segunda-feira, 30 de setembro de 2013

SARTRE, Jean Paul - Filósofos Modernos e Contemporâneos


SARTRE, JEAN PAUL.
1905 – 1980
 Existencialismo (recorte), a Náusea (resenha).
A Existência precede a Essência.
 O Homem Inautêntico. O Homem Contingente.
“Quando olhei para a bandeira da França, eu vi apenas um pedaço de pano” – Paul Nizan.

Prefácio

Se fosse pedido um rosto para a Filosofia na atualidade esse semblante seria o de SARTRE.

Com efeito, a ele cabe a missão e o privilégio de representar o “Pensamento Superior”, que desde a aurora dos tempos proporciona ao homem a oportunidade de fugir da mediocridade cotidiana e ter acesso às questões mais profundas sobre o mundo, sobre a vida e, principalmente, sobre ele próprio.

Pensador formado nos terríveis anos que precederam, assistiram e sucederam os horrores da Guerra Mundial, ele trouxe para a sua escrita toda a angústia, toda a incerteza que permearam a insanidade de um mundo que não hesitou em se matar cruelmente, torturar-se barbaramente e enterrar seus melhores anseios e as suas melhores realizações artísticas, culturais e humanas em um conflito que representou à perfeição toda a bestialidade do “Ser” que destrói sem motivo, talvez, por intuir que também existe sem qualquer propósito ou sentido.

Tempos em que a falta de razão para existir e de um propósito para sobreviver, saltaram das teorias filosóficas para a crua realidade. Tempos em que o Existencialismo* ganhou corpo, solidez e popularidade.

NOTA do AUTOR – Existencialismo: veja a breve exposição desse sistema filosófico no final deste Ensaio
.
Afinal, era preciso estudar a alma, ou a essência do “Ser sem alma, sem essência que vive por mero acaso e que intuindo que a morte é o fim definitivo, vive para o “Nada”.

Era preciso estudar o homem. E, como poucos, SARTRE o fez.

Notas biográficas

Nascido em Paris, França, SARTRE tornou-se órfão de pai aos quinze meses de vida. Foi criado pela mãe e pelo avô e desde a tenra infância mostrou-se um aluno brilhante.

Com relativa facilidade ingressou na prestigiada “École Normale Supériure”, onde conheceu SIMONE DE BEAUVOIR (a quem chamava de Castor) que foi sua companheira por toda vida. Após a graduação, trabalhou como Professor e foi nomeado para a cátedra de Filosofia da universidade de Le Havre, em 1931.

Durante a Guerra serviu ao Exército e foi feito prisioneiro por um curto período. Após conseguir fugir, em 1941, ingressou no “Movimento de Resistência”, cujas táticas de Guerrilha impôs obstáculos consideráveis aos nazistas invasores, e combateu até 1945 quando houve a vitória definitiva dos “Aliados”.

Após o conflito, a sua escrita se tornou progressivamente mais politizada e para canalizar a sua 
caudalosa produção, bem como a de seus seguidores e amigos, ele fundou a revista político-literária “Les Temps Moderns”.

Além do trabalho que ali desenvolvia, escreveu vários livros, dentre os quais, citamos adiante aqueles que são considerados as suas “obras-chave”. E foram os livros que lhe renderam, além de outros inúmeros admiradores, o prêmio Nobel de Literatura, de 1964, que ele recusou por discordar do caráter “mercantilista e burguês” do mesmo.

Várias outras homenagens lhe foram dedicadas, sendo a última delas, o acompanhamento que mais de cinquenta mil pessoas fizeram ao seu féretro. Com ele, seguramente morreu grande parte da inteligência do mundo.

Obras-Chave

1.   *A Náusea, de 1938.
2.   O Ser e o Nada, de 1943.
3.   O Existencialismo é um Humanismo, de 1945.
4.   Critica da Razão Dialética, de 1960.

*NOTA do AUTOR – devido à importância de “A Náusea” no contexto de seu ideário, faremos uma brevíssima resenha dessa obra no final deste Ensaio.

