BERTRAND, RUSSEL
1872 – 1970
“O Elogio ao
Ócio”. “Mover a matéria, não é absolutamente um dos propósitos da vida humana”.
“O caminho para a felicidade está na redução
organizada do trabalho”.
“Um dano
imenso é causado pela crença de que o trabalho é virtuoso”.
“A moralidade do trabalho é a moralidade de escravos,
e o mundo moderno não precisa da escravidão”.
Notas biográficas
BERTRAND RUSSEL nasceu no País de Gales, na Grã Bretanha, no seio da aristocracia.
Desde criança inclinou-se para a matemática e a estudou na universidade de Cambridge, onde travou relações com ALFRED
NORTH WHITEHEAD, seu futuro parceiro
na obra “Principia Mathematica”
que lhe deu a fama de ser um dos maiores eruditos da modernidade. Também em Cambridge, conheceu LUDWIG WITTGENSTEIN a quem influenciou profundamente.
Um de seus objetivos foi popularizar a filosofia. Fazer
com que ela chegasse ao cidadão médio, ao homem comum, do povo. E foi essa aproximação
com o público que o levou ao ativismo social, ao pacifismo e ao “bom combate” a favor da educação de qualidade e em defesa do Ateísmo,
no sentido de laicizar o Estado e
exterminar as crendices e superstições religiosas que levam ou “justificam” à
exploração dos mais humildes. Também lutou vigorosamente contra o armamento
nuclear e produziu numerosas obras populares de filosofia, num sério e
belíssimo trabalho de conscientização da população.
Morreu aos 97 anos por complicações de uma gripe e
deixou uma herança intelectual difícil de ser igualada.
A reação às propostas
Não é difícil imaginar o “ranger de dentes” que opiniões
como as da epígrafe causaram nas mentes obscuras de boçais adestrados numa tabela
de falsos valores religiosos e morais, criada justamente por elites
inescrupulosas que só prosperaram graças à exploração alheia.
Se ainda hoje tais opiniões sofrem pesadas censuras, imagine-se
o quê causaram quando foram exaradas há cerca de meio século. Contudo, um
estudo despido de pré-juízos e de pré-conceitos revela até aos mais
empedernidos censores, a profundidade, o alcance e a correção do pensamento
desse Pacifista generoso e atuante.
A mediocrização da vida
Já em 1905, MAX WEBER,
em sua obra “A Ética Protestante e o
Espírito do Capitalismo” apontava para o fato de que a junção entre as crenças
religiosas fundamentalistas e/ou místicas e o “Capital acumulado” agia como o detonador
da mediocrização da vida, fazendo com que ela fosse valorizada apenas em seus
aspectos físicos, materiais e indigentemente religiosos. Alertava WEBER que essa associação nefasta era a principal causa do
empobrecimento da cultura, da abstração e da sublimação humana.
E RUSSELL seguiu essa vereda de pensamento, do qual faremos um
brevíssimo resumo, excetuando propositalmente as partes de sua “Lógica”, de sua
“Filosofia Analítica” e de seu “Ecocentrismo”, que receberão as devidas
considerações em outros trechos deste Ensaio.
A frustração com o trabalho
As nossas atitudes diante do trabalho são irracionais
e/ou hipócritas. Por um lado, discursamos que qualquer trabalho é bom e tem
valor por si mesmo. Porém, atribuímos valores diferentes para diferentes
trabalhos e essa contradição entre o nosso discurso e a nossa convicção é uma
das causas principais da infelicidade que nos atinge. A outra causa dessa
insatisfação recorrente é referente à hierarquização do trabalho, principalmente
se é o nosso labor que não é reconhecido como importante e nem nos rende boa
remuneração, tampouco prestigio.
A opção óbvia para sanar ou minorar essas contrariedades
seria escolher dentre as opções de trabalho que nos agradam. Optar por um trabalho
que nos pareça genuinamente valoroso, tanto para nós próprios, quanto para a sociedade
a que pertencemos. Mas é claro que isso nem sempre é possível e quase nunca
depende exclusivamente da vontade do indivíduo. É preciso que uma conjunção de
fatores ocorra para que tais oportunidades se apresentem.
