-a à personagem de seu romance. Ela, porém, repeliu suas investidas e o pretendido relacionamento não chegou a acontecer. Contudo, aquela paixão serviu para revolucionar o enredo de “Julie” – posteriormente chamada de “La Nouvelle Héloisee” – acrescentando-lhe maior número de elementos morais, filosóficos, religiosos e até econômicos.
No terreno prático, a frustrada aventura amorosa custou-lhe mais caro, pois sobreveio uma grande onda de chacotas que o amarguraram e uma séria briga com Mme. Épinay, que se ressentiu do ultraje feito a seu irmão e lhe ordenou que deixasse a residência. Além disso, ele rompeu em definitivo com o amante da mesma, o importante crítico literário alemão Barão de Grimm que antes fora seu amigo e protetor. Ademais, sua amizade com Diderot sofreu um forte abalo, após tê-lo acusado de trair as suas confidencias sobre o caso.
Saindo de Ermitage, Rousseau foi residir em Montlouis, perto de Montmorecy, numa casa pertencente ao Duque de Luxemburgo, um de seus amigos mais poderosos e devotados. Ali, desvencilhou-se de sua sogra e passou a conviver apenas com Thérèse e com seu cão. Nessa vivenda completou o romance “La Nouvelle Héloise” que viria a ser publicado em 1761. Antes, porém, envolveu-se em novo incidente, no ano de 1758, que resultou no rompimento total com Diderot e com os outros Enciclopedistas.
O incidente aconteceu quando o filósofo d´Alembert, instigado por Voltaire, fez algumas afirmações (2) sobre o clero protestante de Genebra e sobre a conveniência de se instalar um teatro na cidade (em seu artigo “Geneve” na Enciclopédia), que lhe desagradaram. Ele replicou com outro artigo, “Lettré a d´Alembert sur Spectacles”, publicado em 1758, onde afirmava que o teatro francês, de Moliére a Voltaire, havia sido um eterno prisioneiro da concepção aristocrática da vida social e cultural; e que as ideias contidas no mesmo não haviam extinguido as paixões maléficas, devendo, por isso, serem repelidas pelos genebrinos se eles quisessem preservar a própria liberdade.
Já no prefácio de sua “Carta a d´Alembert”, lançou ataques pesados contra a vida social e mundana, descrevendo-a como a principal culpada pela maldade humana. Diderot ofendeu-se com essa postura totalmente contrária às afirmativas de sua tendência filosófica, permeada de loas ao desenvolvimento da racionalidade civilizatória, e passou a considerá-lo um traidor, justamente quando deveria estar defendendo os princípios da “Enciclopédia”.
E para completar o quadro de dificuldades, que prosseguiu no ano de 1759, a sua saúde voltou a decair sem que a moléstia exata fosse determinada. Com isso, os médicos concluíram que ele “viveria muito, mas sofreria muito”.

Nota do Autor1 – hoje é consensual que o alvo de Voltaire era a “Filosofia Otimista”, especialmente a de Leibniz.

Nota do Autor2 – d´Alembert afirmou que o clero protestante de Geneve, Genebra, era “sociniano”, numa referência aos antitrinitários seguidores de dois italianos do século XVI chamados Laelius e seu sobrinho Faustus Socinus. Além disso, propunha que o teatro fosse instalado naquela cidade para servir como centro de propaganda de ideias filosóficas.

Produção e divulgação de Pat Tavares, lettré, l´art et la culture, assessoria de Imprensa e de Comunicação com o Público. Rio de Janeiro, Primavera de 2014.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Destino


Porque sei
que só habito em meu destino,
pouco importa
os caminhos que percorro.
No fim,
saberei reconhecê-los
nas tantas faces
que deixei nos espelhos.


Lettré, l´art et la culture. Rio de Janeiro, Primavera de 2014.

