quinta-feira, 30 de maio de 2013

Intervalo e Avenida


Nesse banco da Avenida eu assisto os passos
que levam as mulheres em brancas pernas.
E vejo os carros que atropelam o amarelo do sinal
e rugem como dragões renascidos
que correm em busca de carne fresca.

Um dia, eu escolhi rosas para um novo amor.
E foi estranho ver a melancolia da florista
que sorria tristeza.

Mas agora eu tenho que voltar.
Ainda falta falar de Kali, a deusa que bebe sangue
e atormenta e pune os homens que amaram.

Depois, devo me apressar,
pois a solidão estará impaciente
esperando-me nalgum quarto de hotel.



Digitado e montado por TAÍS ALBUQUERQUE, de Vassouras RJ.

terça-feira, 28 de maio de 2013

AGAMENON - as Gregas Tragédias


Ésquilo – 525/456 aC. – Elêusis

Cenário – A frente do Palácio de Agamêmnon em Argos, com um altar central dedicado a Zeus e outras aras, dedicadas a várias divindades, nos lados.

Época da Ação – idade heróica da Grécia – c. 1200 AEC.

A 1ª Apresentação – 485 AEC. em Atenas.

Personagens:

1. Agamêmnon - filho de Atreu e rei de Argos e de Micenas; comandante supremo dos gregos na guerra de Tróia.

2. Cassandra – filho de Hécuba e de Príamo, rei de Tróia; profetisa, trazida por Agamêmnon como troféu de guerra.

3. Clitemnestra – filha de Tindareu e de Leda; irmã de Helena, a esposa adúltera de Menelau, que fugiu para Tróia com Páris.

4. Corifeu – líder dos anciãos do Coro.

5. Coro – composto por doze anciãos argivos fieis a Agamêmnon.

6. Egisto – filho de Tiestes, primo de Agamêmnon e amante de Clitemnestra.

7. Sentinela, Arauto.

Sinônimos:

Gregos = Aqueus, Argivos, Helenos.

Tróia = Ilion, Frigia.

                                       “Agamêmnon é a obra-prima das obras-primas”
                                                                                             Goethe.

Agamêmnon é a primeira “Tragédia” da trilogia intitulada de “Oréstia* e é vista por grande parte dos eruditos como a melhor dentre todas. Admiração que o poeta alemão expôs com maestria na frase em epígrafe.

*Derivação de “Orestes”, filho de Agamêmnon e Clitemnestra e protagonista da tragédia a qual empresta o nome.
 

Antes de iniciarmos o resumo comentado, faremos um breve passeio pelos fatos anteriores aos acontecimentos narrados, para que o (a) leitor (a) tenha melhores subsídios para desfrutar da riqueza que brotou da pena de Ésquilo.

O texto é centrado no sentimento de vingança, bem como na sua realização. E não poderia ser diferente, pois a lenda na qual se baseia tem esse sentimento como espinha dorsal. Conta a lenda a história da família dos “Atridas”, ou descendente de Atreu. Nela, lê-se que Pêlops era filho de Tântalo e oriundo da Lidia, na Ásia Menor, de onde saiu para chegar a Élis, na Grécia, como pretendente de Hipodâmia, filha de Enomau, o rei de Pisa. Com a ajuda de Mirtilo, servo do rei, e de maneira fraudulenta, Pêlops conseguiu seu intento. Logo depois, malgrado a ajuda que dele recebeu, matou Mirtilo traiçoeiramente. Mirtilo, em sua hora extrema, lançou uma maldição a Pêlops, a qual se estenderia a todos os seus descendentes. Contudo, o lídio, tornou-se Senhor de toda a região da qual se tornou epônimo, o Peloponeso.
 

Mas desde a sua primeira descendência a maldição de Mirtilo se manifestou e seus filhos Atreu e Tiestes entraram em luta fratricida pelo trono de Micenas. Ademais, Tiestes seduziu Aerope, a mulher de Antreu, e com a ajuda dela conseguiu apoderar-se do carneiro com lã de ouro, cuja posse asseguraria o trono disputado. Todavia, por ser o preferido de Zeus, Atreu conquistou o trono e logo se vingou do irmão exilando-o de Argos. Tempos depois, insatisfeito com o castigo que aplicara, simulou estar arrependido e propôs uma falsa reconciliação. Para celebrar essa “nova paz”, Atreu serviu um banquete ao irmão, no qual o prato principal era a carne de seus sobrinhos, os filhos de Tiestes. Dos três sobrinhos apenas um sobreviveu, Egisto, e às maldições de Mirtilo, juntaram-se as de Tiestes agravando os maus agouros.
 

Na geração seguinte, Agamêmnon, filho de Atreu, recebeu a maior carga dessas maldições e prosseguiu na estrada das vinganças. Assim, quis se vingar de Páris por este ter seduzido a sua cunhada, mulher de Menelau, seu irmão; e desejou com tal ímpeto essa vingança que não vacilou em cumprir a exigência da deusa Ártemis e sacrificou Ifigênia, sua própria filha em troca de ventos favoráveis para navegarem até Tróia.
 

Com isso granjeou o ódio de sua esposa e mãe de Ifigênia, Clitemnestra. Durante a guerra Clitemnestra amasiou-se a Egisto e o ódio de ambos por Agamêmnon resultou na decisão de matá-lo tão logo voltasse da guerra. E assim se deu. Egisto vingou no filho de Atreu a ofensa feita ao seu pai Tiestes; e Clitemnestra vingou-se pela morte da filha. Posteriormente, Agamêmnon seria vingado por seu filho Orestes e por sua filha Electra, que matariam Clitemnestra e Egisto, fato que marcou o fim do ciclo de ódio que percorreu pari-passu a vida do clã.

A encenação tem inicio com a Sentinela postada na torre de observação. Como ele, vários outros soldados foram colocados na rota entre Tróia e a Grécia para que Agamêmnon não chegasse de surpresa. Após proferir rotineiras queixas sobre o cansaço e o tédio de sua função e a observação de quão é infeliz a casa de Agamêmnon, outrora tão ditosa, ele avista o fogo do próximo ponto, o que lhe indica que Tróia caiu. Que os gregos venceram a dura guerra. Eufórico, brada sua alegria, ensaia alguns desajeitados passos de dança e não policia o volume de sua voz, para ser ouvida no palácio pela rainha Clitemnestra, a qual logo ordena o inicio dos festejos. Prossegue a Sentinela, em tom mais comedido, insinuando o romance entre Clitemnestra e Egisto, mas nada diz claramente, ponderando o acerto de sua mudez, ainda que tal relacionamento seja sabido por muitos.

Enquanto a Sentinela desce do terraço, ouvem-se os gritos festivos no interior da Casa Real e se avista rainha ajoelhada no altar de Zeus como se rezasse. Nisso, entra em cena o Coro e o dia amanhece.
Os doze anciãos que compõem o Coro cantam a ida dos Atridas para a guerra, motivados pela mágoa que a traição de Helena causou. Comparam tal dor à da águia cujos filhotes foram mortos sem que valesse os cuidados que ela teve ao aprontar o ninho. Os deuses se condoeram da pobre ave e liberaram as “Fúrias Vingadoras” para punir os causadores daquela desgraça, mas se viu que o duro castigo aplicado foi inútil e tardio. O mal já tinha sido feito e nada poderia impedir esse fato. O mesmo que teria sucedido em Tróia.

Note-se que além da bela forma na comparação, o Coro canta a inutilidade das vinganças num claro alerta para Egisto e Clitemnestra.

Prosseguem, cantando que tudo acontece como estava escrito e nada é suficiente para mudar os fatos passados. Na seqüência dirigem-se a Clitemnestra, que ainda está rezando, e lhe pedem que os esclareça sobre as noticias comentadas pelo povo, pois eles veem sinais de júbilo em todas as partes. Ante a indiferença absorta da rainha, um deles avança em sua direção relembrando os bons presságios na partida da Expedição e o bom augúrio que se viu na época: duas águias aniquilando uma lebre prenhe de dois filhotes. Eram Agamêmnon e Menelau aniquilando Tróia, como o adivinho do exército, Calcas, bem interpretou. Também alertou na mesma hora para a necessidade de se ter cautela, pois a deusa protetora dos animais, a casta Ártemis, zangou-se com os cães alados de Zeus (as águias) que mataram brutalmente a pobre lebre e seus filhotes ainda não nascidos e colocaria sério obstáculo aos gregos em sua intenção de subjugar Tróia. Continua o ancião citando as palavras do adivinho: o primeiro obstáculo será uma constante calmaria que impedirá os barcos de navegarem e ela só se dissipará após um sacrifício real. Sacrifício crudelíssimo, pois a exigida foi à filha de Agamêmnon, Ifigênia. Desse sacrifício resultará um efeito colateral horroroso que será a luta entre os familiares; ira que não se apazigua e que sempre exigirá vingança.

Note-se que em algumas versões, Ártemis (Diana, em latim) exigiu de fato o sacrifício de Ifigênia, mas a salvou na última hora, como acontecido com Isaac e Abrão, cuja história seria um plágio dessa lenda. A escolha por Ifigênia se deu por ela ser filha de Agamêmnon, o mais velho dos irmãos e quem mais pugnou pela guerra vingativa. Durante a guerra, Ártemis combateu ao lado dos troianos e foi a protetora de Enéas, o protagonista da “Eneida” de Virgilio e o lendário fundador de Roma. De toda forma, tem-se aí a explicação da ira de Ártemis, seu castigo aos gregos e a condição imposta para libertar os ventos que os levariam a Tróia. Ésquilo, magistralmente, informa assim os antecedentes de sua “Tragédia” e relata, ainda, a dor de Agamêmnon, pressionado por um lado pelo amor paternal e por outro lado, pela exigência dos outros lideres gregos que viam na longa espera o inicio da degeneração das tropas e o fim próximo das provisões. Enfim, vencido pela segunda opção, imolou a jovem filha, não obstante os mudos apelos da jovem, após ser amordaçada, e seus gestos desesperados para fugir do terrível destino.

Nesse momento, Clitemnestra termina suas preces e junto com suas criadas caminha em direção ao Coro. Os anciãos, ao perceberem a aproximação da rainha, repetem suas esperanças de que em face das incertezas do Futuro o gesto de Agamêmnon, de sacrificar sua filha, foi o correto. Na seqüência, o Corifeu dirige-se à rainha em tom submisso dizendo que a reconhecem como legitima governante, em conjunto com o rei ausente e que estão dispostos a fazer o que ela julgar melhor.

Clitemnestra evoca um novo dia cheio de júbilo e lhes informa da tomada de Tróia. Ante a incredulidade (sincera ou só convencional?) do Corifeu, afirma que a noticia lhe chegou por fonte segura e não como resultado de sonhos e premonições, das quais ela desconfia. Respondendo à dúvida do Corifeu sobre que mensageiro poderia ser tão rápido, Clitemnestra explicou-lhe o sistema das fogueiras comunicantes que seriam acesas para dar tal noticia.

Nesse trecho, Ésquilo demonstra todo seu saber sobre a geografia da região, compondo um apreciável painel das localidades existentes entre Argos e Tróia. Também relata um comportamento incomum entre a realeza: Clitemnestra enaltece e agradece o trabalho realizado pelas sentinelas.

