ORTEGA y GASSET, JOSÉ
1883 – 1955
O
Livre Arbítrio é possível?
“Eu
sou eu e as minhas circunstâncias”.
“A
vida é uma série de colisões com o Futuro”.
A Ontologia
Para
muitos, ORTEGA
y GASSET é o filósofo contemporâneo que mais se destaca no ramo
da Ontologia e, com efeito, as suas reflexões e conclusões foram deveras
importantes para a criação de conceitos que conseguiram responder a várias
questões que há muito desafiam o homem.
A Ontologia,
como se sabe, é o ramo da Filosofia que estuda a chamada “existência pura”, ou seja, a
existência (o ato de existir) despida de características individuais, efêmeras e/ou de menor
importância. Nela, o “Ser” ou o
“ente” só é pensado como “alguém” possuidor de uma natureza comum, ou de características
comuns, á espécie a que pertence.
Notas biográficas
JOSÉ ORTEGA y GASSET nasceu em Madri,
Espanha. Cursou filosofia na universidade da cidade e complementou seus estudos
em universidades alemãs, onde dedicou especial atenção ao pensamento de Kant
(Immanuel,
1724–1804, Alemanha) de quem recebeu
enorme influência. Posteriormente lecionou na sua pátria e paralelamente
trabalhou como Jornalista e Ensaísta. Também militou ativamente na política
durante as décadas de 1920 e 1930, mas a sua carreira nesse terreno findou em
1936 com a eclosão da guerra civil espanhola.
Em razão do conflito, exilou-se na Argentina e ali
morou até 1945, quando retornou à Europa. Viveu por três anos em Portugal e
finalmente voltou à Espanha em 1948, quando fundou em Madri o célebre “Instituto de Humanidades”, de onde continuou a escrever e a lecionar
até o fim de sua proveitosa vida, da qual, restou uma valiosíssima herança de
conhecimentos que ainda hoje é a base para diversos sistemas filosóficos.
Sumário de suas ideias
Para ele:
1 – Estamos sempre imersos, contidos, limitados por “Circunstâncias Particulares”. Sempre sob a pressão dos fatos que nos atingem
direta ou indiretamente.
2 – Fatos e acontecimentos que vão dos corriqueiros e
comuns até os “grandes acontecimentos políticos, sociais e financeiros” que alteram a vida de populações
inteiras. Ou, então, sob a pressão de “circunstâncias íntimas”, tais como os
nossos pensamentos, os nossos pré-conceitos, as nossas crenças etc.
4 – Podemos, com efeito, aceitar ou rejeitar tais
circunstâncias ou conjunturas, imaginando e até tentando encontrar novas
possibilidades.
5 – Mas é certo que nesses casos as novas possibilidades
serão diferentes e inevitavelmente colidirão com as circunstâncias do Presente.
Por isso, pode-se pensar que a vida é uma série de “choques e colisões” com
o Futuro.
A Filosofia voltada para a vida.
A filosofia desenvolvida por ORTEGA y GASSET focaliza diretamente a vida. Não lhe interessava
analisar o mundo com a frieza e o distanciamento dos outros pensadores. Sua
latinidade, sua paixão, levou-o a investigar as maneiras pelas quais a filosofia
poderia ajudar a criatividade no ato de pensar; do que resultaria uma vivência mais rica no dia a dia.
Sou eu e as minhas circunstâncias.
Seguindo essa sua inclinação, ele buscou responder até
que ponto as circunstâncias são realmente limitadoras e quais seriam as
maneiras de neutralizá-las. Em sua obra “Meditações
de Quixote”, de 1914, ele lavrou a célebre frase “sou eu e as minhas
circunstâncias”, que se tornou a marca registrada de sua maneira de pensar,
e a partir daí seguiu sempre esse rumo. Na sequência adentraremos os meandros
de suas lucubrações.
DESCARTES (Renné, 1596–1650, França)
dissera ser impossível imaginarmo-nos como “Seres
pensantes” e ainda assim duvidar de que existimos efetivamente, bem como o “Mundo
exterior” que inclui o nosso próprio corpo físico.