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Rousseau e o Romantismo - Parte V - Os Enciclopedistas



Rousseau e o Romantismo - Parte V - Os Enciclopedistas

Em 1746, com a morte do pai, Jean Jacques herdou uma pequena herança e graças a ela passou a viver mais confortavelmente. Enquanto isso consolidou a sua amizade com Diderot e as relações com outros intelectuais, dentre os quais Condillac1e2 (Etiéne Bonot – 1715-1780 – França) que se ordenara Sacerdote católico em 1740 e ainda não se tornara o renomado Filósofo de algum tempo depois. Nessa ocasião também conheceu o filósofo D´Alembert (Jean Le Round – 1717-1783, França) que redigia com Diderot o “Dicionário Enciclopédico”, do qual, aliás, ele também participou escrevendo alguns verbetes sobre música, graciosamente.

Suas relações, como se viu, incluíam as mentes mais ilustres da época e, além dos citados, nelas também se incluíam o Barão de Grimm - importante crítico literário alemão – e o também germânico Henri Dietrich (1723-1789), mais conhecido com Barão d´Holbach, que se destacava no grupo por seu ateísmo radical, exposto em suas próprias obras (algumas assinadas com pseudônimo Mirabeau) e nos textos de seus protegidos. O barão d´Holbach era uma figura singular que despertava curiosidade e temor, chegando até a ser evitado pelo populacho mais ignaro, que suspeitava que ele tivesse parte com o demônio (sic). E o próprio Rousseau não lhe tinha muita simpatia, como registrou em “Confissões”.

Dessa sorte, Rousseau já estava estabelecido com razoável comodidade e desfrutava das amizades citadas, quando assumiu que vivia maritalmente com Thérèse Le Vasseuer, a criada de quarto do hotel onde ele residia. Com ela, ele gerou cinco filhos, mas ao invés de criá-los, já que gozava de boa situação material, entregou-os a um orfanato alegando não ter condições de educá-los. Em 1768, o casal oficializou o casamento, mas nem assim assumiu a prole que havia gerado.

Ainda em 1745, Rousseau voltou a trabalhar para a família Dupin, primeiro auxiliando a Senhora com as pesquisas necessárias ao livro que ela estava escrevendo sobre a condição da mulher; e, depois, ajudou o Senhor em um projeto para refutar a obra de Montesquieu, “O Espírito das Leis”. Nessa ocasião também contribuiu com um amigo na composição de um ópera rascunhada por Voltaire e Rameau, chamada “Fêtes de Ramire”, que não lhe rendeu sequer os devidos créditos na partitura.

E dentro dessas circunstâncias o tempo passou sem maiores novidades até que em certo dia de 1749, ao dirigir-se à Bastilha para visitar Diderot (que havia sido preso por ofender um nobre em seu livro “Lettré Sur Les Aveugles”), ele viu um cartaz anunciando um concurso literário da Academia de Dijon, sobre o tema “A Restauração das Ciências e das Artes tinha tendido a Purificar a Moral?”.

A perspectiva de vencer o concurso entusiasmou-lhe deveras e o estímulo do amigo Diderot fê-lo inscrever-se célere. O resultado foi a conquista do primeiro lugar com seu trabalho “Discours Sur lês Sciences et lês Arts”, que lhe rendeu a publicação do mesmo, no ano seguinte, e a consolidação de sua fama como Escritor.

Nesse trabalho, “Discurso sobre as Ciências e as Artes”, editado como livro em 1750, ele sintetiza a sua Filosofia social, cujos pontos principais são:

• O conflito existente entre as convenções sociais e a natureza humana.
• A paradoxal superioridade do “estado da natureza” sobre a civilização.
• A bondade do homem corrompida pela Sociedade.
• A necessidade de se retornar a uma vida natural; e
• A Arte e a Ciência como as grandes corruptoras da mente humana.

Vivia o filósofo uma fase dourada, porém, um acontecimento negativo interrompeu a maré favorável, na forma de uma enfermidade que o acometeu.

Em função da moléstia, afastou-se do trabalho com a família Dupin e tentou o mesmo com a agitada vida social que levava. Todavia, ele estava no auge da fama e lhe era impossível viver em sóbrio recolhimento na efervescente Paris e, então, ele se viu obrigado a se retirar para a casa de campo de um amigo, M. Mussard, que após ter-se aposentado de sua bem sucedida carreira como joalheiro, vivia para cuidar de seu jardim.

