MULHERES e a FILOSOFIA
A Feminilidade e o Feminismo
Julia Kristeva, Marta Naussbaum, Hèléne Cixoux e Ain
Rand.
Uma
censura recorrente que se faz às antologias de Filosofia refere-se à ausência
de mulheres filósofas na obra. De fato, é uma ausência marcante, mas, como no
caso presente, o motivo não vem de uma eventual misoginia dos antólogos, mas de
uma ausência do sexo feminino nessa área.
Claro
que essa ausência não se deve à falta de cultura, nem de inteligência para desenvolver
o tema, sendo a razão mais provável para essa rejeição a própria aridez da
disciplina e, principalmente, a imposição de um modelo machista de literatura
que as distanciou das lides filosóficas desde a antiguidade.
Certamente
os “donos do Poder” temiam que o
avanço no estudo e no desenvolvimento do pensamento filosófico feminino acentuasse
o questionamento relativo às discriminações de que elas sempre foram vitimas,
bem como acerca das outras injustiças.
Felizmente
esse obscuro hiato está terminando e o que se vê é o desejável avanço de
mulheres cultas e inteligentes por entre os campos do “Pensamento Superior” e
sempre em busca da felicidade para o homem,
independente de seu gênero.
Dentro
de tal panorama auspicioso, será justo citarmos SIMONE DE BEAUVOIR como a principal iniciadora dessa escalada filosófica
feminina. Autora do importantíssimo livro intitulado de “O Segundo Sexo”, de 1941,
coube à célebre “Existencialista” francesa devolver às mulheres a condição de agente
do pensamento.
E
outras mentes brilhantes seguiram seus passos pioneiros. Aqui, destacaremos as
teses de quatro eruditas, cuja temática pode parecer repetitiva à primeira
vista, mas que quando olhada com mais cuidado revela toda uma gama de concepções
que extravasam em muito os assuntos que originariamente os misóginos de todos
os tempos poderiam esperar.
O Feminismo
e as Feministas
No
século XVIII, mais precisamente em 1792, MARY
WOLLSTONECRAFT iniciou um
sério debate sobre os papéis que as mulheres estavam (e ainda estão)
condicionadas a prestar na sociedade. Na ocasião, o tema não teve grande apelo
popular e quase houve um acomodamento na questão, por conta daqueles que
associavam as funções consideradas “femininas” com as supostas características físicas e
emocionais da “mulher padrão”.
Não faltaram, por exemplo, as “enfermeiras” por conta da “natural inclinação feminina para cuidar do
próximo”. Ou as “donas-de-casa” que realizavam o “atávico desejo feminino de cuidar da caverna”; e várias outras sandices
similares. O fato é que superficialmente e por algum tempo pensou-se que a
questão estava resolvida. Porém, com o advento da 1ª e da 2ª Guerras Mundiais essa
falácia de “afazeres e
inclinações naturais” soçobrou e voltaram a vigorar os legítimos
anseios das mulheres de se realizarem profissional e pessoalmente, da maneira
que melhor lhes aprouvesse. Inclusive como “dona de casa”.
E
essa nova bandeira foi erguida pelo novo Feminismo que emergiu com vigor e
aparentemente de forma definitiva, ainda que surjam focos de dissidências e de
resistências em algumas sociedades. Porém, mesmo onde a opressão à mulher é
mais incisiva e escandalosa, já se assiste algum progresso e certa liberalização
de costumes que seriam impensáveis há poucos anos atrás. As cenas de mulheres
vestindo véus e/ou burkas
obrigatórias e, no entanto, disputando uma partida de futebol, ou dirigindo um
táxi ilustram bem esse momento. E, talvez, a solidificação do movimento.
AYN RAND
O Objetivismo
1905 – 1982
Russa
de nascimento e estadunidense por opção, a filósofa e escritora AYN RAND tornou célebre suas
indagações filosóficas através de seu romance “A Nascente”, de
1943.
Pode-se
dizer inclusive, que ela criou o “Sistema
Filosófico” batizado de “Objetivismo”, com o qual contesta a ideia de que é o “Dever Moral*” que permite a
convivência em sociedade e a consecução do objetivo superior, ou filosófico,
que todos almejam.
NOTA do AUTOR – Dever moral*, ou seja, o homem vive para promover o bem-estar do próximo; e a sua
existência só é considerada moralmente correta se ele dedicar seu tempo e seus
melhores esforços para promover o progresso e a felicidade do outro.
Embora
o ideal de fraternidade que se embute no citado “dever moral” seja caro aos cristãos (ama o próximo como a ti
mesmo) e a alguns “Socialistas Utópicos”, o cotidiano
demonstra a distância que há entre esta utopia e a crua realidade.
E
é justamente esse realismo que AIN RAND utilizou para desenvolver o seu “OBJETIVISMO”, cujas linhas básicas são as
seguintes:
1º
- o objetivo moral de cada um é atingir a sua própria felicidade; e só
não se avança sobre Direitos alheios por temor às Leis e/ou a um provável revide.
