quarta-feira, 27 de maio de 2015

Santa Sampa


Hoje, a garoa de antes
voltou a molhar os reflexos
que vejo nas escuras noites cruas.

Talvez, aquele seja o bar
e, aquela, a cena de sangue
que Vanzolini, uma noite viu
e noutra cantou.
Mais um pouco, no próximo quarteirão,
ficava o aparelho onde primeiro caí.
Dali, também, Beth se foi.
Pouco além, imponente, mas quase
pedindo desculpas pela própria imponência,
ouço a Quinta de Malher que abafa
os gritos torturados que ainda vagam
pelas sórdidas paredes do antigo Palácio do Mal.
Foi ali, hóspede esperado da "Cadeira do Dragão",
que soube da realidade dos homens
e que o Diabo existe. E que não morre.
Talvez, Glauber, a Terra seja apenas dele.
Tantas coisas no coração, Caetano,
entre a Ipiranga com a São João!

Tantas coisa havia, Beth.

Tanto andei, Deus dos ateus,
mas ainda sinto Santa Sampa envolver-me
com suas negras garras e sujos grafites
nos muros escorados pelas putas da Luz.

Tantas...

Mas, depois, foi o tempo de ir embora.
De tentar esquecer. De tentar vencer.
De fazer outra vida
e, depois, outra vida fazer.
E tudo passou e tudo mudou.
Mas, tu, Santa Sampa, cresceu ainda mais.
E, ainda menor, fiquei.
Os outros se multiplicaram
e já nem sei quem são.
O frio acabou, o encanto quebrou
e o grito secou.
Mas a utopia, Carlos, não veio.



Das poéticas de Paulo Vanzolini, Glauber Rocha, Caetano Veloso e Carlos Drumonnd de Andrade.

Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro, outono de 2015.
Lettre la Art et la Culture

sexta-feira, 22 de maio de 2015

Mares e Brisas



É preciso cantar o mar de Botafogo.
Cantar o riso que chega em toda barca
e se esparra qual retreta de comarca.
Cantar a doce poesia de Sofia
e os versos da ilustre companhia.
E cantar, sobretudo,
o amor que se cristaliza
na moça vestida só de brisa.


Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro, outono de 2015.
Lettre la Art et la Culture

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Óperas, guia para iniciantes. Os tipos de Vozes da Ópera - Quadro sinóptico


Os tipos de vozes da Ópera.


Vozes Femininas ( extensões das vozes)

  • Soprano                                  Dó3  ao  Fá5                                     Voz Aguda
  • Mezzo Soprano1                     Lá2   ao  Si4                                         Voz Intermediária
  • Contralto2                               Mi2   ao  Lá4                                      Voz Grave

Subclassificação de “Sopranos

Soprano Coloratura (em italiano), ou “Soprano Ligeiro”. O termo “coloratura (virtuosismo)” aplicava-se a todas as vozes, mas atualmente só é dado a um tipo de soprano dotado de grande extensão no registro agudo, capaz de efeitos velozes e brilhantes. Exemplo: as interpretes de “Rainha da Noite”, em “A flauta mágica”, de Mozart. 

Soprano lírico. Caracterizada por ser uma voz brilhante e extensa. Exemplo: as interpretes de “Marguerite”, na ópera “Fausto”, de Gounod. 

Soprano dramático. É a voz feminina que pode emitir notas graves, sonoras e sombrias; além, claro, de possuir a extensão de soprano.  Exemplo: as interpretes em “Tristão e Isolda”, de Wagner.

Mezzo Soprano1 – É a Voz intermediária entre o Soprano e o Contralto, como pode ser observado em “As bodas de Fígaro”, de Mozart.

Contralto2 – Em várias ocasiões esse tipo é chamado abreviadamente de “Alto”. A voz de contralto prolonga o registro médio em direção ao grave, graças ao registro "de peito". Exemplo dessa técnica pode ser observado na interpretes de “Ortrud”, na ópera “Lohengrin”, de Wagner.

