quarta-feira, 30 de maio de 2012

Filosofia Moderna e Contemporânea - BERLIN, Isaiah - a Liberdade Positiva e a Liberdade Negativa.


BERLIN, Isaiah
1909 – 1997
A Liberdade Positiva e a Liberdade Negativa.
O sentido fundamental da Liberdade é a liberdade dos grilhões.
Antecederam a BERLIN, Filósofos importantes que também abordaram o tema “Liberdade”. Dentre outros, podem ser citados Thomas Hobbes (1588 – 1679 – Inglaterra) que no distante ano de 1651, já descrevia em sua obra máxima O Leviatã a relação entre a Liberdade e o Poder do Estado. Ou, tempos depois, Soren Kierkegaard (1813 – 1855 – Dinamarca) que aludiu ao fato de que a nossa Liberdade é um dos motivos de nossa infelicidade (inclusive por prevermos que arcaremos com as consequências por nossas escolhas); ou, na Modernidade, John Stuart Mill (1806 – 1873 – Inglaterra) que mencionou a diferença existente entre a Liberdade relativa à coerção exercida por alguém e a Liberdade para pensar e agir conforme nossas crenças e interesses. Ou, ainda, na Contemporaneidade, o psicanalista Erich Fromm que explora a noção de Liberdade Positiva e Liberdade Negativa.
A Isaiah BERLIN coube acrescentar novas luzes ao assunto, pois a pergunta “o que significa ser livre?” está longe de ser respondida satisfatoriamente.
Antes de tudo, convém analisarmos os termos “Liberdade Positiva” e “Liberdade Negativa”, por serem fundamentais no Ideário de BERLIN, ainda que ele não seja o autor desses Conceitos.
Liberdade Negativa – Chamada de Negativa, por estar associada ao vocábulo Não; ou seja, não estar acorrentado a uma rocha, não estar preso em uma penitenciária, ou em outro cativeiro (legal ou ilegal) etc. É ser livre de obstáculos externos. É a Liberdade que se tem em relação a alguma outra coisa ou pessoa. Para BERLIN é o “nosso sentido fundamental de Liberdade”. Contudo, para o erudito, essas definições não esgotam o termo, já que para ele quando a mencionamos queremos, na verdade, referir-nos a algo mais sutil.
Liberdade Positiva – Conforme o Filósofo é a Liberdade de controlar o próprio Destino, a própria Vida. A Liberdade de fazer escolhas, de ter sonhos, objetivos, esperanças etc.
A associação entre esses dois tipos de Liberdades leva à seguinte teoria:
1 – A Liberdade é tanto Positiva quanto Negativa.
2 – Positiva, como se viu, é quando somos livres para controlar nosso próprio Destino e escolher nossos meios, objetivos e fins.
3 – Negativa, por NÃO estarmos presos a algo ou a alguém. Por NÃO estarmos pressionados por qualquer tipo de obstáculos, ordens ou exigências. E livres de coação física, intelectual, emocional, política etc. exercida por outrem individualmente, ou por um agrupamento.
4 – Porém, os nossos objetivos individuais, às vezes, entram em conflito com o outro e nos leva a dominá-lo, subjugá-lo. Ou o inverso (ie, nós podemos ser oprimidos, caso os objetivos do outro é que sejam privilegiados).
5 – Portanto, quando nossa Liberdade Positiva extrapola as Regras Morais e Sociais e/ou o apelo da nossa própria Ética, ocasiona-se a redução da Liberdade Negativa de terceiros e se instala a opressão. Ou o inverso (idem).
6 – por isso, para BERLIN, o “Sentido Fundamental da Liberdade é a Liberdade dos Grilhões”; ou seja, o propósito básico, primeiro da Liberdade é livrar-se efetivamente de Todos os grilhões e não só daquelas cadeias que tradicionalmente conhecemos. A natureza da Liberdade, a sua forma de ser, consiste no amplo exercício de Todas as vertentes de ser livre; não só ser livre das prisões que outros nos causam, mas ser Livre para escolher o próprio caminho, os próprios sonhos, anseios e desejos.
Mas o que significa exatamente ser livre?
A tentativa de responder a essa questão é o mote da Filosofia de BERLIN. Como citado, não foi o Filosofo o autor dos termos “Liberdade Positiva” e “Liberdade Negativa”, mas o uso que ele lhes deu prima pela originalidade quando os utilizou para expor as inconsistências existentes em nossa noção cotidiana de liberdade.
Quando menciona, por exemplo, a “Liberdade Negativa” ele aponta para o fato de que além de significar a nossa independência em relação a obstáculos naturais, ou colocados por terceiros, vem embutido nesse conceito algo mais sutil, elevado. Afinal, ser livre não é apenas decorrente da nossa relação com o que nos é exterior, mas também é algo relacionado com a nossa capacidade, ou possibilidade, de decidir nossos rumos, os nossos sonhos e anseios; ou seja, a chamada “Liberdade Positiva”. Essa soma, pois, é que nos faz tão livres quanto possível.
NOTA do AUTOR – “tão livres quanto nos seja possível”, pois não podemos olvidar de ORTEGA y GASSET que localizou acertadamente nas “nossas Circunstâncias” o fator que delimita nossa independência e os limites de nossa Liberdade efetiva.
Afinal, o simples fato de convivermos com outros Seres Humanos já é, por si, um redutor de nossa condição de “livres”. Mesmo os aspectos positivos da vida social nos torna, de certo modo, devedores e cativos do outro, pois se dele somos alvo de um favor, de uma gentileza isso cerceia nossa liberdade em relação a quem nos obsequiou. Por uma questão de “boa educação e regra necessária de convivência (para que não soframos o mesmo)” Não podemos, por exemplo, ignorar aquela pessoa, por mais desagradável que ela nos seja. Devemos-lhe atenção, agradecimento. Ficamos de alguma maneira, preso a ele. Em relação aos aspectos negativos da convivência social, os fatos falam de modo evidente por si e dispensam outros comentários.
E essa “Liberdade Positiva” não é apenas individual, pois a autodeterminação também pode ser desejada por um grupo, pela população de um País, o que é motivo, inclusive, de algumas guerras que visam à libertação de um domínio estrangeiro.
Para o Filósofo, contudo, o problema é que as duas formas de liberdades – a Positiva e a Negativa – não raro entram em conflito, do qual podem surgir graves prejuízos ao próprio optante, como acontece, por exemplo, quando o indivíduo se vê obrigado a votar um determinado Partido Político pensando que assim evitará um “mal maior”. E faz tal votação mesmo sabendo que a sua “Liberdade Positiva”; ou seja, a sua criatividade, engenhosidade e liberdade individual serão reduzidas.
NOTA do AUTOR – há cerca de trinta ou quarenta anos, no Brasil, exemplos como o acima eram mais comuns. Indivíduos da típica burguesia classe-média negavam peremptoriamente seu voto aos chamados “Partidos de Esquerda” por temerem o “Comunismo devorador de criancinhas”. Com isso se sujeitaram a Regimes Tirânicos que lhes suprimiram Direitos Civis e Políticos, acesso à Arte e à Cultura verdadeiras (não confundir com o triste arremedo que lhes substituiu) e lhes causaram uma ruína financeira que pode ser medida pela Inflação de 80% ao mês que deixaram como herança maldita. Regimes que negaram o acesso às genuínas manifestações do espírito humano, já que a estupidez que os caracterizava classificava como “subversivos” tudo aquilo que fosse Superior ao seu indigente poder de reconhecimento e compreensão.
Atualmente, exemplos como os citados na Nota perdem um pouco o seu poder de ilustrar a situação descrita no parágrafo anterior, pois com a hegemonia do Capitalismo, o cerceamento da Inteligência (e da Liberdade que ela oferta) tornou-se de tal monta que deixou de ser pontual, passando a ser mera rotina.
Todavia, mesmo que desatualizado, não deixa de sinalizar que ao perder, ou abdicar, de seu Direito à “Liberdade Positiva (ie, da liberdade de se autodeterminar)” o Indivíduo (por ingenuidade ou falta de Cultura, ou por simples covardia), entrega também a sua “Liberdade Negativa”, vez que será inexoravelmente subjugado pelo Poder que ajudou a consolidar, tanto através de seu voto, quanto de seu silêncio.
Perderá, pois, a sua independência física, material, política para a Potência que o subjugou. E essa prisão acarretará a perda de sua “Liberdade Positiva”, pois os cárceres costumam prender além dos corpos, a esperança, os anseios, os desejos, a autodeterminação de quem lhes é entregue, formando um Circulo Vicioso de difícil saída.
Os Objetivos da Vida
Exercendo a pura Filosofia enquanto estudo de todas as nuances de uma questão, inclusive o seu contraditório, BERLIN apontou para outro problema. Quem diz, e com qual Direito, qual deve ser o objetivo da “Liberdade Positiva”?
Regimes Totalitários e Autoritários (tanto de Direita, quanto de Esquerda) frequentemente tem uma visão inflexível do propósito da vida (alguns Regimes autocráticos do Oriente, situam esse propósito na completa submissão a um eventual Deus) e não hesitam em restringir, ou mesmo suprimir completamente, as Liberdades Civis e Individuais (ie, as “Liberdades Positivas”) para atingirem seus objetivos espúrios e tortos e sua arrogante concepção do que seja a “felicidade humana”.
Com efeito, a Opressão Política normalmente nasce de um Ideal equivocado (por desconsiderar as individualidades) sobre o que é, ou seria, uma “vida plena, produtiva e feliz”. Depois desse ignominioso parto, segue-se a intervenção do Regime obrigando que a Sociedade aceite aquela sua distorcida visão. Vê-se, pois, a ilegitimidade – mesmo que seja espuriamente legalizada – dessa origem sórdida.
Para BERLIN a resposta a tal sordidez divide-se em duas partes:
1 – É preciso reconhecer que as várias Liberdades estão sempre em conflito, pois o meu desejo interfere com o desejo de outrem e vice-versa. Afinal, Não existe um “Objetivo de Vida” geral. Existem, na verdade, os “Objetivos Individuais” específicos.
Esse fato, essa característica humana, é real, verdadeiro e perene, não obstante os ataques e/ou a tentativa de escamoteá-la, que sofre por parte dos Filósofos, dos Religiosos e doutros pretensos “Entes Iluminados”, que insistem em achar uma “Base Comum” para a Moralidade sem contudo encontrá-la, já que não é raro que confundam seus próprios objetivos de vida, com os fatos da Realidade.
2 – Cientes, então, dessa profusão de interesses conflitantes, precisamos de eterna vigilância para manter sob um padrão civilizado as várias demandas e contradições. É necessário mantermos vivo o “Sentido Fundamental da Liberdade”, que é a ausência de intimidação e dominação para que os nossos Ideais não se transformem em grilhões para os outros.

