domingo, 31 de julho de 2011

Estranho

Paradoxo
ortodoxo:
só a Morte
não morre.

Sombra dos Homens
que caminha conosco.
Gado ao Matadouro,
seguimos dóceis.
Tememos mais o
aguilhão,
que os "Sete Palmos"
na vagina
do chão.

Chão e louco varrido,
onde algum deus
tentará
novo Homem
sem
Sentido.

Runas e Ruínas,
Profecias e Oráculos:
alguém recolherá
os cacos.

sábado, 30 de julho de 2011

Enquantos

Que todos
os Cantos
celebrem teus
encantos,

que todos
os Risos
apaguem teus
prantos,

que todas
as Luzes
clareiem teus
recantos

e que cessem
teus espantos,
ao findarem
os terrores Santos.

E porque em ti
há tanto,
que meu verso
seja de acalanto
ao longo do Tempo
de eterno enquanto.

                 

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Caminhos e Tempos

Caminhos que
viajam os Tempos,
levem à Cristina
um beijo cheio
de vontade;
e esse Poema
de saudade.

Digam-lhe que
falta uma
Estrela,
no Céu
que me cobre

e que a brisa
já não alisa
o crespo do Mar,
nem esse Vazio
que se deixou
ficar.

Peçam-lhe que
volte breve,
pois a Dor
logo se atreve
a galgar o muro,
donde espreitamos
o Futuro.

E falem do amor
que lhe tenho,
pois tal como
seco lenho,
ardo paixão
sem pressuposto
senão.

         

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Concurso "Fernando Pessoa"


Agradeço à Administração do Concurso pelo convite para integrar o Juri. Sinto-me honrado pela escolha e convido a todos para visitarem a página do mesmo, bastando clicar sobre a figura acima.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Procura-se

Procura-se
nova Musa
para novos
versos.

Luas e estrelas
para outros Universos
e as antigas
certezas
para os novos
reversos.

Urge que outras
noites
perfumem-se com
novos gerânios.
E que chuva benvindas
sejam andadas
em ladrilhos descalços.

Que outras mãos
sejam dadas,
carícias trocadas
e impudícas juras
trocadas.

Que ex-vestais
desçam dos pedestais
e sejam as novas amantes
"nos mares que dantes*"
nunca foram navegadas.

Procura-se o encanto
dos inicios,
a vertigem dos
princípicios.
Procura-se o
sabor do desconhecido;
e tudo aquilo
que poderia
ter sido.

* Da poética de Luis Vaz de Camões.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Espelhar

O espelho
é o eco
do Ego.
O duplo
exposto
da alma
sem rosto.
O dobro
degosto
do azar suposto.

O espelho
é face devolvida
e a verdade
quase esquecida,
mas que ecoa
atrevida.

domingo, 24 de julho de 2011

Elizabeth

Porque te revivo
em cada nova paixão,
eis que o cristal rebrilha
como a iluminar
a nova trilha.

Os tempos obscuros
que caminhamos
ficaram num Pretério
que nunca foi Perfeito;
e nem desgruda
do peito.

Mas agora, companheira,
sei-te tombada
na inútil trincheira
que, ingênuos, fizemos,

como se o Mundo
pudesse acolher
a Esperança que lutamos
e o sonho que Sonhamos.

Descanse, paixão primeira.
Seguirei tua luz
nos passos que a ti
conduz.


Para Beth, morta aos 19 anos, nessa data, em 1972.

sábado, 23 de julho de 2011

Marcia

Olham o vazio
os olhos de Marcia;
distantes
como
instantes.

Perdidos olhares
em vagos lugares.
Adivinho tua saudade
d'alguma metade.

Moça da foto,
acaricio tua tristeza
e te faço um poema.
Talvez, uma chuva serena.

                                Para Marcia.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Lirismo

Ensina-me
Mestre Bandeira,
uma poesia inteira
para que eu cante
a Musa primeira.

Não carece
Cecilia,
apuro de métrica
e rima,
pois Cristina
paira
um Compasso acima.

Nem precisa
Mestre Drumonnd,
tamanha precisão.
Que sejam livres
os versos,
como livres são
carinhos,
que o Bem Querer
abriga nos ninhos.

Mas que haja
doce Quintana,
teus versos rápidos
como o Minuano.
E tua poética Thyago,
na cada nota do
piano.

Assim, quando
tudo houver,
que brote
o meu verso,
para que tu
ti saibas,
meu Universo.