Portanto, pelas dificuldades encontradas, o resultado mais
previsível é o surgimento e a continuidade da referida infelicidade, a qual,
por sua vez, ocasiona a acomodação, a negligência e até a rebeldia.
Todavia, para RUSSELL,
existiria alternativa para esse quadro, pois se trabalhássemos menos e utilizássemos
o tempo livre para exercitarmos a criatividade e para adquirirmos cultura real
e efetiva, poderíamos compensar a frustração que enfrentamos no campo
profissional, e paralelamente desenvolveríamos novos padrões de relacionamentos
de produção, ou profissionais, sanando ou diminuindo as mazelas citadas.
O “Elogio ao ócio”
Pelo inicio deste Ensaio, pode-se imaginar que RUSSELL não fosse um autor produtivo, mas, em verdade, o
trabalho duro não lhe foi estranho. Ele escreveu sólidas e copiosas obras que
reúnem em seus milhares de páginas um sistema de pensamento que prima pela racionalidade
e correção, como, por exemplo, a sua “Lógica” que se tornou um estudo capital. Por
isso tudo, ele foi um dos autores que mais influenciou o nosso modo de pensar,
contribuindo decisivamente para a criação de uma corrente filosófica chamada de
“Filosofia Analítica”.
Assim sendo, pode-se perguntar por que ele, um dos pensadores
mais produtivos, tanto insistiu para que o trabalho fosse reduzido?
Em seu Ensaio “Elogio
ao Ócio”, de 1932, ele responde a essa questão da seguinte forma:
“o crash da Bolsa de Valores
em 1929 e a Grande Depressão foram resultantes de um conjunto de atitudes
motivadas por antigas e equivocadas noções que endeusavam o trabalho. E foi,
justamente, por conta desse endeusamento e da consequente e contínua ampliação
do trabalho irracional que a crise aconteceu e se instalou o caos econômico e
social que se viveu no momento”.
A falta de tempo para criar, estudar, analisar e racionalizar
as questões econômicas foi decisiva para a ocorrência do desastre. O trabalho,
executado sem o menor questionamento sobre seus limites, objetivos e
fundamentos levou ao seu autoextermínio.
Em principio e para as mentes habituadas apenas ao
pensamento retilíneo, o texto de RUSSELL
poderia parecer extremamente inadequado, pois a “apologia ao ócio” parecia não
ser condizente com o momento em que o desemprego atingia um terço da população
ativa em alguns lugares do mundo. Felizmente os espíritos iluminados
prevaleceram e entenderam a verdadeira mensagem contida no mesmo.
O que é o Trabalho
Para RUSSELL a definição
sobre o que é o “trabalho” pode ser dividida em duas classificações principais:
o trabalho que faz e o trabalho de quem manda outrem fazer.
- O trabalho
que busca alterar a posição de uma matéria, ou transformá-la. Esse seria o
tipo mais básico, fundamental: o “trabalho braçal”.
- O
segundo tipo de trabalho é aquele que consiste em ordenar que outras
pessoas alterem a posição de uma matéria, ou a transformem. Uma de
suas características é o fato de poder ser subdividido em diversos níveis,
tais como: “supervisões”, “gerências”,
“diretorias” etc.
Segundo RUSSELL, o primeiro tipo de trabalho tende a ser pesado,
penoso, desagradável, mal remunerado e pouco ou nada atrativo. Já o segundo,
tende a ser mais suave, prazeroso, bem remunerado, atraente etc. Ao primeiro
tipo são destinados os trabalhadores que não tiveram acesso ao estudo, enquanto
o segundo é reservado àqueles que puderam frequentar Escolas e Universidades.
E essa separação não se restringe ao ambiente laboral,
já que persiste no arranjo da sociedade e leva à formação de duas Classes
Sociais bem distintas e antagônicas, conforme a época em que se está. De um
lado, a “Classe dos Operários, ou Proletários” e de outro a “Classe dos Dirigentes
ou Burocratas”.
A elas, o RUSSERL
acrescentou mais uma: a do “Proprietário Ocioso*”, que
evita qualquer trabalho e que depende da exploração do trabalho alheio para
manter a sua ociosidade.