O Corifeu torna a simular dúvidas sobre a noticia, embora à trate como muito alvissareira. Pede, novamente, que a soberana repita seu convencimento sobre a vitória grega. Para convencê-lo, Clitemnestra usa de suposições para ilustrar o que deve estar ocorrendo na cidade vencida, em contraponto ao que ocorrem na festiva Argos. Diz que como azeite e vinagre no mesmo prato não se misturam, embora juntos no mesmo espaço, os gregos e os troianos convivem na mesma localidade. Enquanto o ânimo dos primeiros está voltado para as comemorações pela vitória e pelo conforto dela proveniente, a disposição dos segundos é de luto e pesar, chorando sobre os cadáveres de seus irmãos, esposos, filhos, enquanto as crianças choram sobre os falecidos pais. Diz, ainda, que só espera que seus compatriotas não se entreguem aos excessos brutais, pois mesmo que todos voltem sem mácula é certo que algum deus sentir-se-á ofendido por tantas mortes e haverá de cobrar essa conta do Presente no Futuro. Termina, enfim, o arrazoado dizendo que emitiu modestas opiniões de uma mulher e que tem menos peso justamente por isso.

É patente o domínio masculino na sociedade, o que remete as mulheres a um segundo plano. Posição misógina e chauvinista que perdurou até nossa Era, malgrado as limitações ainda existentes.

O Corifeu elogia sua prudência e clareza ao falar, comparando-a a um homem (sic). Em seguida agradece aos deuses dando-se por convencido da vitória. Enquanto Clitemnestra volta para o Palácio, o Coro entoa um longo canto no qual homenageia os deuses e critica os ateus e os soberbos, celebrando as virtudes do comedimento (tal como Sócrates), cuja ausência em Páris fê-lo desonrar o lar de seu anfitrião. Também ausente em Helena, cuja lascívia levou-a para a cama do amante e dali para a cidade de Tróia, deixando atrás de si apenas as armas prontas para a guerra. Na seqüência, o canto lamenta a dor do abandono, a saudade da esposa amada e o orgulho ferido de Menelau. Também lamenta as dores nas casas de quem perdeu um ente querido, na guerra que se lutou pela “esposa alheia”. Luta indevida, sem sentido, que atraiu o ódio doutros gregos contra os Atridas. Ódio que enseja a previsão de males e ruínas futuras.

Observe-se neste trecho que o rancor contra Helena não se limitava aos troianos. Também entre os gregos a sua culpa era patente. Outro aspecto a ser notado é que Menelau é retratado na sua dimensão humana. Um homem que sofre por saudade e pela solidão, aspectos que normalmente são ofuscados pela sua face guerreira.

Na seqüência, o Corifeu vê sanada a dúvida que lhe restava com a chegada de um Arauto, há pouco desembarcado. Após tecer os costumeiros elogios e agradecimentos às divindades, especialmente a Apolo e a Zeus, e à Argos natal, dá a noticia que por todos era aguardada: sim, Tróia caiu! E Agamêmnon está a caminho após derrotar Príamo, não deixando pedra sobre pedra da outrora inexpugnável cidade. Volta o líder grego após ter derrubado a prepotência e a soberba troiana. Que lhe sejam, pois, prestadas as mais altas honrarias, pois a sua vitória foi a de todos.

Em seguida, o Corifeu e o Arauto trocam mais algumas informações e cada qual expõe a saudade que sentiram. Os que foram para Tróia, da terra natal; e os que ficaram, daqueles que partiram. Prosseguindo, o Corifeu insinua o pressentimento de que uma grande desgraça se abaterá sobre o Rei e parafraseando o Arauto, diz: “seria bom morrer agora”. O Arauto, porém, replica que sua frase tinha um sentido positivo na medida em que simbolizava a consciência do dever cumprido e a máxima satisfação que poderia querer, ou seja, voltar para casa, junto dos familiares e amigos que, certamente, dar-lhe-iam a merecida e honrada sepultura, ao invés de ficar jogada numa praia troiana. Poderia morrer, por ter deixado no Passado, as dores, os desconfortos, as amarguras, as lutas etc. O Corifeu, contudo, responde que entende sua alegria, o alivio do combatente, mas nada diz sobre a Rainha, limitando-se a dizer que as novidades que conhece estão ligadas ao Palácio Real.

Clitemnestra sai do Palácio e retoma a cena. Primeiro critica o Corifeu e aos outros que não acreditaram na noticia da queda de Tróia, por ela ter vindo através das fogueiras comunicantes. Lembra que foi tratada como ingênua e até como demente, por conta de sua confiança naquele sistema. Agora, vingada dos detratores, diz satisfeita, que ao não compartilhar do ceticismo teve tempo para tomar as medidas necessárias para saudar o retorno do rei, seu Senhor. Em seguida se auto-elogia dizendo que nunca experimentou o amor de outro homem e que sua fidelidade estendeu-se aos bens de Agamêmnon, conservados na integra. Antes de voltar ao palácio, Clitemnestra ouve o Arauto dizer que suas palavras retratam sua alma fiel e generosa.

Não é difícil imaginar a raiva do Corifeu e do Coro ante aquela falsidade escandalosa de Clitemnestra e diante da ingenuidade do Arauto que, provavelmente, seria igual a dos outros guerreiros que voltavam.
O Corifeu alerta o Arauto que as palavras de Clitemnestra serviram apenas para quem não conhece a verdade, pois para quem a sabe não passam de malvadas falsidades. Na seqüência pede noticiais sobre Menelau e o Arauto lhe diz que não mentirá e por isso nada pode dizer já que o paradeiro do mesmo é desconhecido. O Corifeu alude à possibilidade dele ter-se desgarrado por força de uma tempestade e se pergunta se estará vivo? O que dizem os outros navegantes? O Arauto responde que ninguém tem noticias sobre ele e a pedido do primeiro, relata a viagem de volta, porém, diz, será a contragosto que falarei, pois fatos tão tristes não condizem com momentos tão alegres como o que está vivendo. Fala da horrível tempestade que se abateu sobre eles, destroçando várias naus e ceifando a vida de muitos. O navio em que estava salvou-se milagrosamente, bem como ele e o resto da tripulação. Prossegue, dizendo que manhã seguinte, dentre os cadáveres no mar, não se encontrou o do Atrida, vinda daí a esperança de que ele continuaria vivo, embora perdido no imenso Oceano. Finda a narrativa, o Arauto sai de cena.

Assume seu lugar o Coro, que inicia o discurso em que fala sobre o acerto da impudica mulher de Menelau chamar-se “Helena”, pois foi por ela que tantas naus foram destruídas.

Ésquilo propõe a etimologia do nome da seguinte maneira: HELEINa + NAus, cuja tradução literal seria “destruidora de navios ou naus”.

Helena, que foi acolhida por Tróia e só retribuiu com flagelos. Em seguida elogia a virtude de uma honra simples em contraponto à arrogância dos que habitam nos dourados Palácios, mas se perdem em meio às próprias maldades.

Nesse momento, à frente de grande cortejo chega Agamêmnon. Está num carro aberto, puxado por soldados, sendo seguido pelo carro que transporta Cassandra. Ao chegar à frente ao Palácio, os anciãos do Coro curvam as cabeças em submissa reverência, enquanto saúdam o “Herói”. Apregoa o porta-voz dos mesmos, que não são como aqueles que para todos os necessitados dirigem um olhar penalizado, sem, todavia, sentirem pena dos infelizes; e que nos momentos felizes de outrem demonstram alegria maior que a que sentem. São todos, anciãos do Coro, sinceros em seus sentimentos e discursos e é por isso que confessam que quando Agamêmnon preparava a expedição, acharam-no insensato por expor bravos guerreiros e recursos dispendiosos em uma luta cujo prêmio não a justificava. Porém, agora, sua saudação alegre é sincera e verdadeira.

Agamêmnon, ainda no carro, inicia sua saudação dizendo que a dirige primeiro para a terra Argiva, seu berço; e para os deuses que lhe permitiram vencer em Tróia e voltar ao chão que lhe viu nascer e crescer. Dirigindo ao ancião que falou pelos demais, diz-lhe que concorda com sua observação sobre a sinceridade ser rara, enquanto a inveja prolifera. São raros aqueles que veem a boa sorte de outrem sem lhe invejar. Mas que, por fortuna, sabe diferenciar o falso e o verdadeiro companheiro e essa habilidade foi-lhe útil para verificar que entre os companheiros na guerra, apenas Odisseu se mostrou realmente leal, não obstante sua relutância inicial em participar do conflito. Quanto aos outros, será preciso fazer julgamentos urgentes e dar o devido castigo àqueles que se mostraram desleais e malévolos.

Nesse ponto, Clitemnestra retoma sua marcha em direção ao marido, seguida por um cortejo de escravas que trazem uma longa passadeira lilás (o equivalente ao atual tapete vermelho) para que o rei adentre ao Palácio com a pompa devida. Diz Clitemnestra: ilustres concidadãos aqui presentes... E conta-lhes as suas saudades do marido, do desespero que sentia ao receber noticias sobre a guerra, sobre os ferimentos que o esposo teria sofrido e até sobre sua morte. Angústia e desespero que em algumas ocasiões levaram-na a tentar o suicídio, sendo salva da morte, no último momento, pelas servas fiéis. Conta, também, que Orestes, filho e sucessor de Agamêmnon, não está ao seu lado como deveria, por ter sido entregue aos cuidados do amigo Estrófio, da Fócia, que bem a aconselhou a deixar o garoto consigo e, assim, a salvo das funestas conseqüências que poderiam advir da morte de Agamêmnon ou de uma revolta popular. E prossegue enumerando seus sofrimentos por estar solitária e pelas saudades do esposo amado etc. A essas falsidades dá seguimento quando inicia uma série de elogios ao “heróico marido”; “ao leal e forte mastim que cuida de seu rebanho” e outras arengas, até que o chama de “filho único de Atreu” (quando todos sabem que Menelau é seu irmão).

Nota-se, aqui, a genialidade de Ésquilo para ressaltar mais fortemente a hipocrisia de Clitemnestra. Realmente, tratar o marido como filho único, numa época em que era tão grande a importância das filiações, é ilustrar magistralmente o cinismo escandaloso da rainha.

Por fim, convida Agamêmnon a entrar, mas antes que ele pise o chão, manda rudemente suas escravas estenderem os tapetes para que o “heróico marido” caminhe até sua casa. Porém, ao dizer “as justas mãos dos deuses vão encaminhá-lo à Casa que tão cedo ele não pensava ver”, referia-se à Mansão dos Mortos, o Hades, e não ao seu Palácio. E ainda usando de duplo sentido, diz que “está cuidando, sem descanso, para que isso aconteça brevemente”.

Agamêmnon, ainda no carro, responde-lhe com certa acidez, fazendo branda censura ao tamanho do arrazoado e à maneira como ela o saudou, pois tantos elogios e honrarias, para ele, só aos deuses devem ser ofertados; não a um simples mortal como ele.