2º
- A realidade concreta, o mundo físico, existe independente da consciência do homem e essa realidade só lhe é acessível
através de seus sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato) e da formação de conceitos oriundos da “Lógica
Dedutiva e Indutiva”.
3º
- O sistema social que deverá ser buscado sempre é o que favoreça a propriedade,
a liberdade, o respeito às leis etc., o seja, o Capitalismo (laissez-faire) com respeito aos direitos do homem.
4º
- a função da arte, no capitulo da Estética, é transformar as ideias metafísicas
e abstratas em formas que sejam reconhecíveis por serem lógicas.
O
Pragmatismo e o Utilitarismo
Grande
parte do pensamento de AYN RAND encontra
parentesco com afirmativas do Materialismo,
do Pragmatismo, do Utilitarismo e de outras formas
que o pensamento estadunidense geralmente assume.
Por
isso, alguns eruditos chegam a lhe negar qualquer originalidade em suas teorias,
mas para lhe fazer justiça é importante observar que ela foi a primeira a
compilar tais teorias em um só sistema, o que o tornou acessível à população em
geral.
MARTA NAUSSBAUM
1947
MARTA NAUSSBAUM
ostenta o honroso titulo de “Ernst freund distinguished
service professor of law and ethics” da universidade de Chicago, EUA, num um justo reconhecimento pela honestidade
esclarecida com que exerce o seu ativismo político, pelo seu apaixonado Liberalismo
e pelo alto rigor ético com que conduz suas pesquisas sobre a moral e a ética
na Grécia clássica.
A
este titulo, ela junta outros reconhecimentos desde que publicou, em 1986, a sua
obra mais importante até o momento, a “Fragilidade
da Bondade”, que lhe deu celebridade nacional e internacional.
Suas
outras pesquisas sobre a filosofia política e sobre a ética renderam-lhe outras
inúmeras publicações, as quais consolidaram o prestigio de que ela desfruta e
do qual se utiliza para atuar com serena firmeza nas questões feministas e
particularmente no quesito relativo à necessidade de se rever as relações
familiares, mormente entre homens e mulheres.
As críticas
Todavia,
a par das aclamações a que faz jus, a filósofa encontra certa resistência em
setores sérios do pensamento filosófico ortodoxo que criticam a posição que lhe deram (ou que ela se deu), de ser a “pioneira” na união entre a filosofia clássica e o ativismo
e engajamento político. Também lhe censuram o estabelecimento de novos padrões
sobre o que seja “certo ou errado” em termos de comportamento,
pensamento e ação. Para eles, isto não passa de um novo “politicamente correto”. Talvez mais erudito que o outro,
mas tão tolo quanto.
Alegam
que ela se mostra arrogante ao supor que pode estipular paradigmas como se
tivesse o completo discernimento do que seja virtuoso, ou não. Afinal, dizem, o
que é o “certo”? E o “errado”?
E
prosseguem em suas críticas focalizando a sua suposta ânsia de mudar o mundo a
todo custo, fazendo desse desejo a desculpa para se arrogar o “Direito” de estabelecer segundo seus critérios quais caminhos deverão ser
seguidos.
Contudo,
nada disso consegue apagar o brilho de quem produziu a quantidade e a qualidade
das obras com que ela brindou a cultura do mundo.
JULIA KRISTEVA
1941
Quem representa Deus no Feminismo de Hoje?
Quando
SIMONE DE BEAUVOIR publicou
sua obra-prima, “O Segundo Sexo”, trouxe à tona a denúncia sobre
o erro brutal de ter-se eleito o gênero masculino como padrão a ser seguido; e de como esse equívoco originou a
iníqua situação de só se conceder (sic) “liberdade e
direitos” à mulher que pensasse e agisse como homem.
Nesse
ponto é onde entra o pensamento renovador de JULIA KRISTEVA
que luta com denodo contra essa arbitrariedade, enquanto labuta para exorcizar
o risco de que o Feminismo adote algum, ou todos os erros do machismo que SIMONE BEAUVOIR denunciara.
Filósofa
e psicanalista, nascida na Bulgária, KRISTEVA é frequentemente considerada como uma das principais
vozes do atual Movimento Feminista Francês e, por extensão, mundial.
Contudo,
e paradoxalmente, não são poucos os que questionam se ela é, de fato, uma “pensadora
feminista”, ou, então, qual seria o formato do “seu feminismo”.
Questionamento,
aliás, que não deixa de ser alimentado pela própria, haja vista as suas próprias
dúvidas sobre Feminismo atual; pois, a seu ver, é impossível
definir com clareza o que é esse movimento que repete as péssimas práticas do
seu oposto, o chauvinismo machista.
O
Feminismo, como se sabe, surgiu do conflito que as mulheres tiveram com as
estruturas associadas ao domínio masculino. Por causa dessas raízes, segundo a
filósofa, acabou-se adotando algumas pressuposições que já existiam no outro
lado, apenas invertendo o seu eixo para dar às mulheres o predomínio que antes
era dos homens.
Mas, a seu ver, ao se limitar a isso, não se
fez revolução alguma, já que apenas mudaram os atores que representam os surrados
papéis de “dominadores e subalternos”.