NOTA do AUTOR – observe-se que RUSSELL
não faz alusão ao trabalho desenvolvido por intelectuais e por artistas. Seu
foco concentrava-se no trabalho assalariado, cuja efervescência da época jogava
para o centro da Política e da Filosofia, dando-lhe, aliás, a exclusividade do
nome “Trabalho”. Essa observação talvez explique a contradição, já citada,
sobre a sua apologia à redução do Trabalho e a sua vigorosa produção, na medida
em que ele, como a maioria de seus contemporâneos, colocava o labor intelectual
em outro nicho de atividade, não podendo ser classificado como uma obrigação
profissional.
A exploração do trabalho alheio
O mundo, segundo RUSSELL,
está repleto de pessoas que apesar de trabalhar duro recebem em contrapartida
apenas o mínimo necessário à sua própria sobrevivência e à de sua família. Enquanto
isso, qualquer excedente que produzem é expropriado pelas “Classes Dominantes”. E a história mostra
que são esses espoliadores que sempre exaltam “a virtude do trabalho honesto”, num cínico, mas bem sucedido
exercício de “lavagem cerebral”
das categorias obreiras. São eles que falseiam a exploração que cometem,
revestindo-a de uma aura de dignidade. Lustram com ares de respeitabilidade um
sistema injusto e cruel.
Assim sendo, é o fato de termos consciência desse
cinismo, dessa hipocrisia, dessa demagogia que nos deve estimular a combatê-lo
numa luta sem tréguas, exigindo uma reavaliação da “Ética do Trabalho”, pois ao aceitarmos o soez discurso sobre a “labuta honesta” o que fazemos, na
realidade, é legitimar
a própria opressão, haja vista que legalizada já foi, por obra de espúrios conchavos políticos.
Opressão que todos sofrem, exceto, é claro, os herdeiros
das elites e os larápios que a ela acendem através de manipulações ilegais e/ou
ilegítimas.
NOTA do AUTOR – ressalte-se, nesse
trecho, a grandeza de espírito de RUSSELL que ao criticar as Elites, não hesita
em atacar a sua própria origem e condição social. Uma autocrítica tão rara,
quanto carateres como o dele.
RUSSERL e o
Marxismo
Ao (a) leitor (a) certamente não passou despercebido
que na análise que o filósofo faz das relações trabalhistas, existe uma grande
variedade de teses pinçadas do ideário de KARL MARX, pois ainda que ele não abraçasse o Marxismo
em sua totalidade, as teses comunistas encontraram eco em seus anseios por uma sociedade
mais racional e justa.
Contudo a censura que ele fez aos “Regimes Socialistas” em quase nada
diferiu das que foram endereçadas aos “Regimes Capitalistas”, já que ele via em
ambos as mesmas tenazes que prendiam o individuo a um sistema iníquo e brutal.
A influência de MAX WEBER
Outra influência que marcou sobremaneira o seu
conjunto de ideias, veio da obra de MAX WEBER,
“A Ética Protestante e o Espírito do
Capitalismo”, de 1905.
Nela, o trecho que trata da “base moral” que dá fundamentos
às nossas atitudes em relação ao trabalho, não escapou da acidez de sua critica,
pois para ele, as “bases morais”
ali assentadas são caducas e malévolas por conterem os mesmos vícios que ele já
denunciara. Afirmativas do tipo: “o Trabalho é um dever e uma obrigação”; o “Trabalho
enobrece o homem” e quetais são típicas
de uma elite parasitária.
Para ele, nunca se respondeu satisfatoriamente às
seguintes questões:
- Quem
teria estipulado “essas verdades”? “O Deus bíblico judaico-cristão ao expulsar Adão do Paraíso”?
- Mas,
que legitimidade pode ter um “Ser” mitológico, criado e
perpetuado pela carência e pela fantasia humana, para impor tal condição
que sempre descamba para a exploração do homem pelo homem?
- Afinal,
se esse “Ser” só existe para quem foi adestrado em lhe acreditar,
com que Direito se pretende transformar a fé de um grupo (ainda que numerosíssimo) em regra universal?
Outro ponto que mereceu suas criticas azedas foi a
nossa tendência de equipararmos o trabalho com a virtude. E o fato de não
hesitarmos em classificar como desprovido de virtude aquele que se rebela contra
a “moral de rebanho”
e se recusa a fazer o que lhe desagrada apenas para ser aceito pelo grupo ao
qual pertence.