Clitemnestra, decepcionada, pede-lhe que seja mais especifico sobre suas intenções e Agamêmnon retruca que seus propósitos acabaram de ser expostos. Ante a pergunta da esposa se ele teria feito algum juramento de modéstia, a algum deus em momento de perigo, ele diz que não. Que foi inspirado apenas pela reta virtude. Clitemnestra replica sobre o que faria Príamo se fosse o vencedor; Agamêmnon diz que ele sim aceitaria as honrarias e os tributos prestados que ela lhe ofertou. Clitemnestra prossegue o diálogo, dizendo-lhe que não se deve temer o julgamento do povo, com o que discorda o rei, dizendo temer-lhe sim, pois sabe de sua força. A conversa se prolonga por mais algum tempo e, então, Agamêmnon se diz “vencido” pela mulher e lhe pede que mande alguém tirar-lhe as sandálias, pois irá caminhar sobre o tapete (vermelho) torcendo para que nenhum deus o veja e destrua a Casa Real como punição por aquela insolência. Em seguida aponta para Cassandra e pede que Clitemnestra a trate com generosidade, já que a bela flor troiana foi um presente que os outros gregos lhe deram.

Clitemnestra o conduz pela passadeira e lhe diz que não se preocupe com o belo tapete lilás, pois o mar é pródigo e dará novos materiais para que muitos outros sejam feitos; que os Palácios não admitem limitações vis e nem os Nobres devem dispensar esses requintes que colorem a vida. Prossegue a rainha, dizendo que se os deuses, durante suas longas preces, tivessem ordenado-lhe que enviasse macios estofos para o marido, ela assim o faria, sem se incomodar com a riqueza de cada um dos mimos. E assim procederia, por compará-lo à seiva que sempre vivifica a árvore que a todos abriga. És um pouco, continua Clitemnestra, do Verão que Zeus nos concede em pleno e duro Inverno. Zeus perfeito perfaça o que falta para que tudo aconteça como planejei.

Observe-se que Clitemnestra continua com os exageros superlativos e que na última frase pede que Zeus complete o que faltar para que seu plano tenha êxito. Porém, ao contrário do que Agamêmnon, ou Coro, possa pensar não se trata dos cuidados na recepção do esposo amado. Pede que os deuses, mormente Zeus, não deixem nada faltar que possa comprometer sua intenção de matar o marido.

Seguem Agamêmnon e Clitemnestra um grande cortejo de serva e após a entrada de todos, fecham-se as portas do Palácio. Nesse ínterim, Cassandra permanece imóvel no carro que a transportou.

O Coro volta à Ribalta e entoa um melancólico canto que lhe chega com inexplicável angústia e que tolhe a alegria que o retorno das naus deveria lhe dar. Debalde, tenta compreender o porquê teme alguma desgraça, enquanto canta que nos cataclismos só uma manobra hábil poderá salvar parte da poderosa nau, ou não deixar soçobrar inteiramente a segura casa.

O exemplo que Ésquilo cita: o naufrágio de um navio e/ou a ruína de uma casa consegue ilustrar com perfeição a angústia que assolava os corações dos anciãos do Coro.

Momentos depois Clitemnestra surge na porta do Palácio de onde grita e gesticula para que Cassandra também entre. Diz que Zeus ordenara que a recebesse com urbanidade e que a colocasse com os outros servos. Cassandra, porém, continua imóvel. E Clitemnestra brada para que não seja orgulhosa, “pois até Herácles já foi vendido e tratado como escravo”. Diz-lhe, ainda, que ela teve até sorte por ser de uma família cuja fortuna é antiga e não de um “novo-rico”, pois estes são extremamente cruéis com seus escravos, animais e empregados.

Observe-se que já na antiguidade o comportamento espalhafatoso dos “novos-ricos” era criticado. Hoje, em regra, sua crueldade se mostra mais como ostentação descabida, como prepotência, como consumismo exagerado, falta de educação, de cultura e outros comportamentos típicos. Outrora, a essa salva de inconveniências juntava-se os castigos físicos.

O Corifeu reafirma a Cassandra a ordem da rainha, mas para si, tem dúvida de que ela obedeça. Parece que advinha a sua personalidade e o seu destino. Clitemnestra ameaça-lhe com castigos até que obedeça, pois caso seu comportamento seja apenas por rebeldia e não por desconhecer o idioma grego, haverá de domar-lhe o gênio rebelde. O Corifeu insiste com Cassandra, instando-a a obedecer, pois como escrava ela não tem mais o direito de escolha. Clitemnestra retoma a carga dizendo que se ela não entende o idioma, que sinalize com um gesto; mas também isso é inútil. Enfim a rainha lhe diz que logo começarão os sacrifícios, mesmo que deles ela decida não participar.

O Corifeu tenta estabelecer contato com a troiana e sugere que talvez ele necessite de um interprete, enquanto a compara com um animal silvestre que se debate na jaula, inconformado com as cadeias que o prendem. Clitemnestra acrescenta que ela parece uma louca desvairada e que não compreende que agora é apenas um “troféu de guerra”, que refuta o jugo até que seu sangue seja derramado com potentes chicotadas. Mas o Corifeu mostra-se condoído de sua triste sina e torna a fazer-lhe um apelo para que desça do carro e entre no Palácio; que aceite seu destino.

Cassandra desce enfim e entre soluços e lágrimas inicia um lastimoso discurso, o qual, depois, torna-se vibrante, vigoroso, como se ela estivesse em transe profundo, invocando Apolo. Pergunta-lhe o Corifeu por que invoca Apolo, já que ele é o deus do Sol, da Música, da Alegria; um deus cujos atributos não condizem com tão triste situação?

Indiferente, Cassandra prossegue sua invocação questionando a divindade a que caminhos ele a conduziu e em que casa a levará?

Ingenuamente o Corifeu responde que o caminho é o do Palácio de Agamêmnon e que a casa que entrará será a do próprio. Aos seus pares do Coro, diz que a cativa parece uma profetiza que pressente a maldade. Cassandra continua seu monólogo dizendo-se detestadas pelos deuses, cúmplice de tantas mortes e apontando e olhando fixamente o chão tem uma terrível visão: “aqui está um evidência tétrica! Crianças choram, os cutelos matam-nas e o próprio pai devora-lhes a carne”!

Nessa visão Cassandra revê o tenebroso banquete em que Atreu – pai de Agamêmnon – serviu a Tiestes seus próprios filhos como alimento. Vingava-se do irmão que seduziu a sua esposa e lhe roubou o carneiro cuja lã era de ouro. Mais detalhes no preâmbulo deste capítulo.

O Corifeu alude à fama de suas profecias, mas desdenha dessa sua habilidade, alegando que vários outros profetas já existem no reino. Completamente desinteressada daquela opinião, Cassandra continua seus vaticínios mencionando, agora, os crimes e as maldades que são tramados no Palácio e o quão longe está qualquer socorro (referindo-se à vingança que Orestes fará no Futuro). O ancião diz que entendeu a primeira parte do discurso e que tal assunto é rotineiro nas conversas pela cidade, mas não compreende a segunda metade.

Cassandra, em transe, repreende Clitemnestra que em sua visão mata o marido. Diz literalmente: Oh! Que visão horrível! Vejo o “véu fatal”, vejo uma tenebrosa mortalha! Sim, vem dela, e do bando de “Fúrias Vingadoras” que a segue, tal sudário. Vejo como vocifera o bando criminoso que persegue essa raça maldita (as irmãs Clitemnestra e Helena e os irmãos Agamêmnon e Menelau), para a qual só a máxima pena será apropriada. Veja, a vaca vence o touro! Envolve-o em seu manto malévolo e o domina pelos seus inúteis chifres. Essa, anciãos, é a descrição de um banho mortal.

Cassandra cita o “banho mortal” numa alusão à banheira de prata em que Clitemnestra deitou Agamêmnon para matá-lo.

Enquanto Cassandra verbaliza suas horríveis visões, o Corifeu e os outros anciãos sentem o sangue lhes faltar, o coração acelerar e a vista turvar ante o terror que vai sendo descrito. Cassandra retoma suas previsões, dizendo que são seus males e tristezas que constroem as palavras que fala. E como se estivesse dirigindo a alguém, indaga: “por que me conduziste até aqui? Para morrermos juntos? Para que?”

O Coro diagnostica-lhe ensandecida, ou presa de um demônio, enquanto ela diz que a afiada espada de dois gumes a espera. O Coro lamenta as tantas desgraças que ela prediz e que eles pressentem como reais. Cassandra continua sua arenga vituperando o rapto que Páris cometeu e do qual resultou a queda de Tróia. O Coro, enfim, compreende todo seu Oráculo e se mostra condoído por destino tão adverso. Lamentos se ouvem nas palavras da troiana, que chora por sua Cidade e pela própria morte que não tardará. Os anciãos compartilham sua dor pelo que passou e pelo que ainda virá.

Cassandra, mais serena, muda seu discurso dizendo que doravante suas profecias serão mais claras, objetivas. Sabe que a morte a colherá em breve e da enorme tragédia nos crimes que se sucederam no Palácio dos Atridas. Crimes que começam pelo adultério da esposa de Atreu com seu cunhado Tiestes, irmão do marido. Passam pelo roubo do carneiro com a lã de ouro que ambos cometeram para prejudicar a assunção de Atreu ao trono e vão para a horripilante vingança do marido e irmão traído, quando ele matou seus sobrinhos, filhos de Tiestes, e serviu a carne dos mesmos ao pai em um banquete que comemoraria a falsa paz restabelecida. Também diz ver as “Fúrias Vingadoras” e outras entidades malignas que cercam o Palácio e promovem os atos horrendos que ali acontecem. Por fim, diz ao Corifeu que ele confirme se as suas visões foram exatas, pois a partir dessa confirmação, suas predições serão novamente acreditadas. O ancião as confirma e admirado com a exatidão das mesmas diz não entender como ela pôde saber de tudo aquilo morando antes em terra tão distante. Diz-lhe Cassandra que Apolo deu-lhe o dom da Profecia; e, respondendo à pergunta do ancião sobre o fato do deus ter-lhe desejado, diz que até aquele momento teve pudor em comentar tal fato, mas que não vê mais motivo para declinar o assunto. Sim, ele a desejou; e ela teve que lutar com tenacidade para não ser possuída pelo mesmo, que só abandonou sua tentativa quando ela prometeu-lhe entregar-se em breve tempo. Enquanto pôde enganá-lo, profetizou para seus conterrâneos a Guerra e a Ruína de Tróia, mas de nada adiantaram tais avisos, pois Apolo fez com que suas profecias fossem desacreditadas assim que viu ter sido enganado, e que ela sempre se recusaria a ele. Satisfeitas suas dúvidas, o Corifeu diz que para eles, suas profecias serão sempre dignas de crédito.

Novamente agitada, Cassandra retoma seu monólogo onde ponteia seu horror ao ver os espectros dos filhos de Tiestes. Visão assombrosa que é substituída pela do assassinato que Clitemnestra cometerá em breve contra Agamêmnon, que ingenuamente regozija-se com os mimos e agrados que a esposa lhe oferece. Horrores tão cruéis e visíveis para ela que os cita fluentemente, pouco se importando se serão criveis ou não.

Nesse monólogo, Ésquilo, atinge o que se chama de “pintura com palavras” tal é a intensidade dos fatos e sentimentos que sua pena transmite ao descrever os sofrimentos de Cassandra. É, indubitavelmente, um dos picos da literatura mundial.