São Paulo, 29 de Maio de 2012.

terça-feira, 29 de maio de 2012

Tantas


Tantas passaram.
Tanta gente
que nem deveria.
E tantas outras que
eu pensava que
nunca esqueceria.
E tantas passaram.

Mas tu, Princesa,
ainda que longe,
saiba-se definitiva
em minha alma
cativa.

          Para C.

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Ópera


Intruso vento
atravessa a janela
e agita antigas plumas
de velhas fantasias.
Vultos reencarnados
refazem atos passados.

Uma luz amarela
recria um Outono,
enquanto Butterfly
ensaia novo amor;
e uma Lua azul
se desprende do holofote
e ilumina os graves agudos
de Callas divina.

E enquanto o Coro entoa
as Árias de todas as vidas
gira o Mundo, gira a cena.
E há lágrima e há riso
entre as Nereidas
e entre as Walkiryas,
pois em tudo se canta
a glória de amar;
a eterna urgência
de sempre recomeçar.

              Para C.

domingo, 27 de maio de 2012

Encontro de Poesia - Niterói RJ. - Julho de 2012


Imigrante


Os antigos Céus
do Oriente,
brilham nas cores
que balançam
o corpo da bailarina.
Contam-se as pérolas
em cada sorriso
da Moça Bonita
e se adivinha a ternura
em cada carícia que ela desenha
ao compasso da música
de remotos lugares.

Coragens e miragens
evocam saudades imagens.
E pela lágrima que escapa,
corre um rio
em busca do Mar
que o Tempo levou.
Em busca do lar,
que tão longe ficou.

         Para o Sr. Yokio Aoshi, o pai que a vida me deu.

sábado, 26 de maio de 2012

Anjos


Que esse Coro de Anjos
embale tua noite.
E que a fresca do sereno
lave os caminhos
que a tua estrela percorre.
Que haja brilho de Luar
e versos em todo caminhar;
e venha a branca Aurora,
que aos poucos se mostra,
sorrir teu novo dia.
E que nele, cada alegria
seja efetiva alforria,
pois livre é o Destino
de todo passarinho.
Pois livre é o colo,
que tu torna ninho.

            Para C.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Filosofia Moderna e Contemporânea - DEWEY, John - Pragmatismo e Utilitarismo.


