POPPER, Karl
1902 – 1994
A Falsificabilidade.
Na
medida em que uma Afirmação Cientifica trata da Realidade, ela deve ser
falsificável. A Indução, a Dedução, o Raciocínio Dedutivo e o Indutivo.
Francis Bacon, em 1620, na sua obra
“Novum Organum” já mencionava os “Métodos Indutivos”. E o tema, Indução*, voltou ao centro do picadeiro
através de David Hume, em 1748. Na
Modernidade, essa questão é trabalhada por POPPER, como veremos na sequência.
Antes, contudo, julgamos oportuno dar o significado do termo:
Indução – o tipo de
Raciocínio que parte do Individual e segue para o Geral. Por exemplo: Platão morreu, Aristóteles morreu; logo, todos os Homens são mortais.
Mas, atenção, os resultados
produzidos por Indução não
são necessariamente verdadeiros, corretos. O dito popular: “induzido ao erro”, ilustra bem essa característica. Por
isso, aliás, chega-se a questionar se a Indução é realmente um Processo Lógico,
ao contrário do método oposto, a Dedução.
Austríaco de Viena, Karl POPPER
estudou Filosofia na Universidade da cidade e posteriormente foi seu professor
por seis anos. Nessa ocasião, 1934, publicou “A Lógica da Descoberta Cientifica”, que o elevou à condição de ser
um dos pioneiros na área de “Filosofia da
Ciência”, que, como se sabe, estuda a natureza (o que é, como acontece) do Saber Cientifico e da prática das Ciências.
Em 1937 Popper emigrou para a Nova Zelândia
e lá permaneceu até o fim da Segunda Guerra. Ali escreveu seu célebre estudo
sobre o Totalitarismo, “A Sociedade
Aberta e os seus Inimigos”, o qual foi reestudado com mais vigor nos
últimos tempos para embasar as reflexões sobre o “Poder Terrorista” ante as Democracias.
Em 1946 mudou-se para a Inglaterra
para lecionar no “London Scholl of
Economics” e, depois, na Universidade de Londres. Em 1965 foi homenageado
com o titulo de “Cavaleiro” e após se
aposentar continuou a escrever até seu falecimento.
Para POPPER,
1 – O Conhecimento Científico
acontece por Indução.
2 – Isso significa que trabalha a
partir de “Observações Individuais (fato a fato, caso a caso)”, como no
seguinte exemplo: todo gato que vejo é preto...
3 – Mas é claro que esses
Princípios não podem ser comprovados, haja vista que para ter valor Cientifico
uma hipótese, ou um principio, precisa repetir-se inúmeras vezes e sempre com o
mesmo resultado (e logo se perceberá que
existem gatos brancos).
4 – Assim, sem poderem ser
comprovados servem apenas como Hipótese, suposição, que pode ser refutada,
rejeitada a qualquer momento.
5 – Portanto, a condição básica de
qualquer Afirmaçao Cientifica é a de
ser falsa, ou falsificável, pelo simples fato de que ela se originou de um Raciocínio
por Indução.
6 – Pensamos com frequência e
equivocadamente que toda Afirmativa sobre a Realidade exarada por um Cientista
é uma “certeza”. Que a Ciência trabalha
“provando” verdades sobre as coisas
do Mundo. Presumimos que uma Teoria Cientifica “é boa”, ser puder ser comprovada
conclusivamente.
Todavia, POPPER discordou desse
hábito. E insistiu ser um erro. Afirmou peremptoriamente que aquilo que faz uma
“Teoria
ser boa” é, na verdade, o
fato de ela poder ser falsificada e/ou demonstrada como errônea por
experimentos futuros.
NOTA do AUTOR – observe-se
que POPPER refere-se à Teoria e não a Leis. E por se tratar de “apenas” uma
Teoria, essa não tem a necessidade imperiosa de ser verdadeira. Deve, sim, ser
maleável ao ponto de ser desacreditada, já que sua função é a de servir como
instrumento que permite a Reflexão, a Racionalização que levará, aí sim, às
Leis verdadeiras. E como “instrumento” é importante que permita o maior número
possível de variáveis para que o Raciocínio tenha mais vias para explorar.