As propostas de RUSSERL
Segundo RUSSELL,
as nossas noções sobre o trabalho são complexas e incoerentes e por isso
deve-se perguntar o que se pode fazer para solucionarmos o impasse?
Nada muito misterioso, conforme o mesmo. Basta que
passemos a olhar o trabalho apenas por aquilo que ele realmente é: um conjunto de atitudes que nos
permite ter uma vida material dotada de segurança e conforto. Que esqueçamos as
antigas e tolas citações acerca da “dignidade do trabalho”; “que o trabalho
enobrece o homem” e quejandos. Que suprimamos qualquer conotação
superior que lhe seja indevidamente prestada. Que o enxerguemos como sendo apenas
um meio que nos permite viver do modo mais confortável possível.
Deixemos de lado as ideias
de “realização pessoal” para o que realmente importa: a produção e o exercício
de atitudes e obras que satisfaçam a nossa criatividade, a nossa potencialidade.
E que mesmos aqueles que encontram satisfação no trabalho cotidiano não se
esqueçam de que são maiores e mais importantes que qualquer trabalho que
executem.
Isso feito, mudada a nossa ótica sobre o labor, torna-se
difícil, senão impossível, evitar a conclusão de que devemos, de fato,
trabalhar menos, pois o trabalho excessivo, na maioria dos casos, não gera
benefícios efetivos a quem o realiza, tampouco a terceiros. Quase sempre a
miséria do “workaholic*” é do mesmo
tamanho que a de quem trabalha por menos tempo. Ademais o desgaste físico, emocional
e intelectual acaba produzindo tantos males que um eventual excedente na
renda acaba sendo consumido com cuidados para minorar o mal causado. Além, é
claro, dos problemas que o afastamento das artes e da cultura em geral acarreta
à condição de pessoa. Condição, aliás, que definha continuamente, tornando o
trabalhador obsessivo uma mera “besta
de carga”, bitolada pelo seu indigente cotidiano profissional. Pela
inútil busca por mais bens materiais que lhe subtrai o abstrato, o sublime e o remete à “vala comum”
dos insumos descartáveis.
NOTA do AUTOR – Miséria, não apenas no sentido
material, mas também nos aspectos culturais, sociais, familiares etc. Workaholic, o indivíduo que trabalha
obsessivamente.
A Importância da Recreação
Atualmente é patente entre os especialistas que o ato
de brincar é para as crianças muito mais que uma atitude prazerosa. Na verdade,
é uma forma natural e eficientíssima de se desenvolver o raciocínio, a imaginação,
a criatividade e os outros elementos mentais que a farão ser mais, ou menos,
inteligente.
Para RUSSELL, processo
semelhante se verifica em todas as fases da vida. O lazer, recheado de conteúdos
verdadeiramente artísticos e superiores continua fundamental para que o
exercício das habilidades mentais do indivíduo não seja empobrecido pela monotemática
conversa acerca de seu trabalho. Ou, então, pela repetitiva narração de suas
realizações, dificuldades, conquistas etc. Assuntos típicos dos indivíduos que
desconhecem outras variantes da vida e se agarram à sua pseudoimportância num
escritório qualquer, para imporem a sua malquerida companhia.
Ao permitirmos que o trabalho ocupe todo nosso tempo
não vivemos plenamente, já que estamos nos condenando a viver apenas na dimensão
do concreto, do material. Assim sendo, segundo RUSSELL,
é o lazer que então assume a função de repor à vida o que ela tem de
significado efetivo.
As críticas
Como não poderia deixar de acontecer, o pensamento de RUSSELL enfrenta sérios adversários, cujas censuras vão da
indefectível acusação de “estimulo à vagabundagem (sic)” ao
falacioso argumento de que “não
saberíamos o que fazer com o tempo livre”.
Sobre essa segunda acusação, os adeptos do Filósofo
rebatem argumentando que é justamente por isso que é preciso ter esse tempo
livre, pois só assim será possível iniciar o processo de desconstrução desse
modelo de trabalho perverso, injusto, pouco inteligente e que só foi implantado
nas mentes mais humildes à custa de ameaças terrenas e celestes e da oferta de
quinquilharias como prêmios. Apenas com uma maior oferta de tempo é que será
possível que os trabalhadores se eduquem e se aculturem, modificando através de
seu fortalecimento intelectual as péssimas condições a que são submetidos.