DEWEY, John
1859 – 1952
Não solucionamos problemas filosóficos. Nós os superamos.
As experiências científicas, como as realizadas por Benjamim Franklin com a Eletricidade, na década de 1740, ajudam-nos a ter o efetivo controle sobre o Mundo. A Filosofia deveria fazer o mesmo.
John DEWEY estudou na Universidade de Vermont e ali lecionou por três anos antes de realizar estudos complementares nas disciplinas de Psicologia e Filosofia. Posteriormente lecionou em outras Universidades importantes e foi o autor de vários estudos sobre um amplo leque de temas, tais como: a educação, a democracia, a psicologia e a Arte. 
Além de acadêmico, DEWEY foi o fundador da célebre Instituição Educacional chamada de “University of Chicago Laboratory Schools”, onde colocou em prática suas ideias sobre o Processo Educacional intitulado de “aprender fazendo”.
A Instituição ainda hoje goza de muito prestigio e os vários campos que despertaram o interesse e a atenção de seu fundador, bem como a hábil oratória do mesmo, expandiram sua importância para além do meio Escolar e consolidaram sua influência.
Assim, em meio às suas diversas atividades, e particularmente em meio à elaboração de textos filosóficos e sobre as Questões Sociais, DEWEY viveu até os 92 anos de idade. Embora não tenha deixado um legado intelectual que prime pela originalidade e profundidade, é um Pensador de escol que deve ser conhecido. O *Pragmatismo e o *Utilitarismo, expressos nas sentenças em epigrafe, resumem o seu Ideário.
*Pragmatismo e Utilitarismo – Sistemas de Pensamentos que dispensam as abstrações e reflexões mais profundas, centrando suas atenções nos aspectos práticos da vida. Vários Filósofos (dentre os quais Bertrand RUSSELL) censuram-lhes por essa falta de comprometimento com a Verdade Primeira, com os Conceitos Superiores, com a Investigação Aprofundada etc. da vida, do Universo, do Ser. Alguns outros eruditos negam-lhes inclusive a classificação de “Filosóficos”, preferindo reduzi-los à Categoria Inferior de “Manuais de como bem satisfazer as necessidades básicas (materiais, físicas) e menores dos Seres Humanos”.
Todavia, sendo tais Pensamentos genuinamente Filosóficos ou não, o fato é que existem e ganham mais adeptos a cada dia, em face da supremacia que os valores materiais, financeiros assumiram em quase todas as partes do Mundo.
Que eles refletem o rebaixamento intelectual, emocional, ético e espiritual que atinge a Humanidade é indubitável, restando aos mais esclarecidos e melhores intencionados buscar fórmulas para se recuperar o antigo esplendor e atenuar os baixos padrões que vigem na atualidade. E é justamente por isso, que tais “Esquemas de Pensamentos” devem ser conhecidos e estudados, para que num segundo momento possam ser modificados ou eliminados.
John DEWEY foi um dos fundadores do “Pragmatismo”, juntamente com Charles Sanders Peirce (1839 – 1914 EUA) no final do século XIX, e durante toda vida, foi um ardoroso defensor de suas virtudes (sic). Fã da Corrente de Pensamentos que criou, adotou integralmente a concepção de que o propósito, o objetivo, a finalidade da Filosofia, ou “Pensamento”, Não é oferecer um retrato verdadeiro do Mundo, mas apenas ajudar o Homem a pensar e a agir de modo mais eficaz dentro desse Mundo. Segundo o cânone pragmático, não devemos ficar perguntando “é dessa forma que as Coisas são?”; mas “quais são as implicações, as consequências práticas se adotarmos tal ponto de vista?”.
Com efeito, para DEWEY, os Problemas Filosóficos (ie, os problemas, os assuntos que são estudados pela Filosofia) Não São, ou Não deveriam ser as questões abstratas, divorciadas do cotidiano das pessoas. Ao contrário, pois ele os via como Problemas que ocorrem porque os Homens são Seres Vivos em busca de algum Sentido, de alguma Direção no Mundo, lutando para decidir como pensar e agir no Mundo, da melhor forma possível.
A Filosofia começa a partir das esperanças, das aspirações que os Humanos têm em seus cotidianos e, também, quando surgem problemas no curso da vida. Por isso, para DEWEY, a Filosofia devia ser um meio de encontrar respostas práticas para ambas as situações. Ele acreditava que filosofar Não é agir como um “mero espectador”, distante do Mundo prático, físico, mas se engajar ativamente nas nuances da vida. O oposto do estereótipo do Filósofo contemplativo, absorto em suas Reflexões e totalmente desapegado das coisas mundanas, que para ele são desprezíveis.
Ainda em relação ao aparecimento de “problemas ao longo da vida” que ensejam o Pensar, DEWEY propôs que:
1 – Os problemas surgem porque tentamos apreender, captar, o Sentido (o que é, por que existe?) dos desafios de viver em um Mundo em constante transformação.
2 – Ou, então, porque buscamos compreender as Tradições culturais, religiosas, místicas etc. que herdamos das gerações antecessoras.
3 – Em ambos os casos compete à Filosofia *solucionar os problemas práticos, ao invés de só nos mostrar um retrato da situação.
*NOTA do AUTOR – quase que por ironia, a mesma tese de Karl Marx, que mesmo no outro extremo do espectro Político Ideológico dizia que “até agora a Filosofia serviu para tentar explicar o Mundo; doravante deverá servir para modificar o Mundo”.
4 – Têm-se aí, então, a gênese do Pensamento, o qual, segundo a ótica do Erudito, seria uma reação (instintiva?) ante os problemas surgidos. Em suas palavras: “somente pensamos quando confrontados por problemas”.
Criaturas em Evolução
Outra vigorosa influência que DEWEY sofreu foi a do Naturalista Charles Darwin (1809 – 1882, Inglaterra) que em 1859, publicou sua obra máxima “A Origem das Espécies”.  Nela, como se sabe, o inglês descreveu os Humanos como Seres que fazem parte do Mundo Natural, ie. da Natureza Física, e que, como os outros (plantas, animais) evoluíram em resposta aos seus meios ambientes em constante transformação. Para DEWEY uma das consequências da teoria darwiniana é a obrigação de pensarmos que os Humanos são simplesmente Seres da Natureza.   Ou seja, Não São “essências fixas criadas por Deus”. Afinal, para ele, Não somos “almas pertencentes a outro Mundo, imaterial, abstrato”; somos apenas “organismos” desenvolvidos que tentam evoluir continuamente para sobreviver num Mundo do qual, inevitavelmente, fazemos parte.
Tudo Muda
Também de Darwin, o Pensador tomou a ideia de que a Natureza é um Sistema em constante mutação.
NOTA do AUTOR – observe-se que, na verdade, essa ideia foi concebida na Grécia Clássica pelo Filósofo Pré-Socrático chamado Heráclito. Aqui, em paralelo, também é possível fazermos uma ligeira comparação entre um “Verdadeiro Sistema Filosófico”, como o do grego, que ainda vigora após ter sido proposto há milênios, com um “Sistema de Pensamentos” de menor substancialidade como o de DEWEY.
A partir da constatação dessa perpétua mudança (O Eterno Devir), DEWEY tomou essa concepção como ponto de partida sempre que foi levado a refletir sobre quais são os Problemas Filosóficos e como eles surgem.
Assim fez, por exemplo, quando expôs sua afirmativa de que “só pensamos quando confrontados por um problema” – num Ensaio que rotulou de “Kant e o Método Filosófico”, em 1884 – ou quando afirmou que somos Organismos que têm de responder a um Mundo sujeito a constantes mudanças.
Para ele, a Existência é um risco ou um jogo e o Mundo é naturalmente instável, por isso dependemos do ambiente para sobrevivermos e prosperar. Aquilo que parecia sólido durante anos e anos, de repente se altera totalmente, deixando-nos cabalmente desamparados. Desse modo, diante de tanta incerteza, o Pensador dizia que existem duas estratégias a serem adotadas:
1 – apelar para místicos “Seres Elevados” e “Forças Ocultas” do Universo, em busca de socorro;
2 – ou procurar entender Racionalmente o Mundo e conquistar meios e poderes capazes de nos garantir algum controle sobre o meio ambiente.
NOTA do AUTOR – embora privilegiem as Coisas físicas, materiais, concretas, o Pragmatismo e o Utilitarismo não fazem apologia do ateísmo. Consentem que haja alguma crença n’algum Deus (preferencialmente num Deus que castigue ou premie “fisicamente” com a dádiva da prosperidade, das riquezas, ou as torturas do Inferno, a (des) obediência aos limites impostos pela Moral e “Bons Costumes”, como se pode observar no fundamentalismo religioso do estadunidense médio). Interessa-lhes que exista “A Crença (mais que o próprio Deus, até porque nega a existência de um ‘Ser’ abstrato)”, “a Fé”, pois esta atua como freio repressor e/ou como agente motivador para a obtenção de novas aquisições materiais, físicas.
Apaziguando os deuses
A primeira das estratégias consiste na tentativa de conquistar a simpatia dos deuses e com ela, a obtenção de seus favores (ou Graças). Para tanto, pratica-se regularmente o sacrifício de animais (os humanos não são comuns), rituais diversos (como os despachos, ebós, cultos, missas, novenas etc.), autoflagelações, abstinências e várias outras formas de demonstrar submissão, temor, respeito. Tudo, para tentar agir sobre o Mundo físico, com a força dos ritos mágicos, e ser mais poderoso que qualquer obstáculo racional que se apresente. Para DEWEY, essas pantomimas formaram, e ainda preservam a base das Religiões e Crendices estabelecidas, assim como os limites Morais e dos “Bons Costumes”.
NOTA do AUTOR – talvez até da Ética, na medida em que o indivíduo se apossa de noções que supõe serem divinas, sobre o Certo e o Errado. É claro, que indivíduos assim, nem cogitam em se perguntar o que é realmente, o Certo e o Errado. Para DEWEY a gênese desse apossamento está na tentativa de se imitar os deuses e com isso apaziguar as suas cóleras. A partir daí se estabeleceria o seguinte escambo: nós os respeitamos e tanto tememos, que até abrimos mão de nossas convicções para encamparmos a dos Senhores, mas em troca queremos que nos sejam concedidas as Graças de que necessitarmos.
Conforme DEWEY, os nossos antepassados cultuavam os deuses e os espíritos na tentativa de se aliar aos mesmos. De se aliarem aos “Poderes que concedem a Fortuna (ie, a boa sorte, o bom destino)”. Tentativas que se tornaram rotineiras e que ensejaram o aparecimento das Fábulas, dos Mitos e das Lendas em todo Mundo.
NOTA do AUTOR – e ainda hoje, assiste-se a esses rituais, iguais em essência, que visam os mesmos objetivos.
Em relação à Segunda estratégia (cuja origem, diga-se, remonta ao surgimento dos primeiros filósofos – os Pré Socráticos – na Grécia Clássica) observa-se que é a resposta que se dá às incertezas do Mundo, através do exercício racional. Do Exercício intelectual. Do uso da Razão.
É o desenvolvimento de técnicas variadas que nos permitem exercer algum controle sobre o Meio Ambiente de modo que se possa, no mínimo, prevenirmo-nos dos efeitos colaterais e nocivos das bruscas alterações; e, no máximo, evitarmos que as mesmas aconteçam. O desenvolvimento que nos permite viver com a máxima segurança e conforto possíveis.
Destarte, podemos aprender a “prever o Tempo”, a construir prédios capazes de nos abrigar efetivamente, a plantar sementes melhores, a curar doenças etc. Ao invés de procurarmos socorro na aliança com “Seres Superiores” e com as “Forças Ocultas”, buscamos encontrar meios para entender o funcionamento do Universo, da Vida e, num segundo momento, as maneiras de como alterá-los a nosso favor.
NOTA do AUTOR – ainda que persistam Crenças e Crendices em antigos ritos mágicos, ou em novos ritos de “autoajuda”, observa-se que a Humanidade caminha para a segunda estratégia apontada por DEWEY. Porém, ao contrário do desejável, não o faz por apego à Racionalidade e sim, salvo as exceções de praxe, por uma simples troca de divindades. Deixa-se de acreditar na “Deusa Fortuna” para se acreditar na “Deusa Tecnologia”. Extraterrestres inclusos.
Ironicamente, de todos os elementos que formam o Mundo, aquele que tem consciência da mutabilidade das Coisas, é o mais imutável. O Homem, embora seja diferente de seus antecessores na aparência, ainda é o mesmo em essência.
De todo modo, DEWEY insistiu para que aceitássemos o fato de que o controle que podemos exercer sobre o Meio Ambiente será sempre parcial. É impossível que se eliminem todas as incertezas e é, justamente por isso, que a vida é tão perigosa.
Uma Filosofia Luminosa
Segundo o Pensador, durante grande parte da Historia, essas duas abordagens acerca da maneira de se enfrentar os desafios da vida coexistiram, mesmo que à custa de uma enorme tensão. Desses atritos resultou o aparecimento de duas formas diferentes de Saber, de Conhecimento. Por um lado, a Religião e a Ética. Por outro, a Tecnologia e a Arte. Ou, simplesmente, a Ciência de um lado e a Tradição de outro.
A Filosofia, para DEWEY, é, pois, o Processo de que nos valemos para tentar superar as contradições entre esses dois Conhecimentos. Contradições, diga-se, que não são apenas de ordem teórica, mas também de ordem prática, material. Vejamos o seguinte exemplo:
Posso ter herdado várias crenças sobre Ética, ou seja, sobre os modos de me conduzir para viver uma “Vida de Bem”. Porém, eu também posso descobrir que essas Crenças se chocam com o Conhecimento que eu adquiri ao estudar as Ciências. Cabe a Filosofia, então, dar-me o rumo que devo tomar para conciliar as duas Sabedorias que detenho, já que ambas contém erros e acertos e que por isso é necessário preservar o que há de Bom e de Verdadeiro em cada uma (imaginando-se que eu pudesse ter a certeza do que é Bom e Verdadeiro).
Dessa sorte, pode-se dizer que a Filosofia é a “Arte” de encontrar respostas práticas e teóricas para os problemas da vida. Ou que é um instrumento, segundo o Pragmático DEWEY, que serve para solucionar os impasses e tornar a vida física melhor.
NOTA do AUTOR – vale citar novamente que Filósofos Verdadeiros estenderiam o assunto, indagando a DEWEY “mas o que uma vida física melhor?”.
Há no contexto dessas formas de “Pensar Pragmaticamente” duas maneiras para julgar se uma forma de Filosofia é bem sucedida (sic).
Primeiro, devemos perguntar se ela tornou o Mundo mais inteligível (ou mais compreensível pelo Raciocínio). Conforme DEWEY: tal Teoria tornou nossa vida mais “Luminosa (clara)”, ou mais opaca?
Afinal, em concordância com Peirce, o objetivo do Estudo Filosófico é tornar as Ideias, os Conceitos, as Noções mais claras e fáceis de serem compreendidas. Qualquer Teoria que produzisse o resultado inverso (tornar as Ideias, Conceitos, Noções mais obscuros) não mereceria sequer a consideração dos dois Pragmáticos.
NOTA do AUTOR – não é raro que essa censura que DEWEY e Peirce fazem aos textos mais complexos (não confundir com textos complicados por arrogância do autor que com isso pretende ostentar sua pseudo Cultura e erudição) seja compartilhada e entusiasticamente apoiada por todos os humildes de inteligência e/ou de Cultura, que não hesitam em classificar-lhes como “papo de intelectualóides” e outros adjetivos condizentes com as suas mendazes condições mentais.
Em segundo lugar, para o nosso Pensador, o êxito de uma Teoria Filosófica está diretamente ligado ao fato da mesma poder ser aplicada aos problemas materiais, físicos da vida. Está no fato de ela ser “útil para a vida (sic)”. Ou, “se ela produz o enriquecimento, a prosperidade e o aumento de Poder sobre os outros”.
Poder-se-ia contrapor, de novo, os questionamentos que a Filosofia Verdadeira colocaria ante os Conceitos de “riqueza, poder, luminosidade e outros citados”, mas tal repetição nada acrescentaria, pois a proposta deste Ensaio, assim como a dos outros, é apenas apresentar as Opiniões desse estadunidense que teve, pelo menos, o mérito de sistematizar um Sentimento que permeia as massas desde os primeiros tempos.