No seguimento, Cassandra dirige-se ao Corifeu dizendo que logo ele poderá confirmar a realização de suas previsões. Responde-lhe o ancião dizendo que ela, de fato, acertou inteiramente sobre os fatos ocorridos que levaram ao trágico banquete, mas que ele não consegue compreender a outra imagem que ela predisse. Replica a troiana dizendo que previu a morte de Agamêmnon e o ancião, aturdido e perplexo, pergunta-lhe que homem cometerá tal ato. Responde-lhe Cassandra que ele está, de fato, longe de sua previsão; mesmo não lhe faltando recursos de oratória, haja vista que domina o idioma tão bem, quanto o seu mesmo. O ancião responde que sim, que ele entendeu o que ela falou, mas que não compreendeu o espírito da mensagem; tal como acontece com a Pitonisa que também fala em grego, mas quase nunca é compreendida.

Cassandra, nesse ínterim, volta a ter nova visão e nela vislumbra a morte que “a leoa de dois pés”, unida ao “lobo”, prepara-lhe, logo após ter executado o “feroz leão”. Clama, depois, contra a injustiça de sua sentença, pois que mal um “simples troféu de guerra”, entre outros tantos, cometeu? Morrerá apenas porque Agamêmnon lhe trouxe como cativa? Em seguida joga fora o cetro real que ainda conservava e o colar de Sacerdotisa. Adereços inúteis, pois logo ela será apenas “um corpo”.

Observe-se o apego dos antigos gregos à vida material, em contraponto com a visão dos Orientais. Como tudo mais, esse apego, esse materialismo, a Grécia exportou ao resto do Ocidente formando uma das características mais visíveis dos nossos tempos. Note-se que agora Cassandra não maldiz o cativeiro, a perda do status de princesa; chora a morte iminente, mesmo acreditando – como os demais – na outra vida, no Hades.

Cassandra segue com suas lamentações execrando os adereços que acabou de jogar fora. Diz que Apolo retirou-lhe o dom da Profecia, tal como antes os gregos a despojaram da condição de Princesa e que agora só lhe resta ser o alvo das zombarias de conhecidos e de desconhecidos. Contudo, fala, não há morte sem vingança e a minha e a de Agamêmnon será vingada por um exilado errante que, certo dia, atenderá ao chamado do falecido pai e o vingará matando a própria mãe e o seu amante. Após ter feito esse justiçamento, com ele se encerrará o ciclo de maldições sobre a casa dos Atridas, mas eu não verei tal época e devo agora preparar-me para enfrentar a morte com serenidade e valentia. Apenas a resignação me resta.

Aqui, Ésquilo já antecipa o mote literário da próxima “Tragédia”, as “Coéforas” ou “Electra”, em que Orestes mata Clitemnestra e Egisto para vingar a morte do pai.

O Corifeu lhe indaga, então, como ela consegue falar da própria morte com tamanha calma e Cassandra lhe responde que já é tempo de seu Destino se cumprir e resistir seria em vão. Retruca o Corifeu um elogio à sua coragem, mas ela diz que tal elogio só é feito aos infelizes.

Aguda e verdadeira é essa observação de Ésquilo, pois é apenas nas horas amargas, que a coragem se revela. Só nas adversidades é que se pode demonstrar coragem e ser elogiado por ela, mas quem troca uma vida feliz por esse elogio?

Cassandra caminha até o Palácio, mas recua assustada. À pergunta do Corifeu, responde que seu susto se deve ao odor de morte que exala da Casa Real; e nem a ponderação do ancião de que o cheiro vem das mortes das vitimas dos sacrifícios a acalma. Logo, doridos soluços saltam-lhe do peito enquanto ela retorna ao Palácio, contudo volta a recuar e ao Coro diz que não a prende um medo infantil, mas sim o desejo de lhes pedir que testemunhem a morte de uma mulher por outra mulher e o fim de um marido pela mão da própria esposa. Ao Sol (ou a Apolo) súplica que dê morte igual a sua aos seus carrascos e caminha enquanto lamenta o quanto é incerta a felicidade humana. Basta que um mal chegue para apagar, como uma esponja, as cores da vida.

Por fim, entra no Palácio e o Coro assume a cena e também canta a incerteza da fortuna. Agamêmnon conquistou Tróia e voltou coberto de glória, porém para quitar o pecado das mortes passadas e executadas por ele e por outros, entrará no Hades ainda naquele dia. Tão indigente quanto o mais baixo dos escravos. Consigo levará apenas os erros que acumulou. Nesse momento, escutam-se no Palácio gritos aterradores. É o rei que geme e clama: “ai, que me matam” “fui ferido mortalmente”. O Corifeu pede silêncio e indaga quem foi o autor do grito tão lastimoso? Novos gritos de Agamêmnon preenchem o espaço: “ai, de novo” “ferem-me novamente, ai”. O Corifeu fala que distinguiu a voz de seu rei. Que é Agamêmnon quem grita. O crime está consumado! Os anciãos perdem-se, aturdidos, e falam irracionalmente:

O 1º ancião diz: num átimo eu lhes digo o que fazer: chamemos o Povo e invadamos o Palácio.
O 2º ancião diz: ajamos agora! Ataquemos já! Enquanto alguém ainda empunha a espada criminosa.
O 3º ancião diz: sim! Também é essa a minha convicção. Não temos tempo a perder com abstratas divagações.
O 4º ancião diz: vejamos; pode ser o prenúncio de planos que nos levarão à funesta ditadura.
O 5º ancião diz: por que estamos indecisos? Eles agem e não se dão ao tolo luxo de hesitar.
O 6º ancião diz: não sei o que fazer em tal situação, mas antes de atuarmos convém deliberarmos.
O 7º ancião diz: também é essa a minha idéia, pois os mortos não podem ser ressuscitados pelas palavras.
O 8º ancião diz: o quê? Apenas por cuidar de nossas vidas, cedem ante a usurpação abominável?
O 9º ancião diz: de modo algum! Melhor seria então morrer.
O 10º ancião diz: e nós aqui, apenas por ouvir gemidos iremos afirmar que há um homem morto?
O 11º ancião diz: devemos ter certeza antes de nos revoltarmos; conjecturar e ver são coisas bem diferentes.
O 12º ancião diz: meu voto é a favor dessa ponderação; certifiquemo-nos da sorte de Agamêmnon.

Optou-se por transcrever as opiniões individuais dos membros do Conselho, para que se admire o esplêndido painel da natureza humana que Ésquilo traçou. Vê-se da entrega corajosa de alguns até a covardia explicita de outros. O poeta dividiu equitativamente as opiniões do grupo entre os corajosos e os tíbios, contudo a opinião desse segundo grupo acaba prevalecendo. É o “Instinto de Sobrevivência” solapando qualquer nobreza de ordem emotiva. Quer-se viver. A lealdade que se tinha ao rei morreu com ele.

Os anciãos, após a votação, rumam para o Palácio e ao chegarem as portas se abrem, deixando ver os cadáveres de Agamêmnon e de Cassandra. Junto deles está Clitemnestra com o rosto e as mãos manchadas de sangue. Os idosos entram na Casa Real e ouvem o discurso da rainha: Senhores do Conselho, não me envergonho das mentiras que há pouco lhes disse. Eram necessárias para o êxito de meu plano. Agora, direi como o executei: primeiro, envolvi o ex-rei em forte rede, como as usadas pelos pescadores, para evitar que ele fugisse ou se debatesse em defesa. Depois eu o apunhalei por duas vezes e quando ele já estava caído, soltando o último suspiro e esse sangue que me suja, tornei a esfaqueá-lo em honra do grande Zeus. Agora exulto de alegria por ver morto o maldito homem que entornou a taça de desgraças que maculava essa Casa.

O Corifeu, atônito, comenta que está pasmo com a linguagem da rainha. Pergunta a si mesmo, como ela pode vangloriar-se por matar o marido?

A resposta vem da assassina, que diz para não a julgarem louca, pois está na posse de todas as suas faculdades mentais. E prossegue dizendo que a opinião dele, Corifeu, e a dos outros em nada lhe importa. Interessa-lhe apenas que agora Agamêmnon está morto. Que a entenda quem for capaz.

O Coro assume a cena e com tom critico pergunta a Clitemnestra que chá, ou outra beberagem, ela tomou? Estará dopada? Que feitiço a fez ter tamanha ousadia e não temer a revolta do Povo que, certamente a expulsará de Argos, além de outros castigos? Como ela não se preocupa em se tornar uma pária indigente, rejeitada por todos e carregada de todas as maldições?

Contra-argumenta Clitemnestra dizendo estranhar que agora a condenem, mas que nada disseram contra quem também deveriam julgar com severidade. Pois não foi o homem que está morto, quem sacrificou a própria filha apenas para bajular a deusa Ártemis, em troca de ventos favoráveis? Quem o condenou? Esse infanticídio não mereceria a mesma punição, ou maior ainda? Quem, dentre vós outros, consolou-me pela perda da filha amada? Deixem de hipocrisias, anciãos. Aviso aos que me ameaçam: se a Zeus agradar que eu seja destituída do trono, humildemente acatarei vossos castigos; porém, se o contrário acontecer, eu os castigarei de tal modo que apesar da avançada idade, vós aprenderão a serem prudentes e justos.

É difícil discordar de Clitemnestra. Porém, a justiça feita pelas próprias mãos sempre acarreta o risco de se castigar o inocente e livrar o culpado. Quando se delegou a vingança para terceiros, através dos fóruns e juízes, intencionou-se justamente evitar que erros assim fossem cometidos, além de evitar que um eterno ciclo de vinganças foi colocado em marcha. Todavia, já se vê aqui, um exemplo clássico que a “Justiça” privilegia determinadas pessoas, em detrimento das outras. Além do assassinato de Ifigênia não ter sido condenado, qual dos anciãos chora e reclama por Cassandra? Apenas por ser escrava, ou pobre, sua morte será menor que a do rei, ou poderoso?

Retruca o Coro dizendo que ela está tão transtornada pela insanidade que se utiliza das manchas de sangue no rosto e na túnica como se fossem ornamentos. E bradam exaltados: serás repudiada até pelos seus amigos e terás o mesmo fim que destes ao teu marido!

Clitemnestra afirma em tom de solene juramento que a “justiça” que fez à filha sacrificada, dedicada às “Fúrias Vingadoras” dar-lhe-á esperança e não medo, pois confia na proteção de Egisto, seu amigo (sic) mais fiel. Também diz que matou o homem que a humilhou como esposa, traindo-a com Briseida1 e com a própria Cassandra, cujo corpo jaz ao lado do dele.

Briseida, sobrinha do rei Príamo, teria sido destinada como despojo de guerra a Aquiles, mas Agamêmnon a tomou para si e disso resultou a séria desavença entre ambos. O herói, em represália, abandonou a luta contra os troianos, com sérios prejuízos para os gregos, e a ela só voltou quando Agamêmnon a devolveu e seu amigo intimo, Pátroclo, foi morto por Heitor. Para vingá-lo, Aquiles voltou com redobrado furor e matou o príncipe troiano, precipitando a queda de Tróia.