O ideário. Ser, existir a “Natureza humana

Desde a antiguidade a questão relativa a “ser ou existir” como homem – como Ser humano –ocupa a mente dos principais Filósofos. Idem com a questão relativa às diferenças entre os humanos e os outros Seres.

Geralmente, quando se reflete sobre a questão, supõe-se haver uma natureza humana, ou uma essência que sinalizaria a condição de Ser, ou existir como um humano. O passo seguinte nessa linha de raciocínio é pensar que essa essência ou Natureza* seja imutável, fixa e idêntica para todos os homens, em todas as épocas e em todos os lugares, independentemente das condições em que vivem e da cultura que os rege. Todos possuiriam as mesmas características fundamentais e se guiariam pelos mesmos valores básicos.

NOTA do AUTOR – Natureza*, ie, a forma de ser que é típica dos Seres humanos.

Por analogia, seria algo como a Ideia de PLATÃO, que, como se sabe, serviria como modelo, ou conjunto de regras e instruções, para a “fabricação” dos indivíduos, cujas diferenças (os magros, os gordos, os baixos, os altos, os negros, os asiáticos etc.) seriam apenas superficiais e ocasionadas principalmente pelas condições climáticas*, as quais também moldariam os hábitos, as necessidades**, as vontades, as habilidades artísticas, industriais, artesanais etc. de cada segmento regional, nacional ou continental.

NOTA do AUTOR - *africanos, por exemplo, tem a pele negra porque a abundância de Sol em sua Terra dispensa seus corpos de possuírem áreas brancas que facilitem a absorção dos raios solares. Os europeus tem a pele branca pelo motivo inverso etc. ** Europeus necessitam de casas aquecidas e os brasileiros de casas refrigeradas, por exemplo.

A negativa da “Essência humana”

A suposta existência de uma “essência humana” foi uma tese fortemente influenciada pela Teologia e pela Mitologia através de lendas como a da “Criação Divina”, do “Pai celestial”, dos “homens serem irmãos” etc. e vigorou por milênios, até que um grupo de pensadores sistematizou as dúvidas e oposições à mesma.

SARTRE seguiu o caminho da negação e modelou o seu sistema de pensamentos partindo da premissa de total inexistência de qualquer elo metafísico, divino, celeste entre os indivíduos. Para ilustrar seus argumentos, ele colocou o seguinte exemplo:

Imaginemos um abridor de cartas. Essa lâmina nasceu das mãos de um artesão que em algum momento teve a ideia de criar uma ferramenta que atendesse à necessidade de abrir cartas com mais facilidade. Afinal, seria inconcebível um “abridor de carta” existir sem que o seu fabricante soubesse qual seria a sua finalidade. Desse modo, observa-se que artesão primeiramente planejou a finalidade da ferramenta e só depois é que ele a fabricou. Em outros termos, pode-se dizer que o artesão, ou um “Deus demiurgo” primeiro planejou a finalidade do objeto, ou a sua “essência” e só num segundo momento é que o fabricou, ou lhe deu “existência” efetiva.

Portanto, a Essência do abridor de carta veio antes de sua Existência.

Porém, no caso do homem é diferente, pois como não existe um “Deus demiurgo” que possa ter planejado, ou definido uma finalidade, ou uma essência para o homem, conclui-se que o mesmo existe por mero acaso, sem uma finalidade definida, sem qualquer essência. Ao contrário do abridor de cartas, cabe ao homem construir ele próprio a “sua essência” e assim ter a ilusão de não ser contingente* (ie, ser algo que pode ou não existir sem que isso altere o Universo), de não ser um mero acaso.

Portanto, no caso dos Seres humanos, a Existência veio antes que a Essência.

Essa condição, aliás, pode ser comprovada pela própria liberdade de ação que cada indivíduo usufrui, exceto, é óbvio, pelas limitações da natureza e pelas imposições sociais, as quais, contudo, só são restritivas ao nível individual, já que elas só existem porque foram criadas pela coletividade humana.

O Ateísmo e a negação da essência.

Nota-se no parágrafo anterior o quão forte é a conexão entre o Ateísmo* e a ideia de que a existência humana precede a sua essência.