São Paulo, 25 de Maio de 2012.

Retorno


Navegam barcos brancos
pelos virgens mares.
Levam rudes desejos
e frescas rosas.

Em vão cantaram
as Sereias, pois
surdo Odisseu
passou por Cila Cibila
em busca dos tecidos
braços de Penélope.

Pudesse,
seguiria sua
Odisséia de Odisseu
em busca do amor
de Penélope outra,
a Musa sempre.

Pudesse,
navegaria barcos brancos
e as frescas rosas
falariam do bruto desejo
que o amor partido
não fez esquecido.

Pudesse,
navegar navegaria,
em ares voaria,
pois sopram os ventos
sobre o Egeu
e caminhos te trazem,
helênica Princesa,
na rubra Aurora acesa.

                  Para C.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Viagem


Palavras que voam
espalham a poeira
das esperanças adormecidas.
Sinto que a bruma recua
e pressinto alguma luz.
Marina, ao meu lado,
sorri confiança e ilumina
por instantes
a escuridão do olhar.
Além do vidro, a vida
segue um riso anônimo.
Queria lhe seguir,
mas o tubo me contém.
O visco dessa teia
adia meus passos
e, no entanto, a luz
pressentida insiste
que a vida haverá
de me esperar.
Talvez seja só,
outro viajar.

          para Marina, que fez a viagem.

terça-feira, 22 de maio de 2012

Filosofia Moderna e Contemporânea - ORTEGA y GASSET, José - O Livre-Arbítrio - Eu sou eu e as minhas circunstâncias.


ORTEGA y GASSET, José
1883 – 1955
O Livre Arbítrio – Possível ou Não?
Eu sou eu e as minhas circunstâncias.
A vida é uma série de colisões com o Futuro.