            

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Adorno

Eis-te Arco-Iris
que finda a tempestade.
Eis-te espuma da preamar
e da branca vontade
de ficar.

Eis-te gaivota
no céu de mais
ninguém.
Eis-te princesa
e toda minha
certeza.

Brilha a aura
que te modela,
e como flor na lapela,
eis-te adorno
da vida na janela.

                  

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Sonata ao Luar

Era tão bonito ouvir
o Thyago tocar,
mas em qual nota
a Sonata foi interrompida?
Em que neve,
o sorriso de Anastásia
terminou?
Quantas lágrimas,
a palidez de Sonia
derramará
ainda?

Quantas tantas estepes
verão a insânia
dos Homens?
Quantos rios tragarão
corpos inúteis
por motivos fúteis?

Por que tantas vidas
serão perdidas,
nas escuras bocas
de Cérbero redivivo?

Balas perdidas,
porque foram disparadas,
nada semeiam;
e não haverá colheita
na ponta da baioneta,
que rasga o ventre
sobre o solo inocente.

E ainda assim,
entoam hinos
em louvor
aos assassinos...

Sonata ao Luar, obra de Beethoven.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Marés

Baixa maré alta,
em eterno devir;
em imóvel praia
há tanto tempo.
Passou-me,
ficou-me.
Em cada ida
levou parte de mim.
Em cada volta
deixou-me parte de si.
Maré das ondas,
maré dos corpos.
Idas e vindas
até o dia da Ressaca:
silêncio de mãos dadas,
de vozes sussurradas,
de saudades aladas
e das almas penadas.
Onda dos azares,
das redes nos teares.
Refaz-se-me a seca
dos mares.

            Para Ligia (in ebb tide)

sábado, 16 de julho de 2011

Pensão

Quando saio
do Passado
onde moro,
pouco vejo.
O escuro
acostumou-me
às sombras.
Carrego o cheiro
dos antigos
salões
de uma das pensões
em que vivi.
As passadeiras
de borracha
dos longos corredores,
são ladeadas por quartos
minúsculos,
ladeadas por vidas
minúsculas.
São inertes
as flores inodoras,
de plástico
sem auroras.
Choram tristes mulheres
espancadas
por trombonistas
dos bordéis do Cais.
Tristes homens,
abandonos verticais.
Feias crianças sujas,
são caladas na cínica
arte de se amesquinhar.
Cheiro do mofo,
cheiro do esquife.
Da perda,
da ausência.
Do Passado
que não desgruda.
Da dor que não muda.
De quem, nada mais
saúda.
O cheiro,
do novo pardieiro.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Gregas Tragédias - 14 - DIONISIACAS (bacantes)

Eurípedes – 485/406 aC.

Cenário – túmulo de Sêmele, o Palácio real e as montanhas ao redor de Tebas.

Época da ação – idade da Grécia lendária.

A 1ª apresentação em – 405 em Atenas

Personagens:

1 - Cadmo – rei de Tebas.

2 - Dionísio – Baco, em latim. O deus do vinho e da alegria.

3 - Penteu – neto e sucessor de Cadmo no trono de Tebas.

4 - Sêmele – filha de Cadmo e mãe de Dionísio.

5 - Tirésias – o adivinho.

As festas em honra ao deus Dionísio (do vinho, da alegria, da anarquia, da criatividade, da irreverência) foram as primeiras representações teatrais. Dionísio, o deus boêmio, ensejava o movimento, a alegria, a fantasia, a paixão de seus devotos; os quais, guiados por seus sacerdotes, organizavam festas ao ar-livre com danças, vinhos, mulheres na intenção de instaurar o delírio anárquico e criador, que é o principal atributo do deus da alegria desenfreada.

Entre interjeições e gritos de gozo e de celebração, flautas e cantos confusos, a multidão vestia a fantasia e brincava de ser a “corte” do deus, em seu reino de prazeres hedonistas. Desses “coros” nasceram as “Comédias” e as “Tragédias”, que descrevem o protagonista e o espectador das mesmas: o homem. Tanto os da antiguidade, quanto os da atualidade.

Seguindo essa característica, Eurípedes foca prioritariamente o Homem e não os deuses, ao contrário dos outros dois gigantes do gênero: Ésquilo e Sófocles. Aqui, Dionísio enlouquece as mulheres para vingar a memória ultrajada de sua mãe, a mortal Sêmele. Humanas e protagonistas. Penteu, também humano, enfrenta o divino Dionísio e se tem, então, a luta da Razão contra a tirania dos mitos divinos. E o divino, o mitológico só vence a disputa por intermédio de baixa astúcia e não por ter mais poder. Paradoxalmente, o mortal sobrevive, ao cabo. É a criação de Eurípedes: o Homem como deveria ser.

