sábado, 31 de maio de 2014

O Voo


O voo da gaivota
sobre o mar
é a liberdade
entre os azuis.


Produção e divulgação de Pri Guilhen, lettre, l´art et la culture, assessora de Imprensa e de RP, do Rio de Janeiro, em Junho de 2014.

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Rever


É bom te rever sob 
o mesmo céu de antes
e ouvir o novo poema 
que chega com a
estrela da tarde.
Tão bom, de novo sentir
o jasmim que te perfuma
e a suavidade de tua pele
ao tocar-te com o meu desejo.
Tão bom, moça da praia,
sentir que em teu corpo
o amor substitui a saudade.

Para a moça bonita.

Tania, carinho enorme. Sucesso, mocinha. Beijos.

Produção e divulgação de PAT TAVARES, lettre, l´art et la culture, assessora de Imprensa e de RP, do Rio de Janeiro, em Maio de 2014.

terça-feira, 27 de maio de 2014

Idealismo Alemão - Parte IX


A Razão e a Religião

Crítica da Faculdade de Julgar e A Religião dentro dos limites da Razão Pura

Quando Kant proclamou a sua teoria acerca da Lei Moral ele se opôs de modo direto, mas talvez não intencional ao clero ortodoxo e aos adeptos da chamada “Teologia Racional” que buscavam (inutilmente, diga-se) vincular a crença com a racionalidade.

Para esses “doutores” da igreja, a religiosidade que Kant havia endossado e que se baseava apenas na fé e na esperança, parecia um reles animismo primitivo, indigno da civilização de que eles se julgavam o ápice por serem os representantes de Deus (sic). Ademais essa posição de “representantes” conferia-lhes poder, status e fortuna e ao ver que a ameaçavam, reagiram com virulência.

Por outro lado, os Governantes que tinham na Religião um poderoso instrumento de controle social também se sentiram incomodados com o discurso kantiano, pois lhe viam como uma semente para futuros questionamentos sobre a legitimidade de seu poder e de seus atos.

O leitor (a) pode perceber, então, a magnitude das forças opositoras com que Kant teve que se confrontar. Todavia, não obstante os seus sessenta e seis de idade, a sua frágil compleição física, a sua pequena fortuna e a sua personalidade tímida, ele não se intimidou e nem recuou em suas opiniões.

Ao contrário do que imaginavam aqueles que tentaram intimidá-lo, ele escreveu mais dois livros sobre o assunto e com isso criou, ou reforçou, as bases para o futuro laicismo do Estado e para a relativização dos dogmas religiosos. Na sequência analisaremos brevemente esses textos.

O primeiro livro recebeu o nome de Crítica da Faculdade de Julgar (Crítica do Juízo) e nele o autor retoma a discussão sobre a chamada “Prova Teleológica*” da existência de Deus, que ele já havia rejeitado na Crítica da Razão Pura por julgá-la insuficiente.

Nesta, ele relaciona “Planejamento” e “Beleza”, pois, segundo a sua ótica, o “Belo” revelaria através de sua simetria e unidade que teria sido “planejado” por alguma inteligência.

No curso do texto, ele afirma que muitos dos objetos da natureza exibem, com efeito, essa “beleza (utilidade, propriedade)” e isso cria a sensação de haver um verdadeiro projeto (divino) na construção do mundo. Porém, também existem na natureza várias anomalias, desperdícios, casos de repetições, de multiplicações inúteis, deformidades, caos etc. E com isso se percebe que o projeto (divino) que se imaginou, não existe, tratando-se, antes, de uma simples aparência falsa.

A partir dessa constatação, ele conclui que aquele “simulacro de um projeto**” não serve, pois, como prova inquestionável da existência do divino.

** Nota do Autor – embora Kant julgasse que o “planejamento perfeito divino” fosse uma falácia, ele acreditava existir algum planejamento que propiciava o ordenamento da natureza, apesar das irregularidades que a mesma ostenta. E que se tal planejamento não servia para provar a existência de Deus, serviria ao menos para que os cientistas pudessem chegar a algumas respostas através de seu estudo. Para ele, tal projeto seria “interno” e associado apenas às partes, mas ainda assim, seria importante estudar-lhe, pois ao se desvendar os mistérios parciais, poder-se-ia desvendar num segundo momento, os mistérios do todo.