§§§

Vozes Masculinas( extensões das vozes)

  • Tenor                                     Do2  ao  Ré 4                                     Voz Aguda
  • Barítono                                 Sol1 ao  Lá3                           Voz Intermediária
  • Baixo                                      Do1  ao  Fá3                                      Voz Grave 


Subclassificação das Vozes Masculinas

Tenor

Contratenor - Voz muito aguda, que iguala ou mesmo ultrapassa em extensão a vocalização de uma voz Contralto, que é a “Voz Grave Feminina”. Foi bastante admirada até meados de 1800, sendo-lhe destinados os principais personagens da antiga ópera antiga francesa, de uma parte das óperas italianas, das cantatas de Bach, etc.

Tenor Ligeiro  -  Voz brilhante, que emite notas agudas com facilidade. É, também, uma voz ligeira e suave, como pode ser vista, principalmente, nas óperas de Mozart e de Rossini, com os interpretes do “Conde de Almaviva” em “O barbeiro de Sevilha”, de Rossini ou com os interpretes de “Tamino”, em “A flauta Mágica”, de Mozart.

Tenor lírico. É um tipo de voz muito parecido com a anterior, porém, é mais luminosa nos agudos e, ainda mais cheia, nos registros médios. Também é mais timbrada.

Tenor dramático – Em relação ao tipo anterior é mais luminosa e mais cheia no registro médio, como se pode ver, por exemplo, nos interpretes de “Tannhäuser”, o protagonista da ópera homônima de Wagner.

Barítono

Barítono "Martin", ou “Barítono francês”  É o tipo de Voz clara e flexível, bastante assemelhada coma voz de Tenor, como as dos interpretes de “Pelléas”, na ópera “Pelléas et Mélisande”, de Debussy.

Barítono Verdiano -  Como se depreende do nome, é o tipo de voz que melhor se adéqua às óperas de Verdi, como, por exemplo, as dos interpretes do protagonista da ópera “Rigolleto”, do mestre italiano.

Baixo-Barítono  - O tipo de voz que executa com facilidade os “graves” e é capaz de efeitos dramáticos. Exemplo: os interpretes de “Wotan”, em “A Valquíria”, Ópera do grande ciclo de “O Anel dos Nibelungos”, de Wagner.

Baixo

Baixo Cantante – Tipo de voz que se assemelha à do Barítono; sendo, naturalmente, mais lírica do que dramática. Exemplo pode ser apreciado com os interpretes de “Boris Godunov”, o protagonista da ópera de mesmo nome, de Mussorgski.

Baixo profundo - Voz de grande extensão e amplitude no registro “grave”, como se observa nos interpretes de “Sarastro” em “A flauta mágica”, de Mozart.


Lettré, l´art et la Culture.
Rio de Janeiro, 20 de maio de 2015

sábado, 16 de maio de 2015

Mares


O mar em volta do farol
é qual relógio sem ponteiro...

É mais, poeta grande.
É mapa sem linha e sem ponto.
Vazio, de tão cheio
e tão distante
quanto o último quadrante.

Daqui, dessa Assunção, não o vejo,
mas sinto a fria aragem
que vaga nesse São Sebastião do Rio de Janeiro.
e sei-me, oceano inteiro.



Fragmento da Poética de João Cabral de Melo Neto (Rubem Braga e o homem do farol)


Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro, outono de 2015.

sexta-feira, 15 de maio de 2015

La Migra



Las chicas dos pelos negros
cantam a insolência de ser feliz
nessa terra de tantos males.

E o velho burguês, triste e malvado
grita com o ar que lhe resta:
Fuera, cucaracha!

Nada respondem
as moças cantantes.
Sabem que o velho
é apenas um Sancho 
sem Cervantes.


A toda as imigrantes que são exploradas nas casas da burguesia brasileira.

Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro, outono de 2015.

Lettre la Art et la Culture

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Papillon


E porque Papillon deixou um pouco
de suas cores e de seu voo
sobre cada libélula trágica,
os deuses decretaram o reinicio das auroras
e a alforria dos poetas insanos
de tantos versos profanos.

Vai-te Papillon voaçante.
Eis-te sinfonia andante
em allegro delirante,
à frente da revoada heroica
em busca de Ártemis minóica,
a sempre desejada e nunca possuída,
deusa da noite esquecida.