Observe-se esse segundo motivo que Clitemnestra apresenta para justificar o assassinato do marido: infidelidade conjugal. Erro, que seria uma justificativa para que ela fizesse igual ao amasiar-se a Egisto. Já então as gregas não eram passivas propriedades dos maridos, mas detentoras de direitos, inclusive o de exigir lealdade.

Volta o Coro a se pronunciar em tom de lamentação resignada, pedindo pelo fim de suas lentas agonias e por uma morte mais rápida e suave; pois está morto seu amado líder pelas mãos de uma mulher e viver já não lhes parece desejável. Justo ele, que tantas vezes arriscou a vida por outra mulher, a sórdida Helena, foi morto por mão feminina.

A réplica de Clitemnestra tem a mesma entonação que a do Coro, ao lhe dizer que não há motivos para que eles queiram morrer. E que também não é justo lançar toda culpa sobre Helena.

O Coro responde que um “gênio do mal” amaldiçoa a descendência de Tântalo (bisavô de Agamêmnon e de Menelau) e que utiliza para causar tantas dores, mulheres de aparência frágil e virtuosa, mas de alma malévolas. Irmãs de sangue, Helena e Clitemnestra, são como corvos malignos espezinhando um pobre morto.

Clitemnestra concorda com o inicio do discurso dos idosos, pois também crê na existência deste “gênio do mal” sobre a Casa Real. Sim, ele existe! E a nossa sede por sangue vem dele. Antigas chagas nem foram curadas e novas feridas já aparecem.

Sim, concordam os anciãos que dizem: tal gênio é deveras rancoroso. É uma triste evocação, pois nele há muita dor contida. Oh Zeus, que tudo faz e tudo sabe, por que deixas essas maldades perambularem entre os homens? Livra-nos, Pai. Oh Agamêmnon, meu rei, como chorar por ti? Que te dirá meu coração? Tu, envolto na teia da aranha que o matou com a espada de dois gumes.

Como? Indigna-se Clitemnestra. Ousai atribuir somente a mim o ônus desse feito? Vocês não devem mesmo acreditar que eu seja a esposa de Agamêmnon; tomam-me pela companheira do falecido que o gênio usou para vingar o horrível banquete que Atreu, pai do seu rei, serviu. Sim, não atribuam o assassinato somente a mim, debitem-no ao maléfico ente vingador.

Será este o argumento que irá apresentar para proclamar-se inocente? Pode a antiga maldição ser tua cúmplice? Se Ares fez o sangue correr foi para vingar os filhos de Tiestes e não pelas ofensas que tu sofreste?

Não sei, diz a rainha, e pouco me importo se é glorioso ou não o que fiz. Não foi Agamêmnon quem trouxe a morte para dentro de nossa casa, quando imolou nossa filha Ifigênia? No Hades ele não terá motivos para se gabar, pois ele pagou pelo mal que fez primeiro.

Confuso, o Corifeu diz: não sei companheiros, que rota seguir. Temo a “chuva de sangue” (referindo-se ao futuro assassinato de Clitemnestra e Egisto) que não tarda. O Destino já afia suas armas para novas punições. Oh Terra, tu não me engoliste apenas para eu presenciar tantos horrores. Mas diga-me, mulher, quem conduzirá o enterro do rei? Quem fará os votos? Será que tu, Clitemnestra, terá o atrevimento de fingir dor e sofrimento?

Sim, eu o enterrarei. Fui eu quem o matou e serei eu quem o sepultará, mas sem lamentar sua partida. Talvez, a filha que ele matou o receba no Hades com carinho; talvez.

Baixezas e mais baixezas! Mas enquanto Zeus mandar no Mundo sua Lei haverá de vigorar e, então: “quem for culpado, há de sofrer o merecido castigo”! A raça de Atreu está atada à perdição.

Sim, ancião, é verdadeira essa tua fala. Eu juro pelo espírito amaldiçoado de Plistenes (irmão de Atreu e de Tiestes) que estou saciada pelo meu feito e já não quero mais vinganças. Quero que todos os medos se afastem de nosso lar e se juntem à outra raça. Que aqui cessem as tragédias.

Ao fim da fala de Clitemnestra, surge Egisto, vindo do Palácio. Nessa sua primeira aparição, regozija-se ao ver Agamêmnon morto e, conseguintemente, seu pai vingado. Na seqüência ele se dirige ao Coro e conta sobre Tiestes, sobre seu exílio e sobre o tenebroso banquete que lhe foi servido.

Note-se que em sua fala, Egisto omite os erros e os crimes de seu pai, os quais desencadearam os castigos de Atreu. É um comportamento que permanece intacto em nossos tempos. Sempre se usa a versão que atende aos interesses de quem conta uma versão do fato.

Prossegue Egisto, agora contando o novo exílio a que seu pai e ele foram submetidos e como retornou para fazer “justiça”.

Responde-lhe o Corifeu dizendo o quanto deplora sua atitude e o alerta sobre a vingança que o povo fará, apedrejando-o e o amaldiçoando.

Retruca Egisto dizendo que o velho homem não deveria falar-lhe como fez, pois é um subalterno e não tem direito de se dirigir aos “Detentores do Poder” daquela forma. Por fim, ameaça-lhe com cadeia, espancamento e fome para que “aprenda a respeitar os Superiores”. Segundo ele, isto é um “Santo Remédio” para curar a insolência, inclusive a dos mais velhos.

O Corifeu compara-o a uma frágil mulher. Uma covarde mulher, que desonrou o leito alheio enquanto os bravos Homens lutavam em Tróia. Covarde, que meditou o traiçoeiro crime contra um bravo guerreiro.

Na réplica, Egisto ameaça dar-lhe novos e terríveis castigos por causa de sua “petulância”. Responde o Corifeu que ele se engana ao pensar que virá a ser o rei dos bravos Argivos. Ele, que nem foi homem para executar os assassinatos, ficando apenas planejando os mesmos.

Egisto tenta se explicar dizendo que o motivo para não ter matado Agamêmnon diretamente é porque ele era conhecido como inimigo e, assim, levantaria suspeitas se adulasse o rei. Suspeitas que poderiam malograr o plano, mas que não aconteceriam se Clitemnestra encenasse a festiva recepção. Também diz que de posse da fortuna de Agamêmnon poderá dominar o Povo através de mercenárias e brutais repressões.

O Corifeu insiste em chamar-lhe de covarde, por delegar a uma mulher o que lhe caberia fazer. E diz que não tardará para que receba o merecido castigo, através das mãos de Orestes que virá vingar a morte do pai (ver Coéforas e/ou Electra, nessa obra).

Egisto, irritado com os insultos manda os guardas atacarem o ancião, mas este não se intimida e convoca os outros anciãos do Coro para a luta.

Prontamente todos se preparam e Egisto diz que está pronto para morrer, ao que o Corifeu retruca que já é um bom augúrio essa aceitação.

Porém, nesse momento, Clitemnestra chega à cena e fala com Egisto e com o Corifeu. Ao primeiro apela para que não haja mais sangue derramado, pois as desgraças já são muitas. Aos anciãos, a quem chama de “Ilustres Senhores”, pede que retornem aos respectivos lares e os aceitem como os novos Governantes de fato e de direito, antes que sofram novas e maiores repressões. Diz: Senhores aconteceu o que fatalmente iria acontecer, aceitemos todos os golpes do Destino.

Egisto reluta em entrar dizendo que o Povo continuará a insultá-lo. O Corifeu confirma que sim, pois não é próprio dos argivos elogiarem homens malévolos. Egisto o ameaça, o Corifeu idem, com a volta de Orestes e continuam trocando insultos até que Clitemnestra consegue levar Egisto para dentro do Palácio dizendo-lhe que sossegue, pois ambos terão o Poder necessário para impor suas vontades. Para tomarem o trono em definitivo.

O pano desce, deixando ao espectador a oportunidade de refletir que a trágica vida de Agamêmnon foi uma sucessão de falsidades. De falsos valores, de falsas conquistas, de falsas alegrias etc. Por ironia, em sua vida só o fim foi real.

São Paulo, 29/03/2011 


Digitado e montado por TAÍS ALBUQUERQUE - Rio de Janeiro, Outono de 2013

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Foto

A foto revela a carne que deixei de ter
e essa nulidade que me avassala
(e me proíbe de trocar a estante da sala),
impiedosa logo grita:
você é o doente que fala o que não deve
e diz o que não se escreve.

A foto mostra o que já pareço:
a gravidez ao avesso.
E ainda me assombra ter esse resto de lucidez
para assistir o inverso da prenhes.

Algumas almas generosas tentam me ajudar de todo jeito
e me falam para crer no Amor, em Deus,
ou nalgum outro Sujeito.
Por uma sobra de civilidade, não os rejeito.
E até lhes admiro a Boa Vontade
de exercerem essa santa ingenuidade.

Mas como é que se reparte a dor?

Agora, a dose de Morfina
tornou-se a única carícia feminina.
E só resta um verso vago
nesse poema tão amargo.


Para Luciana, que hoje fez a passagem. Descanse da vida.

domingo, 26 de maio de 2013

Poeta de Moçambique (celebrando o Dia Mundial da África)

Tento ler o poeta de Moçambique,
mas a moça não me permite...

e sem que eu lhe peça fala de seu chilique,
de seu último trambique,
da cachaça do novo alambique
e vocifera para que eu não me arrisque
ir além da cerca de pau a pique.
E diz que como está, que tudo fique
que nada se modifique,
pois, senão virão os guerreiros,
os bandos de arqueiros,
de jovens baderneiros e trágicos bandoleiros.
e tudo mais que causa desgosto,
ainda que pressuposto.
Principalmente nesse mês oposto,
em que a água é inútil para limpar o rosto.
Que eu estou marcado, que estou maculado,
que insisto em viver errado.
Que sou um velho celerado, um canceroso declarado,
prestes a ser enterrado.

São essas as noites trágicas,
de vazantes hemorrágicas
e de mulheres verborrágicas.

Mas e se fossem noites mágicas?
Então eu conversaria com o poeta de Moçambique
e recordaríamos as nossas trajetórias,
as nossas similares histórias
e o que mais nos chegasse às memórias.

E então, nem trágica nem mágica.
Seria só a noite de lembrar
cada qual do seu lugar.
Cada um, do seu lar.


Em homenagem ao Poeta moçambicano Mpiosso-ye-Kongo.