A continuidade dessa negação, iniciada na primeira Crítica, custou-lhe algum constrangimento, pois ele já não vivia sob a proteção do Imperador Frederico, o Grande, que, enquanto viveu, assegurou-lhe o direito de expor livremente as suas discordâncias da “Verdade” proclamada pela Religião oficial.

E, Frederico Guilherme II, o sucessor do magnânimo imperador, por ter franca aversão às políticas e ideias liberais, taxando-as de impatrióticas e eivadas do Iluminismo francês, não tardou em aplicar-lhe algumas sanções governamentais. Nada, porém, que o fizesse desistir e após três anos, já então com sessenta e nove de idade, ele escreveu o que alguns consideram o seu livro mais ousado: A Religião dentro dos limites da Razão Pura.

Prosseguindo em sua censura contra a ortodoxia funesta e má intencionada, ele destaca nesse livro que como a religião não pode ter como embasamento a Razão Teórica, mas apenas a Razão Prática do senso moral, qualquer Bíblia ou revelação deve ser julgada pela sua moralidade, sem que ela se arrogue o direito de ser ela mesma o Juiz dos homens, pois os dogmas e as igrejas só tem valor enquanto auxiliam a desenvolver a ética humana.

Para ele, quanto mais liturgias e cerimônias usurpam a prioridade da excelência moral, menos sincera é a crença, pois a igreja verdadeira deve ser uma comunidade em que as pessoas se unem pela devoção à Lei Moral.

Foi, aliás, para criar esse tipo de comunidade que Jesus Cristo teria vindo ao mundo. Foi essa a igreja que ele planejou contra eclesiasticismo dos fariseus, mas outro eclesiasticismo soterrou essa nobre intenção e nas palavras de Kant: “Cristo trouxe o reino de Deus para mais perto da Terra; mas foi mal interpretado, e em lugar do reino de Deus estabeleceu-se entre nós o reino do padre”.

Credo e ritual substituíram a “boa nova” e em vez dos homens ficarem unidos pela religião, dividiram-se em mil seitas. Ademais, não se tem o menor pejo em se “exigir” milagres, como se Deus fosse um mero doador de benesses e de nada servissem as Leis da Natureza, as quais estariam sujeitas ao poder das orações e dos interesses individuais. Contudo, o nadir (o ponto mais baixo) da Religião acontece quando ela se vende ao Poder político e se torna um instrumento de repressão e de controle nas mãos de um governo corrupto, maléfico, ilegítimo etc.

Como se vê, foram censuras pesadas não só aos religiosos, mas também aos Governantes que se utilizam do sentimento religioso para dominar e reprimir os legítimos anseios do povo.

E por conta dessas críticas, o Ministro da Educação** não tardou em iniciar a perseguição contra Kant, que, por sua vez, novamente não se intimidou e ante a impossibilidade de o jornal Berliner Nonatsschrift fazer a publicação prevista devido à interdição ministerial, ele remeteu o manuscrito para amigos em Jena (cidade e universidade na Prússia) e, através deles, publicou-o na imprensa daquela universidade, ao abrigo do liberal duque de Weimar, que à época também protegia a Goethe.

Nota do Autor - Wollner**, um fanático pietista mal intencionado, que subiu ao posto em 1788 e logo em seguida proibiu todos os colégios e universidades de ministrarem qualquer ensinamento que pudesse confrontar as “Sagradas Escrituras”.

