Antecedentes à primeira
Crítica
Com o advento do
Iluminismo passou-se a delegar à Razão, à fria racionalidade, a tarefa de
responder a todas as questões existenciais.
Ecoando o movimento de Voltaire, Diderot e outros pensadores, Francis
Bacon fez com que a Europa e o resto
do Ocidente outorgassem ao raciocínio, à Razão, a primazia de ser “o verdadeiro
pensar”.
Fez com que se
depositasse irrestrita confiança no poder das Ciências e da Lógica para
resolver em definitivo as dúvidas filosóficas e para ilustrar “o quão perfeito
é o homem”.
E Condorcert,
Spinoza e mais alguns eruditos, não
hesitaram em seguir esse novo caminho até que a crença, a fé e a própria
divindade fossem relegadas a meras figuras de um passado sombrio, formado
apenas pelas trevas da ignorância e da superstição, que as “luzes do século da
Razão” extinguiriam para sempre.
Assim,
quando os Filósofos Helvetius e Holbach desfecharam o ataque mais possante
– que fez “o próprio clero tornar-se ateu” – , poucos duvidaram de que o novo
padrão viera em definitivo.
Contudo,
ainda existiam aqueles que não se conformavam com o rumo proposto e dentre
estes se destacava a imponente figura de Jean
Jacques Rousseau que nunca deixou de acreditar na força e na importância
dos sentimentos, das sensações, das intuições e da fé, como um contraponto ao
“Deus Raciocínio” ou à “Deusa Razão”.
E
foi essa visão de Rousseau que embasou as ideias que germinavam em Kant. Depois,
com o crescimento dessas convicções, ele percebeu que havia chegado a hora de
se examinar cuidadosamente a real capacidade e validade daquele “Deus Intelecto”
que com os seus silogismos lógicos, era saudado como o exterminador das crenças,
das intuições etc. que durante milênios habitaram o coração do homem.
Afinal,
ponderou Kant, a fé e a esperança, expressas em tantos formatos (quadros,
igrejas, monumentos etc.) religiosos e
românticos, estavam tão solidamente enraizadas na sociedade humana que para
serem substituídas, seriam necessárias provas indubitáveis de que a Racionalidade
era capaz de acertos contínuos e irrefutáveis e que a insipidez da Razão ainda seria
suficiente para acalentar os sonhos humanos, ao invés de enxergá-los como um subproduto
dos ditames lógicos.
Mas
como até então não existissem sequer probabilidades de que tal correção da Razão
houvesse efetivamente, outras vozes eruditas seguiram as pregações de Rousseau,
como aconteceu, por exemplo, com John Locke
que pela primeira vez analisou a Razão segundo as premissas da Filosofia; ou
seja, de maneira lógica e racional. Quando ele afirmou que todo conhecimento
provem necessariamente daquilo que foi captado pelos Sentidos (tato, visão,
audição, paladar e olfato) e que ao nascer
a Razão era um quadro em branco (uma tábula rasa),
inexistindo, portanto, as chamadas “ideias inatas”, ele, de certo modo, reduziu
a Racionalidade à condição de um órgão com funções definidas; e dependente de estímulos
externos para formar conceitos, pensamentos, julgamentos etc. A Razão não
seria, apenas por si, uma entidade capaz de gerir a vida humana. Outra
voz que se destacou foi a de George Berkeley
que ao afirmar que “real” não é a matéria em si, mas a nossa percepção da
mesma, refutou a tese Materialista de Locke e reafirmou, embora de modo
indireto, a desimportância da Razão, já que ela depende do que seja captado
pelos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato)
para formar seus conceitos, pensamentos ou juízos. E ainda nessa trilha, David Hume também reafirmou a
dependência da mente em relação aos sentidos quando exarou sua tese acerca da
inexistência de qualquer Metafísica.
Assim, o argumento
inicial de Jean Jacques Rosseau de que a Razão não pode ser considerada como um
juízo definitivo, viu-se seguido, direta ou indiretamente, por importantes
eruditos de variadas matizes ideológicas. E o seu apego ao sentimentalismo*, ao
instinto, à intuição consolidou-se como uma tendência merecedora de assaz
consideração.
E foi com esse status que chegou até Kant que
ao ler “Emilio”, obra prima do
genebrino, encontrou no autor um homem que também buscava escapar da maré
ateísta que predominava como símbolo de “modernidade e esclarecimento”. Um homem
que não tinha o menor pejo em afirmar a sua crença na superioridade do
sentimento em relação ao raciocínio e que, consequentemente, não hesitava em duvidar
da hegemonia da Razão. Encontrou, enfim, alguém que não temia ir contra a corrente.
Então, Kant, para expor
a sua própria dúvida sobre os limites e sobre a real capacidade da “Deusa Razão”
viu que chegara o momento de iniciar a sua obra grandiosa. Nascia o “Criticismo”.
Produção e divulgação de TANIA BITENCOURT, assessora de Imprensa e de RP, do Rio de Janeiro em Maio do ano do hexa.
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