ORTEGA y GASSET concordava com a tese do francês, porém discordava de
seu Dualismo* já que não via sentido, ou justificativa, para nos
acharmos separados do Mundo. Afinal, o Mundo Físico nos condiciona e limita em
todos os momentos e se quisermos pensar seriamente sobre nós mesmos, temos que
aceitar o fato de que estamos sempre imersos em determinadas conjunturas, ou
circunstâncias, que geralmente são opressoras e negativas.
E aceitar que tais limitações não são apenas físicas,
materiais, mas também de ordem intelectual e emocional, pois os nossos pensamentos
e sentimentos são repletos de preconceitos, crendices, crenças e complexos que
formatam os nossos hábitos e delimitam até onde conseguimos chegar.
A maior parte da população vive, segundo os filósofos
existencialistas, uma “Vida Inautêntica”; ou seja, preocupada apenas com as questões
menores do cotidiano, sem refletir sobre as questões mais profundas da
existência, dentre as quais, àquelas relativas às circunstancias que lhes
cercam e constrangem. Pouco ou nada se pensa sobre “o que é, por que existe e
como se formou?” determinada
condição ou situação que limita as possibilidades.
E alguns desses “Inautênticos”, desprovidos de qualquer raciocínio,
ou da simples vontade de usá-lo, chegam a debitar a figuras mitológicas ou místicas,
como deuses, Deus, o azar, a sorte, o
destino etc. a ocorrência dos fatos que interferem em seus cotidianos e
ao invés de tentar solucionar racionalmente o problema, ou pelo menos minorar
os seus efeitos, busca vencer a problemática através de rituais religiosos e/ou
místicos, tais como cultos, missas,
novenas feitiços, simpatias, despachos, ebós etc.
Dão a todas
as circunstâncias um caráter sobrenatural, fantasmagórico, sem atentar para o
fato de que a maioria das condições do Presente são apenas consequências de
atitudes tomadas no Passado, com exceção, é claro, das resultantes de desastres
naturais, de decisões inelutáveis do grupo, da força das multidões etc.
Por isso, ORTEGA y GASSET
pregou que os filósofos* devem se empenhar para entender as suas próprias
circunstâncias e mudá-las com a urgência possível.
NOTA do AUTOR – Filósofos* no sentido lato do termo: “amigo do Saber” e não no sentido de
“Profissional de Filosofia”.
E conclamou a todos que possuam raciocínio, e a vontade
efetiva de utilizá-lo, que se empenhem em buscar a verdade dos fatos. E, óbvio,
os meios capazes de alterá-los. Que primeiro reexaminem as suas próprias crenças
e descartem aquelas que forem irracionais, comprometendo-se a partir daí com as
novas possibilidades, novas circunstâncias.
A Energia da Vida
Nesse ponto, seu ideário aproxima-se bastante ao de EDMUND HUSSERL (1859–1938 Morávia), o “pai” da Fenomenologia, que afirmava que nascemos num mundo que
nos molda, mas que também pode ser moldado conforme os nossos interesses, à medida
que mudamos a nossa forma de percebê-lo, como acontece, por exemplo, quando passamos a lhe ver não só como uma rinha de
luta, onde o que importa é vencer, ser mais poderoso, rico, belo etc. que o
outro. Quando enxergamos que o bem-estar e a própria felicidade podem estar
além do dinheiro (sem prescindir dele, é claro) e que de tudo somos capazes, já
que os nossos poderes aumentam na mesma proporção que a nossa vontade os faz
crescer.
Contudo, ele reconhecia que independentemente da boa vontade
e do quanto nos dispomos a imaginar novos cenários futuros, as circunstâncias
do momento sempre interferem e limitam a extensão do que podemos realizar e,
por consequência, projetar racionalmente. A realidade do mundo sempre se
chocará com os nossos sonhos e anseios, mas mesmo assim devemos insistir em nos
libertarmos. Afinal, é esse exercício que nos diferencia das outras criaturas
que coabitam o Planeta conosco e é pelo desafio que as circunstâncias
contrárias representam que nos sobrevém o fortalecimento das nossas capacidades
físicas, emocionais e mentais.
