RAWLS, John
1921 – 2002
Os princípios da Justiça devem ser escolhidos sob um
véu de ignorância.
Notas
biográficas
Nascido
em Maryland, EUA, RAWLS serviu ao exército durante a
Segunda Guerra no front do oceano Pacífico, mas a sua vida militar foi curta,
pois logo após visitar as ruínas de Hiroshima, abandonou a carreira e dedicou-se
ao estudo de Filosofia na universidade
de Princeton, onde recebeu seu PH.D. em 1950.
Também
realizou alguns estudos na universidade de Oxford,
Grã Bretanha, onde conheceu o célebre filósofo ISAIAH BERLIN
que o influenciou decisivamente.
Após
retornar aos EUA participou de algumas pesquisas e cursos em Harvard
e no MIT e acabou se estabelecendo na primeira onde lecionou para várias
turmas, dentre as quais as dos futuros filósofos THOMAS
NAGEL e MARTHA NUSSBAUM. Ali também escreveu uma de
suas principais obras: Uma Teoria de Justiça. E entre a prática acadêmica e a escrita o Filósofo viveu até o fim de
sua vida em 2002.
Ideário
Como
não poderia deixar de ser, o seu modo de pensar sofreu várias influências de
ideólogos e de ideologias estadunidenses. Foi, naturalmente, influenciado pelo Pragmatismo, pelo Utilitarismo, pelo Materialismo, além, é óbvio,
pela Moralidade Cristã que campeia no país, além
dos outros hábitos culturais idiossincráticos daquela sociedade.
Contudo,
ele conseguiu não se restringir ao País natal e teve êxito em dar um caráter
universal aos seus postulados que foram razoavelmente bem aceitos entre os que
comungam de suas ideias.
Para
ele,
1º - Todos nós
queremos promover o nosso próprio bem–estar,
os nossos interesses particulares.
2º - (mas) para fazer isso, precisamos
cooperar com os outros, esperando, claro, que a recíproca se faça, pois se tal
concordância não for conquistada, a consecução dos nossos objetivos pessoais
pode ser retardada, dificultada ou até não realizada.
3º - Essa cooperação
e interdependência exigem regras para se tornarem eficazes, haja vista que sem
a necessária regulamentação a dispersão de boas vontades não produtivas
tornaria inexequível todo projeto.
4º - (por isso) as regras devem ser justas e
equânimes, sob a pena de não serem aceitas pela maioria. Devem atingir a todos,
independentemente das idiossincrasias individuais (sempre haverá rejeição por
uma minoria, mas esta não atrapalha o objetivo final).
5º
- e para serem equilibradas, justas e harmônicas, é imperioso que “os princípios
da Justiça sejam escolhidos sob o véu da ignorância”, ou seja, que se ignorem as posses, a condição social, o berço,
as raízes, as condições físicas etc. que possam favorecer ou prejudicar quem
quer que seja.
Em sua obra, “Uma
teoria da Justiça”, de 1971, ele reafirma essa sua convicção ao propor
que se faça uma reavaliação de todo o sistema jurídico. Que se promova efetivamente
o que ele chamou de “Justiça como Equidade”.
O “contrato social”
RAWLS, talvez para melhor embasar o seu pensamento, alude à
tradição do chamado “Contrato Social”
que ROSSEAU (Jean Jacques, Genebra, 1712-1778) propusera e que visa ofertar benefícios superiores aos que
poderiam ser conquistados individualmente, ao reger a sociedade através da
imposição de leis e regras previamente acordadas.
A versão apresentada por ele propõe que as pessoas esqueçam-se
do lugar que ocupam na sociedade e voltem a ocupar o lugar que originalmente tinham
quando debutaram nessa mesma sociedade e a partir daí adiram ao compromisso de
respeitar o pacto estabelecido. Que se sujeitem a serem “apenas mais um”
dentro do mosaico social. Sem privilégios ou dificuldades impostos arbitrariamente
e dissociados de seu caráter e conduta.
Propôs, em resumo, que se voltasse ao principio básico
de que “todos são iguais perante a Lei”.
A partir dessa proposição inicial, RAWLS estabeleceu
os “princípios e normas de justiça” que todos os cidadãos deveriam acatar.
Princípios e normas de justiça. As regras racionais
Tradicionalmente a Justiça é representada por uma “mulher vendada”, segurando uma balança. Quer-se representar com essa figura, que
a Instituição é cega, ou seja, que não enxerga e nem considera as
particularidades de cada cidadão, cabendo-lhe assegurar que todos recebam com
equilíbrio o que lhes é de Direito e de Dever.
Aproveitando-se da existência dessa metáfora, RAWLS utilizou-se de outra para falar do ressurgimento das
noções que ele propunha revalidar voltando ao “espírito” original das mesmas. Assim:
“Imagine-se um grupo que
sobreviveu a um naufrágio e aportou numa ilha deserta, inexpugnável e isolada
do Mundo. Ali, depois de perderem a esperança de retornarem aos respectivos
cotidianos, os sobreviventes veem-se compelidos a criar uma nova sociedade.