Só então, eles poderão exercitar a criatividade, a
capacidade de sentir, de abstrair, de sublimar. Aprenderão a serem pessoas
plenas e não apenas peças descartáveis de uma sórdida engrenagem.
O tempo livre e a grandeza humana
Para RUSSERL seria
preocupante se o homem não conseguisse preencher o tempo com atividades que lhe
acrescentasse como pessoa, pois tal situação equivaleria a uma condenação definitiva de nossa civilização
na medida em que sinalizaria que a nossa capacidade de pensar ou de
sentir em termos superiores teria se perdido para sempre, abatida pelo insano “culto à Produção”. E, pior,
indicaria que ficamos reduzidos à condição de simples máquina. Que nos tornamos
apenas “quem produz”, ao invés
de sermos “quem vive”.
RUSSELL acreditava que uma sociedade que considerasse o lazer
com seriedade, estaria apta a formar um agrupamento social que naturalmente trataria
com esmero a educação de qualidade (e não o mero adestramento para produzir) e com isso, formaria indivíduos capazes de fazer e/ou
apreciar as verdadeiras arte e cultura e agir conforme as mais nobres sutilezas
espírito. Produziria, pois, artistas de fato, e não os tristes arremedos
atuais. E, com eles, espectadores, leitores e apreciadores de gosto cada vez
mais refinado e inteligente. Bem ao contrário da simplória massa que faz sua
catarse aos urros nos entretenimentos em que é admitida. Ter-se-ia, pois, uma sociedade
atenta e predisposta a promover o prazer em formas mais elevadas, completas e
duradouras. Seria, enfim, uma sociedade que perderia o gosto pela brutalidade,
pela escravidão, pela violência. Que perderia o gosto pela guerra, por ter
adquirido a sabedoria de que o debate racional é capaz de solucionar todas as
pendências que surjam
É claro que tal posicionamento custou a RUSSELL a pecha de ser elitista, de ser inimigo da “Cultura
Popular” e até de ser arrogante por se permitir estabelecer o que seria “Bom”,
“Belo” etc.
Em verdade, este é um ônus que carregam todos que tem
a decência de defender as suas opiniões, mesmo e principalmente quando elas não
coincidem com os lugares-comuns que o populacho assume e repete à exaustão.
A Vida Equilibrada
Para muitos, as ideias de RUSSELL são utópicas. Afirmam estar longe o consenso de que
seja possível reduzir a carga horária de trabalho para quatro horas diárias e,
também, o modo de como essa diminuição levaria à revolução nos hábitos e na própria
dinâmica econômica.
Os “alarmistas de plantão” e maus carateres por natureza
anunciam que tal modificação trará o caos social e financeiro, além da
dissolução dos “bons costumes (leia-se: trabalhar
em beneficio das Elites predatórias)” com o aumento na “vagabundagem mundial”. A esse rosário de boçalidades,
muitas outras se juntam, tal como ocorreu quando a carga horária foi reduzida
de doze (12) para oito (8) diárias, por pressão dos sindicatos e doutros
setores da sociedade civil.
NOTA do AUTOR – aqui no Brasil, por
exemplo, o Conde Francisco Matarazzo,
dono das Empresas epônimas, não titubeou em afirmar que essa redução
significava o fim do País (sic).
Outros, mais equilibrados, apostam que o tempo se
encarregará de ajustar as arestas. Porém, mesmos estes se juntam a vários
outros pensadores sérios para discordarem da tese de RUSSELL que afirma ser o processo de industrialização o fator
que nos libertará do “trabalho braçal”.
Argumentam que os insumos (as matérias
primas) sempre precisarão vir de algum outro lugar e que, portanto, será
preciso “mudar a matéria, ou alterar a sua posição” e isso implica que
não se poderá deixar definitivamente o “trabalho braçal”, embora ele possa
ser suavizado continuamente.
Logicismo, Filosofia
Analítica e Ecocentrismo.
Como já mencionado, RUSSELL
elaborou algumas das teses filosóficas mais influentes do século XX e com elas ajudou a fomentar
uma das mais ricas tradições do pensamento filosófico, a chamada “Filosofia Analítica”.