A encenação começa com uma cena estática: no poente, uma figura se posta ante o túmulo de Sêmele, a bela filha de Cadmo, o rei de Tebas. Sêmele, a virgem de beleza estonteante que conquistou o coração de Zeus, que a arrebatou para com ela gerar Dionísio. Sêmele que não viu o filho nascer, pois antes da efeméride, foi fulminada por um raio disparado por Hera, a ciumenta esposa e irmã do Pai dos Deuses (outra vertente diz que Sêmele morreu ao vislumbrar o esplendor de Zeus, quando ele satisfez seu desejo de ver toda sua gloria).

Figura vultosa à beira do túmulo. E a primeira vista, indefinida. Se seus louros cabelos e suas longas vestes sugerem uma dama, um segundo olhar mais atento notará que o poderoso punho que segura um Tirso1, revestido de Hera, é, seguramente, de um homem; ou melhor, de um deus. Com efeito, ali está Dionísio, vindo da Ásia e disfarçado de mulher. Para Tebas veio com dupla missão: introduzir o seu culto e vingar as ofensas que sua mãe sofreu.

1 – Tirso – cajado feito de madeira sólida e resistente. Usualmente vinha adornado com folhas de Hera.

Tão logo chegou à cidade, dirigiu-se ao túmulo da mãe para prestar-lhe as devidas honras. Nela, ele foi gerado e dela ele foi retirado tão logo ela morreu. Zeus, seu pai, introduziu o feto em sua coxa e ali o gestou pelo tempo restante. Agora, ali, observa os negros cachos de uvas que cintilam sobre o mármore gélido e enquanto pensa, sente a chama da ira crescer em seu peito e refletir em seus olhos sombrios.

Sim, ele diz para si próprio, eu irei reinar aqui. Na cidade que foi de sua mãe. Destronaria, de qualquer modo, o jovem Penteu, neto e sucessor de Cadmo. Outras caluniadoras de sua mãe, como as suas tias maternas, AGAVA, INO e ANTÔNOE, ele já punira. Custou-lhes caro a inveja que tinham de Sêmele; e a calúnia que diziam ao afirmar que ele, Dionísio, não era filho de Zeus. Enlouquecê-las-á com o impiedoso ataque da mosca da sandice. Insanas, elas foram para as ruas e para as montanhas seminuas, pois apenas uma pele de cabra cobria-lhes os quadris, e vagavam sem descanso e sem abrigo por entre os espinheiros que lhes dilaceravam os corpos e desgrenhavam os cabelos.

Atrás delas, outras tebanas seguiram levadas por furor invencível. Fugiram dos homens que procuravam detê-las e reuniram-se em tal quantidade que a montanha parecia tremer com seus gritos, suas danças e seus cantos selvagens. Frenesi igual nunca se vira antes na “Tebas das Sete Portas” e aos anciãos só restou o consolo de se resignarem com “a vontade divina”.

E, de fato, era a vontade de um deus a causa da convulsão. Ele, Dionísio, transformara as pacatas e recatadas mulheres de Tebas em loucas dionisíacas (bacantes) sem pudor e sem freio. Assim era sua vingança contra quem destratara sua mãe.

- Evoé! Evoé1!

1 – Evoé – do grego EUOT, pelo latim Evoé – interjeição ritualística que servia para evocar Dionísio durante as orgias. Talvez seja a raiz arcaica do verbo “evocar”.

Brado que repercutia nos bosques, nas montanhas e na própria cidade. A esse chamado respondia um insano delírio que a todos tomava. Nas ruas, os homens aguçavam os ouvidos para escutarem as mulheres. Mãos semi conscientes tocavam os tambores em ritmo sincopado que estremecia os corações. Jovens dançavam malgrado não quisessem. Velhos sacudiam as alvas cabeças como se estivessem embriagados. O vinho jorrava farto das crateras (um tipo de taça) para as gargantas, que nunca se saciavam.