DIGITADO E MONTADO  POR TAÍS ALBUQUERQUE, de Campos, Norte Fluminense.

sábado, 25 de maio de 2013

KARL MARX - o MARXISMO



MARX, Karl Heinrich.
1818 – 1883
A história de todas as Sociedades até hoje existentes é a história da luta de Classes. A “Luta de Classes”, “A Dialética Materialista ou o Materialismo Dialético”, “A Mais Valia”, “O Exército de Reserva”, “a Práxis”, “o Manifesto Comunista”, “O Capital (Das Kapital)”.
PREFÁCIO
Antes de tudo, pede-se que o leitor não confunda os conceitos de “meritocracia” com o de “injustiça”, pois se é plenamente aceitável que cada qual ganhe de acordo com seu talento e com seu esforço, é profundamente questionável que alguns* vivam nababescamente apenas por terem nascido em lares ricos (e que por isso, tiveram boa educação, alimentação condizente, boas condições de moradia etc.) e disputem com vantagens e trunfos indevidos os empregos, as vagas universitárias, as posições sociais etc. com aqueles que por infortúnio foram gerados e criados em lares carentes, perpetuando um trágico “Circulo Vicioso” de exploração, violência e terror.
Ou ainda pior, que vivam em fausto injusto apenas porque herdaram a sua fortuna sem terem feito absolutamente nada para merecerem a vida confortável que levam, ou a conseguiram através de meios ilícitos.
Note-se, pois, que o conceito de “Injustiça Social” não implica em fazer com que todos sejam nivelados por baixo, mas justamente o contrário. “Justiça Social” é dar oportunidades efetivas para que todos possam buscar a própria realização.
E aqui chegados, será oportuno uma palavra acerca da gênese da citada “Injustiça Social”.
 O que leva o homem a se comportar como um simples animal, cujo interesse é apenas a sua própria satisfação?
Provavelmente seja, exatamente, essa sua condição de “animal”. Milênios de civilização não foram suficientes para apagar em nossa psique alguns instintos animalescos.
Ainda continuamos a preservar com ferocidade o “nosso espaço”, a “nossa comida” e a satisfação de nossas necessidades mais básicas, físicas, materiais.
É certo que tais instintos, por força da repressão social, foram atenuados e que alguns sentimentos mais nobres afloram em algumas ocasiões.
Mas no intimo ainda somos escravizados por nossas ambições, por nossa ganância e, principalmente, por nosso medo de sermos rejeitados socialmente se nada possuirmos.
Somos, ao cabo, escravizados pelo pavor de nos sabermos frágeis e de que só existimos quando estamos refletidos em posses e propriedades.
A partir, então, dessa constatação é possível ver que a “Justiça Social” nunca poderia ocorrer de forma voluntaria, espontânea, pacifica, pois quantos homens se disporiam a abrir mãos de seus bens em favor da coletividade?
Logo, a Luta de Classes será perene, pois aqueles que possuem os “Bens Materiais” tudo farão para mantê-los e aumentá-los; enquanto aqueles que não os possuem, tudo farão para conquistá-los.
É como uma sina da humanidade, permeada por violências de toda sorte.
Humanidade, que certamente ainda terá um longo caminho a percorrer até que consiga se libertar da bestialidade de seu comportamento atávico.
Alguns otimistas veem, ou querem ver, um abrandamento dessa natureza selvagem. Alguns pessimistas, ou realistas, julgam-na em aumento constante devido ao endeusamento ao Poder Material que a cada dia mais se consolida em nossa sociedade.
São pontos de vista que derivam e se deixam à escolha, mas o certo é que os motivos de antes ainda estão presentes e atuantes e com isso se vê a atualidade da obra marxista.
Aliás, tanto quanto a necessidade de estudá-la sem pré-julgamentos, ou pré-conceitos, pois talvez a apreensão da nossa verdade seja o único caminho que poderá nos oferecer alguma perspectiva positiva.
Por fim, pede-se que quando se notar algumas censuras, explícita ou implícita associadas às citações sobre “Burguesia”, “Elite” ou “Classe Dominante”, tenha-se em mente que a mesma é dirigida àquelas pessoas descritas no inicio* e que gozam de luxo e riqueza sem que nada tenham feito para merecê-los.
O autor conta com o discernimento e a compreensão do (a) amável leitor (a).


                                              

 
Já se disse que tudo que se escreveu sobre Filosofia não passaria de simples “notas de rodapé” para os textos que Platão redigiu ao expor o seu Ideário.
Subtraindo-se algum exagero nessa afirmativa, resta a constatação quase unânime acerca da efetiva importância que o sábio grego teve e tem para a Cultura do Ocidente.
Ressalvando-se as proporções e as circunstâncias, não será de todo errado dizer o mesmo acerca de KARL MARX.
Novamente subtraindo-se algum exagero, vê-se que o seu Pensamento embasou o Ideário de praticamente todos os Pensadores Modernos e Contemporâneos.
Seja como adeptos ou como adversários, o certo é que praticamente todos navegaram em suas águas, ao refletirem, investigarem e analisarem as questões Políticas, o Mundo e a própria Humanidade.
É inegável, pois, que esse genial alemão, de elevadíssima erudição, cultura, inteligência e generosidade fez-se eterno nos anais da história e, mais importante, nos corações de todos aqueles que insistem em sonhar com um Mundo e com uma Sociedade mais justa e fraterna.
Aprendeu-se com ele que o exercício da “Esperança” pode e deve ser estudado com o rigor da Ciência e que a mudança está sempre ao alcance daqueles que conseguem libertar-se do egoísmo medíocre que a Moral Burguesa forjou como padrão a ser seguido.
A Luta de Classes
Na época em que o Brasil era dado como “oficialmente descoberto”, florescia na Itália o gênio de Nicólo Maquiavel (1469 – 1527), cujas perorações, já c. 1513, aludiam sobre a questão da “Luta de Classes” que permeava as antigas sociedades e, especialmente, a Romana, conforme se lê em sua obra “Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio”.
E vários outros exemplos a pena de Maquiavel poderia relatar com facilidade, pois o embate sempre esteve presente em todos os Agrupamentos Sociais.
De um lado a “Classe Dominante” e do outro, a “Classe Explorada”.
Porém, se antes os antagonistas eram variados*, a partir da Revolução Industrial ** os adversários passaram a ser englobados em apenas duas categorias:
  1. Burguesia
  2. Proletariado
NOTAS do AUTOR* – nobres x servos; aristocratas x servos; latifundiários x camponeses etc. ** Iniciada no Reino Unido em meados do século do Século XVIII e difundida mundialmente desde o inicio do século XIX.

Hodiernamente várias subcategorias foram estipuladas e outras nomenclaturas foram criadas, mas o fato é que o litígio continua a ser basicamente o mesmo, pois o que o motiva permanece intocado: a injustiça social.
Notas Biográficas
Karl foi o segundo a nascer em uma prole de nove filhos. Veio ao Mundo no seio de uma família judaica, de classe média, na cidade Tréveris, na Prússia, então parte do Império Alemão.
Henriette Pressburg, sua mãe, era judia holandesa e seu pai, Herschel MARX, descendia de uma linhagem de Rabinos, mas teve que abandoná-la e se converter ao Cristianismo em decorrência das restrições que se faziam ao ingresso de hebreus no Serviço Público, onde ele, advogado por oficio, exerceu o cargo de Conselheiro de Justiça.
Graças a essa apostasia, o cargo permitiu-lhe oferecer boas condições materiais ao jovem MARX e aos seus irmãos e irmãs que, assim, desfrutaram de uma infância confortável e de acesso facilitado às boas escolas.
Iniciando seus estudos no Liceu de Friedrich Wilhelm, na cidade natal, no mesmo ano em que eclodiram rebeliões em várias nações europeias, pode-se dizer que sua entrada no “Mundo exterior, ou adulto” foi marcada pela ocorrência daqueles movimentos políticos que no Futuro embasariam o cerne de seu Pensamento.
Posteriormente, ingressou na Universidade de Bonn para estudar Direito, mas logo no ano seguinte transferiu-se para a Universidade de Berlim onde teve contato com a Filosofia de Hegel (Georg W. Friedrich, 1770 – 1831 Professor e Reitor da Instituição) que exerceu influência decisiva em seu Ideário posterior.
Na capital alemã, ingressou no Clube dos Doutores”, liderado por Bruno Bauer e abandonou definitivamente o estudo das Leis para abraçar o de Filosofia.
Também nessa ocasião participou ativamente de Movimentos Políticos Filosóficos como “Os Jovens Hegelianos” e começou a exercitar de maneira sistemática seus dons literários.
Em 1841, obteve o titulo de “Doutor em Filosofia” após defender a tese sobre “As diferenças da Filosofia da Natureza em Demócrito e em Epicuro.
Porém, tendo sido impedido de seguir a carreira acadêmica devido ao seu ativismo político, tornou-se em 1842 o Redator-Chefe da “Gazeta Renana”, um pequeno jornal da Província de Colônia, Alemanha.
Também em 1842 conheceu Friedrich Engels (Prússia, 1820-1895) com quem manteve fraterna amizade e produtiva parceria política e literária por mais de quatro décadas.
E que, aliás, chegou a lhe sobreviver, pois foi Engels quem se incumbiu de editar postumamente as suas obras.
Ainda sobre a amizade de Engels é oportuno que se diga que em várias ocasiões ele atuou como um verdadeiro mecenas ao socorrer MARX que vivia em constantes apuros financeiros. Foi graças à sua generosidade que o brilho maior de MARX não terminou sufocado pelas preocupações menores das exigências do cotidiano.
Também se deve ventilar que não são poucos os Eruditos que lhe creditam um papel essencial no desenvolvimento do Pensamento Marxista, já que além de sua importante colaboração financeira, ele teve efetiva participação no campo teórico e literário, tendo sido inclusive o coautor de vários textos.  

Envolvimento Político

Em 1843 a Gazeta Renana foi fechada por ordem do Governo, em represália a uma serie de artigos que criticavam duramente a Administração Prussiana.
Desempregado, MARX e a família emigraram para a França. Família, aliás, que ele iniciara em junho daquele ano ao se casar com Jenny Von Westphalen, filha de um barão prussiano, com quem mantivera um noivado secreto em virtude da desaprovação de ambas as famílias.
Em Paris, MARX assumiu a direção da revista Anais Franco Alemães e manteve contato com diversas organizações secretas de Socialistas.
Na vida pessoal (primeiro em França e depois em Londres) as condições eram dificílimas e em virtude da penúria recorrente na época, o casal perdeu quatro dos sete filhos que gerou.
Outro filho de MARX (fruto de uma relação extraconjugal com uma empregada da casa e militante socialista chamada Helena Demuth) foi assumido por Engels, que pagou pensão à criança e a entregou para uma família Proletária londrina em adoção.
No terreno da Política, ainda em 1843, MARX fez contato com a Liga dos Justos (depois rebatizada de Liga dos Comunistas); e em 1844 iniciou efetivamente a parceria de trabalho com o amigo Engels.    
Também nessa ocasião iniciou uma série de debates com o Filósofo francês Proudhon (Pierre Joseph, 18909 – 1865) e um proveitoso relacionamento com o Anarquista russo chamado Bakunin (Mikhail Aleksandrovitch, 1814 – 187), ativo militante Socialista que havia se refugiado do Czarismo russo, na França.
Esses encontros, debates e relacionamentos completavam os estudos que MARX realizava continuamente sobre a Economia Política, os Socialistas Utópicos Franceses e a História da França.
E foi desse conjunto de informações e reflexões que nasceu a sua primeira obra de reconhecida importância – Manuscritos de Paris, posteriormente chamados de Manuscritos Econômico Filosóficos.
E, segundo Engels, foi também nessa época que se consolidou a sua convicta adesão às Ideias Socialistas.
Ainda em Paris, MARX ajudou a editar um pequeno jornal – Vorwarts! – cuja linha editorial era de critica constante ao Governo alemão. E foi por conta dessa postura que MARX acabou sendo expulso do país em 1845, a pedido da Prússia.
Da França, ele emigrou para a Bélgica e em Bruxelas encontrou-se com Engels que também se mudara para lá.
Ali, a dupla redigiu o célebre Manifesto Comunista, que traz a essência do Pensamento Marxista.
Porém, em 1848 o Governo belga também o expulsou e junto com amigo e parceiro Engels, MARX mudou-se para Colônia, Alemanha, onde fundaram um novo jornal – Nova Gazeta Renana – que tinha como linha editorial as mesmas críticas dos jornais anteriores, não poupando de censuras as autoridades locais que em resposta, novamente, os expulsou no ano seguinte, 1949.
Na vida pessoal, apesar das mudanças e condenações nos últimos tempos, a maré havia mudado e MARX vinha conseguindo oferecer boas condições materiais para a família graças aos rendimentos que auferia com suas publicações e com as doações que recebia de amigos e aliados, além da herança que recebeu com a morte do pai.
Mas ao deixar Colônia, a penúria voltou a lhe assombrar e só a muito custo a família conseguiu retornar a Paris, porém o Governo francês proibiu a sua permanência.
Foi necessária uma campanha de arrecadação de fundos, promovida por Ferdinand Lassalle (considerado o precursor da Social Democracia alemã, 1825 – 1864) na Alemanha para que com os recursos obtidos a família pudesse chegar a Londres onde, enfim, se eles se fixaram em definitivo.
E com relativa tranquilidade ali viveram até que a partir de 1881, já deprimido pela morte da esposa, MARX viu se agravarem os seus problemas de saúde, até que em 1883 veio a falecer.
Foi enterrado no cemitério londrino de High Gate, na condição de apátrida.
NOTA do AUTOR - Ironicamente, porém, o fato de lhe terem negado uma nacionalidade fez justiça à universalidade de se gênio. Uma inteligência como a sua não poderia ficar restrita a um só País. Pertence, de fato, a todos os povos.