Na sequência, abordaremos brevemente alguns tópicos
sobre a mesma:
A “Filosofia Analítica” tem como objetivo principal o esclarecimento de conceitos,
afirmações, métodos, argumentos e teorias, dando a cada qual o melhor de sua
análise e cuidados.
Dentre outros eruditos, RUSSELL
estudou profundamente o Logicismo,
ou a Lógica Simbólica, cuja fundamentação ou embasamento
encontra-se na matemática.
E segundo os seus estudos sobre Logicismo*, todas as “Verdades
Matemáticas (2+2=4; ab=ba)” podem ser encontradas, ou deduzidas, através de uma reflexão
racional a partir de algumas poucas “verdades
lógicas”; e que todos os conceitos
matemáticos podem ser reduzidos ou simplificados a uns poucos “conceitos
lógicos primitivos”.
NOTA do AUTOR - e não só as “Verdades Aritméticas”, como
propusera o filósofo Gottlab Frege.
Para chegar a tal conclusão, exposta em formato de tese
em 1901, RUSSELL solucionou um célebre paradoxo (que por isso recebeu o seu
nome) no sistema de Lógica do
filósofo Frege (Gottlob, Alemanha, 1848-1924)
Para resolvê-lo, RUSSELL
propôs a “Teoria dos Tipos (Teoria Simples dos Tipos e,
depois, Teoria Ramificada dos Tipos)”
cujo cerne era impor certas restrições à suposição de que qualquer propriedade
ou característica de uma entidade (de um Tipo [ou formato] Lógico) também pudesse ser uma característica de outra entidade
(do mesmo,
ou de outro Tipo Lógico). Segundo
ele, o Tipo (ou formato) de uma propriedade deve ser mais elevado, superior,
ao formato ou Tipo da entidade ao
qual corresponde e, por isso, só a ela é que pode ser atrelado.
Outro pilar de suas ideias é a “Teoria das Descrições Definidas”, já que para ele a “Análise
Lógica” precisa de frases declarativas que contenham descrições bem
definidas e objetivas, como, por exemplo: “o número primo
par”; “o atual rei da França” etc. Afinal, essas frases não exprimem
apenas coisas individuais, singulares, mas, ao contrário, expressam as chamadas
“proposições
russelinas” que são conceitos ou proposições gerais.
Vejamos o exemplo na frase abaixo:
“O
número primo par é maior que um (1)”.
Na ótica de RUSSELL,
embora aparente representar uma afirmativa
singular, a frase representa na verdade uma afirmativa geral, haja vista que ela permitiria
essas outras leituras:
- Existe
pelo menos um número primo par.
- Existe
no máximo um número primo par.
- Esse número
primo par é maior que um (1).
NOTA do AUTOR - observe-se que as “Descrições
Definidas” também funcionam logicamente como quantificadores.
Ademais, para RUSSELL,
tais expressões também desempenham um importante papel semântico, pois
demonstram através dos símbolos (as letras, por exemplo) que o objeto descrito pela “Descrição Definidora” existe
concretamente naquele momento e naquele espaço.
E o Filósofo foi além ao estender a sua “análise das frases que contenham descrições
definidas” para as “frases
contendo nomes próprios comuns”, os quais, segundo ele, são abreviações das “Descrições
Definidoras” que se tem em mente. Assim, por exemplo, quando eu uso o nome “ARISTÓTELES” estou, na
verdade, abreviando a seguinte descrição:
“o mais célebre discípulo de PLATÃO”.
Por outro lado, as expressões que se referem diretamente
a um objeto individual são classificadas
como “nomes sem sentido lógico”, já que eles não necessitam de qualquer
lógica para existirem. O nome “martelo”,
por exemplo, pode existir mesmo sendo ilógico.
Conhecimento
Em estreita harmonia com as “teses lógicas semânticas” que
vimos anteriormente, RUSSELL elaborou
algumas teorias sobre o “Conhecimento”,
tanto em relação ao processo de aquisição de saber, quanto à sabedoria já adquirida.
Nessas teses enfatizou a diferença entre o “Conhecimento Direto” e o “Conhecimento por Descrição”.