A publicação acirrou os ânimos do governo e em 1794, Kant recebeu a seguinte reprimenda:

“Nossa altíssima pessoa ficou muitíssimo contrariada ao observar que fazeis mau*** uso de vossa filosofia para solapar e destruir muitas das mais importantes e fundamentais doutrinas das Sagradas Escrituras e do Cristianismo. Ordenamos uma imediata explicação correta e esperamos que, no futuro, não mais provoqueis uma ofensa dessas, mas, isso sim, de acordo com o vosso dever, que empregueis vossos talentos e autoridade a fim de que o nosso propósito paternal possa ser alcançado cada vez mais. Se continuardes a vos opor a esta ordem, podereis esperar consequências desagradáveis”.
Kant nada respondeu. Era desnecessário.

Nota do Autor – mau ***,mantida a ortografia original
Para Miucha Adena.
São Paulo, 27 de Maio de 2014.

GLOSSÁRIO DE TERMOS FILOSÓFICOS

  1. A priori – o que já existe antes de qualquer experiência. Inato, herdado geneticamente.
  2. Categorias do Pensamento Para Kant, as Categorias são conceitos puros (ou definições isentas das imperfeições empíricas) do Entendimento e referem-se a priori aos objetos da Intuição em Geral como funções lógicas. Não são os gêneros das coisas, conceitos gerais, formas lógicas e nem, tampouco, são ficções. Não descrevem a realidade, embora tornem possível compreendê-la.  Kant fundamenta sua tábua de categorias na tabela das formas de Juízo, com a seguinte abrangência: Quantidade: unidade, pluralidade, totalidade (ie. a coisa em questão apresenta-se unificada ou é um ente entre vários semelhantes etc.); Qualidade: realidade, negação, limitação; Relação: substância e acidente, causalidade e dependência, comunidade ou reciprocidade entre agente e paciente; Modalidade: possibilidade, impossibilidade, existência, não existência, necessidade, contingência. Além destas, existem as chamadas “Categorias Predicáveis do Entendimento Puro” opostas aos predicamentos.
  3. Causalidade ou Lei de Causa e Efeito – essa Lei prevê que certa ação ocasionará necessariamente um mesmo resultado.
  4. Contingência – aquilo que ao contrário do “necessário” pode ser de outra maneira, pode existir ou não etc.
  5. Empiricamente o conhecimento obtido através do que foi captado pelos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato) e raciocinado logicamente.
  6. Experiência ou Experiência Sensorial ou Empírica – aquilo que é captado pelos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato). Os relacionamentos do indivíduo com o mundo exterior.
  7. Fenômeno – aquilo que as operações mentais e/ou os Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato) conseguem captar de algo ou alguém. Aquilo que é aparente, percebido pela Mente ou Consciência.
  8. Intuição – ou Percepção Direta – é o modo de conhecimento direto que coloca a Mente em contato com o objeto de modo automático e sem intermediação de análises e conclusões racionais. A “Intuição Pura”, segundo Kant, é a intuição inata sobre o Tempo e o Espaço, elementos indispensáveis no processo de transformação das Sensações em Percepções e Concepções.
  9. Necessária – a condição de qualquer coisa, acontecimento etc. ser daquela maneira, não podendo ser de outro modo.
  10. Percepções* - além do sentido que normalmente lhe é dado, perceber algo ou alguém, o termo adquire em Filosofia significados mais amplos. Neste Ensaio usamos a definição que lhe deu Kant para quem é a Percepção que dá forma às Sensações através do uso das intuições que nos são inatas sobre o Tempo e o Espaço. Assim, temos a Percepção como “Entendimento”, “Compreensão”.
  11. Razão Pura* – o raciocínio feito a partir de elementos a priori, a partir de dados relativos à essência das coisas. O raciocínio feito a partir das “verdades primeiras” e fundamentais.
Teleologia, o estudo das finalidades. A doutrina que considera o Mundo como um sistema de relações entre meios e fins. A ciência dos fins (humanos).


segunda-feira, 26 de maio de 2014

Atlântico


É bom saber
que do Atlântico
não sopra apenas 
a fresca brisa.
Outra suave beleza
eu sinto chegar.


Para Lilian Bockorny, com carinho.

Poesia selecionada pelo Diretório da L´Harmattin, Marseille, França, para integrar o acervo de poemas da América do Sul.