O Pensamento de MARX

Para não fugir à regra das ideias brilhantes que só fulguram após a morte de quem as teve, às de MARX tiveram pouca repercussão enquanto o Filósofo viveu.
O interesse mais significativo ocorreu na Rússia que já vinha experimentando uma série de contestações ao Regime Monárquico dos Czares, mas sem que houvesse uma ideologia capaz de catalisar todas as insatisfações.
Ali, em 1872, foi publicada a primeira tradução de O Capital – Tomo I.
Na Alemanha, porém, só em 1879 é que a sua obra começou a ser conhecida graças ao estudioso de Economia Política Adolph Wagner, que comentou o Ideário Marxista ao longo de sua obra, Allgemeine Oder Theoretische Volkswirthschafts Lehre.
Graças a esse impulso inicial, o Pensamento Marxista ganhou fôlego e pouco após a morte do Filósofo, as suas teorias já obtinham crescente influência intelectual e política entre os Movimentos Operários que ao final do século XIX tinham no Partido Social Democrático Alemão a sua principal arena de debates.
Influência que também crescia, embora com menos ímpeto, entre os círculos acadêmicos ligados aos estudos das Ciências Humanas (Filosofia, Antropologia, Sociologia, Política, História etc.), principalmente nas Universidades de Viena e de Roma, que foram, aliás, as pioneiras em ofertar cursos sobre o Marxismo.
Hoje, é um consenso que MARX foi um legitimo continuador da grande Filosofia alemã, ombreando com Kant e Hegel e aproximando-se de Pensadores do porte de Aristóteles, de quem era adepto.
 E honrando o espírito contestador dos grandes Filósofos de todos os tempos, observa-se que embora MARX tenha sido um sincero admirador de Hegel, dele discordava severamente no tocante à sua Filosofia Idealista, através da qual se afirmava que da Realidade se faz Filosofia(ou seja, a Filosofia é apenas uma reflexão passiva sobre uma conjuntura colocada).
Afinal, para ele, a Filosofia deve incidir sobre a Realidade; isto é, não basta ela divagar, ou que especule, ou que pense sobre a Realidade. Cabe à Filosofia alterar essa Realidade.
Segundo ele, para “mudar o Mundo” é imperioso vincular o Pensamento, ou a Teoria, com a Prática, com a Ação Revolucionária (aqui no sentido de revolucionar, ou mudar drasticamente, completamente, os valores, os costumes, os padrões etc.).
Vinculação que MARX conceituou, ou definiu como Práxis, A união entre a Teoria e a Ação, como veremos adiante.
Com o avanço nos estudos sobre as Ideias de MARX, inúmeras variantes surgiram e sua Teoria ganhou uma série de novos conceitos, subconceitos, variantes etc.
Contudo, todos eles sempre orbitaram em torno da ideia central do pensamento Marxista, que pode ser definido como o combate contra as injustiças decorrente do Sistema Capitalista.
Assim, a partir da clara definição sobre o quê deve ser combatido, MARX estabeleceu como condição imprescindível que se abandonasse qualquer separação entre a Teoria e a Prática, entre o Pensamento e a Realidade, pois essa divisão é uma mera abstração, já que o corpo e a mente estão indissoluvelmente ligados e perfazem uma totalidade complexa.  
Para ele, a Revolução pensada, sonhada e desejada deve ser realizada concretamente, sob a pena de não ter passado de tola e infantil bravata.
E justamente por conta desse apego aos fatores físicos, concretos é que o Marxismo baseia-se na ideia de que a História Humana é determinada pelas circunstâncias materiais, físicas, concretas.
E Não pelo “progresso do espírito”, pela “evolução da mente”, pelo “desenvolvimento do pensamento”, como afirmavam HEGEL e outros Pensadores.
Mas, apesar de conceder essa supremacia à Matéria em detrimento das Ideias, a Doutrina Marxista rejeita qualquer noção de Determinismo (ie, a noçao de que os fatos, os objetos, os Seres são da maneira que são por um desígnio “divino”, ou da “natureza”, independentemente da vontade e da participação humana).
Dessa sorte, não será possível entender os conceitos Marxistas (por exemplo – “Força Produtiva”, “Mais-Valia” etc.) sem se considerar que o Processo Histórico* é feito pela ação humana e pelo movimento dos fatos e circunstâncias concretas. E Não por ideias, divagações ou conceitos abstratos, já que estes são apenas o reflexo da realidade física, ou uma “Abstração do Real”.
Para MARX, o Trabalho (intelectual, braçal, primário, complexo etc.) é o centro da atividade humana.
É a base, a fundação sobre a qual se assenta a própria humanidade, já que é das Relações de Trabalho, ou Relações de Produção, que surgem todas as outras relações entre os indivíduos (as “Relações Sociais”), embasando, por sua vez, todo o processo de formação da humanidade.
A História, pois, é a narrativa das Relações de Produção, ou de Trabalho, posto que essas que governam todas as demais.
E foi a partir da importância dada ao Trabalho, que o Filósofo desenvolveu sua tese que identifica a Alienação* no mesmo como a “alienação básica” que acontece em todas as outras áreas.
Alienação* - processo cujo objetivo é ocultar ou falsificar a relação ou ligação entre “Ação e Consciência” e com isso fazer parecer que o produto, ou a mercadoria produzida, é superior, independente, indiferente ao homem que a produziu. Mais especificamente, é a situação resultante de fatores e circunstâncias materiais, concretas que são dominantes nas Sociedades Capitalistas em que o trabalho do homem é feito de modo que ele produza coisas (objetos, mercadorias, produtos) que são imediatamente separadas de seus interesses e colocadas além de seu alcance (o operário que produz um carro de luxo é um exemplo clássico dessa situação).
A partir, então, dessa base filosófica é que MARX reflete sobre as outras Ciências, cujo estudo, aliás, foi profundamente influenciado pela sua opinião acerca da Realidade ser essencialmente física, concreta, material e determinante das Relações Sociais, ie, das relações entre as pessoas.

As Influências

Para formatar seu Ideário, MARX sorveu partes dos Pensamentos de alguns Eruditos. Dentre outros, citaremos a seguir aqueles de maior importância:
- A Filosofia alemã de Kant, Hegel e a dos chamados Neo-Hegelianos, com ênfase em Feuerbach.
- o Socialismo Utópico de Saint-Simon, Robert Owen, Louis Blanc e Proudhon.
Sobre este último, aliás, paira a dúvida sobre o acerto de incluí-lo na malta dos Utópicos, haja vista sua posição favorável à radicalização política.
- a Economia Clássica dos britânicos, Adam Smith, David Ricardo e mais alguns.
Adiante abordaremos estas influências separadamente, embora devam ser compreendidas como complementares na formação de seu Sistema Político Filosófico.
A Formação das Classes Sociais
No berço da civilização os indivíduos eram os responsáveis diretos por produzir tudo de que necessitassem (comida, roupas, armas, utensílios etc.) para si mesmos e para os seus mais próximos.
Quando as primeiras Sociedades começaram a se organizar, as pessoas passaram a contar com o labor das outras e cada qual passou a fazer aquilo que melhor se lhe adaptava.
Essa estruturação levou ao surgimento do escambo e/ou das barganhas no qual fulano trocava o que produzira por aquilo de que necessitava e que fora produzido por sicrano.
Uma forma rudimentar de Relações Comerciais que foi magistralmente descrita pelo Economista Adam Smith (Escócia, 1723 – 1790).
MARX concordava com a afirmativa do escocês de que foi justamente nesse momento que se iniciou a “Especialização no Trabalho”, mas ressaltava que essa mesma especialização também passou a servir como rótulo, ou classificação. Como escala de importância, credibilidade e atratividade.
Passou a definir as posições dentro do contexto social.
A especialização, ou ocupação, ou profissão do individuo (desde a de um humilde lavrador, ou operário, até a de um iminente Jurista) passou a servir como indicativo de como seria a sua vida física, material.
Passou a servir para ditar “onde e como” esse indivíduo moraria, o quê comeria, o quê vestiria etc.
NOTA do AUTOR - e para justificar conceitos e pré-conceitos negativos.

Ademais, impunha com quem o sujeito poderia se relacionar e compartilhar seus interesses. E contra quem esses seus interesses colidiriam.
Passou, ao cabo, a determinar quem seriam os seus aliados e os seus adversários.
Estava, pois, arquitetado o “Sistema de Classes Socioeconômicas” que é à base de todo Regime Capitalista, onde o diferencia um indivíduo do outro é a quantidade de Capital que cada qual possui.

NOTA do AUTORCapital que nem sempre tem origem ética, ainda que seja amparada por uma Legislação viciada.

De acordo com MARX, houve quatro estágios na história humana que se vinculam diretamente com as quatro formas diferentes do Regime de Propriedade.
 A saber:

1.   Sistema Tribal (a propriedade era comum, da coletividade).
2. Sistema de Propriedade Comunal e Estatal (onde teve inicio a Propriedade Privada e a   Escravidão).
3.   Sistema Feudal de Propriedade (onde a titularidade da propriedade era de um único Senhor).
4.   Sistema Capitalista Moderno (em que a propriedade está concentrada nas mãos de quem detém o Capital).

Cada um desses estágios representou uma forma diferente de Sistema Econômico, ou de Modo de Produção e as transições entre os mesmos foram marcadas por acontecimentos políticos turbulentos – como guerras, revoluções etc. – que substituíam as Classes Dominantes a partir do evento.