Cada qual busca promover e/ou resguardar seus interesses, mas com a consciência
que só em conjunto, em mútua cooperação, todos conseguirão prosperar. Ou seja,
só através de um Pacto, de um Contrato Social. Todavia, a prática do dia-a-dia se insurge contra as
boas-intenções e o egocentrismo aflora a cada momento, trazendo consigo a
dúvida sobre quais serão os princípios, as bases da moral e da justiça que eles
estabelecerão?”.
Para RAWLS, se eles estiverem
realmente propensos e desejosos de fazerem um novo modelo, livre dos vícios e
dos equívocos antigos, será preciso torná-lo absolutamente objetivo, racional
e, consequentemente, imparcial ao extremo.
Será imperioso descartar as inúmeras regras antigas
que eram benéficas para uns e maléficas para outros. Mesmo que as tais tenham
sido criadas com boa-intenção, e que as novas sejam consideradas draconianas,
brutais, cruéis. Veja-se o exemplo abaixo:
“Estipular
que todo indivíduo chamado Fabio receba menos alimentos apenas por ter esse
nome não é “Racionalmente
Justo”. O correto seria estabelecer que todo indivíduo chamado de Fabio e que
seja paciente oncológico receba menos alimentos, porque produz aquém da média.
Isso, sim, seria um motivo “Racional” e, portanto, justo”.
Tal norma seria vista por muitos como cruel e desumana,
mas nem estes poderiam dizer que ela não seja racional, cerebral e, portanto, justa. Por isso, ele insistia
que em todas as situações precisamos lançar um “véu de ignorância” sobre os fatos que atingem este ou aquele
indivíduo. Mesmo que isso colida com as noções de bondade, caridade etc.
E, é óbvio, que esse “véu de ignorância” também cubra a outra ponta do espectro e não
privilegie os mais bem dotados de saúde, beleza, de inteligência, força etc.
Para o Filósofo, apenas as “regras racionais” e aceitas pela maioria, senão pela totalidade,
é que são realmente imparciais e devem ser consideradas válidas (tanto em relação à caridade, quanto ao poderio).
Imparcialidade que fará com que todos busquem viver de
modo mais justo e, seguros de que seus direitos são respeitados, com mais ética
e, talvez, generosidade.
Generosidade e resignação
RAWLS não teve a
intenção de contar a história do nascimento da Justiça entre as sociedades. Em
verdade, para alguns, ele só se propôs a nos ofertar uma maneira de testar as
nossas teses que afirmam ser a imparcial a Justiça que praticamos.
E como a resposta a este teste é negativa, haja vista
que a parcialidade é presente em sua aplicação rotineira, quis demonstrar-nos o
quanto falhamos em termos de racionalidade e consequente imparcialidade, ainda
que pensemos ter acertado em termos de bondade. Ou de resignação.
As críticas a RAWLS
As
teses propostas pelo filósofo enfrentaram várias censuras. Uma delas refere-se
a sua afirmativa em prol da necessidade de se aceitar “uma verdade única”, “uma direção absoluta”, sem deixar
espaço para o saudável “relativismo” que as individualidades acarretam. Para
seus críticos tal afirmativa era proveniente de um modo de pensar ditatorial,
típico de sua formação deficiente.
Outra censura que é recorrente refere-se ao descompromisso
do pensador com a indagação filosófica básica: “o que são e como se formam esses princípios”; “o que é a Justiça
em si? E o justo?”. Para alguns críticos mais severos essa ausência poderia
ocasionar inclusive a dúvida se o que RAWLS propôs poderia mesmo ser
classificado como filosofia, ou
se não passaria de um conjunto de propostas baseadas apenas em suas crenças e
crendices.
Mais um ponto que é questionado refere-se à seguinte
questão: considerar todos os indivíduos como iguais é realmente promover a Justiça?
Veja-se o seguinte exemplo: os negros,
pardos e indígenas agora são favorecidos por Cotas para o ingresso nas
universidades públicas como uma compensação pelas injustiças que sofreram por
conta das políticas, sociais e econômicas que lhes prejudicaram desde o ensino
básico. Vê-se, portanto, que para lhes fazer Justiça, precisou-se tratá-los
diferenciadamente.
Com esse exercício, desnuda-se o erro de RAWLS, ainda que se lhe reconheça
a boa intenção de tentar impedir que condições ilegítimas, ainda que legais, persistissem eternamente, como no caso dos herdeiros que já chegam à vida com melhores condições
financeiras que os demais, independentemente de terem méritos ou não.
Epílogo
RAWLS sofreu várias
outras críticas menores, mas de qualquer modo é importante reconhecer suas boas
intenções e talvez sejam elas que ainda o fazem ser um dos Filósofos preferidos
pela intelectualidade estadunidense.
© Direitos autorais reservados. Proibida qualquer cópia parcial ou total, por qualquer meio existente ou que venha a existir.
Produção e divulgação de TANIA BITENCOURT, rien limitée, do Rio de Janeiro, na Primavera de 2013.
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