Nesse ponto da encenação, toma o centro da ribalta o velho Cadmo, acompanhado pelo adivinho Tirésias. Ambos, recobertos de peles de cabras, batem cadenciadamente seus tirsos com heras, enquanto descem de mãos dadas às escadarias do Palácio para ganhar a rua e se juntar à multidão delirante. Descem ligeiros, pois lhes urge seguirem para as montanhas das dionisíacas, junto com os embriagados foliões do povo. Porém, no momento em que se afastam um homem jovem lhes interrompe o caminho. É Penteu que os admoesta com severidade: ó pai de minha mãe! Que pensas fazer? Aonde vais com esses trajes? Será que tu também resolveste adorar esse “falso deus” a quem chamam de Dionísio? Divindade boa, se tanto, apenas para os rudes bárbaros e não para homens ajuizados. Foi para te entregares a esse festejo sensual e vulgar que tu, meu querido avô, entregou-me o comando da Cidade? Largue esse Tirso, essa Hera, essas peles. Dá-os aos homens vulgares de nossa pátria. Voltes ao Palácio, Cadmo. Logo eu restabelecerei a ordem nas ruas e nos lares. Esse outro que se diz filho de Sêmele, tua filha, e de Zeus há de pagar por sua impostura. Já prendemos várias de suas adoradoras ensandecidas que estavam prestes a se reunirem com as tantas outras espalhadas pelos bosques e pelas montanhas (no Citério). Logo acabarei com essas ofensas aos antigos deuses. Esse Dioniso é um impostor! Disso eu sei através do que minha mãe contava, antes de sucumbir à loucura que a levou. Prosseguindo, Penteu diz ao adivinho:

E tu Tirésias? Tu queres introduzir nova divindade em Tebas, para aumentar sua renda com novos sacrifícios e rituais? Oh, se tu não fosses um velho cego e inválido eu te daria uma lição que tu não esquecerias.

O velho profeta interrompe o jovem rei dizendo: não blasfemes! Não trate Dionísio dessa maneira! Tu não sabes o tamanho que o seu culto alcançará. Na Ásia ele já é deveras cultuado, mas somos nós que temos a honra de sabê-lo conterrâneo. Pertence à Tebas, muito mais que a qualquer outra pátria. Guarde teu sorriso de escárnio e sua incredulidade. Achas que o raio que matou Sêmele também o matou, mas eu afirmo que não! Afirmo que Zeus o gestou em sua coxa quando a mãe morreu; e que foi esse mesmo pai que o escondeu no Olimpo, a salvo dos ciúmes vingativos de Hera. E Dionísio viveu para nossa felicidade. Junto a Deméter (Ceres, em latim) que alimenta os homens por ser a deusa da agricultura, está Dionísio que os alegra com o suco das uvas. O vinho que traz a alegria, o esquecimento, a paz e o sono aos Homens, é o seu presente ao Mundo. Glória a Dionísio que faz os tímidos serem audazes, os covardes serem valentes; e felizes, todos eles.

Cadmo toma a palavra e insiste na apologia ao novo deus dizendo: meu filho deixe teu ciúme mesquinho e orgulhe-se por ser da mesma estirpe do deus que tanto fará para a Humanidade. Ande, por favor, coloque os adereços e festeje. Não te oponhas à alegria como se fosse um déspota irascível. Cultue conosco o “Imortal” mais humano de todos.

Penteu, tomado pela fúria, vocifera em resposta: insensatos! Não me contaminem com vossa loucura. O impostor será desmascarado. Prenderei seus sacerdotes e acólitos. A começar por esse estrangeiro que vaga pela cidade seduzindo as mulheres com seu cabelo perfumado. Devolverei a ordem à Tebas.

Que os deuses não te castiguem, diz-lhe Cadmo. Em seguida o velho herói convida Tirésias e ambos seguem o cortejo dionisíaco dizendo: deixemos esse moço com sua luta vã e ímpia (desrespeitosa à religião) contra os deuses. Eu temo pela sua sorte, mas nada podemos fazer para demovê-lo de sua intransigência. Vamos Tirésias, honrar Dionísio!