 

domingo, 25 de maio de 2014

O Perdão



Dê-me a mão e caminhemos.
Talvez em alguma esquina
encontre-se o perdão
e uma Lua qualquer
ilumine a nossa redenção.
Talvez, Musa, 
os versos
voltem na maré 
e de poesia
a gente refaça o caminho.




sexta-feira, 23 de maio de 2014

Idealismo Alemão - Parte VIII




A Crítica da Razão Prática

Antes de tudo será necessário desvincular dois conceitos que vulgar e equivocadamente são associados com frequência: a Teologia e a Religião.

A Teologia, como se sabe, é o estudo sobre a divindade, enquanto que a Religião é o exercício da crença irracional em algo ou em alguém.

Mas, como esse “alguém” geralmente é relacionado a Deus, essa junção errônea acabou se consolidando e, por isso, é assaz importante considerarmos a diferença entre ambas para um melhor entendimento da tese de Kant.

Segundo ele, a Religião não pode ser baseada na Ciência nem na Teologia. Na primeira, pelo natural e inevitável confronto entre o Materialismo empírico dos estudos e conclusões científicas contra o Idealismo religioso. Em relação à segunda, a Teologia, o embasamento não pode ocorrer em virtude da inconsistência dos argumentos, conceitos e conclusões teológicos, os quais, não raro, beiram à reles superstição, ao animismo primitivo etc.

Mas, então, se a Religião não pode se fundamentar na Teologia ou na Ciência, em que base ela poderá se lastrear?

Segundo Kant, a fé deve ser colocada longe dos domínios da Razão e como a racionalidade permeia a praticamente tudo, resta-lhe apenas a Moral como fundamento. Contudo, essa “Base Moral” deve imperiosamente ser “absoluta”, ou seja, não resultar de experiências sensoriais duvidosas, tampouco de raciocínios ou reflexões incorretos ou mal intencionados. Há que ser a Moral proveniente apenas da Intuição* inata, a priori, que nos “diz” o que é bom e o que é mal. Ou, em termos populares, da “Consciência”.

Uma Moral que tenha os seus princípios tão absolutos, tão certos e tão necessários quanto são os princípios da Matemática, por exemplo.

E para que esse tipo de Moralidade possa existir de fato, é preciso que o homem encontre uma “Ética Universal (isto é, para todos e tudo)” e necessária*, através da qual se chegue ao pleno exercício do “Senso Moral” inato e independente de fatores condicionantes e à “Razão Prática Pura”; ou seja, absoluta, correta e anterior a qualquer experiência sensorial.

É preciso que homem estabeleça que o imperativo moral que embasa a Religião seja um Imperativo Absoluto Categórico.

Mas o que vem a ser exatamente esse Imperativo Categórico que se transformou numa das colunas do pensamento kantiano?

Em toda experiência que temos com o mundo externo um fator está sempre presente: o nosso senso moral. O sentimento inevitável de que isto ou aquilo está errado, pois mesmo quando cedemos à tentação e praticamos um ato que julgamos errado, o sentimento de certo e errado está conosco.
Pois bem, o Imperativo Categórico é justamente esse sentimento que nos é inerente e que nos traz o remorso pelo erro cometido e a decisão de não repeti-lo. Em termos populares: a “mão na consciência”.

Segundo Kant:

“O Imperativo Categórico é agir como se a máxima de nossa ação fosse tornar-se, por vontade nossa, uma lei universal da natureza”.

Sabemos que temos que evitar o comportamento que se for adotado por todos impossibilitará o convívio social. Sabemos, por exemplo, que uma mentira poderia nos ser útil, mas ainda que se deseje utilizá-la, não se deseja que ela se transforme em uma Lei ou Regra geral, pois se tal acontecesse não se poderia mais confiar em absolutamente nada.

O exercício da autocensura leva ao entendimento de que uma “boa ação” é boa não apenas pelos resultados imediatos que possa trazer, mas, principalmente, porque ela não ofende ao nosso senso moral. Permite-nos ter a “consciência tranquila”.