Vai-te Papillon,
alado jasmim
de um tempo sem fim.



Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro. Outono de 2015.
Lettre la Art et la Culture

sábado, 9 de maio de 2015

Mater



A ti, mulher, não pesa
o fardo da futilidade,
pois eis que te foi dado
o milagre da concepção,
ainda que o filho eleito
seja gerado só no peito.
E nem carregarás
o peso da solidão,
pois as vidas que tu cria
preenchem toda alma vazia.
Em ti, fez-se a dádiva da maternidade.
A mais humana santidade.





Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro, outono de 2015.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

Óperas, guia para iniciantes - KATERINA ISMAILOVA, Shostakovitch - Ensaio completo.


AutoriaShostakovitch (Dimitri – 1906-1975 – Moscou, Rússia).

Libreto – idem e Aleksander Preis

Personagens:

Katerina Ismailova Protagonista – interpretada por uma Soprano.

Boris Timofeyevitch – Interpretado por um Barítono.

Zinovy Borisovitch – Interpretado por um Tenor.

Serguei – interpretado por um Tenor.

Aksynia – interpretada por uma Soprano.

Sacerdote – interpretado por um Baixo.

Sargento de Polícia – interpretado por um Barítono.

Sonyetka – interpretada por uma Soprano.

Local e Época:
Rússia, meados do século XIX.
Prefácio
Habitualmente, pensa-se na arte russa produzida durante o período Stalinista, como um “artigo em série”, criado e executado de acordo com os parâmetros estipulados pelo chamado “Realismo Soviético”, cujas premissas básicas eram: o apego às formas e formatos clássicos, acadêmicos; a negação de qualquer valor às novas tentativas estéticas e o conformismo burocrático às normas ditadas pelo Regime político vigente.
E, com efeito, a maioria das manifestações artísticas do período seguiu essa cartilha; porém, segundo o Sociólogo e Mestre em Arte Russa pela USP/ECA, Thyago Marão Villela, alguns artistas ousaram burlar a confusa determinação oficial, que de tão dúbia ensejava diferentes interpretações, e deram vazão à sua criatividade e talento, criando obras que ultrapassaram em muito, o cânone oficial.
É o caso da presente Ópera, já que nela o “vigoroso camponês” das ufanistas pinturas oficiais cede o lugar para um frágil e vacilante “marido traído”; ou para um “poderoso, mal vil e interesseiro camponês”; onde a “camponesa virtuosa” troca de lugar com uma mulher volúvel e ardente, preocupada “egoisticamente com o seu prazer privado” e não com a construção do Socialismo; onde a “posse individual” de um bem de consumo – as meias que são desejadas por Sonia – destoa do caráter social e coletivo das posses etc.
Claro que tais transgressões custaram ao autor alguns problemas com a polícia política e com a censura oficial, que chegou a mutilar severamente a obra para que pudesse ser reapresentada.
Porém, esses percalços não diminuíram o brilho da composição, pois ao talento do compositor, somou-se a sua coragem em propugnar a liberdade artística que nunca deveria ser suprimida.
A soma, pois, da beleza em si da obra, mais o arrojo de Shostakovitch resultou no perene apreço que o público de todo o mundo lhe dedica.
Ainda que tivesse que enfrentar algumas críticas no Ocidente, em suas primeiras apresentações, atualmente são raros os que não se entusiasmam com essa adaptação magnífica do célebre Conto “Lady MacBeth de Mtsensk”, do grande Nikolai Lescov. Uma obra à altura da estupenda tradição erudita da “Santa Rússia”.
Enredo
O primeiro ato tem como cenário uma típica propriedade rural da Rússia imperial, pré-revolução bolchevique.
Vivem na fazenda a jovem Katerina; seu marido, o rico herdeiro Zinovy Borisovitch; seu sogro, o cruel proprietário Boris Timofeyevitch e os servos domésticos e os rurais.
Enquanto Katerina esbanja saúde, vigor e voluptuosidade, o seu marido é vitima de várias enfermidades crônicas que lhe acarretam severa fragilidade física e emocional. Criado por um pai tirânico, Zinovy tornou-se um homem abúlico, covarde e infantilizado, cujo único atrativo para Katerina é a fortuna que herdaria e que a tiraria definitivamente da miséria.
Porém, com o passar do tempo, os defeitos do marido passaram a exasperá-la de tal modo que até o interesse que ela tinha por sua condição social e financeira, diminuiu. Contudo, servia como um poderoso freio à sua ânsia por independência, aventuras, paixões e amores, o temor que ela sentia do sogro.
E, realmente, a brutalidade, o espírito vingativo e a crueldade de Boris Timofeyevitch eram conhecidas por todos que, não sem razão, tinham-lhe verdadeiro pavor.
Todavia, certo dia, Zinovy teve que viajar para vistoriar alguns moinhos que possuía noutras localidades e, então, aproveitando-se da ausência do patrão, um servo chamado Serguei não hesitou em iniciar uma corte sobre a sua patroa, já que era visível a sua carência.