Enquanto os anciãos partem, Penteu reflete que poderia abrandar sua raiva se mandasse seus soldados revirar a casa de Tirésias, ou determinar outras medidas que acabassem com a ruidosa manifestação de anarquia que lhe chega da rua, não obstante a severidade com que os soldados tratam os populares foliões. Mas não dá seguimento ao seu mau pensamento em razão da chegada de uma patrulha que escolta Dionísio preso. O cativo, não obstante o peso das correntes que o manietam, aparenta tal calma e tanta segurança que são os guardas que se mostram atônitos e inseguros. Por fim, o líder militar diz a Penteu: ó rei, eis aquele que tu nos mandaste aprisionar. Ele não nos ofereceu resistência e nos acompanhou como se estive indo a uma festa. Quanto às mulheres que prendemos antes, as noticias não são tão boas. Inexplicavelmente os grilhões e as grades que as prendiam abriram-se milagrosamente e elas fugiram. Todas as testemunhas do fato dizem que esse acontecimento foi feito pelo estranho que aqui está. Ademais, muitos outros milagres estão sendo-lhe creditado, de modo que nem nós temos certeza se ele é, efetivamente, um deus, ou um impostor. Diga-nos tu, ó ilustre rei, o que devemos fazer com ele?

Note-se que a metáfora colocada por Eurípedes vai além da crença na divindade de Dionísio. O dramaturgo coloca duas visões da realidade: a defesa do Cosmos organizado, previsível, burocrático e, talvez, sem criatividade e sem atrativos; contra o Caos rompedor da antiga ordem, dos antigos valores e exterminador da resignação ou submissão à vontade dos deuses (ou de Deus para as religiões instituídas). O Caos que enseja criatividade e que á atrativo para as mentes e almas mais bem aparelhadas de conhecimentos e inteligência.

Essa segunda visão é a do “Homem Dionisíaco”, que será o modelo a ser seguido, conforme a concepção de Nietzsche. É o Homem que mata Deus, ou seja, o homem que mata a subserviência dos judeus, cristãos, muçulmanos e outras religiões. É o Homem que mata as velhas crenças, as velhas estruturas sócio-políticas e a antiga Moral.

- Quem tu és? O que tu vieste fazer em Tebas, pergunta Penteu?

- Introduzir o culto ao deus Dionísio. O deus do vinho e da alegria. E nada, aviso-lhe, poderá impedir-me, responde a divindade, ainda disfarçada.

- Mesmo que eu te prenda?

Vão guardas! Não se impressionem com os seus falsos milagres. Prendam-no! Amanhã ordenarei o seu suplicio.

Dionísio olha com sarcasmo para o jovem rei e murmura: pobre louco. Pagará caro o peso dessas correntes. Em seguida diz aos seus carcereiros indecisos: vamos, cumpram a ordem que receberam de vosso rei. Eu quero ser preso.

Aturdidos, os guardas levam o prisioneiro para uma escura masmorra. Nela, Dionísio fica aguardando a hora que se auto determinou. Chegado o momento, sua voz ressoa por toda cidade: Eia! Eia! Dionisíacas, ouvi-me! Aqui está vosso deus, filho de Sêmele e de Zeus. Vejam! A gruta se fende, a porta da masmorra se abre e os guardas são sugados pelo chão. Olhem! O Palácio do tirano Penteu se desmorona. Evoé! As paredes ardem. Oh Mênades (mulheres possuídas, epíteto dado às dionisíacas) prostem-se ante o filho de Zeus!

A cena muda para as ruínas do Palácio onde Dionísio surge resplandecente, enquanto os Coros (no sentido de procissão) femininos enchem a noite com seus gritos anárquicos.

Eia! Eia! Vamos! Ele nos chama! Adoremo-no!

Penteu, pasmo, contempla seu ex-prisioneiro. O incêndio fora tão rápido e brutal que ele só salvara a própria pele. Seus imensos tesouros foram devorados pelas chamas em pouco tempo. Porém, nem a libertação miraculosa de Dionísio, nem a devastação de seus bens, foram capazes de vencer sua incredulidade. Foram suficientes para torná-lo mais humilde. Teimava que os acontecimentos não eram miraculosos e deliberou agravar a repressão ao culto dionisíaco ordenando que seus guardas atacassem impiedosamente as mulheres na montanha do Citério (de Citerão, o conjunto de montanhas que separam a Beócia de Megaris e da Ática. Tais montanhas eram consagradas a Dionísio e às Musas) e trouxessem vivas ou mortas, todas as devotas do novo deus. Sua própria mãe, AGAVE, deveria ser a primeira, tanto para dar o exemplo, como para punir a sua desobediência à ordem de seu rei e por não atender ao apelo de seu filho. Todavia, os guardas da primeira carga logo voltaram derrotados e apavorados com o que tinham visto e sentido. As devotas atacaram-nos com furor selvagem e parecia não sentir os golpes que eles lhes aplicavam. Diante desse relato, Penteu decidiu ir pessoalmente para o combate.