NOTA do AUTOR – Ateísmo*: como se sabe, é a doutrina filosófica que nega a existência de um “Ser supremo”. Principalmente, se o Mesmo for dotado dos atributos que as religiões lhes outorgam.  

E justamente por isso, SARTRE dedicou grande parte dos seus esforços para demonstrar que o inverso é apenas o resultado da crença em teorias religiosas que são articuladas através da analogia com os trabalhos que o próprio homem realiza.

Como a maioria acredita na existência de um “ente supremo”, também acredita que “Ele” primeiro planeja o que irá construir, para só depois concretizá-lo. Julga que ocorra na “mente de Deus” o mesmo que acontece na sua e a partir dessa tosca dedução deixa de ter dúvidas de que o homem foi planejado e só depois construído. Ou, que tenha uma “essência humana”.

Construindo a própria essência.

Todavia, para SARTRE, essa é um equivoco típico de nossas possibilidades intelectuais, através das quais só conseguimos “compreender” algo se a ele assimilarmos alguma coisa conhecida.

No entanto, para ele, é possível que exista uma “essência humana”, mas esta depende de que o próprio homem a construa; e isso ocorre quando ele estabelece metas e objetivos para si mesmo, o que forja uma finalidade para a sua existência. Viver, então, passa a ter algum sentido, algum significado.

É certo que essa possibilidade de se construir uma “segunda essência” acaba ficando oculta, ou relegada a um segundo plano, pela maioria que foi induzida a crer na essência metafísica.  E também porque essa “outra essência” implica na total responsabilidade pelos atos praticados, o que nem sempre é bem absorvido, haja vista que é mais fácil e cômodo delegar a “terceiros (no caso, Deus)” a própria felicidade. A liberdade advinda do fato de que essa essência não foi dada por nenhum “Ser divino implica que compete ao homem definir a si próprio, ou, então, viver uma “vida inautêntica”, como veremos adiante.

Definir a nós mesmos

Através da sentença “Definir a nós mesmos”, SARTRE estabeleceu os seguintes conceitos:

“Primeiramente o homem existe (nasce), surge no Mundo ao se descobrir separado da mãe e caminhando pela infância e adolescência e só depois se define (em termos de caráter, personalidade)”.

“Quanto aos homens, não é o que eles são que me interessam, mas o que eles podem se tornar”.

E com tais conceitos enfatizou que “definir a nós mesmos” não é apenas uma questão de se ter a capacidade de dizer somos Seres humanos. Não é enumerar as características pessoais.

Em verdade, é assumirmos o tipo de SER que escolhemos nos tornar não obstante as circunstâncias que influem nessa escolha. E é justamente essa capacidade de escolher que nos faz diferentes de todos os outros Seres. Só nós podemos nos tornar aquilo que escolhermos fazer de nós mesmos.

E aí está toda a importância de não ter a sua “Essência” pré-definida, pois é nisso que reside à possibilidade de evolução e de aprimoramento. É justamente aqui que se percebe a liberdade que o Ateísmo e o Existencialismo ofertam ao libertar o homem dos ditames tirânicos de um “Deus” que o consideraria uma simples ferramenta.

NOTA do AUTOR – observe-se a associação direta que o Filósofo, bem como outros pensadores, faz entre “Essência” e “Finalidade”. Tal associação se deve ao fato de que embora sejam conceitos de origem religiosa e mística, ambos acabaram incorporados ao estudo filosófico no bojo da corrente intitulada de Teleológica que considera o mundo como um sistema de relações entre “Meios” e “Fins”. É, ao cabo, o estudo dos fins ou das finalidades humanas, conceitos que se tornaram tão introjetados em nosso modo de pensar que são vistos por muitos como uma “verdade absoluta”.

NOTA do AUTOR - SARTRE considerava que outras teorias, além das religiosas, também conservavam essas mesmas raízes erradas, fato que as invalidava automaticamente por não terem qualquer base Lógica e Racional.

NOTA do AUTOR – a ideia sartreana de que somos livres para moldar as próprias vidas foi um dos conceitos chave da ideologia do Movimento Estudantil francês no célebre Maio de 1968, em contraponto à antiga ideia da predestinação, da “habilidade herdada”, do “dom divino” etc.