Confiante em sua força e beleza e com a audácia típica dos jovens, o rude Serguei dispensou as sutilezas e não teve a menor dificuldade em se fazer desejado por Katerina. Afinal, ele era o oposto do marido que a enojava. Um verdadeiro homem, como há tanto ela desejava.
Assim, em pouco tempo a paixão entre ambos abandonou toda cerimônia e prudência e desdenhou de todos os limites, tornando-se um verdadeiro escândalo entre a comunidade da fazenda, cujas intrigas não tardaram em chegar ao conhecimento de Boris, o sogro temido.
E com essa delação, termina o primeiro ato.
§§§
O segundo ato também se passa na vivenda de Katerina, Zinovy e Boris.
Alertado pelos espiões, o velho Senhor Feudal flagra, em certa manhã, um sorridente Serguei saindo do quarto da nora. Era a prova que lhe faltava. Juntamente com os capangas que deixara de sobreaviso, agarra o amante e a partir daí passa a torturá-lo barbaramente em diversas ocasiões.
Amargurada, Katerina tenta intervir, mas Boris ignora os seus apelos e não mede as consequências para satisfazer a sua sede de vingança e o seu sadismo, repetindo amiúde os espancamentos, as privações de água e de comida, as queimaduras e todas as outras formas de tortura que já se inventou.
E aquele tétrico festival avança de tal modo, que cria em Katerina um ódio imenso ao monstruoso torturador. Em seu peito já não existe apenas o antigo temor, mas, também, um aceso desejo de eliminar o malvado e salvar o seu querido Serguei.
E da intenção à prática, pouco tempo é preciso. Aproveitando-se de um descuido do malvado, ela o assassina através de envenenamento com raticida. A declaração de um médico de que a morte aconteceu por congestão a isenta de qualquer responsabilidade. E a sua fingida dor, livra-a de outras suspeitas.
Logo em seguida, liberta o seu bem amado e, graças aos seus cuidados, ele se recupera completamente, passando ambos a viver maritalmente e a desfrutar da riqueza do falecido. Porém, a perseguição tenaz de Boris não termina com a sua morte física, pois como se fosse um castigo do Além, sempre que os amantes fazem amor, ela é assombrada pelo fantasma do sogro.
E essa não é a única contrariedade que enfrenta, pois, antes do previsto, o seu marido, Zinovy, regressa e logo é informado da traição. Perturbado e ensandecido de dor, ele não se limita a atacar-lhe apenas verbalmente e parte para a agressão física em diversos momentos. Numa dessas ocasiões, Katerina grita por socorro, Serguei irrompe no aposento e após uma breve luta com Zinovy o casal o mata e enterra o corpo no porão da residência.
É o fim do segundo ato.
§§§
Quando o terceiro ato tem início, algum tempo já passou. O cenário ainda é a propriedade rural.
Katerina viveu nos últimos dias a mais completa felicidade, pois tendo anunciado que o marido havia falecido numa distante localidade, herdou-lhe todos os bens e, com isso, realizou o seu projeto original de se tornar rica e poderosa; ao qual se acrescentou o sonho romântico que passou a viver com Serguei, que se desdobrava como amante.
Menos por ela e mais pelo interesse na fortuna que ela havia herdado, mas tal era a sua performance, que ela passou a acreditar que ele a amava realmente.
Assim, para assegurar a posse definitiva daquela felicidade, o casal resolve legalizar a sua relação, casando-se oficialmente.
De imediato preparam uma luxuosa cerimônia civil e religiosa e uma fartíssimo buffet, convidando toda a aldeia para a efemérides.
E o convite – como se fosse por mágica e não só pela subserviência que, em geral, é prestada aos poderosos – cala as mais diversas censuras que eram feitas aos amantes e solapa as dúvidas que restaram com as mortes do marido e do sogro.
Dessa sorte, as cerimônias acontecem como o planejado, seguindo-se o lauto jantar onde abundam os acepipes, os licores, os risos e os sentimentos de amor e de alegria.
Porém, a grande ingestão de álcool logo começa a minar a harmonia e a felicidade que reinavam, assim como acentua a libido dos presentes, que aos pares começam a buscar locais isolados para se relacionarem.
E pouco tempo passa até que um desses casais descobre no porão a cova em que Zinovy fora enterrado, desmascarando a farsa dos anfitriões, que, então, saem das bodas diretamente para a cadeia.
É o fim do terceiro ato.
§§§
O quarto ato apresenta como cenário um campo de prisioneiros em trânsito para a Sibéria.
As cores escuras dos painéis, a constante e ameaçadora presença de carrancudos e cruéis guardas, a supressão de todos os direitos, talvez da esperança, e da perdida liberdade compõe o universo daqueles infelizes. É a perfeita representação de um mundo de maldades, de sordidez, de mesquinhez; o quê, para muitos críticos e eruditos, é, também, uma crítica aos terríveis “Gulags”, os odiosos “campos de concentração” que sempre houveram na Rússia e que durante o regime de Stalin tornaram-se um instrumento a mais para a perseguição, para o terrorismo estatal etc. contra os dissidentes do governo, fossem eles, reais ou apenas imaginários.