- Acautele-se, ó rei. Quem nos derrotou não foram as mulheres, mas um deus.

- Qual? Covardes! Vocês se auto flagelaram para me convencer. Eu e meus leais cavaleiros esvaziaremos as montanhas.

Nisso, Dionísio aproxima-se do rei e lhe diz: sê prudente, ó rei. Não levantes tuas armas contra um deus. Ele te impedirá de capturar as suas devotas. Penteu ruge em resposta: cuide-se tu, impostor. Posso prendê-lo em uma cadeia inescapável. Tu não passas de um bufão sem graça.

Dionísio apenas o fitou e, mentalmente, o condenou à morte. Em seguida diz-lhe: tu não conseguirás dominar as dionisíacas. Queres um conselho?

- Como tu ousas oferecer-me um conselho. Não vês que és o meu inimigo?

Dionísio sorriu e embora lhe fosse custoso mentir, sabia que deveria agir com toda astúcia que o momento exigia e que era necessária ao seu intento; assim, disse ao rei: mesmo que não queiras, eu te darei uma sugestão. Veste-te como mulher e assim disfarçado conseguirá se infiltrar entre as devotas com segurança. Então, estando entre elas, use toda sua eloqüência para convencê-las a voltarem para suas rotinas. Desse modo nenhum sangue será derramado e tu poderás manter-se no Poder.

Penteu hesitou, mas a contragosto teve que admitir que a sugestão era boa e sensata. E também porque Dionísio – que confunde o intelecto das pessoas, como se fosse ele mesmo um bom vinho tomado em excesso – enviava-lhe eflúvios de suave desvario, semelhantes ao da embriaguês. Destarte, em pouco tempo, Penteu deixou de ver no deus um ferrenho inimigo e se mostrou aberto ao conselho divino. Abandonou sua Razão e se deixou levar pelo deus mais forte e mais terrível, dentre os considerados benfazejos.

Nesse último trecho é clara a metáfora que Eurípedes faz com os efeitos da embriaguês sobre os Homens. É o “deus poderoso”, ou o “vicio poderoso” que faz os alcoólicos abandonarem o bom-senso, a racionalidade, a temperança para agirem como irresponsáveis, ladrões, assassinos e toda sorte de comportamento anti-social.

A idéia do disfarce não chocou a Razão de Penteu, pois como se viu, ele já estava sob domínio de um tipo de embriaguês. Porém, um resto de racionalidade ainda vigorava e considerava que o fato do rei ter que atravessar a cidade, o sujeitaria ao escárnio e à zombaria do povo, com resultados catastróficos. Logo ele, famoso pelos seus “decretos severíssimos”. A multidão, iluminada pelos archotes que levava, não deixaria de ver na sua transfiguração uma confissão de derrota e de fim de governo. Não restariam dúvidas de que a Anarquia fora efetivamente instaurada. Mas esse impasse íntimo não se prolongou, pois as ordens de Dionísio prevaleceram e o rei se pôs a fantasiar-se de dama. E, logo depois, já transfigurado, teve que suportar os olhares de curiosidade e de espanto dos próprios guardas e servos e uma ou outra piada. Era, de fato, muito parecido a qualquer uma das filhas de Cadmo.

- Maravilhoso, disse Dionísio sem se dar ao trabalho de sufocar o riso, como fizeram os outros. Disse ainda: está uma verdadeira mulher; e que assim seja, pois esta é a única forma de adentrar ao grupo das dionisíacas que celebram os “mistérios do deus do vinho”. Penteu, semi- inconsciente, ofendeu-se como o riso e com as palavras jocosas do deus e usando um tom irônico pergunta: será que assim eu conseguirei trazer nos ombros o monte Citério e as devotas que lá estão?

Dionísio, também com certa ironia, responde que sim, desde que quisesse. Na seqüência oferece-lhe o braço e o convida a iniciar a caminhada que o levará através da cidade até a montanha, dizendo que todos o admirarão. Devolve-lhe, então, o sarcasmo.

- Tu és cruel, estrangeiro. Mas não tenho escolha, resigna-se Penteu. Vamos. Faremos as dionisíacas envergonharem-se de seus modos, de suas bebedeiras. Oh, bêbadas vadias!

- Vamos, rei. Caminhemos, ordena o deus da alegria. Entre risos, danças, vinhos e orgias os dois caminham com pressa e logo chegam ao sopé do Citério.