Colocados esses argumentos, é preciso considerar que se podem questionar as teses de Kant, inclusive no tocante a sua real autoria, já que lhes perpassa certo discurso religioso; ou, então, pelo fato do mestre alemão não ter definido o que seja “Bom”, “Mal” “Certo”, “Errado” etc.

Em relação à primeira objeção provável, deve-se reconhecer que há, de fato, similitude entre as teses religiosas e as que foram estabelecidas por Kant, processo acontecido tanto pelas antigas influências Pietistas que a mãe lhe repassou, quanto pelo fato de que o Imperativo Categórico deveria ser o ideal transcendente da Religião em oposição ao que se via (ou se vê) nas degradadas liturgias e rotinas eclesiásticas. Assim, pode-se pensar que Kant pregava um retorno à pureza original do sentimento religioso.

Em relação à segunda objeção provável, deve-se atentar para o fato de que a definição de “Bom”, “Certo” etc. é praticamente impossível haja vista a relatividade desses conceitos conforme a época em que são colocados ou por quem são estabelecidos. É o caso, por exemplo, da escravidão que no passado era vista como “boa” e atualmente é justamente execrada.

Ademais, é preciso ter em mente que o pensamento kantiano prende-se à transcendência e considerar que ele trata de como sentimos intimamente os efeitos do que seja positivo ou negativo, sem descer às características temporais dos qualificativos. Por isso, aliás, ele insistiu que a Lei Moral nunca poderia vir da experiência pessoal.

Para Kant, a única coisa “realmente boa” que existe é a vontade de seguir a Lei Moral, mesmo que ao custo de contratempos e prejuízos pessoais. Em certos trechos ele chega a fazer a apologia do “Dever” em detrimento dos interesses próprios, incorporando-o ao Imperativo Categórico. Também afirma que o homem deve viver segundo esses princípios para que consiga criar uma comunidade de seres racionais**

“Moralidade não é propriamente a doutrina de como podemos nos fazer felizes, mas de como podemos nos tornar dignos da felicidade”.

No geral, a obra apresenta essas prédicas eivadas de moralidade religiosa. Também é possível observar nessa pregação, o caráter nacional alemão, que nele se manifestou com vigor no tocante à seriedade, eficiência e regularidade.

Contudo, esse retorno a um tipo de Moralidade cristã não o fez simpático ao clero e ele tampouco avalizou a religião que se praticava (ou que se pratica), escorada apenas em dogmas vazios e numa liturgia fantasiosa.

Para ele, ao se retornar à divindade e ao se optar por obedecer a Lei Moral, na verdade, está-se exercendo a mais genuína liberdade frente ao império dos desejos físicos, na medida em que ao resistir às tentações o homem se liberta dos valores e das coisas “menores”, livra-se do “mundo dos fenômenos” e sente que essa liberdade é a sua verdadeira essência.

Nota do Autor – observe-se que no parágrafo acima, a tese de Kant é quase que uma cópia integral da doutrina Budista.

O homem compreende, então, que está além e acima das Leis que ele próprio fez apenas para entender o mundo (sensorial) que experimenta. Sente a sua própria transcendência.

Ao exarar essas teses Kant não estava tomado por um ingênuo fervor místico nem por um Idealismo primário, pois sempre esteve consciente da rudeza do mundo, mas isso não lhe esmorecia o ânimo para continuar a sua pregação em favor do homem, pois como bem disseram Rosseau e Pascal, respectivamente:

“Acima da lógica da cabeça está o sentimento do coração”.

“O coração tem razões próprias que a cabeça jamais poderá compreender”.



quinta-feira, 22 de maio de 2014

Idealismo Alemão - Parte VII (inclui glossário)


A Dialética Transcendental

Uma das faces mais conhecidas do Pensamento kantiano é a diferenciação que ele fez entre a Essência da coisa (ou a “coisa em si” ou o “numeno”) e o seu Fenômeno*.