O preço da Liberdade. O medo de ser livre

Embora toda liberdade seja atraente, a ela se junta simbioticamente o preço que se paga pelo exercício da mesma. E a filosofia “sartreana”, também chamada de “Filosofia da Liberdade”, não é diferente, pois se nos libera do predeterminismo, cobra o preço da “plena responsabilidade” pelos atos que praticamos.

Somos livres para nos tornarmos o que quisermos, mesmo que as limitações naturais impeçam o exercício absoluto dessa autonomia (desejar ter asas e voar como um pássaro é inútil, por exemplo). E mesmo que no âmbito das escolhas possíveis, frequentemente sejamos coagidos a decidir com base em antigos hábitos, ou vetustas regras e normas de conduta que nos são introduzidas desde o nascimento. Porém, a conta a ser paga vem junta e dela não se escapa. Afinal, se eu escolher viver de uma maneira incomum, terei que arcar com a responsabilidade dessa decisão, enquanto se eu optar em apenas seguir os padrões estabelecidos ficarei na confortável situação de poder debitar aos mesmos padrões os meus fracassos e as iniquidades do mundo. E é provável que por isso sejam tão poucos os que lutam efetivamente pela liberdade

O medo que a liberdade acarreta.

Ao fazermos escolhas criamos um “modelo” para a vida que julgamos ser a correta. Se, por exemplo, eu decido ser um Filósofo não estarei escolhendo apenas por mim, pois implicitamente estou afirmando que ser Filósofo é uma atividade que vale à pena. Não somos, portanto, responsáveis apenas pelo impacto das escolhas em nossas vidas, mas também pelo impacto que causará nas vidas dos demais e esse fato torna-se um motivo a mais para que sejam raros os que tentam criar “novos modelos”, pois ao temor de enfrentar as consequências pela opção, soma-se a paúra de ter que responder por eventuais danos a terceiros.

Razão pela qual, a “Filosofia da Liberdade” também foi classificada como “Pessimista*”, já que acarreta a possibilidade causar sofrimentos e ter como característica básica a afirmativa acerca da irrelevância do homem e a vacuidade de sua vida cotidiana, além de lhe apontar o “Nada Absoluto” como o seu destino inexorável, pois se nada antecedeu ao seu nascimento, nada sucederá a sua morte.
NOTA do AUTOR - alguns estudiosos rejeitam o termo “Pessimista” substituindo-o por “Realista”, haja vista que os próprios conceitos “Pessimismo/Otimismo” não existem por si mesmos. São meras sensações criadas pelos humanos para qualificarem as suas perspectivas ante as hipóteses futuras.

SARTRE rejeitava com veemência o adjetivo “Pessimista em razão dos motivos apontados na nota anterior e também porque em seu entendimento a sua Filosofia seria a mais Otimista possível, precisamente por permitir que se exerça um controle efetivo sobre modo de agir, ainda que isto custe o preço de se arcar com as consequências pelas nossas opções.

A influência de SARTRE sobre o pensamento atual

O ideário de SARTRE influenciou uma vasta gama de eruditos e, principalmente, a juventude que tomou as ruas no célebre “Maio de 1968” para combater o bom combate de derrubar as antigas ideias predeterministas, tradicionalistas e autoritárias que dominaram o mundo até as décadas de 1950, 1960.

E a sua influência não ficou restrita ao plano teórico, pois a militância e o ativismo pelas causas sociais e humanistas foi uma parte importante em sua vida. Suas constantes mudanças de afiliações partidárias, sua presença assídua nas grandes manifestações e a sua voz ativa em defesa da liberdade, sempre estiveram juntas de sua atuação no campo da Filosofia Clássica, da Política e da Literatura.

E foi seguramente esse conjunto de contribuições ao progresso do homem e a sua grandeza intelectual e ética que o tornaram “o rosto da Filosofia contemporânea” e o melhor retrato daquilo que o homem pode ser.

O EXISTENCIALISMO

Dizem os compêndios ortodoxos que o “Existencialismo” é uma Escola Filosófica criada por SOREN KIERKEGAARD (Dinamarca, 1813 – 1855). Porém, a ideia básica de tal sistema sempre esteve presente entre as reflexões dos homens; e exemplo desse fato já pode ser vistos no século IV AEC quando ARISTÓTELES perguntou “como devemos viver?”.