Ali, em 1752, gozando de toda a tranquilidade, compôs a peça “Le Devin du Village”, cuja exitosa estreia aconteceu na Corte do Rei Luis XV. Em face do êxito obtido, o soberano ofereceu-lhe uma pensão, mas Rousseau a recusou temendo ficar compromissado com o monarca e com a sua liberdade criativa atada por um dever de gratidão. Recusou-se até mesmo a comparecer à cerimônia, preferindo voltar imediatamente para Paris.

Sua recusa foi deplorada por vários críticos e até pelos amigos, como Diderot. Contudo, o estrondoso sucesso da obra blindou-o contra qualquer ameaça de boicote real e consolidou a sua fama. Mais que nunca ele passou a ser requisitado por toda a França.

Todavia, a sua afirmativa de que a música italiana era mais natural e apaixonada que a francesa o indispôs com Rameau e com outras celebridades, que passaram, então, a dizer que a sua música e a sua literatura não condiziam com a sua forma de viver. Em resposta, ele anotou no prefácio de “Narcisse” que “sendo incapaz de suprimir o veneno das Artes e da Literatura (sic), ele estava servindo um antídoto ao veneno, direcionando as armas da corrupção de volta contra a própria corrupção”.

Entre a troca de farpas o debate prosseguiu e teve como resultado final a vigilância que a polícia passou a lhe dedicar, a partir de 1753.
Continua...

Nota do Autor1 – Rousseau já havia conhecido Condillac em uma visita que esse fizera ao seu irmão Jean-Bonet, pai das crianças de que ele era o tutor.

Nota do Autor2 – foi Rousseau quem pediu a Diderot que conseguisse um Editor disposto a publicar a primeira obra de Condillac.

Produção e divulgação de Pat Tavares, lettré, l´art et la culture, assessoria de Imprensa e de Comunicação com o Público. Rio de Janeiro, Primavera de 2014.

terça-feira, 14 de outubro de 2014

Rousseau e o Romantismo - Parte IV - Notas biográficas, continuação



Rousseau e o Romantismo - Parte V
Notas Biográficas - continuação

A caminho da capital, em meados do Outono de 1741, Jean Jacques deteve-se em Lyon para visitar alguns amigos e conseguir com os mesmos, cartas de referências que lhe pudessem servir na busca por emprego. Foi recebido amistosamente pelo casal Mably e através deles travou relações com o Abade de Mably1 que lhe deu as cartas de apresentação que o auxiliaram a conseguir alunos de música na capital.

Com esses alunos conseguiu manter-se e paulatinamente desenvolveu novas relações, através das quais chegou à Academia onde expôs o seu Sistema de “notações musicais”, que não foi aprovado pelos acadêmicos.

Em face desse insucesso, ele apresentou o mesmo Sistema a Jean-Philippe Rameau (1683-1764), célebre músico francês e autor de óperas famosas como “Pigmalião”, que o considerou mais difícil que o comum.

Contudo, esse par de rejeições não foi suficiente para convencê-lo da impraticabilidade de seu método e ele partiu em busca de outros caminhos. Conheceu, então, o ainda semianônimo Diderot e conseguiu que ele o publicasse na incipiente “Enciclopédia”.

É certo que foi uma vitória, mas ainda insuficiente para satisfazer a sua ambição de chegar ao círculo mais alto da Sociedade e, por isso, ele passou a utilizar toda sorte de meios e métodos para se aproximar da nobreza.

Através da música e da declamação de poesias rompeu algumas barreiras e no ano de 1743 conheceu, através de um padre amigo, duas senhoras da elite que lhe franquearam algumas portas. Uma dessas senhoras era esposa de Monsieur Claude Dupin, conselheiro do rei, por quem ele se apaixonou e a quem tentou seduzir, em vão.

Nessa ocasião ele começou a escrever a ópera “Les Muses Galantes” e foi indicado por outra conhecida para o cargo de Secretário, na embaixada francesa em Veneza (atual Itália).