Graças a essa diferenciação é que se pode observar que a “certeza” e a “incondicionalidade” que a Lógica e a Ciência proclamam, na verdade, são apenas relativas porque se limitam ao campo fenomenico, empírico, sensorial. Limitam-se àquilo que nós captamos ou percebemos.

Segundo vários eruditos, o mundo que conhecemos é uma construção mental que erguemos a partir da utilização da Mente, enquanto “agente modelador”, e das Coisas enquanto “estímulos”.

O objeto que captamos através dos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato) é uma “aparição”, um “fenômeno” e, provavelmente, muito diferente do que seja “em si”.

Após tê-lo captado, a Mente o modela segundo as suas Leis, resultando desse processo a nossa eterna incerteza sobre “a coisa em si”, a qual pode, inclusive, ser um “Objeto do Pensamento” existente na própria Mente. Porém, ainda assim, ela nunca poderá ser experimentada, pois qualquer experimentação exige o concurso dos sentidos e se eles forem utilizados a maculariam, completando, assim, o circulo das impossibilidades.

Nas palavras de Kant:

“Continua inteiramente desconhecido para nós o que os objetos podem ser por si só e fora da receptividade dos nossos Sentidos. Nada conhecemos, exceto a nossa maneira de percebê-los; maneira peculiar a nós e não necessariamente partilhada por todos, embora o seja, sem dúvidas, por todos os Seres humanos. A Lua que conhecemos, por exemplo, é meramente um feixe de Sensações; unificado pela nossa estrutura mental inata, através do processo de transformação dessas Sensações em Percepções e destas em Concepções ou Ideias. Por isso se pode dizer, que para nós a Lua é apenas as nossas Ideias”.

Todavia, Kant sempre deixou clara a sua crença na existência efetiva da matéria, do mundo externo, mesmo que ele nos seja incognoscível, já que o nosso conhecimento chega apenas à aparência, à “casca”, à superfície dos mesmos. Para ele, o Idealismo não significava a negação peremptória e definitiva do mundo concreto, físico, de que nada existe fora do sujeito, conforme afirmaram alguns idealistas mais radicais, como Bekerley, por exemplo.

Em sua concepção, o Idealismo é a doutrina que afirma que boa parte do objeto captado é criada pelas “Formas de Percepção e de Compreensão” e que, por isso, só conhecemos o objeto da forma que ele ficou após ter sido transformado em “ideia”.

O que ele é realmente, ou seja, antes de ter sofrido essa transformação é uma incógnita, apesar da Ciência insistir ingenuamente no contrário, proclamando ser capaz de desvendar a sua natureza e o seu formato original.

Jactância de que não compartilha a Filosofia, pois os Filósofos sabem que não se consegue lidar com o “numeno”; e por isso tem consciência de que se trabalha apenas com as Sensações, as Percepções e as Concepções que haurem das “coisas em si”.

Essa distinção entre a Essência e o Fenômeno foi um resgate para a Filosofia moderna do antigo ideário platônico da “Ideia” enquanto modelo ou padrão para as “cópias” individuais e físicas que existem no mundo concreto, ou mundo das aparências.

Pela sua importância, tal resgate mereceu a aprovação quase unânime da comunidade filosófica. Schopenhauer, por exemplo, disse que esse seria o maior mérito do sistema kantiano.

E nasce dessa diferenciação o conceito da Dialética Transcendental que ao examinar as premissas colocadas pela Ciência e pela Religião como absolutas, necessárias e verdadeiras comprova a triste falácia das mesmas, pois a Ciência que pretende ser “transcendental” afirmando ser capaz de ir além da sensibilidade, só consegue perder-se em antinomias (a contradição entre duas leis, ou princípios). E a Religião que tem pretensão igual, afunda em paralogismos (raciocínios falsos) exarados por ingenuidade ou por má fé.
As antinomias que surgem inevitavelmente em todas as Ciências que tentam ultrapassar ou transcender a experiência empírica geram dúvidas insolúveis como:

“O mundo é finito ou infinito?”.

O nosso pensamento rebela-se contra as duas alternativas, pois de um lado somos levados a pensar que existe “algo além”, mas não conseguimos conceber a infinidade.