Um quadro perturbador, onde os homens se bestializam, abandonando todo sentimento de compaixão, de moralidade, de amor. Onde se esquecem dos valores que antes lhes eram naturais. Onde o único objetivo é sobreviver ao frio excruciante, à fome e a sede, às torturas dos carcereiros, às violências e artimanhas de colegas de infortúnio etc.
E é neste ambiente que estão Katerina e Serguei, haja vista que após um rápido julgamento, em que pouco puderam se defender, foram ambos condenados ao exílio.
Nalgumas encenações mais elaboradas dessa Ópera, a procissão dos condenados é encenada ao som de melodias que acentuam ainda mais o calvário da marcha. Noutras, mais modestas, a ação é encenada no próprio campo e, nesses casos, a cena inicial mostra uma Katerina, profundamente perturbada, à procura de seu bem amado.
Não lhe pesa na consciência nenhum remorso pelos crimes praticados. Em sua alma existe apenas um insaciável desejo por Serguei. Uma verdadeira obsessão que a faz abandonar todo amor próprio e se sujeitar aos mais bizarros caprichos do amante. Nada é capaz de negar-lhe e vive apenas em sua função.
Porém, a recíproca não é igual, pois ela nada mais pode lhe oferecer. Se antes ela representava uma chance real de acessar um alto patamar financeiro e social, agora, para ele, ela não passa de uma mulher desinteressante; a cada dia mais velha e mais feia.
Seu coração e seu desejo focalizam outra mulher. Uma jovem e bela prisioneira, Sonyetka, cuja volubilidade é conhecida por todos; bem como, a sua pronta disposição em se deitar com quem lhe oferecer mais.
Cheia de artimanhas, ela sabe como seduzir os homens e por isso recusa sistematicamente às investidas de Serguei, embora também o deseje, pois sabe que cada recusa sua, aumenta o interesse dele.
E, de fato, as negativas da jovem açulam cada vez mais o interesse de Serguei, que não mede esforços para possuí-la.
Vendo, então, o estado a que o reduziu, ela diz que será sua, desde que ele lhe traga as meias que Katerina usa para mitigar o frio. Essa exigência visa comprovar o quão ele lhe pertence e como um insulto a Katerina, que as peças em si, já que estão em péssimo estado.
Entorpecido, ele busca a ex-amante e usando de um artifício mentiroso consegue que ela se descalce com pouca relutância, pois espera que o seu gesto de desprendimento, faça com que ele volte a ser seu.
Radiante ele parte em busca de Sonya, mas ela recebe as meias com evidente desdém, pois, sabe que pode aumentar a sua exigência, já que ele concordará com tudo. Serguei protesta, mas em vão.
Contudo, antes que as novas exigências sejam feitas, escuta-se o urro de Katerina, que como uma ursa possessa, encaminha-se para onde eles estão.
Pouco custou para que ela descobrisse o verdadeiro motivo de ele ter-lhe pedido as meias. Cega de ódio e de ciúme, ela parte em busca de vingança.
Quase sem sentir o tablado da balsa que transporta os prisioneiros, vai ligeira para o canto em que estão Serguei e Sonya e como uma fera selvagem lança-se sobre a rival e uma luta feroz acontece entre as duas, até que uma sacudida mais forte da embarcação as derruba no rio gelado, que, então, passa a ser a sepultura das duas. Um triste final para vidas tão desgraçadas.
E aos gritos desesperados das mulheres se junta uma sentida ária que o Coro entoa, enquanto descem as cortinas.
É o fim da Ópera.
Histórico
A obra foi encenada pela primeira vez em Leningrado, no ano de 1934, com o nome de “Lady Macbeth do Distrito de Mtsenk”.
A sua criação, segundo comentado no prefácio, foi um ato de contestação aos padrões do “Realismo Soviético”, imposto pela ditadura stalinista. E como seria de se esperar, não demorou a que sofresse censura e perseguições por parte da polícia e dos serviços de repressão do regime.
Contudo, apesar dessas ameaças, obteve um belo sucesso junto à crítica especializada e ao público.
Todavia, posteriormente, Shostakovitch capitulou ante as pressões e a reformulou em grande escala, tendo a nova apresentação acontecido na capital, Moscou.
E se na Rússia o público foi receptivo às duas versões, o mesmo não se deu no Ocidente, cuja crítica julgou-a carente de unidade estilística, embora reconhecesse muitas qualidades no trabalho do compositor.
Atualmente as suas encenações não são constantes, mas ainda assim ocupa um lugar de destaque no cenário da “Grande Arte” e conta com um grande número de admiradores, tanto por sua excelência artística, quanto pela ousada tentativa de resistir ao modelo oficial.
São Paulo, 07 de maio de 2015.
Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro, outono de 2015.