Nesse posto permaneceu por dezoito meses, entre 1744-1745, empenhando-se sinceramente, pois almejava fazer uma bela carreira diplomática. Porém, seus esforços não foram suficientes para agradar ao Embaixador que não perdia oportunidade em destratá-lo, criando-lhe um ambiente terrível. Por fim, Jean Jacques não suportou mais e após uma violenta altercação entre ambos, abandonou seu posto e voltou para Paris, onde enfrentou grandes dificuldades, pois só conseguiu receber seus salários e outras verbas após um longo e desgastante processo na justiça.

Traumatizado pela péssima experiência, voltou-se inteiramente para a música e concluiu a ópera que havia iniciado, conseguindo que ela fosse cantada por Rameau, apesar de ele criticar alguns de seus trechos.

Alegrou-o, todavia, a boa receptividade que outros críticos e músicos lhe deram. Seu sucesso estava iniciando-se e doravante se consolidaria, alavancado por sua participação no projeto da “Enciclopédia”, como veremos no próximo capítulo.


Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro, Primavera de 2014.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

O fim da Filosofia e da Sociologia no Ensino Médio


Ouvi há poucos dias, entremeio a uma entrevista da candidata à Presidência da República, Dilma Rousseff, a seguinte afirmação: “não tenho nada contra a Filosofia nem contra a Sociologia... (...) O currículo é muito extenso (sic)... (...) Desestimula o aluno (sic)... (...) é preciso alterar o currículo do Ensino Médio (sic)”.

Num primeiro momento julguei ter entendido mal e para não cometer um julgamento injusto escrevi um email ao escritório de campanha da Senhora Candidata indagando se aquela proposta era real, mas não tiveram sequer a delicadeza de me responder. Confesso que não me recordo doutros detalhes de sua fala naquele momento, mas devido ao silêncio de sua assessoria e a menção sobre alterações no currículo que passou a ser feita nos programas seguintes, não me restou dúvidas acerca da realidade daquela ameaça às disciplinas do Pensamento, da Reflexão, da Análise, da Iluminação e, principalmente, da Libertação das vetustas superstições e das sórdidas dominações praticadas com o uso e o abuso do amedrontamento físico e celestial, como instrumento de coerção.

Sabemos todos que o mundo em geral, e o Brasil em particular, vive uma crise sem precedentes de declínio cultural e artístico, com os seus indefectíveis reflexos no comportamento ético das pessoas. Uma situação dramática que se revela de forma nua e crua na violência juvenil, no culto desenfreado ao material e no completo descaso pela vida e pela realização das pessoas. O chamado “funk ostentação” sintetiza com perfeição essa quadra tenebrosa do Presente e as horrorosas perspectivas para o Futuro, aumentando o drama de um povo que durante toda a sua história não foi capaz de produzir uma obra literária, cinematográfica etc., tampouco uma pesquisa cientifica (talvez com exceção do avião de Santo Dumont) que merecesse o reconhecimento das outras nações. O fato de não termos, por exemplo, um único Prêmio Nobel (ainda que muitos aleguem seu caráter comercial e antiético) é uma amostra clara do nosso déficit no campo das ideias, ao contrário de países vizinhos, como o Peru, a Colômbia, o Chile, a Argentina e o México que também sofreram processos colonizadores deploráveis e enfrentam situações tão adversas quanto as que nos afrontam.

Países vizinhos que produziram e produzem Arte, Cultura e Ciências que são reconhecidas pelo mundo, não porque sejam mais capazes que nós outros, mas, sim, porque foram e são estimulados a pensar, tanto pelo hábito da leitura, quanto pelo aprendizado nas escolas das disciplinas do Pensamento, como parte indissociável da grade regulamentar. Exatamente o que nunca ocorreu no Brasil, salvo na época da ditadura burguesa e militar que implantou o doutrinamento da “Direita” através do famigerado curso de OSPB.

Pois bem, agora, quando as primeiras gerações começam a se beneficiar desses novos conhecimentos, eis que surge essa sombra no horizonte.

É claro que é importantíssimo e até vital que se aprenda a construir um trator robusto; que se aprenda como ampliar o cultivo da soja ou que se ensine como se fabrica uma roupa barata e de boa qualidade. Isso é inquestionável, pois sem essas coisas básicas não se vive, inclusive para pensar, criar. Mas sei que é desnecessário prosseguir nessa argumentação, pois a inteligência do amável leitor (a) dispensa-me desse fardo de lugares-comuns.