Para muitos eruditos, ORTEGA y GASSET é o Filósofo contemporâneo que mais se destaca no ramo da *Ontologia, em nossos dias.
Suas reflexões acerca do “Ser”, do “Existir” expressam o estudo mais genuíno da Filosofia, na medida em que por ele, o que se investiga é a “Existência Pura”, despida de características efêmeras e/ou de menor importância. Investiga-se, pois, esse “misterioso ato de viver”.
*ONTOLOGIA – como se sabe, a Ontologia (do grego “To On”) é a parte da Filosofia que estuda “o que realmente existe”, independentemente do que já sabemos sobre ele. A natureza (O que é, como é, etc.) ou os aspectos individuais “daquilo que existe” é investigado por outro ramo da Filosofia, chamado de Epistemologia.
A Ontologia é o estudo do “Ser” pensado como tendo uma natureza comum (ou características comuns) e inerente a todos os “Seres” e a cada um individualmente. É o estudo do “Ser” sem as suas características pessoais, ou individuais.
José ORTEGA y GASSET nasceu em Madri, Espanha, em 1883. Cursou Filosofia na Universidade da cidade e complementou seus estudos nessa área em outras Universidades alemãs. A elas foi levado por seu apego ao Pensamento de Kant (Immanuel, 1724 – 1804, Alemanha) que influenciou deveras o seu Sistema Filosófico.
Posteriormente lecionou na Espanha e paralelamente agregou à carreira acadêmica os ofícios de Jornalista e de Ensaísta. Também militou ativamente na Política durante as décadas de 1920 e 1930, mas sua carreira nesse terreno findou em 1936 com a eclosão da Guerra Civil Espanhola. Exilou-se nessa ocasião na Argentina e ali morou até 1945 quando retornou à Europa. Viveu por três anos em Portugal e finalmente voltou à Pátria em 1948, quando fundou em Madri o célebre “Instituto de Humanidades”.
ORTEGA y GASSET continuou a lecionar e a escrever até o fim de sua proveitosa vida, deixando uma herança de Conhecimentos que ainda hoje é base para diversos Pensamentos filosóficos.
Para o Filósofo,
1 – Estamos sempre imersos, contidos, limitados por “Circunstâncias Particulares”, ie. sob a pressão dos fatos que nos atingem direta ou indiretamente. Podem ser fatos corriqueiros, tais como: onde vivemos, o que fazemos e coisas similares, até os “grandes acontecimentos” políticos que alteram a vida de populações inteiras. Ou, ainda, circunstancias intimas, tais como os nossos pensamentos, os nossos (pré) conceitos, as nossas crenças etc.
2 – podemos, com efeito, aceitar ou rejeitar tais circunstâncias ou conjunturas, imaginando (e até tentando seriamente) novas possibilidades.
3 – É claro que justamente por serem novas, essas alternativas ou possibilidades serão diferentes das circunstâncias atuais, havendo entre ambas o choque, a colisão inevitável.
4 – Portanto, podemos pensar que a Vida é uma série de choques e colisões com o futuro.
NOTA do AUTOR - antes de adentrarmos no estudo do Pensamento mais explicito de ORTEGA y GASSET, será interessante refletirmos sobre um tema parcialmente oculto que a frase em epígrafe, “sou eu e as minhas circunstâncias”, abriga. A questão do chamado “Livre Arbítrio”. Geralmente o “Livre Arbítrio” é aceito ou rejeitado, quase inexistindo quem o aceite com algumas reservas, ou quem o rejeite com algumas atenuantes. Contudo, a sentença do Filósofo leva-nos a pensar nessa inevitável condição, pois se não podemos exercer o “Livre Arbítrio” em sua plenitude por estarmos sempre limitados pelas circunstâncias (tanto as externas, quanto as internas), também não podemos dizê-lo impossível, vez que há a possibilidade de se alterar ou eliminar alguma circunstância, por mais difícil que isso seja.
Desse modo, o Pensador coloca em prática um singular tipo de Humanismo ao redirecionar os holofotes para o Homem, fazendo-o o único responsável por aumentar ou diminuir a própria liberdade. Se não a Material, pelo menos a Intelectual.
A Filosofia desenvolvida por ORTEGA y GASSET focaliza diretamente a vida. Não lhe interessa analisar o Mundo com a frieza e o distanciamento de tantos outros Pensadores. Sua latinidade, sua paixão, leva-o a explorar o modo como a Filosofia pode ajudar a Criatividade no ato de pensar. Como a Criatividade pode ser atrelada à vida.
Para ele, a Razão, o frio Raciocínio, pode e deve deixar de ser gélido, ou calculista e passivo. Ao contrário, que a Razão seja “algo” ativo e, nessa condição, permita-nos entender como trabalhar com os fatos, com as circunstâncias que nos cercam no Presente e como alterá-las de modo favorável para o Futuro.
Em sua obra “Meditações de Quixote (note-se a correção do titulo)”, de 1914, ORTEGA y GASSET lavrou a célebre frase (sou eu e as minhas circunstâncias) em epígrafe, cuja concisão não prejudica o amplo conteúdo que agasalha. Com efeito, essa sua sentença tornou-se um eficientíssimo resumo de seu Ideário, como veremos a seguir:
Descartes (Renné, 1596 – 1650, França) dissera ser impossível imaginar a nós mesmos como Seres Pensantes e ainda duvidar de que existimos efetivamente, assim como o Mundo Exterior (incluindo-se aí, o nosso próprio corpo físico). ORTEGA y GASSET concordava com a tese do francês, porém discordava de seu Dualismo – Mundo do Pensamento, Mundo Exterior, Pensamento e Corpo físico – já que não via Sentido, ou justificativa, em nos acharmos separados do Mundo.  
Afinal, o Mundo Físico, Concreto nos condiciona em todos os momentos e se quisermos pensar seriamente sobre nós mesmos, temos que aceitar o fato de que estamos sempre imersos em determinadas conjunturas, ou circunstâncias, que no mais das vezes são opressoras e limitadoras. E que tais limitações não são apenas físicas, materiais, mas também de ordem intelectual/emocional, posto que os nossos pensamentos e sentimentos sejam repletos de preconceitos, crendices, crenças e complexos de inferioridade ou de superioridade que formatam os nossos hábitos e delimitam até onde conseguimos chegar.
A maior parte da população vive, segundo os Existencialistas, uma “Vida Inautêntica; ou seja, sem refletir sobre as questões mais profundas da existência, dentre as quais àquelas relativas às circunstancias que lhes cercam e constrangem. Pouco ou nada pensam sobre o que é, por que existe, como se formou determinada condição ou situação que ora limita suas possibilidades. Alguns desses, desprovidos de Raciocínio, ou de vontade de usá-lo, chegam a debitar a figuras Mitológicas ou Místicas (deuses, Deus, o azar, a sorte, o destino) a ocorrência de fatos que interferem em seus cotidianos e, ao invés de tentar solucionar racionalmente o problema (ou minorar seus efeitos), busca vencer a problemática através de rituais religiosos (cultos, missas, novenas etc.) e/ou místicos (feitiços, simpatias, despachos, ebós etc.). Dão a Todas as circunstâncias um caráter sobrenatural, fantasmagórico, sem atentar para o fato de que a maioria das condições do Presente são apenas consequências de atitudes tomadas no Passado (exceto, é claro, a ocorrência de desastres naturais, de decisões inelutáveis do grupo, das forças das multidões etc.).
Por isso, ORTEGA y GASSET pregou que os Filósofos (no sentido lato do termo: “amigo do Saber” e não no sentido de “Profissional de Filosofia”) devem se empenhar para entender as suas próprias circunstâncias e mudá-las com a urgência possível. Que todos que possuam Raciocínio e vontade efetiva de utilizá-lo se empenhem em buscar a verdade dos fatos. E, óbvio, os meios capazes de alterá-los. Que nesse trabalho se exponha e se explique o que está junto, que é subjacente às crenças que formaram aquelas condições.
A Energia da Vida
Com o propósito de efetuar essas mudanças, ORTEGA y GASSET pregou que os Filósofos devem primeiro reexaminar suas crenças, entender suas origens, descartar aquelas que forem nocivas e a partir daí comprometer-se em criar novas possibilidades. Novas condições, novas circunstâncias.
Nesse ponto, seu Ideário aproxima-se bastante ao de Edmund Husserl (1859 – 1938, Moravia), o pai da Fenomenologia, que também via a Realidade como um Processo em evolução, no qual o individuo e o Mundo são interdependentes.
De modo semelhante, pois, ORTEGA y GASSET afirmou que nascemos em um Mundo que efetivamente nos molda, nos formata. Porém, a recíproca é verdadeira, pois nós também podemos moldar, ou formatar o Mundo segundo nossos interesses, à medida que mudamos a nossa forma de percebê-lo (passamos a lhe ver não só como uma rinha de luta, onde o que importa é vencer, ser mais poderoso, rico, belo que o outro. Ver que o bem-estar, a felicidade pode estar além do dinheiro (sem prescindir dele, é claro) e que de tudo somos capazes, pois nossos poderes aumentam na mesma proporção que a nossa vontade os faz crescer).
Contudo, o Filósofo reconhecia que independentemente da boa vontade e do quanto nos liberamos para imaginar novos cenários futuros, as circunstâncias do momento sempre interferem e limitam a extensão do que podemos realizar e, por consequência, projetar racionalmente.
A Realidade do Mundo sempre se chocará com os nossos sonhos e anseios, mas mesmo assim devemos insistir em nos libertarmos. Afinal, é esse exercício que nos diferencia das outras criaturas que coabitam o Planeta conosco e é pelo desafio que as circunstâncias contrárias representam que nos sobrevém o fortalecimento das nossas capacidades mentais.
ORTEGA y GASSET, por tudo isso e como já se disse, via a vida como uma série de choques, de colisões com o Futuro, mas sabia, certamente, que a Luz vem justamente desses atritos. Sua proposta, pois, é desafiar as conjunturas tanto no nível pessoal, quanto no nível Político.
Aliás, em termos de Política, ele supõe com acerto que toda tentativa de mudança será desafiada pelos Conservadores e por tantos outros que se amedrontam ante qualquer alteração em suas vidas, por mais miseráveis que elas sejam. Mas que nos compete continuar avançando contra as limitações impostas pelas circunstâncias adversas, dentre as quais uma que se esconde no Regime Político adotado pela maioria do Ocidente.
Em sua obra “A Rebelião das Massas”, de 1930, ele adverte que a Democracia carrega em si uma grave ameaça: “A Tirania da Maioria”; ou seja, o risco de que o populacho inculto e por isso apegado à sua retrógada e medíocre tábua de valores religiosos e morais queira obrigar a todos os cidadãos a viverem conforme seus valores e hábitos tacanhos. E adverte o Filósofo, que viver segundo essas normas, regras e costumes do “Império da Maioria” é viver sem perspectiva própria, pessoal. É viver como mais “um do rebanho”, sem qualquer expectativa de enriquecimento intelectual, cultural, ético, pessoal etc. Atento apenas em saciar suas necessidades materiais básicas.
Para ele, a menos que nos engajemos em uma Cruzada contra essa “Tirania da Maioria Medíocre”, Não viveremos plenamente, pois sempre submetidos às circunstâncias consideradas imutáveis (ou de origem divina) perderemos a capacidade de usar a Razão, o raciocínio e com ela perderemos a “Energia da Vida”, que é justamente todo ato de Esperança. Toda crença de que somos capazes de alterar e superar as nossas circunstâncias.
São Paulo, 22 de Maio de 2012.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Monólogo


Céu dividido
que molha a Terra,
lava minha alma
e leve em tua corrente
a estéril semente.
Ainda roda o Carrossel,
mas está despido
do riso que lhe girava.
Agora já tocam
o terceiro sinal,
no Teatro das Sombras
que escurece a cena do Mundo.
Talvez um diálogo
seja encenado,
ou um só um monólogo
de amor fracassado.

domingo, 20 de maio de 2012

Filosofia Moderna e Contemporânea - RUSSELL, Bertrand - O Ócio Produtivo, o Trabalho sem Sentido, o Logicismo, a Filosofia Analítica, o Ecocentrismo


