sábado, 28 de agosto de 2010

Especiaria

Odor de rara especiaria
nesse céu de plena calmaria
revela-te Deusa em Nanquim,
paixão e desejo de todo Arlequim.

De qual lenda aportou,
De qual livro saltou,
de qual tela saiu
de qual estrela caiu?

Seria Briseis de Aquiles,
Ou outra cor no Arco-Iris?
Marilia de Dirceu
ou Penélope de Odisseu?

Recanto-lhe o que sempre se ouve,
pois nela há, o que de belo houve.
Sempre um poema romântico
sempre uma Musa no Atlântico

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Penélope

Como Penélope, teces a espera.
Mas será em vão teu aguardo,
pois morto está o último bardo
que daria cor ao teu sonho pardo.

Inútil o que se pensou divino,
pois extinto é o deus-menino.
Soterrado pelo granizo
do utópico Paraíso.

Vidas analógicas,
ausentes ações antológicas.
Lágrimas de algum Dobrado,
composto em algum Passado.

Pois o Tempo é saudade,
um desejo que ficou só na vontade.

sábado, 21 de agosto de 2010

Linho Gil Linha

Linho, linha e afeto
e eis que se faz perto
alguma esperança de certo.

Em certa colcha, em certa toalha,
senti o que me nutre e agasalha
e uma carícia verde palha.

Tecido, tecida malha
veste e mortalha
que a própria vida espalha.

Ouço Gil, linha e linho
e me quedo em desalinho
nesse bruto querer
de só contigo viver.

* Inspirado na poética de Gilberto Gil

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Sei-te

Qual perfume que permanece,
ainda sinto o calor que me aquece
e essa voragem que me entorpece.

Sei-te flor e terra,
qual paixão que não se encerra.
Sei-te lenta caricia
que a meia-luz
sela desejos e pecados sem cruz.

Sei-te, moça do Rio,
em cada calafrio,
em cada vontade
desse amor que se escreve saudade

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

O 10º Andar

Colibri
ou bem-te-vi,
ainda ontem falei de ti.

Contei a um dos meus fantasmas
o quão próximo tu estavas
e que por pouco não te segui.
Seria fácil justificar-me: cai.

Alguns sentiriam, talvez.
Algumas cuidariam dos papeis da invalidez.
Outros continuariam o jogo de xadrês,
comprado nessas lojas de chinês.

E no fim tudo voltaria ao pré-Fábio
como ensina qualquer alfarrábio.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Ghost

Os fantasmas de ontem
nos exigem: nada contem!
E partilham de minha ceia.
É o Passado, o visco, a teia.

Que guerra lutei?
Ao fim de qual utopia parei?
Rôtas rotas,
minas e botas,
bombas e fuzis
e o eterno topor de aniz
nos seios da ninfa do chafariz.

De tudo, um pouco eu fiz.
Outro tanto, bem que quis,
mas daquilo jamais faria,
pois é crime de lesa-poesia.
E eu sonhava com a paz dourada
de libertos jardins na madrugada.

Mas eis que as Parcas
abrem seus baús e arcas
e me cortam o fio,
que pensei infindo pavio.
Já soa a sirene do navio
a convidar-me para outro desvario.

É hora de juntar-me às almas penadas
e às águas passadas.
Rever o pretérito imperfeito
e pensar no que deveria ter feito.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Cadente

Distante como estrela cadente
e amor que não se sente,
só te sinto presente
no desejo de ver-se ausente.

Pressinto que compartilhas
a sensação de sermos ilhas,
separados por Oceanos
e alguns outros enganos.

Trilhamos uma rota,
mas já nem se nota
um voo de gaivota.

Carinhos trocados,
caminhos andados.
Agora, só dois lados.

sábado, 7 de agosto de 2010

Inquisição

Sigo para o Leste,
banido como peste
por humano desígnio celeste.

Disseram-me: és o germe da rebelião,
pregas a sedição!
És proscrito
por insistir no grito
e no desejo maldito
de libertar o Homem
do Verbo escrito.

Arrivista, comunista e anarquista
desdenha da provecta idade
e ainda sonhas com a felicidade;
como se tal conquista
fosse própria de tua pseudo poesia.
Olhe para o correr do dia
e verás que o prazer é pecado
e não nos pode ser dado.

Sigo para o Leste,
pois sei de outro Sol.
Doutra sinfonia em Lá bemol.
Sigo para o Nascente,
pois sei de outra gente...

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Insone

Embora ordenem que tudo se arranje,
nada sabem do gado que se tange.
Nem se seus sonhos abrangem,
os verdugos que lhe constrangem.

São horas insones.
Bastardas sem nomes.
Horror do "Anjo Torto*",
preso no próprio corpo.

Até quando irá o que resta,
dessa tese sem linha mestra?
Masco a dor que não escolho.
A vida foi-me um dolo.


Da poética de Carlos Drumonnd de Andrade

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Que fosse

Mesmo que tétrico,
que fosse épico
o novo poema
da morte amena.

Menos de fim
e mais de carmim.
Menos de ocaso
e mais de novo prazo.

Menos de fatal
e mais de sinal
que do corpo findo
desprende-se o eterno infindo.
Findou-se-lhe a tortura
de já não haver a procura.