O que me causa perplexidade, apreensão e medo é o avanço das trevas que se projeta no horizonte. Essa ameaça Fascista, com ranços da Inquisição religiosa e traços do Stalinismo mais tacanho, que caminha sub-repticiamente com o intuito único de cercear, de limitar a Liberdade e o consequente Crescimento pessoal, obtidos através do aprendizado de como raciocinar, analisar, julgar; e não por meio do adestramento que ensina decorar regras, leis, fórmulas e quejandos.

Se é importante, como dissemos acima, o avanço e desenvolvimento material, não é menos importante que esse avanço seja repartido com quem o produziu; e para que tal divisão seja equânime, equilibrada, justa é preciso que a capacidade intelectual não seja privilégio de uma Elite que parece ter esquecido suas raízes e suas lutas anteriores.

Em razão do exposto é que eu conclamo a todos e a todas para que repilamos essa tentativa de limitar o aprendizado escolar da Arte de Pensar, pois os outros meios de instrução (TV. radio, web etc.) que poderiam estimular a reflexão e a criatividade, demonstram à exaustão a sua despreocupação com o assunto, haja vista que sua única preocupação é aumentar a audiência e os lucros auferidos, ainda que a custa da exibição de um bizarro circo de horrores.

Não enaltecerei um candidato em detrimento de outro, tampouco farei apologia de determinada opção política, pois respeito à vontade soberana de quem paga os salários e as outras vantagens daqueles que disputam uma vaga no quadro de Servidores Públicos.

Mas pedirei aos eleitores e eleitoras de qualquer um dos candidatos que se unam na luta em prol da rejeição de qualquer tentativa de diminuir a Liberdade que conquistamos a tão duras penas. Que não permitamos que a Liberdade de Pensar não seja estimulada através do ensino, pois só somos livres quando podemos sonhar. 

De minha parte, deixo aqui, de público, o meu repúdio a essa suja intenção, que, se concretizada, certamente condenará as novas gerações a permanecerem no eterno ciclo de ignorância e abjeta dependência.




Rio de Janeiro, 13 de Outubro de 2014.

Fabio Renato Villela

sábado, 11 de outubro de 2014

Concurso Literário Internacional - Prêmio Buriti 2014


Classificado em Primeiro Lugar na Categoria - Contos - com a obra

"O Ipê Vermelho"



Honrado, agradeço aos organizadores e ao juri do Concurso e envio saudações aos confrades e confreiras que participaram nesse evento.


Lettré, l´art et la Culture, Rio de Janeiro, Primavera de 2014.

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Voo da Vida



Por que eu deveria deixar de me iludir?
Que pena traça essa linha hamletiana
de Ser ou Não Ser?

Eu quero os holofotes coloridos dos sonhos
e as lantejoulas brilhantes da pura inconsequência.
Recuso-te, árida realidade dos homens tristes.

Recuso-te, angústia dos limites férreos
de inúteis esquemas e fascistas sistemas.
Que eu seja Zaratustra e nieztschianamente vença
as alturas dos arames e paire sobre as agruras,
pois nasci nas Montanhas e o vento canta comigo.

Venha sim, Princesa, ainda que a neguem,
é alta, nobre, pura e bela a grandeza de toda cor.
Voe comigo, pois eis que existir é maior que o abismo
e somos deuses com vontade de viver...


Para a moça bonita. Com carinho.

Lettré, l´art et la culture. Rio de Janeiro, Primavera de 2014.

quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Rousseau e o Romantismo - Parte III - Jean Jacques - Notas biográficas


Jean Jacques nasceu em Genebra, Suíça, e morreu em Paris, França. Duas cidades que assistiram a sua genialidade e abrigaram as suas contradições pessoais. Contudo, para além da simples geografia e embora o seu trabalho tenha sido voltado para a civilização europeia e para as questões concernentes ao homem do lugar e da época, as comparações que ele traçou com as outras culturas, fez com que o seu ideário se tornasse um referencial para quase todos os povos do globo, fazendo do mesmo um verdadeiro “cidadão do mundo”.