“O mundo teve um começo?”

Não conseguimos definir a eternidade, mas também não podemos pensar em algo no passado sem “sentir” que antes daquele algo já havia alguma coisa.

“A cadeia de Causa e Efeito (causalidade) teve uma Causa primeira?”

Uma parte de nós diz que sim, pois como imaginar que essa cadeia seja interminável e, portanto, não iniciada? Contudo, outra parte da nossa Razão nega, porque também não conseguimos imaginar uma Causa que não tivesse sido causada.

São antinomias que se repetem em todas as ciências e para muitos esse é um problema insolúvel. Todavia, para Kant existe uma saída para esses impasses, bastando que se procure socorro na Filosofia, já que ela ensina que o Tempo, o Espaço e a Causa são “modos de percepção e de concepção”, ou seja, maneiras inatas de se assimilar, racionalizar e compreender; e não coisas que estão sujeitas às Leis antagônicas da matéria e que por isso causam as contradições. E porque são maneiras inatas, são onipresentes e formam a teia e a estrutura dessas mesmas experiências.

Vê-se, portanto, que as antinomias nascem da suposição equivocada de que Espaço, Tempo e Causa são “coisas externas”, independentes, e não “gavetas” que se usa para classificar e processar os saberes que se adquire.

E se isso acontece com as Ciências, processo semelhante se verifica na Religião onde os paralogismos da chamada “Teologia Racional” tentam provar cientifica e logicamente a existência de um “Ser Necessário (Deus)” ou, então, que a alma é uma substância indestrutível ou que o livre-arbítrio está acima da Lei de Causa e Efeito e tantos outros dogmas.

Esquecem, contudo, os religiosos que a Dialética Transcendental comprovou que a Substância, a Causa, a Necessidade são relacionadas apenas aos Fenômenos e às experiências sensoriais, não sendo possível associar ao mundo das essências, das coisa-em-Si nenhum desses conceitos. Confirmou, em resumo, que a Religião não pode ser comprovada cientifica, racional e logicamente, sendo, portanto, apenas um “objeto da fé”. Algo em que se acredita, ou não, estando muito longe de ser uma “Verdade” universal e inquestionável, como desejam os que nela acreditam ou que dela dependem emocionalmente ou que nela trabalham ou que nela se locupletam.

Por fim, é chegado o momento de se verificar os resultados efetivos que Kant logrou com a sua copiosa obra: A Crítica da Razão Pura.

Se a proposta inicial do livro era responder às questões metafísicas e salvar o que há de genuíno e absoluto na Ciência e na Teologia, pode-se dizer que o sucesso foi alcançado, pois ao estabelecer a transcendência da Estética, da Analítica e da Dialética, Kant adentrou ao campo da Metafísica para num segundo momento buscar as soluções para os problemas da mesma.

Ademais, por destruir a jactância da Ciência ao comprovar a sua limitação ao mundo fenomênico, do qual ela só sai para cair em intermináveis contradições, ele a teria salvo de sua própria ingenuidade. E de maneira similar teria salvado a Essência da Religião ao comprovar que os seus objetos de fé (Deus, alma incorruptível etc.) nunca poderão ser comprovados pela Razão, já que a crença não pode ser racional sob o risco de se extinguir. Afinal, como bem disse o Mestre Eckart (sec.XIII, Alemanha):

 “Creio porque é absurdo” (Se não fosse absurdo, se fosse mensurável eu não precisaria crer, pois eu poderia compreender).

É claro que as suas ponderações causaram muito descontentamento entre os homens da Ciência e os da Religião, além de várias censuras de outros filósofos que diziam ser o seu sistema apenas uma copia do de Hume, ou uma derivação de Bekerley etc.

Os homens da Ciência ressentiram-se por verem evaporar as suas “Verdades Cientificas”. Por ver que lidavam apenas com a superfície, com a casca das coisas e que os seus enunciados eram tão corruptíveis quanto os seus objetos de estudo. Ressentiram-se por ver que não obstante os seus esforços, nunca atingiriam a Coisa-em-si, a “Verdade última” etc.