Assim, por exemplo, o conhecimento que se tem sobre a
existência de uma “mancha vermelha na parede” pode ser expresso em
frases como essa:
“Isto é vermelho”; ou seja, tem-se o “Conhecimento Direto”.
“Há uma mancha vermelha naquela parede”, que é um conhecimento que se adquiriu
através da informação prestada por outrem.
Ainda sobre o “conhecimento por descrição” deve-se
observar que o mesmo é o único que pode ser aplicado quando se trata dos números
e de suas relações (por exemplo: o 2 é maior que o1), pois esse saber envolve necessariamente certos “Conceitos Lógicos” que não são possíveis através do “Conhecimento Direto”.
Completando suas teses sobre o tema, RUSSELL estabeleceu a relação existente entre essas duas
formas de saber no seguinte princípio:
“Todo
conhecimento ou saber implica que existe uma “Relação Direta” do sujeito que
sabe (o sujeito cognoscente) com o objeto sabido, ou conhecido. Relação
que pode ser estabelecida a partir do Conhecimento Direto, ou do Conhecimento
por Descrição”.
Ecocentrismo
A Ética Ecocêntrica, ou a Ecologia como baliza para o comportamento ético, coloca a natureza física, concreta (as plantas, os rios, os bichos
etc.) no centro das atenções,
enfatizando o fato do homem ser apenas um mero participante ou componente desse
contexto, ao invés de ser seu dono, ou senhor.
É uma noção que se contrapõe diretamente à visão
anterior, particularmente à adotada pela civilização europeia em especial e
pela ocidental como um todo. Ao contrário, aliás, da civilização hindu, africana
e nativa americana que se acomodava na natura sem a pretensão de comandá-la e
submetê-la aos seus caprichos e interesses.
A visão ecocêntrica parte de dois princípios:
- Considera
que todos os Seres, tanto quanto
os humanos, têm direito a uma vida digna.
- Que será
impossível a sobrevivência do homem se a natureza for destruída,
e responsabiliza o homem pela salvação de todos os Seres*, pois ele é o único responsável pela
destruição iminente, já que são as suas ações que causam o esgotamento de todos
os biomas. E é, também, a única espécie que detém os meios necessários para reverter
o problema.
NOTA do AUTOR - a lenda de Noé e de sua Arca extrapola a mitologia bíblica?
Essa Teoria
de RUSSELL encontra cada vez mais adeptos, não obstante o fato
de alguns cientistas sérios e capazes duvidarem da responsabilidade exclusiva
do homem como agente motivador das alterações que já se nota no clima e noutras
condições do planeta.
É um debate em que todas as apostas são válidas e
possíveis, mas é inquestionável que aos Seres
humanos compete agir com a responsabilidade e sensibilidade que a sua condição
impõe.
Epílogo.
Apesar das oposições que lhe são feitas, o ideário de RUSSELL encontra inúmeros defensores, cujo peso intelectual e
moral corroboram a correção de suas propostas acerca da necessidade de se
reconsiderar antigas concepções, que por força de perniciosa indução, acabam
nos parecendo naturais e definitivas.
Corroboram a sua tese referente à necessidade de reexaminarmos
não só a nossa vida profissional, mas a existência como um todo. A necessidade
de aceitarmos o fato de que há, sim, virtude em parar, relaxar, divagar, criar,
pensar. Necessidade de cuidarmos do nosso lado afetivo, intelectual e espiritual
para com isso evitarmos o apequenamento da alma. A mediocrização da nossa condição de Seres humanos.
Ecoam o seu clamor para que reassumamos a condição de
agentes da vida e abandonemos de uma vez por todas a noção de que somos apenas
um penduricalho descartável. Que abandonemos a situação de sujeição ao grande
Capital e deixemos de ser objeto de reificaçao, ou coisificação, pois como bem
disse o próprio RUSSERL:
“até agora continuamos a ser tão enérgicos, sérios,
introspectivos e melancólicos – ainda que disfarcemos – quanto éramos antes que
existissem as máquinas; em relação a isso temos sido tolos, pois não há
razão ou motivo para que essa tolice continue para sempre”.
Produção e divulgação de TANIA BITENCOURT, rien limitée, do Rio de Janeiro, na Primavera de 2013.
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