Jean Jacques era filho de Isaac Rousseau, um relojoeiro que dependia de seu labor para sustentar a família, composta por ele, pela esposa Suzanne Bernard, filha de Pastores religiosos e pelos dois filhos.

Perdeu a mãe logo após ter nascido, pois passados nove dias do parto, Suzanne morreu vitima de infecções. Restou-lhe, além do pai, um irmão mais velho, François e a tia paterna que o criou em conjunto com uma Ama.

Para vários estudiosos, a orfandade deixou-lhe marcas dolorosas e perenes, as quais o faziam procurar a figura materna nas amantes que teve. A convivência com o genitor não era totalmente pacífica e feliz e o mal estar foi agravado quando o pai teve que fugir da cidade após ter agredido um desa-feto em plena rua.

Embora tenha ficado sob os cuidados de um tio materno, Gabriel Bernard – engenheiro militar – que era conhecido pela severidade, mas também pela generosidade, foi uma época difícil para o menino, que já se ressentia de um maior aconchego familiar.

Jean, até então não havia tido nenhum educação formal, regular, e o que aprendera foi graças ao seu interesse pela leitura. Ainda em plena infância já havia lido todos os livros que herdara da mãe e do avô Pastor.

Dessa sorte, o tio Gabriel enviou-o, junto com seu filho, para a localidade de Bossey onde ambos foram educados por um Religioso Protestante e a-prenderam latim e as outras disciplinas que compunham a grade escolar da época.

Após esses estudos iniciais, os meninos voltaram para Genebra e enquanto o primo era encaminhado para estudar as matérias relativas à futura faculdade de engenharia; Jean, então com doze anos de idade, era enviado para servir em um Cartório com vistas a se preparar para futuramente estudar Direito. Porém, ele não gostou do trabalho e devido ao seu desinteresse acabou sendo despedido pelo Notário. Após algum tempo de ociosidade, foi encaminhado para uma oficina de gravações, onde a rudeza do patrão, que o maltratava regularmente, acabou fazendo com que se lhe endurecesse o coração e ele passou a se vingar do mesmo através de pequenos furtos e da cunhagem de medalhas que distribuía aos amigos. Com o modesto salário, comprava livros e com isso dava continuidade à sua autoinstrução.

Quando a adolescência lhe chegou, por volta dos dezesseis anos de idade, gostava de acompanhar os amigos em longos passeios pelos arredores da cidade e numa ocasião o passeio estendeu-se para além do horário normal e ao retornarem encontraram as portas da cidade já fechadas.

Após pernoitar no exterior dos muros e temeroso dos castigos que receberia pelo atraso, ele decidiu fugir e rumou para a localidade de Contignon, na região de Saboia, na França.

Na nova cidade um padre o encaminhou para uma senhora que geralmente abrigava os necessitados. Foi o seu encontro com a Sra. Louise Eleonore de La Tour du Pil, (Mme de Warens após o casamento) que teria um relevante papel em sua vida afetiva e, indiretamente, em sua Filosofia.

Louise havia sido Protestante pietista, mas após separar-se do marido aceitou converter-se ao Catolicismo e praticar a benemerência na localidade Annecy, aos pés dos Alpes, para receber uma pensão paga pela Corte de Amadeus II, duque de Saboia e Rei da Sardenha e de Piemonte (na atual Itália).

A primeira das quatro vezes em que Rousseau e Louise viveram juntos transcorreu sem grandes atropelos. Ela o encaminhou para Turim, crente que lá o jovem seria bem sucedido após estudar e converter-se ao Catolicismo. E, de fato, após instruir-se, ele abjurou o Protestantismo e com o donativo (cerca de vinte francos) que recebeu na cerimônia de abjuração, estabeleceu-se na cidade após encontrar um trabalho que lhe agradava razoavelmente.