O interesse pelo Método que a
Ciência usa para decifrar o Mundo sempre interessou ao filósofo e,
principalmente, o fato de que ela depende sempre do experimento, da experiência
e da necessidade de atenção constante, como recomendado por Davi Hume, às “regularidades” da Natureza.
A Ciência, como se sabe, é Empírica,
ie, baseia-se nas experiências realizadas com aquilo que foi captado pelos Sentidos
(tato,
visão, audição, paladar e olfato).
Para bem compreender seu funcionamento, precisamos entender o caminho
percorrido pelo Conhecimento desde a Sensação
(o
impacto que certo objeto ou fato causou aos Sentidos) até ter-se transformado em Saber efetivo, racional,
conceitual.
Um exemplo dessa trajetória pode
ser imaginado da seguinte forma: “se você soltar uma bola de tênis de uma
janela do 2º andar, ela cairá no chão”. Deixando de lado qualquer
acontecimento imprevisto (um pássaro agarrá-la a meio caminho, por exemplo) podemos ter certeza suficiente de que essa
afirmação é provável. Soaria até estranho alguém duvidar disso.
Mas de onde vem esse Saber que
temos e que nos indica o resultado que acontecerá? Que tipo de Conhecimento é
esse?
A resposta mais simples é que
sabemos que a “bola cairá” porque é
isso que sempre acontece. Nunca se soube do inverso.
Sabemos que ela cai porque a
Experiência nos mostrou que é isso que acontece. E podemos saber mais. Podemos,
por exemplo, saber como ela cairá, em qual velocidade (desde que
saibamos o valor da Força da Gravidade e a distância entre a janela e o solo) e outras medidas mais. Nada, pois, pensamos,
relativo ao evento nos é misterioso.
Contudo, sempre resta uma dúvida: podemos ter certeza de que da próxima vez tudo se repetirá? Sim,
pois, por mais que repitamos o experimento e verifiquemos o mesmo resultado, nunca podemos provar (cientificamente)
que o resultado será sempre o mesmo no Futuro.
Essa incapacidade de falarmos com
alguma certeza sobre o que irá acontecer no Futuro, é chamada de “Problema da Indução” e foi
mencionado pela primeira vez pelo Empirista inglês David Hume (1711-1776) no
século XVIII. Mas o que vem a ser, precisamente, a Indução e o “Raciocínio
Indutivo”?
Já no inicio do Ensaio mencionamos
o significado do termo. Será oportuno que o leitor (a) (a) torne a visitá-lo se
dúvidas persistirem após a complementação que fazemos a seguir.
A Indução é o Processo de
migrar de um conjunto de fatos observados em escala reduzida, para conclusões
mais gerais sobre o Mundo. Assim, quando soltamos a bola do exemplo, esperamos
que ela caía no chão, porque, segundo Hume*,
estamos generalizando a partir de inúmeras experiências similares, nas quais
descobrimos que Coisas (retangulares, quadradas, esféricas, Seres, Plantas
etc.) caem ao solo em
decorrência da Força de Gravidade que a genialidade de Newton decifrou.
Ora, se acontece com um quadrado, com um retângulo, com uma
pessoa, julgamos dedutivamente que mesmo acontecerá com uma bola. Acreditamos sem hesitar nesse
repetição.
NOTA DO AUTOR – Hume* levou ao
extremo a sua teoria de que a repetição de resultados iguais para experimentos
(ou simples ações do cotidiano) similares NÃO
indica que se repetirão necessariamente no Futuro. Para ele, o que acontece é
que o tempo de uma vida humana é relativamente curto, mas nós tendemos a
associá-lo à Eternidade. Assim, um resultado que se repetiu inúmeras vezes
durante o intervalo de uma vida, passa a nos parecer como se fosse eterno,
definitivo. Porém, nada garante que
ocorrerá para sempre, pois uma leve alteração na Força de Gravidade, por exemplo,
pode ocasionar resultados diferentes aos que eram conhecidos. A partir daí ele colocou
em dúvida a própria “Lei” da Causalidade (ou de Causa/Efeito), que para ele
seria amparada apenas pela nossa crença de que algo ocorrerá como consequência
de uma ação, de modo sempre idêntico. As descobertas sobre os ambientes de
Gravidade Zero, que ele desconhecia, dão-lhe algum crédito, pois neles, como se
sabe, a “bola” do nosso exemplo não cairia ao solo do mesmo jeito. Ressalvando,
claro, que nesse caso o tipo de Conhecimento seria outro, assim como a
expectativa que se fizesse.