Destarte, quando SOREN escreveu o seu livro “Ou isto, ou Aquilo”, em que investiga o papel desempenhado pelas “Escolhas” que fazemos na formação das nossas vidas, todo um rio caudaloso já havia passado carreando essa questão.

Pode-se pensar que diante do horror causado pela ascensão do totalitarismo Nazifascista e pela deflagração do conflito mundial, fatos que expuseram ostensivamente a falta de sentido da existência e a falta de sentido dos valores burgueses (pátria, honra nacional, etnia, Deus, religião etc.), nada mais natural que as cabeças geniais de HEIDEGGER, JASPERS, SIMONE DE BEAUVOIR e SARTRE, entre outros, atualizassem aquele antigo sistema, dando-lhe as características atuais do Existencialismo hodierno e o utilizassem para denunciar a hipocrisia dos falsos valores e daquele tipo de existência.

E foi nesse formato atual que se consolidou a tese principal de que não há uma “Essência” antes da “Existência”. Ou seja, que não há qualquer valor abstrato ou metafísico que possa embasar os outros valores criados pelos homens, segundo as conveniências de grupos dominantes. Que cabe ao individuo formatar a sua existência conforme as suas inclinações, habilidades e opiniões, haja vista não existir um modelo que possa ser apontado como correto, adequado. Não há uma “natureza humana” que a todos obrigue viver de forma predeterminada.

A partir então dessa tese central, surgiram as concepções de Contingência e de Inautenticidade, que veremos a seguir.

A contingência

O Existencialismo nega de forma sistemática a existência de algum tipo de Deus, e através dessa negação, pode-se resumir a “Contingência Humana”, ou o fato do homem “existir por mero acaso”, da seguinte maneira:

Por lhe faltar outra referência, o Ser humano imagina o divino antropomorficamente. Por conta de sua pequena capacidade de transcender o raciocínio lógico, materialista, ele supõe que Deus pensa e age como ele próprio (sic).

E como o homem que se propõe a fazer algo geralmente estabelece primeiro um objetivo, um sentido para aquilo que tenciona fazer; ele imaginou desde os seus primeiros raciocínios que o “Deus-Demiurgo” também o planejou, ou lhe deu uma Essência e só depois o criou.

Assim sendo, ficou-lhe claro que a sua própria essência teria vindo antes de sua existência.

E acreditar nessa fantasia tornou-se de fundamental importância para que ele conservasse a ilusão de ter alguma relevância; de se supor superior aos outros Seres, de ter a fantasia de ser a “Espécie Escolhida”, como lhe é incutido pelas religiões e pelas regras sociais que se interessam em manter alguma “ordem social”, por mais injusta que ela possa ser.


Porém


Como Deus não existe, segundo os Existencialistas, o homem não poderia ter sido criado por “Ele”, seja lá o nome que se dê a tal Ser, ou energia, ou força.

Logo, não existe essência, ou propósito, ou finalidade, ou sentido que tenha antecedido a existência humana.

Portanto, o Homem existe por um mero acaso, por uma simples Contingência. Sem qualquer sentido.

Como, pois, não há um propósito, um objetivo para o homem existir, ele é apenas um Ser contingente, que existe por mero acaso. Tanto pode existir, como inexistir, que em nada alterará o Universo, ainda que as religiões insistam em dizer o contrário, colocando-o como o “ápice da Criação” e o principal elemento no “comando” do Mundo,

Condenado a ser livre

E por não ter uma essência, tampouco nenhuma “atribuição especial”, nem um “sentido maior, mais sublime”, dados por um eventual “Criador”, o homem enfrenta outra situação peculiar: ele é “condenado a ser livre”, o que lhe acarreta a total responsabilidade por seus atos, já que não pode se escusar por seus dolos e erros alegando “ter sido programado pela natureza ou por Deus para isso”, “por ter sido feito dessa maneira” etc.

Inautenticidade

O resultado dessa falta de essência, de sentido para a vida e da problemática de “ser condenado à liberdade” é a Inautenticidade, ou a vida vivida de forma inautêntica.