Porém, ainda que a vida estivesse correndo agradavelmente, após encontrar-se com um antigo amigo de Genebra, abandonou o trabalho e voltou para Annecy. Assim, a Primavera de 1729, encontrou-o, novamente, na casa de Louise, onde ele a ajudava na farmácia naturalista da mesma e onde dava vazão à sua paixão pela literatura. Também nessa ocasião iniciou os seus estudos de música. Essa rotina durou alguns meses, mas foi interrompida quando ela o enviou para um Seminário católico de onde ele saia apenas nos finais de semana. E dessa maneira passou-se um ano, no qual Rousseau percebeu que estava apaixonado por sua protetora.

Entrementes ela lhe pediu que acompanhasse o Maestro da Catedral em uma viagem a Paris, pois o ancião sofria de epilepsia e demandava cuidados especiais, mas ao contrário do que prometera, ele abandonou o idoso logo na primeira crise que o mesmo sofreu e voltou para a casa de Louise, que, por sua vez, também viajara a Paris para tratar da pensão que lhe era paga por Amadeus II, que acabava de abdicar do trono.

Então, sem nada que o retivesse ali, também partiu para a “Cidade Luz” e nela perambulou por certo tempo, sustentando-se como Professor de música. Dois anos depois, em 1732, decidiu ir para a cidade de Chambéri, ao sul de Annecy, para reencontrar-se com Louise, que para lá se mudara.

Nesse terceiro período de convivência, ela contou-lhe de seus amantes passados e do atual – um botânico – e o iniciou no amor; e como amantes eles ficaram juntos até o ano de 1740, quando ela o empregou em um escritório e, depois, em uma pequena fazenda. Nessa época ele começou a escrever, enquanto continuava com a sua leitura obsessiva.

Todavia, novamente a inquietude de seu espírito não cedeu ao relativo conforto de que desfrutava e ele passou a se sentir incomodado com a sua situação financeira e emocional. E o estresse resultou em um tipo de enfermidade que atualmente seria rotulada como “a síndrome do pânico”. Em busca de tratamento ele decidiu ir até Montpelier, mas uma aventura amorosa no caminho afastou qualquer temor e ele voltou sentindo-se plenamente curado, porém encontrou Louise nos braços de novo amante e a decepção e a tristeza fizeram-no mudar-se para a cidade de Lyon, onde se tornou o tutor das crianças de Jean-Bonet de Mably (irmão mais velho do filósofo Condilac e do escritor político Abade de Mably).

Após algum tempo voltou para Louise, mas, por fim, aceitou que o rompimento entre ambos era definitivo e em 1741 seguiu novamente para Paris levando os esboços da comédia “Narcisse” e de um novo esquema de anotação musical. Dessa vez sua estada seria permanente.
Continua...
Produção e divulgação de Pat Tavares, lettré, l´art et la culture, assessoria de Imprensa e de Comunicação com o Público. Rio de Janeiro, Primavera de 2014.

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Rousseau e o Romantismo - Parte II - Jean Jacques Rousseau - Prefácio



Rousseau foi, certamente, um dos Pensadores europeus do século XVIII que mais conquistou admiração e estima no campo intelectual e entre a população leiga, apesar de nem sempre levar uma vida que pudesse ser considerada ética ou generosa.

Sua obra teve enorme influência nos campos da Política, da Educação e da Filosofia propriamente dita; sendo considerado como o principal alicerce do Romantismo, além de ser classificado, juntamente com o grande Montesquieu (Charles-Louis de Secondat, Barão de Montesquieu, 1689/177, Filósofo e Político, França) e com os “liberais ingleses”, como um dos “pais” da Ciência Política Moderna. 

Em relação à “Filosofia da Educação”, foi-lhe dado o mérito de ter elevado o pensamento de outro gênio francês, Montaigne (Michel Eyquem de, Pedagogista, 1533/1592, França), às mais altas instâncias, subscrevendo e acrescentando importantes elementos em sua tese de uma educação natural, pautada pelo acordo harmonioso entre o mestre e o discípulo. Para muitos estudiosos, aliás, foi a sua atuação que deflagrou a reformulação que se tornou a diretriz da Pedagogia dos séculos seguintes. 

Ademais, trabalhou com brilho e denodo na filosofia que chamou de “Materialismo dos Sensatos” ou “Religião Civil”.