BERTRAND, Russel
1872 – 1970
“O Elogio ao Ócio”. “O caminho para a Felicidade está na redução organizada do Trabalho”. “Um dano imenso é causado pela crença de que o Trabalho é virtuoso”. “A Moralidade do Trabalho é a Moralidade de escravos, e o Mundo Moderno não precisa da escravidão”. A Filosofia Analítica, o Logicismo e o Ecocentrismo.
Não é difícil imaginar o ranger de dentes que opiniões como as da epigrafe causam nas mentes obscuras de boçais adestrados numa Tabela de falsos valores religiosos e morais, criada justamente por elites inescrupulosas que prosperam graças à exploração alheia.
Se hoje, com alguns avanços inegáveis no campo Tecnológico, com reflexos no terreno da Moralidade, tais opiniões ainda são objetos de severas censuras, imagine- se quando foram exaradas, há cerca de meio século, por esse brilhante matemático que se tornou um dos mais influentes Filósofos do nosso tempo.
Contudo, um estudo despido de pré juízos e de pré conceitos revela, até aos mais empedernidos censores, a Profundidade, o Alcance e a Correção do Pensamento desse Pacifista generoso e atuante. Ver-se-á que o seu, é um caminho que merece ser seguido.
Já em 1905, Max Weber, em sua obra “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo” apontava para o fato de que a junção entre crenças religiosas fundamentalistas (e/ou místicas) e Capital acumulado agia como detonador da mediocrização da vida, fazendo com que ela fosse considerada apenas em seus aspectos físicos, materiais e indigentemente religioso. O empobrecimento da Cultura, da Abstração e da Sublimação já estava além da pressuposição, mas ainda não era tão ostensivamente visível quanto na atualidade.
Seguiu essa vereda o Pensar de RUSSELL, do qual faremos primeiramente um brevíssimo resumo na sequência, excetuando propositalmente a parte em que o mesmo expôs a sua “Lógica”, sua “Filosofia Analítica” e o seu “Ecocentrismo”, que receberão as merecidas linhas no final do trabalho.
1 – nossas atitudes diante do Trabalho são Irracionais.
2 – por um lado admitidos que qualquer Trabalho seja bom e tenha valor por si mesmo.
3 – porém, atribuímos valores diferentes para diferentes trabalhos.
4 – essa contradição entre o nosso hipócrita discurso que dá importância àquilo que no intimo julgamos Não ter, causa-nos Infelicidade. Também nos torna infelizes a hierarquização do Trabalho, principalmente se o nosso não é reconhecido como importante (nem para nós mesmos e, principalmente para os demais) e, consequentemente, não nos rende boa remuneração, tampouco prestigio. Note-se, ainda que se diga cinicamente e segundo o “Politicamente Correto” que é, sim, importante e valoroso.
5 – a opção óbvia para sanar ou minorar a infelicidade seria escolher dentre as opções que nos agradam, um Trabalho genuinamente valoroso tanto para nós próprios, quanto para a Sociedade a que pertencemos. Mas é claro que isso nem sempre é possível e quase nunca depende exclusivamente da vontade singular do indivíduo. É preciso que uma conjunção de fatores ocorra (a Economia em desenvolvimento, por exemplo) para que tais oportunidades se apresentem. Portanto, pelas dificuldades encontradas, o resultado final é o surgimento da Infelicidade.
6 – todavia, para RUSSELL, independentemente da maior ou menor satisfação que o Trabalho possa oferecer, o certo seria que trabalhássemos menos e utilizássemos o tempo livre para exercitar a Criatividade, a aquisição de Cultura verdadeira e de Saberes que nos acrescentassem enquanto pessoas.
Bertrand Russel nasceu no País de Gales, na Grã Bretanha, no seio da Aristocracia. Desde criança inclinou-se para a Matemática e a estudou na Universidade de Cambridge, onde travou relações com Alfred North Whitehead, seu futuro parceiro na obra “Principia Mathematica” que lhe deu a fama de ser um dos maiores Eruditos da Modernidade. Também em Cambridge, conheceu Ludwig Wittgenstein a quem influenciou profundamente.
Um de seus objetivos era popularizar a Filosofia. Que ela atingisse ao cidadão médio. E foi essa aproximação com o Povo que o levou ao Ativismo Social, ao Pacifismo e ao bom combate a favor da Educação de qualidade e do Ateísmo (no sentido de laicizar o Estado e exterminar as crendices e superstições religiosas que levam à exploração dos mais humildes). Também lutou vigorosamente contra o Armamento Nuclear e produziu numerosas obras populares de Filosofia, num sério e belíssimo trabalho de conscientização da população. Morreu aos 97 anos, por complicações de uma gripe, deixando uma herança intelectual difícil de ser igualada.
Pelo inicio desse Ensaio, pode-se imaginar que RUSSELL não fosse produtivo, mas, em verdade, o trabalho duro não lhe foi estranho. Escreveu sólidas e copiosas obras que reúnem em suas milhares de páginas um Sistema de Pensamento que prima pela Racionalidade (sua Lógica tornou-se um paradigma) e Correção. Foi, e ainda é, um dos autores que mais influenciou o nosso modo de Pensar, contribuindo decisivamente para a criação de uma Corrente Filosófica a que se deu o nome de “Filosofia Analítica”. E, como se disse, exerceu um Ativismo Sócio e Pacifista intenso e bem orientado.
Isso posto pode-se perguntar por que ele, um dos Pensadores mais produtivos, tanto insistiu para que o Trabalho fosse reduzido?
Em seu Ensaio “Elogio ao Ócio”, de 1932, época da Grande Depressão, que parecia tratar de um tema extremamente inadequado ao momento, pois a apologia ao ócio quando o desemprego atingia um terço da população ativa em alguns lugares do Mundo não seria condizente com um Pensamento retilíneo, ao qual, o Mundo se habituara, ele responde parcialmente essa questão.
Para ele, o próprio caos econômico e social que se vivia era, precisamente, o resultado de um conjunto de atitudes motivadas por antigas e equivocadas noções que endeusavam o Trabalho. E que foi, justamente, por conta desse endeusamento e da consequente e contínua ampliação do Trabalho irracional que a crise aconteceu. A falta de tempo para Criar, Estudar, Analisar, Racionalizar as questões econômicas, não permitiu que se evitasse o desastre. O Trabalho, executado sem o menor questionamento sobre seus limites, objetivos e fundamentos levou ao seu autoextermínio.
O que é o Trabalho
Para RUSSELL a definição de que é o Trabalho pode ser dividida em duas classificações:
1 – o Trabalho que busca alterar a posição de uma matéria (ou de transformá-la) na superfície da Terra, em relação à outra matéria. Esse seria o tipo mais básico, fundamental: o Trabalho Braçal.
2 – o segundo tipo é “Dizer às outras pessoas para alterarem a posição de uma matéria em relação à outra matéria”. Sendo esse tipo, passível de ser subdividido indefinidamente.
Em resumo, o Trabalho que faz e o Trabalho de quem manda outrem fazer.
É possível ter pessoas empregadas para Supervisionar* pessoas que movem a matéria. Ou empregar outras pessoas para supervisionarem os Supervisores. Outras para fiscalizarem esses últimos e assim sucessivamente. Ou, pessoas para dar Conselhos sobre como empregar pessoas. Ou, ainda, como empregar pessoas para gerir aqueles que dão Conselhos e, novamente, assim indefinidamente.
NOTA do AUTOR - Supervisionar* - com esse verbo pretende-se representar todo um processo de treinamento, cobrança, punição, premiação, normatizações etc.
O primeiro tipo de Trabalho, segundo RUSSELL, tende a ser pesado, penoso, desagradável, mal remunerado e pouco ou nada atrativo. Já o segundo, tende a ser mais suave, prazeroso, bem remunerado, atraente etc.
Claro que os dois tipos definem os dois tipos de Trabalhadores – operários e supervisores (ou burocrata) – e estes se relacionam a duas Classes Sociais distintas (e mais ou menos antagônicas, conforme a conjuntura do lugar e da época): a “Classe Operária” e a “Classe Média”. A elas, o filósofo acrescentou mais uma: a do “Proprietário Ocioso” (reminiscências de sua Aristocracia natal?), que evita qualquer Trabalho e que depende do Trabalho dos outros para manter sua ociosidade.
NOTA do AUTOR – observe-se que RUSSELL não faz alusão ao Trabalho desenvolvido por Intelectuais e por Artistas. Seu foco concentrava-se no Trabalho assalariado, cuja efervescia da época jogava para o Centro da Ribalta, dando-lhe a exclusividade do nome “Trabalho”. Essa observação, aliás, talvez explique a contradição, já citada, sobre a sua apologia à redução do Trabalho e a sua vigorosa produção, na medida em que ele, como maioria de seus contemporâneos, colocava o labor intelectual em outro nicho de atividade.
A História, segundo RUSSELL, está repleta de exemplos de pessoas que apesar de trabalhar duro por toda a vida, recebem em contrapartida apenas o mínimo necessário à sua própria sobrevivência e à de sua família. Enquanto isso, qualquer excedente que produzem é expropriado por Guerreiros, pelo Clero ou pelas Classes Dominantes. Ou pelos três em conjunto. Ou, ainda, pelos dois primeiros a mando do terceiro, ou pelos segundos em conluio com a Elite.