domingo, 3 de maio de 2015

Video Selecionado pela MASHPEDIA - Portugal

Honrado, agradeço ao Colegiado da Maspedia - Portugal pela inclusão, na categoria "TOP", de meu vídeo "A Canção de Sarajevo (penúltimo, na 2ª fila)".

Agradeço especialmente a Thyago Marão Villela, que assinou a produção e direção do mesmo e aos queridos amigos e amigas pelo apoio de sempre.



À Mãe da Bala Perdida


Uma bala indevida, vinda de alguma vida perdida,
fez-te mãe desvairada a uivar pela cria partida.

Tua mão calejada foi inútil
para conter a vida de tempo escasso.
E caído, o corpo inerte berra o nosso fracasso.

Por que fizemos tantos muros
e tão poucas pontes?

Mas tudo, para ti, mãe, já não faz sentido.

Que ladrem as vivandeiras de quartel
em defesa do assassino de aluguel.
Que prometam os políticos falaciosos
os cínicos “rigorosos inquéritos” de mafiosos.
Que protestem os hipócritas burgueses,
protegidos por suas armaduras e arneses.
Que berrem os fundamentalistas por vingança
e que preguem os acadêmicos a falsa esperança.

Tudo é inútil. 
O teu menino não voltará.

Tampouco os teus sonhos
de que um dia,
outro dia haveria.



Dedicado à senhora mãe do garoto Eduardo Ferreira, de 10 anos de idade, assassinado por um Policial Militar, no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Não há como desejar-lhe um "Feliz Dia das Mães"


*Figura produzida pela Revista Capital e captada via Web.


Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro. Outono de 2015.