Sua obra veio à luz através dos escritos filosóficos formais e, também, através de romances, cartas, tratados, ensaios e em sua célebre autobiografia, “Confissões”. Uma literatura de real valor.

No próximo capítulo falaremos de sua vida e nos seguintes analisaremos o conteúdo de seu ideário, exposto em suas obras principais.

Produção e divulgação de Pat Tavares, lettré, l´art et la culture, assessoria de Imprensa e de Comunicação com o Público. Rio de Janeiro, Primavera de 2014.

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Rousseau e o Romantismo - Parte I - Preâmbulo


Rousseau e o Romantismo - Parte I - Preâmbulo
Preâmbulo

Recorda-se o leitor (a) que no capítulo anterior citou-se o antagonismo entre os ideários de Voltaire e o de Rousseau, ainda que ambos se abrigassem sob o manto do Iluminismo.

Em verdade, aquele conflito especifico repetia o eterno movimento pendular que constitui a essência do Pensamento filosófico: a alternância entre o predomínio de uma tendência caracterizada por um pensar mais associado à realidade física, concreta; e a predominância de uma corrente mais ligada ao abstrato, espiritual, sentimental, sobrenatural.

Tendências que não podem ser classificadas como “superior” ou “inferior”, haja vista que cada qual tem seu mérito se adéqua às condições que a civilização enfrenta naquela quadra do tempo, já que são resultantes da conjuntura histórica do momento. São teses e antíteses que nunca serão resolvidas em uma síntese superior, pois se tal sucedesse ter-se-ia o “conhecimento total”, que sabemos ser impossível em virtude das limitações da mente humana. Assim sendo, resta-nos aproveitar a existência do contraditório que esse embate propicia e ver no mesmo a faísca que acende as novas luzes do Saber.

Isso dito, colocaremos na sequência algumas características que diferenciam o Romantismo do Sentimentalismo, e logo na sequência iniciaremos as considerações sobre o maior expoente dessa corrente, Jean Jacques Rousseau.

01) Otimismo filosófico;
02) Providencialismo;
03) Tradicionalismo
04) Titanismo,
sendo:

Otimismo filosófico – a convicção de que a realidade é tudo aquilo que deve ser; e de que é sempre perfeita e racional. Graças a tal otimismo, o Romantismo tende a exaltar como sublime a dor, a infelicidade e o próprio mal, pois a magnitude superlativa do “espírito” também se manifesta nos aspectos negativos da realidade, superando-os e até os resolvendo. Exemplo claro dessa tendência é a Filosofia de Leibniz, entre outros.

Providencialismo histórico – a história é um processo necessário (no sentido filosófico) no qual a “Razão Infinita (O Espírito, Deus)” se manifesta ou se realiza. Por isso, na história nada há de irracional ou inútil. Entre o Romantismo e o Racionalismo observa-se a seguinte diferenciação:
O Racionalismo associa a “tradição” com a ignorância, a superstição, os preconceitos, a violência, as fraudes e a “história” com o processo de reconhecimento dessas negatividades e de esforço para libertar-se delas. O Romantismo, ao contrário, considera que a tradição e a história são manifestações “Razão Infinita”, sendo ambas, portanto, verdade e perfeição.

Tradicionalismo – em conformidade com as características acima, tem-se o Iluminismo-Racionalista como crítico e revolucionário; enquanto o Romantismo é conservador, tradicionalista, enaltecendo sempre as instituições e as tradições.

Titanismo – configurado no culto e na exaltação ao “infinito” ou pela negação simples do “finito” que o raciocínio pode demonstrar através do pensamento lógico, atado às regras da física, da matéria. O Romantismo não considera impossível a existência do sobrenatural, do miraculoso, do fantástico, bem como da capacidade humana de se ir além das barreiras concretas. O titã grego Prometeu é um símbolo clássico dessa concepção, já que representa a rebeldia; o avanço para além dos limites da física e das Leis.

Produção e divulgação de Pat Tavares, lettré, l´art et la culture, assessoria de Imprensa e de Comunicação com o Público. Rio de Janeiro, Primavera de 2014.