Os filósofos contrapõem à Indução outra forma de Raciocino.
A chamada Dedução, ou Raciocínio Dedutivo.
Enquanto a Indução vai do
Individual para o Geral, a Dedução
trilha o caminho inverso. Do Geral para o Individual. Vejamos o exemplo:
Um Raciocínio Dedutivo pode ter
inicio com duas premissas, tais como: “se é uma maçã, então é uma fruta (já que se
sabe que todas as maçãs são frutas)”. Ou, “isso é uma maçã”, o que leva automaticamente à conclusão: “isso
é uma fruta”.
Geralmente os Filósofos usam como
método de trabalho a simplificação dos argumentos dedutivos escrevendo-os em “Notações
*”. Assim, escreveriam esses argumentos da seguinte forma:
* Notação – sistema de
representação. Conjunto de sinais ou símbolos que se faz para reduzir a
necessidade de se escrever palavras ou frases inteiras.
“Se M (açã),
então F(ruta); Se Q (maçã), então P (fruta)”.
As
letras usadas podem ser aleatórias, como se sabe.
Admitindo-se que as Premissas (M, F
ou Q, P) são verdadeiras, ou seja:
Se M é mesmo uma maçã e não um gato, a conclusão de que é F é mesmo uma fruta e não um mamífero,
é Necessária (no sentido
de não poder ser diferente) e
Verdadeira.
Todos os argumentos desse tipo são
considerados pelos Filósofos como “Válidos”,
porque as suas conclusões seguem inevitavelmente as suas premissas. Porém é
preciso atentar para o fato
de que um Argumento pode ser Válido sem que isso signifique que as suas
conclusões sejam verdadeiras. Vejamos outro exemplo:
“Se
é um gato, então tem gosto de banana”;
“isso é um gato, portanto tem gosto de
banana”.
O Argumento é Válido porque segue
uma forma, um modelo, um formato que é considerado válido. Mas é claro que a
sua conclusão é no mínimo duvidosa. Na verdade, é falsa.
Ademais, um segundo olhar nos
mostrará que há também um problema,
segundo o ponto de vista empírico (ie, segundo a ótica da experiência feita com os
dados captados pelos Sentidos [tato, visão, audição, paladar e olfato]),
com a Premissa, porque gatos não têm
gosto de banana. Ou, em outras palavras, como a Premissa é Falsa, mesmo que o Argumento seja válido
formalmente, a Conclusão também é
necessariamente, imperiosamente Falsa.
Todavia, aqui entra a Superioridade
e a Beleza do Pensamento Filosófico que nos obriga a enxergar para além da
Matéria, da Física. Para além do nosso “Pequeno
Ponto Azul no Universo”. Obriga-nos a considerar com seriedade a
possibilidade (mesmo que remota e aparentemente fantasiosa) de existir outro
Planeta, outra Dimensão ou até outra Cultura onde se ache que os gatos têm o
sabor de bananas (sic). Por esse nobre motivo, diz-se da afirmativa acima, que
ela é apenas Contingentemente (ie, pode ser, ou pode não ser) Verdadeira, ao invés de se dizer que ela é Necessariamente
Verdadeira. Mesmo porque, nesse segundo caso, ela teria que ser tão “necessariamente verdadeira” em todos os
Planetas, ou Dimensões, ou Culturas, quanto é aqui.
Argumentos válidos embasados em
Premissas Verdadeiras são chamados de “Argumentos
Sólidos”. O gato com sabor de banana,
como vimos, embora seja um Argumento válido não é Sólido. Ao contrario, porém, o
anterior “se é maçã, é fruta” é tão
Válido quanto Sólido.
A Falsificabilidade
Pode-se dizer com alguma segurança
que os Argumentos Dedutivos são
similares aos Programas de Computadores. Ou melhor, que esses foram e são criados
a partir do modelo desse tipo de Raciocínio, pois, como se sabe, os
computadores “não conseguem”
improvisar. Tudo tem que ser absolutamente lógico, sequencial, previsível. Em
ambos, as conclusões a que chegam são tão satisfatórias quanto às informações
que os alimentam.