Sua proposta, pois, era desafiar as conjunturas tanto
no nível pessoal, quanto no nível político, mesmo que toda tentativa de mudança
fosse execrada pelos “Conservadores”
e por tantos outros que se amedrontam ante qualquer alteração em suas vidas,
por mais miseráveis que elas sejam.
A democracia e a “Tirania da maioria”
Segundo ele, cabe ao homem avançar sempre contra as
limitações impostas pelas circunstâncias adversas, dentre as quais uma que se
esconde no Regime Político adotado pela maioria do Ocidente.
Em sua obra “A
Rebelião das Massas”, de 1930, ele adverte que a Democracia carrega em
si uma grave ameaça: “A Tirania da Maioria”; ou seja, o
risco de que o populacho inculto e por isso apegado à sua retrógada e medíocre
tábua de valores religiosos e morais queira obrigar a todos os cidadãos a
viverem conforme seus valores e hábitos tacanhos.
Alerta que viver segundo as toscas normas, regras e
costumes ditados e seguidos pelo “Império da Maioria” é viver sem
perspectiva própria, pessoal. É viver como “mais um do rebanho”, sem qualquer expectativa de
enriquecimento intelectual, cultural, ético, pessoal etc. Atento apenas em
saciar suas necessidades materiais básicas.
Para ele, a menos que todos que se utilizam do raciocínio
se engajem em uma cruzada contra essa “Tirania da Maioria Medíocre” não viveremos plenamente, pois estaremos
sempre submetidos às circunstâncias consideradas imutáveis, vez que são de
“origem divina (sic)”; e, com isso, perderemos a capacidade de usar a Razão
e a “Energia da Vida”,
que é a crença de que somos capazes de alterar e superar as nossas
circunstâncias.
O livre-arbítrio e a Razão proativa
Nessa penúltima parte do Ensaio, abordaremos dois
pontos que embora pareçam ser apenas acessórios ao corpo da Filosofia de ORTEGA Y GASSET, são de especial importância para a compreensão de
suas concepções.
O
primeiro ponto refere-se ao chamado “Livre
Arbítrio”, o qual, geralmente, é aceito ou rejeitado na íntegra, quase
inexistindo quem o aceite ou o rejeite parcialmente.
Contudo,
é preciso reconhecer que se não podemos exercer o “Livre Arbítrio” em sua
plenitude por estarmos sempre limitados pelas circunstâncias internas e/ou externas,
também não podemos dizê-lo impossível, vez que sempre há uma possibilidade de
se alterar ou eliminar alguma circunstância, por mais difícil que isso seja.
Afinal, a maioria das situações e condições que nos limitam resultou de
decisões tomadas pela própria humanidade e, portanto, podem, ao menos em tese,
serem alteradas, bastando que exista “vontade política” para que a mudança
ocorra. Desse modo, aliás, ORTEGA Y GASSET coloca em prática um singular tipo de Humanismo ao redirecionar os
holofotes para o homem, fazendo-o o único responsável pelo aumento ou diminuição
de sua própria liberdade.
A Razão proativa
O
segundo ponto, refere-se à conclamação que o filósofo fez acerca de tornamos a
Razão, ou raciocínio, mais do que um simples mecanismo distante e apático.
Segundo ele, será preciso impregnar-lhe de proativismo para que as
circunstâncias negativas do Presente sejam rápida e eficazmente reconhecidas e
alteradas para que no Futuro não se repitam.
Epílogo
Por
último, resta apenas prestar o merecido tributo à inteligência e coragem deste
que é um dos mais respeitados pensadores da contemporaneidade. Sua valentia em
questionar alguns valores, como fez, por exemplo, com a Democracia, demonstram
a independência de seu caráter e a profundidade de sua sabedoria.
Produção e divulgação de TAIS ALBUQUERQUE, rien limitée, do Rio de Janeiro, na Primavera de 2013.
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