E também nos mostra a História que são esses espoliadores que sempre costumam exaltar “a virtude do trabalho honesto”, num cínico, mas bem sucedido exercício de “lavagem cerebral” das categorias obreiras. Falseiam a exploração que cometem, revestindo-a de uma aura de dignidade. Lustram com ares de respeitabilidade um sistema injusto e cruel, demonstrando a falácia da retórica que arengam quando exaltam o trabalho degradante, penoso, mal remunerado e mal visto.
É, pois, o fato de termos consciência desse cinismo, dessa hipocrisia, dessa demagogia que nos deve estimular a combatê-lo numa luta sem tréguas. E, indo além, exigir uma reavaliação da “Ética do Trabalho”, porque ao aceitarmos o soez discurso sobre a “labuta honesta” o que fazemos, na realidade, é legitimar (haja vista que legalizada já foi por obra de espúrios conchavos políticos) a nossa própria opressão. A opressão que todos sofrem, exceto, claro, os herdeiros das Elites e os larápios que a ela acendem.
NOTA do AUTOR – ressalte-se, nesse trecho, a grandeza de espírito de RUSSELL que ao criticar as Elites, não hesita em atacar a sua própria origem e condição social. Uma autocrítica tão rara, quanto carateres como o dele.
Ao (a) leitor (a) certamente não passou despercebido que na análise que o Filósofo faz da Sociedade, principalmente na questão sobre a “Luta de Classes”, existe uma variedade de teses pinçadas do Ideário de Karl Marx. Ainda que RUSSELL não abraçasse o Marxismo em sua totalidade, as teses comunistas encontraram eco em seus anseios por uma Sociedade mais racional e justa. Mas a sua censura aos Regimes Capitalistas é idêntica às que fez aos Regimes Socialistas, pois via em ambos tenazes que prendiam o Sujeito a um Sistema que lhe era brutalmente imposto.
A outra influência que o marcou sobremaneira, como já se disse, veio do estudo da obra de Max Weber, “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, de 1905. Nela, o trecho que trata da “Base Moral” que fundamenta nossas atitudes em relação ao Trabalho também não escapou da acidez de sua critica, pois para ele, as “Bases Morais” ali assentadas são caducas e malévolas por conterem os mesmos vícios que ele já denunciara. Lá, encontram-se, por exemplo, afirmativas do tipo: “o Trabalho é um Dever e uma Obrigação” e quetais.
Mas, ora, quem disse isso? O Deus bíblico judaico-cristão, ao expulsar Adão do Paraíso? Mas que legitimidade pode ter um “Ser” mitológico, criado e perpetuado pela carência e pela fantasia humana, para impor tal condição que sempre descamba para a exploração do Homem pelo Homem? Ademais se esse “Ser” só existe para quem foi adestrado em lhe acreditar, com que Direito se pretende transformar a fé de um grupo (ainda que numerosíssimo) em regra Universal?
Outro ponto que mereceu suas criticas azedas foi a nossa tendência de equipararmos Trabalho e Virtude. E daí não hesitarmos em classificar como desprovido de Virtude aquele que se rebela contra a “Moral de Rebanho” e se recusa a fazer o que lhe desagrada apenas para ser aceito pelo grupo ao qual pertence.
O conjunto das nossas noções sobre o Trabalho, segundo RUSSELL, leva-nos a crer que as nossas atitudes em relação ao mesmo são complexas e incoerentes. A partir desse ponto, estabelece-se a pergunta: o que se pode fazer para solucionarmos o impasse?
Nada muito misterioso, conforme o Filósofo. Basta que passemos a olhar o Trabalho por aquilo que ele realmente é; ou seja, tão somente aquilo que contribui para que tenhamos uma vida material dotada de segurança e conforto. Que esqueçamos as antigas e tolas superstições sobre “a dignidade do trabalho”; “que o trabalho enobrece o Homem” e quejandos. Que suprimamos qualquer conotação superior indevida.
NOTA do AUTOR – deixemos de lado as ideias de “Realização Pessoal” para o que realmente importa: a produção e o exercício de atitudes e obras que satisfaçam a nossa vaidade, nosso ego e que, com alguma sorte, possa beneficiar outrem. Que os “felizardos” que encontram essa satisfação no trabalho cotidiano e remunerado gozem desse privilégio, mas que não se esqueçam de que são maiores e mais importantes que qualquer trabalho que executem; e que não deixem de sempre submetê-lo a um rigoroso exame que o isente das contaminações por modismos superficiais, ou por objetivos menores.
Quando fazemos tal exame é difícil evitar a conclusão de que devemos, de fato, trabalhar menos, pois o trabalho excessivo, na maioria dos casos, não gera benefícios efetivos a quem o realiza. Quase sempre a sua miséria (se não a material, mas certamente a criativa, emocional, intelectual) é do mesmo tamanho que a daquele que trabalha menos. Ademais o desgaste físico e emocional/intelectual acaba produzindo tantos males que um eventual excedente na renda acaba sendo consumido com cuidados para minorar o mal causado. Além, é claro, dos problemas que o afastamento das Artes, da Cultura em geral, acarreta ao trabalhador em sua condição de pessoa. Condição, aliás, que definha continuamente, tornando-o uma mera besta de carga, bitolada pelo seu indigente cotidiano laboral. A inútil busca por mais e mais bens materiais, subtrai-lhe o Sublime, o Abstrato e o remete à vala comum dos insumos descartáveis.
A Importância da Recreação
 Atualmente é patente entre os especialistas que o ato de brincar é para as crianças muito mais que uma atitude prazerosa. Na verdade é uma forma eficientíssima de se desenvolver o Raciocínio, a Imaginação, a Criatividade e os outros elementos mentais que a farão ser mais, ou menos, inteligente.
Para RUSSELL, processo semelhante se verifica em todas as fases da vida. A recreação (preferencialmente recheada com Arte e Cultura de conteúdos superiores e não os meros entretenimentos que pupulam entre os meios de comunicação em massa) continua fundamental para que o exercício das habilidades mentais do indivíduo não seja ensombrecido pela monotemática conversa acerca do trabalho. Pela repetitiva narração de suas realizações, dificuldades, conquistas etc. Assuntos típicos dos indivíduos que desconhecem outras variantes da vida e se agarram à sua pseudoimportância num escritório qualquer, para impor sua malquerida companhia.
Segundo o Filósofo: “mover a matéria, não é absolutamente um dos propósitos da vida humana”.
Ao permitirmos que o Trabalho ocupe todo nosso tempo, não viveremos plenamente, já que estaremos condenados a viver apenas na dimensão do concreto, do material. Para RUSSELL, o lazer é necessário para repor à vida o que ela tem de significado efetivo.
O pensamento de RUSSELL, como não poderia deixar de acontecer, encontra sérios adversários, sendo que os une o argumento falacioso de que “não saberíamos o que fazer com o tempo livre”. Ora, mas é justamente por isso que precisamos tê-lo, para iniciarmos o processo de desconstrução desse modelo perverso, injusto e pouco inteligente que foi implantado nas mentes mais humildes a custa de ameaças terrenas e celestes, e de quinquilharias como prêmios. E a partir daí, reaprendermos a exercitar a Criatividade, a capacidade de Sentir, de Abstrair, de Sublimar. Reaprender a sermos pessoas e não apenas peças de uma sórdida engrenagem.
Para o Filósofo foi lamentável termos perdido essa condição, essa grandeza humana. E para ele seria preocupante se o Homem não conseguisse preencher o tempo com atividades que lhe acrescentasse como pessoa. “É uma condenação de nossa Civilização” à medida que sinalizaria que a nossa capacidade para o Superior fora completamente abatida pelo insano “culto à Produção”. E, pior, indicaria que a nossa condição ficou reduzida à condição de uma simples máquina. Que nos tornamos apenas “quem produz”, ao invés de “quem vive”.
RUSSELL acreditava que uma Sociedade que considerasse o lazer com seriedade estaria, na realidade, apta em formar um agrupamento que também levaria a educação de qualidade (e não o mero adestramento para produzir) a sério, produzindo dessa forma indivíduos capazes de fazer e/ou apreciar Arte, Cultura e outras sutilezas do espírito, o que elevaria o Homem, do atual rés do chão, ao nicho que lhe cabe. Produziria, pois, Artistas de fatos e não os tristes arremedos atuais. E, com eles, espectadores, leitores, apreciadores de gosto cada vez mais refinado e inteligente. Bem ao contrário da simplória massa que faz sua catarse aos urros nos entretenimentos em que é admitida. Ter-se-ia, pois, uma Sociedade atenta e predisposta a promover o prazer em formas mais elevadas, completas e duradouras.
Seria enfim, segundo o Pensador, uma Sociedade que perderia o gosto pela brutalidade, pela escravidão, pela violência. Que perderia o gosto pela guerra, por ter adquirido a sabedoria de que o debate racional é capaz de solucionar todas as pendências que surjam.
Mesmo que para isso tivesse que suportar o ônus de ser classificada como elitista e de colocarem seus pressupostos em cheque, alegando que ninguém, nem mesmo RUSSELL, pode ditar o que é o Bom, o Belo etc.
A Vida Equilibrada