Já não estavam em território tebano. Cá estamos, murmura Dionísio. Vamos com cuidado para que os nossos passos não nos denunciem. Olhe ali: vê a multidão? Veja que algumas saltam como corças, outras dançam, algumas fazem coroas de Hera e aquelas outras brincam como se fossem crianças. Estão felizes, livres do jugo dos homens. Diga-me rei, como Dionísio – que as tornou livres – não poderia ser o seu deus favorito?

Aqui Eurípedes antecipa-se às hodiernas feministas, pregando a libertação feminina. Aliás, esse tema já pode ser visto em outras “Tragédias” e/ou “Comédias”.

Penteu, porém, diz que nada enxerga, sem desconfiar da armadilha que Dionísio lhe prepara. Esse último, então, diz-lhe: vou colocar-te noutra posição para que tu possas ver-lhes. Em seguida, estendeu o braço e puxou o ramo principal de um pinheiro. Curvando a árvore até o chão, colocou o pescoço do semi-inconsciente Penteu na mais alta forquilha. Depois deixou o pinheiro voltar lentamente à sua posição original e com a sua voz retumbante gritou: eia! Eia! Mulheres vejam. Olhem o espião que traiçoeiramente queria sondar os mistérios das celebrações a Dionísio. Notem que está preso na armadilha que lhe armei. Observem! Aquele que antes zombava de mim e da devoção de vós outras. Eia! Eia!

Em seguida apontou para o Céu e vários relâmpagos iluminaram Penteu. Ensandecidas, as mulheres cercaram o pinheiro com a intenção de matar o espião. Primeiro tentaram acertá-lo com pedras, mas em vão. Nesse ínterim, lúcido novamente, Penteu vê o destino que lhe aguarda e grita desesperadamente pelo socorro de sua mãe, mas sua voz foi abafada pelo alarido das dionisíacas, que urravam de raiva e exigiam vingança contra quem maltratara seu deus amado.

Agave, a mãe de Penteu, era a mais excitada e por obra dos sortilégios do deus, ao invés do corpo do filho, via o corpo de um feroz leão.

- É o leão, irmãs, que está acabando com nossos rebanhos. Matemo-no sem piedade e libertemos a cidade desse flagelo.

E novas pedras voaram, mas como foram tão inúteis como as primeiras, as mulheres decidiram arrancar a árvore e assim o fizeram. Ferido, Penteu não pôde levantar-se e, malgrado suas súplicas, recebeu no coração o potente tirso de Agave que julgava estar matando o leão. O restante de seu corpo foi despedaçado pelas demais, incitadas pelo cheiro de sangue e pela loucura do momento. Por fim, Agave espetou a cabeça do rei em seu Tirso enquanto urrava: vejam o focinho da fera, minhas irmãs. Agora eu vou receber as condecorações em Tebas pelo meu heróico feito. Um longo cortejo logo se formou de volta à cidade, em meio a hinos e louvores ao deus do vinho.

À porta de Tebas, dois homens o detiveram. Eram Cadmo e Tirésias.

- Aonde vai Agave, minha filha? O que tu levas como troféu, bradou Cadmo?

- A cabeça do leão que eu matei.

Cadmo, desesperado, exclamou: ó dor sem fim! Ai de mim! Ó deuses, como curvais os homens que tem a insolência de lhes olhar face a face e comparar-se a vós. Vejo que me tirastes meu herdeiro. Este menino que eu nunca mais verei. Enquanto se lamentava, quedou-se abatido pela imensa dor. Lágrimas abundantes correm por suas faces. Agave, com os olhos dilatados, contempla o vácuo sem enxergar a realidade; sem ver a cabeça do próprio filho. Alheia a tudo que se passava. Dionísio, impassível, apoiava-se serenamente em seu Tirso e mostra a Cadmo e a Agave a longa e sofrida via em que caminharão doravante. Sêmele estava vingada.

Nessa peça, Eurípides inicia um novo gênero na literatura: a fábula, cujo elemento marcante é a lição de moral que encerra o texto, quase sempre condenando as atitudes contrárias à Moral da época em que foi escrita e conclamando a todos para que busquem os caminhos da virtude vigente.

Aqui, não é difícil perceber a censura subliminar ao desregramento cometido a partir da perda de lucidez, da Razão. Tanto por efeito do consumo exagerado de vinho, quanto por efeito do abandono das regras sociais que norteavam a comunidade. A morte de Penteu é, também, a morte da Sociedade Organizada segundo os ditames da racionalidade, em constante luta contra o império das sensações. O que substituirá aquela ordem estabelecida? Qual será o futuro de Tebas?