E se ressentiram os Religiosos por ter ficado provado que a sua “Verdade” era apenas sua e de quem lhes compartilhasse a crença, não podendo pretender-se que fosse geral e inquestionável. E ressentiram-se porque Kant provou que os seus dogmas são impossíveis de serem provados racionalmente, estando sujeitos, portanto, a ser uma simples crença. Foi, é certo, um grande abalo que sofreram, pois até então a existência de Deus não podia sequer ser colocada em dúvida sob pena de sanções eclesiásticas, sociais e judiciais. Mas, talvez, o motivo mais importante de seu ressentimento foi a subtração ocorrida em seus status de “Arautos da Verdade”, pois a “Verdade” já não existia como antes.

E quanto aos Filósofos, pouco se tem a acrescentar ao que já foi dito, somando-se apenas a inveja despertada como é comum nos casos das inteligências superiores.

De qualquer forma, essas reações são inevitáveis, pois toda genialidade tira os medíocres da sua zona de conforto e em vista desse abalo, só lhes resta protestar. O fato é que Kant, em sua grandeza, contrapôs-se ao Materialismo, mas sem cair em um Idealismo ingênuo ou radical. Ao contrário, elevou a doutrina ao patamar das essências, à Metafísica e com isso escreveu o seu nome de forma perene entre os grandes sábios da humanidade.

GLOSSARIO DE TERMOS FILOSÓFICOS

  1. A priori – o que já existe antes de qualquer experiência. Inato, herdado geneticamente.
  2. Categorias do Pensamento Para Kant, as Categorias são conceitos puros (ou definições isentas das imperfeições empíricas) do Entendimento e referem-se a priori aos objetos da Intuição em Geral como funções lógicas. Não são os gêneros das coisas, conceitos gerais, formas lógicas e nem, tampouco, são ficções. Não descrevem a realidade, embora tornem possível compreendê-la.  Kant fundamenta sua tábua de categorias na tabela das formas de Juízo, com a seguinte abrangência: Quantidade: unidade, pluralidade, totalidade (ie. a coisa em questão apresenta-se unificada ou é um ente entre vários semelhantes etc.); Qualidade: realidade, negação, limitação; Relação: substância e acidente, causalidade e dependência, comunidade ou reciprocidade entre agente e paciente; Modalidade: possibilidade, impossibilidade, existência, não existência, necessidade, contingência. Além destas, existem as chamadas “Categorias Predicáveis do Entendimento Puro” opostas aos predicamentos.
  3. Causalidade ou Lei de Causa e Efeito – essa Lei prevê que certa ação ocasionará necessariamente um mesmo resultado.
  4. Contingência – aquilo que ao contrário do “necessário” pode ser de outra maneira, pode existir ou não etc.
  5. Empiricamente o conhecimento obtido através do que foi captado pelos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato) e raciocinado logicamente.
  6. Experiência ou Experiência Sensorial ou Empírica – aquilo que é captado pelos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato). Os relacionamentos do indivíduo com o mundo exterior.
  7. Fenômeno – aquilo que as operações mentais e/ou os Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato) conseguem captar de algo ou alguém. Aquilo que é aparente, percebido pela Mente ou Consciência.
  8. Necessária – a condição de qualquer coisa, acontecimento etc. ser daquela maneira, não podendo ser de outro modo.
  9. Percepções* - além do sentido que normalmente lhe é dado, perceber algo ou alguém, o termo adquire em Filosofia significados mais amplos. Neste Ensaio usamos a definição que lhe deu Kant para quem é a Percepção que dá forma às Sensações através do uso das intuições que nos são inatas sobre o Tempo e o Espaço. Assim, temos a Percepção como “Entendimento”, “Compreensão”.
 Razão Pura* – o raciocínio feito a partir de elementos a priori, a partir de dados relativos à essência das coisas.      O raciocínio feito a partir das “verdades primeiras” e fundamentais.