Para muitos, as Ideias de Russell são utópicas. Pensam estar longe um consenso de que seja possível reduzir a carga horária de Trabalho para quatro horas diárias e, também, o modo como que essa diminuição levaria à revolução nos hábitos e na própria dinâmica econômica.
Alarmistas de plantão e maus carateres por natureza anunciam que tal modificação trará o caos social e financeiro, além da dissolução dos “bons costumes (leia-se: trabalhar em beneficio das Elites predatórias) com o aumento na “vagabundagem mundial”. A esse rosário de boçalidades, muitas outras se juntam, tal como ocorreu quando a carga horária foi reduzida de doze (12) para oito (8) diárias, por pressão dos Sindicatos e doutros setores da Sociedade Civil.
NOTA do AUTOR – aqui no Brasil, por exemplo, o Conde Francisco Matarazzo, dono das Empresas epônimas, não titubeou em afirmar que essa redução significava o fim do País (sic).
Outros mais equilibrados apostam que o Tempo se encarregará de ajustar as arestas. Porém, mesmos estes se juntam a vários outros Pensadores sérios para discordarem da tese de RUSSELL que afirma ser o processo de industrialização o fator que nos libertará do “Trabalho Braçal”. Argumentam que os insumos (as matérias primas) sempre precisarão vir de algum outro lugar e que, portanto, será preciso “mudar a matéria, ou alterar a sua posição”. Será sempre necessário extrair, refinar e preparar a matéria a ser industrializada, ou seja, será sempre necessário o “Trabalho Braçal”.
Assim, apesar das oposições que lhe são feitas, o Ideário de RUSSELL encontra inúmeros defensores, cujo peso intelectual e moral corroboram a correção da proposta de se reconsiderar as Ideias, que por força de perniciosa indução, acabam nos parecendo naturais e definitivas. Revalidar a necessidade de reexaminarmos não só nossa vida profissional, mas a existência como um Todo, e aceitarmos o fato de que há, sim, virtude em parar, relaxar, divagar, criar, pensar. Cuidar do nosso lado afetivo, intelectual, espiritual. Reassumirmos nossa condição de agente da vida e abandonarmos de uma vez por todas a noção de sermos apenas um penduricalho descartável. Ou, nas palavras do Filósofo: “até agora continuamos a ser tão enérgicos (sérios, introspectivos, melancólicos – ainda que disfarcemos) quanto éramos antes que existissem as máquinas; em relação a isso temos sido tolos, mas não há razão ou motivo para que essa tolice continue para sempre”.
Logicismo, Filosofia Analítica e Ecocentrismo.
Como já mencionado, RUSSELL elaborou algumas das teses filosóficas mais influentes do século XX e com elas ajudou a fomentar uma das mais ricas tradições do Pensamento Filosófico, a chamada Filosofia Analítica. Abordaremos brevemente os seguintes tópicos:
A Filosofia Analítica, como se sabe, tem como objetivo o esclarecimento de Conceitos, Afirmações, Métodos, Argumentos e Teorias, dando a cada qual o melhor de sua análise e cuidados. Dentre outros, RUSSELL estudou profundamente o Logicismo, ou a Lógica Simbólica (de fundamentação ou embasamento da Matemática), no qual afirma que todas as Verdades Matemáticas (2+2=4; ab=ba) – e não só as “Verdades Aritméticas”, como propusera o filósofo Gottlab Frege – podem ser deduzidas (ou supostas racionalmente) a partir de algumas poucas “Verdades Lógicas”; e todos os Conceitos Matemáticos podem ser reduzidos ou simplificados a uns poucos Conceitos Lógicos Primitivos.
Essa tese surgiu em 1901, com a descoberta feita por RUSSELL da solução de um paradoxo (o qual, por isso recebeu o seu nome) no Sistema de Lógica do filósofo Frege. Para resolvê-lo, RUSSELL propôs a “Teoria dos Tipos (Teoria Simples dos Tipos e, depois, Teoria Ramificada dos Tipos)cujo cerne era impor certas restrições à suposição de que qualquer Propriedade ou Característica de uma Entidade (de um Tipo [ou formato] Lógico) pudesse ser também, uma característica de outra Entidade (do mesmo, ou de outro Tipo Lógico). Segundo ele, o Tipo (ou formato) de uma Propriedade deve ser mais elevado, superior, ao formato ou Tipo da Entidade ao qual corresponde e, por isso, só a essa mesma entidade é que pode ser atrelado.
Outro pilar dessa tese é a “Teoria das Descrições Definidas (em oposição, aliás, às suas ideias anteriores). Para o Filósofo, a “Análise Lógica” precisa de frases declarativas que contenham descrições bem definidas, objetivas, como, por exemplo: o número primo par”; “o atual rei da França” etc. Pois, frases assim NÃO exprimem apenas coisas individuais, singulares, mas, ao contrário, expressam as chamadas “proposições russelinas” que são Conceitos ou Proposições gerais.  Segundo essa tese, a Teoria das Descrições Definidas não associa a tais “descrições” um significado, tampouco uma demonstração, haja vista que trata de noções gerais e não individuais.
Vejamos o exemplo na frase abaixo:
O número primo par é maior que um (1)”.
Na ótica de RUSSELL, embora aparente representar uma afirmativa singular, a frase representa uma afirmativa, ou uma proposição geral, pois ele faria a seguinte leitura:
Existe pelo menos um número primo par e, também, existe no máximo um número primo par. E, ainda, esse número primo par é maior que um (1)”.
Observe-se, ademais, que esse tipo de análise demonstra que as “Descrições Definidas” também funcionam logicamente como quantificadores.
Para RUSSELL, tais expressões desempenham, também, um papel semântico diferente, que é o de mostrar através dos símbolos (as letras, por exemplo) quando o objeto descrito pela “Descrição Definidora” existe concretamente naquele momento e naquele espaço.
Por outro lado, as expressões que se referem diretamente a um Objeto Individual, singular, são classificadas como “Nomes sem Sentido Lógico”, pois um nome prescinde de lógica para existir. O nome “Fabio”, por exemplo, pode perfeitamente existir mesmo sendo ilógico.
O Filósofo foi além e estendeu a sua “Análise das Frases que contenham Descrições Definidas” para as “frases contendo Nomes Próprios comuns”, os quais, segundo ele, são abreviações das “Descrições Definidoras” que se tem em Mente. Assim, por exemplo, quando eu uso o nome “Aristóteles” estou, na verdade, abreviando a seguinte descrição:
o mais célebre discípulo de Platão.
Conhecimento
Em estreita harmonia com as “teses lógicas semânticas” que vimos acima, RUSSELL elaborou algumas Teorias sobre o Conhecimento (tanto o processo de aquisição de Saber, quanto a Sabedoria já adquirida), enfatizando em seus estudos a diferença entre o “Conhecimento Direto” e o “Conhecimento por Descrição”.
Assim, por exemplo, o Conhecimento que se tem sobre a existência de uma “mancha vermelha na parede” pode, segundo RUSSELL, ser expresso numa frase como essa:
Isto é vermelho; ou seja, tem-se o Conhecimento Direto”.
Por outro lado, o Conhecimento que se tem acerca dos números e de suas relações (por exemplo: o 2 é maior que o1) envolveria “Conceitos Lógicos” e não o Conhecimento direto dos números; ou seja, tem-se, então, o “Conhecimento por Descrição”.
RUSSELL formulou a relação existente entre essas duas formas de Saber no seguinte Princípio:
Todo Conhecimento ou Saber implica que existe a “Relação Direta” do Sujeito que sabe (o sujeito cognoscente) com o Objeto sabido, ou conhecido. Relação que pode ser estabelecida a partir do Conhecimento Direto, ou do Conhecimento por Descrição.
Ecocentrismo
A Ética Ecocêntrica (isto é, a Ecologia como ponto central) coloca a Natureza física, concreta (as plantas, os rios, os bichos etc.) no centro das atenções, enfatizando o fato do Homem ser apenas um mero participante ou componente desse contexto, ao invés de ser seu dono, ou Senhor, como se pensava até pouco tempo atrás.
É uma noção que se contrapõe diretamente à visão anterior, particularmente à adotada pela Civilização europeia em especial e pela Ocidental como um todo. Ao contrário, aliás, da Civilização hindu, africana e nativa americana que se acomodava na Natura sem a pretensão de comandá-la e submetê-la aos seus caprichos e interesses.
A visão Ecocêntrica parte de dois Princípios:
1 – Considera que todos os Seres, tanto quanto os Humanos, têm direito à vida e à dignidade da mesma. 
2 – Que é impossível a sobrevivência do Homem se a Natureza for destruída.
Ademais, a Ética Ecocêntrica responsabiliza o Homem pela salvação de todos os Seres (a lenda de Noé e de sua Arca extrapola a mitologia bíblica?), pois ele é o único que tem consciência do que está acontecendo e os meios para reverter o problema, mesmo que seja atualmente quem mais degrada o meio ambiente.
Essa Teoria de RUSSELL encontra cada vez mais adeptos, não obstante alguns Cientistas sérios e capazes duvidarem da responsabilidade exclusiva do Homem como agente motivador das alterações que já se nota no clima e noutras condições do Planeta.
É um debate em que todas as apostas são válidas e possíveis, mas é inquestionável que aos Seres Humanos compete agir com a responsabilidade e sensibilidade que a sua condição impõe.
São Paulo, 19 de Maio de 2012.