Nota do Autor – não deixa de ser verdade que o Feminismo contribuiu efetivamente para dar voz e novas
oportunidades às mulheres. Mas, historicamente isso é pouco se olharmos a
existência de antigas colônias matriarcais ao longo da história que já
cumpriram tarefas similares. O que talvez desperte a ira de Kristeva seja a
ineficácia nos meios de luta e até a falta de visão estratégica que desse ao
Movimento o anseio por objetivos mais amplos e generosos, como, por exemplo, o
de promover a libertação efetiva de todas as mulheres e não apenas das “brancas
europeias ou estadunidenses bem nascidas”. Ou o de lutar contra as práticas e
crendices caducas e cruéis como, por exemplo, a extirpação forçada e a
sangue-frio dos clitóris das meninas africanas, ou a obrigatoriedade do uso de
véus e burkas no mundo islâmico, ou a prostituição de meninas no Brasil etc.
O Feminismo
como porta-voz.
Assim
sendo, KRISTEVA
acredita que o Feminismo deveria submeter-se a uma
severa e honesta autocrítica para justificar a legitimidade do seu anseio de
ser o porta-voz do gênero feminino.
Após
essa tomada de posição, deve dirigir seus esforços para tornar concreto o
discurso de promoção da igualdade entre os gêneros e não da simples
substituição da dominância.
Segundo
ela, para se alcançar a verdadeira emancipação feminina, deve-se questionar constantemente
a relação entre os “Poderes Masculino e Feminino” que já existem e se
necessário, renunciar a “fantasia” de
que o Feminismo é o “libertador
das mulheres”. Ele deve sim, ser o instrumento que as auxilie efetivamente em
sua realização profissional e pessoal.
A
falta dessa autocrítica e do ajuste de rumo levará o Movimento, segundo teme a
pensadora, a se transformar em apenas outra corrente, ou tendência no atual
jogo de Poder, sem que nada o eleve do rés do chão onde rasteja a política
miúda de Partidos, Sindicatos, Associações e similares.
HÈLÈNE CIXOUS
1937
Os Pensamentos em Oposição.
Em
1967 o controverso filósofo francês JACQUES DERRIDA publicou sua obra principal, Gramatologia,
onde expôs suas teses sobre o “movimento de desconstrução” que segundo ele, poderia clarear os conceitos e
os seus inversos que formam o pensamento e a própria sociedade humana.
Alguns
anos antes, o antropólogo francês CLAUDE LÉVI STRAUSS já apontava a existência das “oposições binárias” que permeiam as culturas de todos os
povos. Desde os intelectualizados nórdicos até os primitivos indígenas brasileiros,
chamados de Bororos.
Em
1975 a poeta, romancista, filósofa e dramaturga francesa HÉLÈNE CIOUX escreveu “Sorties”
(Saídas), no qual ela se valeu das teorias de STRAUSS e de DERRIDA para compor a sua influente versão sobre as “Oposições” que frequentemente
são usadas para se pensar o mundo.
Para
ela, uma linha que atravessa os séculos é a nossa tendência de agruparmos os elementos
do mundo em pares opostos* que são classificados hierarquicamente como “Dominante, Ativo, Superior (associado à Masculinidade)” e “Passivo,
Subalterno, Inferior (relacionado à Feminilidade)”.
NOTA do AUTOR – pares
opostos* como: dia/noite; razão/emoção; claro/escuro etc.
É
um modo de pensar tão inculcado no cotidiano do homem que acabou ganhando
status de “verdadeiro”,
“natural” etc.
Contudo,
a filósofa acredita que a validade desse padrão dicotômico começou a ser
desacreditado com o inicio do “Movimento
de Emancipação Feminina”.
Porém,
ela cessa seus comentários sobre o tema com essa constatação e não arrisca
qualquer hipótese sobre o desenvolvimento e o resultado final desse processo,
já que tem sérias dúvidas sobre o desfecho do mesmo, sobre quais serão as
consequências para os sistemas filosóficos, culturais e políticos desse embate
e sobre as resultantes dessa “desconstrução”.
Alguns
críticos apontam esse comportamento como uma lanosa falta de posicionamento,
mas, em verdade, ele não deve ser visto como uma fraqueza, pois coerente com
suas ideias, HELENE
CIXOUS recusa-se a persistir na antiga dualidade que estabelecia
“vencidos e vencedores”, “dominantes
e subjugados”.
Aos
críticos ela respondeu com a genial criação da figura metafórica “bilhões de
marmotas, ou toupeiras, até agora desconhecidas, roendo os alicerces de vetustos
edifícios”.
Todavia,
esses mesmos críticos voltaram à carga e dessa vez para censurar-lhe essa visão.
Mostraram-se incapazes de alcançar a amplitude de seu raciocínio e não puderam
absorver a magnitude de sua visão acerca da verdadeira revolução que deveria
ser feita para igualar efetivamente os direitos de todas as pessoas, independentemente
de seus gêneros.
Espera-se que por fim a sua nobre visão prevaleça
e o maniqueísta “pensamento por oposição” e as tantas crendices, injustiças e
opressões que sempre embasou sejam jogadas no lixo da história.
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