O homem para se esquecer da falta de sentido e da liberdade que não deseja, apega-se exclusivamente às questões cotidianas (trabalhar, juntar dinheiro, colecionar parceiros (as) sexuais, obter honrarias, títulos, glórias etc.) e vive apenas em função das mesmas, esforçando-se ao máximo para não refletir seriamente sobre suas questões mais profundas, ou “autênticas”.

A angústia existencial

Contudo, viver essa mentira não elimina a realidade de sua condição insignificante e dessa conjunção de fatores é que surge a “Angústia Existencial”, que SARTRE expõe de forma magnífica em sua obra-prima “A Náusea” que merecerá uma breve resenha logo adiante.

Por saber que nada o antecedeu e que nada lhe sucederá, o homem sabe que caminha para o “Nada”.
Que caminha inexoravelmente para o “nada absoluto”, já que nada existe além-túmulo, como nada existiu antes do berço. E que durante o percurso tudo que fizer ou que lhe acontecer é desprovido de qualquer significado.


A NÁUSEA - resenha

Essa obra é um exemplo perfeito das imensas possibilidades da Literatura, haja vista ser tão valorosa como “Tratado Filosófico”, quanto “Romance”.

Alguns a classificam como um “Romance Filosófico” e, com efeito, é tão bem concebido que não se consegue diferenciar os gêneros literários neste texto que conta a história de Antonio Roquetin.

Nela, toda a genialidade de SARTRE fica patente e não deixa dúvidas sobre o merecimento do Prêmio Nobel que lhe foi outorgado (e recusado) em 1964.

A obra conta a história do protagonista, Antoine Roquetin, um pesquisador, já entrado na casa dos trinta anos, que se muda para a cidade portuária francesa de Bouville (uma mal disfarçada referência ao porto holandês de Haia) após longas viagens pela Europa Central, África do Norte e Extremo Oriente.

Vai para a localidade com a intenção de escrever a biografia de uma semiopaca figura histórica, o Marquês de Rollebon, mas no desenrolar do trabalho o sedentarismo lhe produz estranhas sensações e enquanto ele se dedica à sua atividade, passa a ver o mundo, e o lugar que ocupa no mesmo, de maneira totalmente diferente.

Num crescente empolgante de dúvidas e emoções, ele percebe que a sólida lógica racional que acreditava constituir a realidade simplesmente não existe. Que os hábitos, valores, crenças etc. não passam de uma fina camada superficial sem qualquer lastro mais profundo.

Abalado por essa conscientização, passa a ser acometido pela “Náusea da Existência”, ou seja, pela horrível sensação de sermos contingentes, de não termos um sentido e de que caminhamos para o Nada.

Pasmado pela indiferença das coisas, dos objetos inanimados e pela Inautenticidade dos Seres humanos com quem convive, sente-se cada vez mais sufocado pela consciência de que cada situação que vive é o seu próprio ser, existir. Descobre, assim, que a sua existência é desprovida de qualquer significado maior.

Através das reflexões que se originam dessas descobertas e circunstâncias que atingem a sua personagem, SARTRE analisa as questões relativas à liberdade, à responsabilidade, à consciência e ao tempo. É nessa obra que o conceito de que “A existência precede a essência” aparece pela primeira vez, antecipando, aliás, o conjunto de ideias que só veio ao público em 1943, quando SARTRE publicou sua outra obra-prima “O Ser e o Nada”.

Influenciada pela Filosofia de HUSSERL e pelo estilo de DOSTOIÉVSKI e de KAFKA, a obra apresentou o Existencialismo ao Mundo, que não demorou a elegê-lo como um dos principais sistemas filosóficos do século XX. Bem como não deixou de reconhecer que A Náusea é uma obra indispensável para todos os interessados em adentrar o universo de SARTRE e resgatar o direito de criar suas próprias convicções sobre o mistério que é existir.


Resenha elaborada a partir do original “La Náusea” de 1938 – Editora Gallimard, Paris.

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Produção e divulgação de TANIA BITENCOURT, desde São Paulo, na Primavera de 2013.