O Raciocínio Dedutivo tem papel decisivo no estudo das Ciências, mas,
sozinho, nada diz sobre o Mundo. Pode apenas afirmar a existência de uma
sucessão lógica, de uma consequência previsível do tipo “se isto, então aquilo (se é uma mação, então é uma fruta)”. E,
além disso, para bem utilizarmos os Argumentos
nas Ciências, também é necessário voltar sempre a contar com a Indução para as nossas Premissas.
Esse fato, aliás, ocasiona às Ciências o ônus de carregar continuamente o Problema da Indução, que já foi
citado.
Por esse motivo, segundo Popper, Nunca podemos provar que nossas
Teorias são efetivamente verdadeiras. Mas, o que faz uma Teoria ser Ciência Não
é o fato de ela poder ser provada, mas o fato de poder ser estudada, testada na
Realidade Física e ser demonstrada, como potencialmente (possivelmente, provavelmente)
Falsa.
Contudo, atenção, uma Teoria
Falsificável (que pode ou não ser falsificada) Não é
necessariamente uma Teoria Falsa.
Significa apenas que é uma Teoria que pode ser demonstrada utilizando-se de seu
inverso, captável através dos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e
olfato), ie, da Experiência Empírica.
Essa falsificabilidade é um poderoso instrumento de aferição da própria
confiabilidade que a Teoria merece, à medida que essa cresce com o declínio
daquela. E segundo Popper é o que distingue a Ciência da “não Ciência”.
NOTAS DO AUTOR – As teorias
que são impossíveis de serem testadas (como:
Deus criou o Mundo! Anjos existem! Etc.) Não
fazem parte do rol de assuntos estudados pelas “Ciências Naturais”, contudo
isso não significa que não tenham valor. Significa apenas que seu Campo de
pesquisa é outro e que, por isso, não serão tratadas aqui.
Todavia
cabe o seguinte registro: os avanços
científicos aproximam cada vez mais esses campos. Veja-se, por exemplo, que até
certo tempo atrás o assunto “Vida Extraterrestre” era tratado de forma jocosa e
remetido às páginas de Ficção Cientifica. Porém, hoje, já ocupa lugar de
destaque no cenário cientifico tradicional. É uma Teoria que ainda não pôde ser
comprovada, mas as novas, continuas e progressivas descobertas astrofísicas
tornam tão possível a sua Verdade que cientistas sérios já não discutem “se”
o encontro das espécies acontecerá. Mas, quando e como.
A
ideia da Falsificabilidade não impede, portanto, que acreditemos em Teorias que
não possam ser Falsificadas até o momento. Ou, que não possam ser comprovadas
porque nos faltam meios empíricos para verificar o seu oposto.
As
crenças que resistem a repetidos testes e às nossas tentativas de falsificação
podem ser admitidas como seguras. Mas mesmo as melhores Teorias estão sempre
propensas à possibilidade de que uma nova tecnologia, ou um novo Conhecimento,
ofereça um resultado diferente do habitual e demonstre a sua falsidade. Essa é a
grandeza do Saber Humano.
O
trabalho de Popper no ramo da “Filosofia
das Ciências” recebeu inúmeras criticas. Alguns alegam que a sua visão de
como trabalham os Cientistas é romântica, ingênua, idealizada. Favorável em
demasia. Para eles, o trabalho cientifico é muito diferente daquele formato que
o Filósofo apresentou. Porém, nenhuma dessas censuras causou sérios abalos em
seu prestigio e a sua “Ideia de Falsificabilidade”
ainda é usada rotineiramente para diferenciar as “Alegações Cientificas” das “Alegações
Não Cientificas”.
A
Filosofia Política e a Ética
Além da sua importância na área da “Filosofia das Ciências”, Popper se
destacou no campo dos Estudos Políticos, onde se mostrou um férreo defensor dos
Direitos Humanos frente à opressão exercida por Governos Tirânicos e Sociedades
Repressoras.
No presente Ensaio não abordaremos
com minúcias sua luta nessa seara, mas além de fazermos esse registro, deixamos
a sugestão aos interessados para que conheçam suas obras sobre o assunto, principalmente
as intituladas de “A Sociedade Aberta e
seus Inimigos” e “A Pobreza do
Historicismo”. Ambas revelam a agudeza de sua inteligência, a nobreza de
sua generosidade e o elevado nível ético que orientou todo seu trabalho.
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