Rio, 07/07/2011



quinta-feira, 14 de julho de 2011

Terra

Pó da terra seca,
fira meus olhos
para que tua
partida
não me tenha
como testemunha.

Pedra da terra seca,
fira meus ouvidos
para que teu riso
ausente
não me lembre
que rimos juntos,
num tempo
inexistente.

Espinho da terra seca,
fira minhas mãos
para que teu seio
distante
não me lembre
da carícia
que faltou,
num tempo que
não sei quando.

Talvez,
ferido o corpo,
liberte-se minha alma.
Talvez voe
a minha poesia
e n'algum canto
encontre outro tanto.

Talvez, terra seca,
viceje-te novo plantio
e minha
eu te saiba,
moça do Rio.

            

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Todos

Três horas,
na madrugada
povoada por Cristina.
Sei-me, enfim.

Por todos
os amores
que te quero
viver,
sei-te pedaço
de mim.

Novo Poema
anuncia o
outro dia.
Eco que repete
a lírica jura,

proclamemos
o desejo sem censura
e os amores sem usura!

                          Para Cristina.

terça-feira, 12 de julho de 2011

Sei

Sei-te chuva
a saciar a
sede da terra.
Sei-te brisa
a levar as mágoas
que o peito
encerra.

Sei-te Lua
a iluminar
os sonhos
de quem ama.
Sei-te Sol
a clarear
as sombras
de quem clama.

Sei-te cheiro
de mato
e a saudade
no retrato.
Sei-te ida
sofrida
e volta
abolida.
Sei-te riso
de criança
e suspiro
de esperança.
Sei-te espera
terminada
e minha doce
amada.

Sei-te luz
que me ilumina.
Sei-te Cristina.

                      

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Vazia

Ainda sinto
o calor
do teu corpo,
mas a cama
está vazia.

Tua ausência
impõe
essa solidão
de espaço
não preenchido,
de afago
não sentido
e de dor
sem gemido.

Solidão,
de poema
não lido.

         

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Talheres

Que o tempo
só transforme
a voracidade
da primeira fome,
em apetite
constante
pelos prazeres
revividos,

que sempre haja
novos acepipes
e simples molhos
em requintadas
baixelas.

Que o Eterno Retorno
sempre traga
novos banquetes
e velhos vinhos.

Que o gosto
do amor
seja suave,
apimentado,
doce,
amargo
e que,
principalmente,
traga o sal
que conserve
o sabor
de te saber
minha comensal.

                 Para Cristina

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Fria

Nada compensa
esse cinza
que apaga
a tarde.

As folhas da
Paineira caíram.
O roxo e o amarelo
as seguiram.

Atrás da janela
só há ausência.
Uma rua vazia
e uma rosa fria.

domingo, 3 de julho de 2011

Zaratustra

Assim disse *Zaratustra:
está morto o velho homem!
Eis renascido
o homem e o seu afago.
Eis-te renascido,
autor de Thyago.

Eis-te renascido,
homem de nova sina.
Aquece-te
o esplendor de Cristina.

Eis-te revivido,
poeta de generosos fados.
Um Sol renovado
caminha ao
teu lado.

            Dedicado a Thyago



*Da obra de Nietzsche.

sábado, 2 de julho de 2011

A MEU PAI

Como poderia a morte lenta
arrastar-se sobre vestes e vestes
de pele viva e sonho descoberto
de qualquer inocência
agora que das ruas
deixamos os outros para trás,
sem soslaio ou estátuas de sal
ou neón bruto e
esquecido?
Você me pega pelas mãos
em minha loucura afobada
de colarinhos apertados e
diz "mata o pára que te entope as veias".
& a morte se esquece das escadas
duras a chegar
e dura a morte
o instante de uma
idéia passageira,
- um vagão que deixa a cidade.

Thyago Marão Villela
http://revistaiskra.wordpress.com/
http://myspace.com/cveludoazul

AGRADEÇO AOS DEUSES POR TER CAMINHADO A VIDA CONTIGO, FILHO. UM GRANDE E EMOCIONADO BEIJO.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Maresia

Cores do Mar
no fim do dia;
quase meia Lua,
na noite seminua.

Talvez algum barco
regresse
e alguma Estrela
se apresse
enquanto Cristina
acontece.

- Branca jangada,
o quê trouxe a tua
pescaria?

- Só o que basta.
Essa paz da
maresia.
 
            Para Cristina