Valores da Burguesia

Segundo MARX, além das óbvias implicações econômicas oriundas dessas alterações no Regime de Propriedade, outra característica marcante ocorreu quando a última vitoriosa nesse processo, a Burguesia, não deixou sobreviver nenhuma ligação entre as pessoas que Não fosse o “interesse próprio, egoísta e praticado de modo escancarado”.
Instituiu de modo imperativo o egocentrismo absoluto, onde só importa o interesse individual, com o consequente fim de qualquer tipo de vida comunitária, solidaria e quejandos.
Forçou a substituição da antiga solidariedade, pela acirrada competição.
Impôs que doravante só existiria o “desumano pagamento em dinheiro”, com o consequente fim do escambo, ou da simples troca de favores.
Anteriormente as pessoas eram valorizadas, estimadas, queridas pelo que eram e pelo que faziam.
O exercício do trabalho artesanal, aliás, era uma das principais fontes desse reconhecimento, pois a habilidade do indivíduo ao prestar o seu oficio e a serventia do mesmo para a coletividade, garantiam a sobrevivência e a prosperidade daquela Sociedade e, em contrapartida, o merecido respeito e valorização ao artesão.
Porém com a ascensão burguesa o valor da pessoa reduziu-se a um mero “valor de troca”.
Valores morais, éticos, religiosos e até os sentimentais foram eliminados, esquecidos, enquanto ocorria o processo que transformava a todos (de Cientistas a Poetas, de Engenheiros a Padres) em simples e anônimos “trabalhadores assalariados”.
Segundo MARX, onde havia “sentimentos religiosos, místicos ou de outras naturezas”, a Burguesia os substituiu com exclusividade pela “exploração descarada, direta, brutal de um homem por outro homem”.
Decretos e Leis que antes protegiam as Liberdades Individuais foram sumariamente atropelados por uma falsa e irracional Liberdade de Mercado, pela noção de Livre Comércio”.
Desse modo, para que os antigos valores fossem resgatados, e com eles a dignidade humana, única solução seria tornar todos os “Meios de Produção” (a terra, as fábricas, as máquinas, as ferramentas, o Capital etc.) em “Propriedade Coletiva”.
Cada indivíduo poderia, então, trabalhar conforme a sua capacidade e habilidade e teria o sagrado direito de consumir conforme a sua real necessidade.
Sem os penduricalhos fúteis que o Capitalismo torna “necessários” através da “lavagem cerebral” que faz no Proletariado por intermédio de uma Publicidade que o comanda e o reduz a mero consumidor, cujo bem estar (tanto físico quanto espiritual) depende das aquisições que consegue fazer.

Instituições Culturais e o “Espírito da Época”

Segundo MARX, a análise da base econômica de uma Sociedade permite saber que quando o Sistema de Propriedade se altera (quando, por exemplo, as riquezas passam das mãos da nobreza para as da burguesia) também se altera a Superestrutura* da mesma.

NOTAS do AUTOR - *Superestrutura – a política, as leis, a Filosofia, a arte, a religião etc. O conjunto de elementos e valores abstratos pertencentes e diretivos de uma Sociedade.

Observando-se a substituição dos Nobres pelos Burgueses enquanto “Classe Dominante”, vê-se com clareza esse tipo de alteração, particularmente no campo das Artes.
A música, por exemplo, da Nobreza caracterizava-se por certo requinte, densidade, elegância e outros atributos considerados superiores.
Já a da Burguesia expressa em suas “modas populares” a indigência intelectual e artística que a falta de educação e de Cultura ocasiona no gosto e na sensibilidade das pessoas.
Ainda que tenha se tornado a detentora do Poder Econômico, a Burguesia não escapa das censuras e críticas ao seu “mau gosto” e ao sarcasmo habitual daqueles que zombam dos supostos hábitos dos considerados “novos ricos”, ou “sem berço” e outras considerações elitistas.
Como se sabe, a Superestrutura (enquanto conjunto de ideias, valores, conceitos etc. que norteiam uma Sociedade) se desenvolve para servir aos interesses da Classe Dominante, promovendo as “suas verdades” e “legitimando” as suas aspirações e os seus atos, enquanto desvia a atenção do Proletariado das efetivas questões socioeconômicas.
Todavia, nem mesmo essa Classe Dominante é quem, de fato, determina os acontecimentos ou as próprias Instituições.
O que efetivamente controla, organiza e determina os fatos de uma época é aquilo que Hegel chamava de Zeit, ou Espírito da Época, o qual, ao cabo, seria o resultado da soma, ou da média, das ideias individuais dos cidadãos daquele lugar e momento.
MARX concordava parcialmente com a ideia hegeliana, mas onde Hegel via o Zeitgeist como um Espírito Absoluto (ie, o predomínio absoluto das ideias, da mente, da abstração)” que se desenvolve ao longo do tempo, MARX enxergava esse Espírito da Época como a resultante das Relações Socioeconômicas existentes entre os indivíduos daquele momento e local.
Para ele, tais Relações é que formam de fato o Ideário daquele momento, ou a Consciência (ou conscientização) de indivíduos e Sociedades.

Segundo MARX, as pessoas Não deixam uma marca pessoal em seu tempo, moldando-o segundo sua vontade.

Ao contrário, é o momento, ou a época, que moldam os indivíduos e os Grupos Sociais.

Essa releitura que MARX fez da Filosofia Hegeliana (do “Espírito Absoluto” para os “Modos de Produção” e as “Relações Socioeconômicas” como a formadora do “Espírito da Época”) foi seguramente influenciada pela Filosofia de outro alemão, FEUERBACH (Ludwig, 1804 – 1872).
Para ele, as pessoas criam Deuses ou Deus à sua imagem e semelhança (a ironia do mesmo não era aleatória) e lhes atribuem as grandes virtudes humanas (generosidade, inteligência, justiça etc.). A partir de então se apegam a estas Entidades Divinas que inventaram e optam em viver “sonhos, utopias, delírios” ao invés do Mundo Real.

NOTA do AUTORa tese central FEUERBACH consistia na crença de que a “Religião é uma sórdida farsa, que não pode ser amparada por nenhum Pensamento Lógico Racional, e que contribui decisivamente para manter a miséria humana.

NOTA do AUTOR - outro Filósofo, Nietzsche, sobre essas invenções de deuses, ou de Deus, ou de “Valores Sublimes” disse que eles “são humanos, demasiados humanos”; ou seja, sua gênese nada tem de Divina, pois não passam de meras criações da mente humana, cujas origens, com o tempo são esquecidas e, então, atribuídas ao Divino. As pessoas se alienam de si mesma por meio de uma comparação sempre desfavorável entre seu próprio “eu” e o “Deus” que elas criaram.
A Influência do Idealismo (ou do hegelismo)

Dois pontos na Filosofia hegeliana influenciaram deveras o jovem MARX: a Filosofia da História e a Dialética.

HEGEL, como se sabe, adotava o conceito de Devir criado pelo Filósofo pré-socrático Heráclito.
Assim, para ele, nada no Mundo seria estático, fixo, imóvel. Ao contrário, tudo está em constante movimento, em perpétuo processo de vir-a-ser. Logo, tudo é histórico.
Para HEGEL, o Sujeito desse Mundo em Movimento é o Espírito do Mundo (ou a Superalma, ou a Consciência Absoluta) que, em essência, é a soma ou a média das Consciências Individuais (ie, a consciência, as ideias, de cada homem).
E essa Consciência Humana Geral, é pertencente a todos os indivíduos, pois inobstante as diferenças pontuais, todos os homens possuem uma essência em comum.

Consciência Geral que também é expressa sob o nome de Deus.

Segundo essa teoria, a história é entendida como o desenvolvimento, ou o progresso das Ideias, do Espírito, da Mente.

É o desenvolvimento, ao cabo, da Consciência da Liberdade*, já que após percorrer uma trajetória – ou a sua história – a “Consciência Individual” liberta-se do jugo da matéria e da servidão ocasionada pela ignorância.

NOTA do AUTOR - Consciência da Liberdade* - este conceito que poderá ser mais bem entendido da seguinte maneira: a formatação da Sociedade em seus aspectos concretos, físicos, materiais, obedece às normas ditadas pelas Ideias; ou seja, a Realidade é formada pelas ideias e concepções humanas que definem como deve ser a Vida da Sociedade, tentando eliminar, ou pelo menos suavizar, o conflito existente entre as Ideias de Liberdade Individual versus as Ideias de Coerção Social, o quê, em tese, garantirá a sobrevivência do grupo. Com isso, o Ser Humano liberta-se progressivamente dos baixos instintos animalescos que ainda habitam o seu espírito, através de um processo de espiritualização, ou de evolução mental. É Processo que se constitui de um conjunto de reflexões filosóficas que o leva a perceber que ele, homem, é o Sujeito efetivo da história (ou da realidade, da sua própria existência) e que, portanto, caberá a ele decidir o seu Destino.

Durante algum tempo, MARX seguiu a Corrente dos hegelianos de esquerda, mas rompeu com o grupo e efetuou uma severa revisão em seus conceitos baseados nessa Teoria de HEGEL, após se aproximar das teses de Feuerbach*.

NOTA do AUTOR - Ludwig Feuerbach – Filósofo materialista que gozou de muita popularidade entre os Intelectuais que lhes foram contemporâneos. Em 1841, publicou a “Essência do Cristianismo” que teve influência decisiva sobre MARX, sobre Engels e outros “jovens hegelianos”. Nessa obra, Feuerbach critica duramente o Ideário de Hegel e afirma que a Religião não passa de uma projeção dos desejos humanos e de uma forma de alienação. Foi através de sua leitura que MARX concluiu que a “Dialética Hegeliana” estaria de “cabeça para baixo” porque mostra o homem como um atributo do Pensamento, quando o correto seria ver que é o Pensamento um atributo humano.

MARX conservou, porém, a concepção de que a história é uma marcha, uma caminhada dialética (ie, o Mundo está em movimento contínuo graças aos atritos entre os opostos [tese x antítese = síntese] não sendo, portanto, estático), mas passou a rejeitar peremptoriamente a ideia de que o Espírito ou Mente do Mundo seja a essência, ou o sujeito do mesmo.

Propôs que a origem da Realidade Social (ou seja, os fatos, as circunstâncias, as situações que comandam o Grupo Social) Não está nas Ideias, na Consciência que os homens têm dessa Realidade.
Está, na verdade, na ação concreta, física, da humanidade, ou no Trabalho do Homem.

Afinal, a existência material vem antes de qualquer Pensamento e não há a menor possibilidade de se Pensar em algo que não existe concretamente.

NOTA do AUTOR – note-se nesse último parágrafo uma das sementes do futuro Existencialismo.

NOTA do AUTOR – alguns discordam dessa afirmativa de que é impossível pensar em algo que não existe concretamente, pois alegam ser viável pensar sobre um Sentimento como, por exemplo, a “saudade”. Outros rebatem, dizendo que não se pensa sobre a “saudade em si”, mas apenas sobre quem ou o quê a causou; reflete-se, portanto, sobre um Ser, um Lugar etc. que são físicos, concretos, materiais.

Como se disse anteriormente, MARX disse jocosamente sobre a Dialética de Hegel de que ela estaria de cabeça para baixo e que era necessário inverter o eixo da mesma, colocando na Materialidade e não nas Ideias a gênese do Movimento Histórico que é a natureza e a essência do Mundo.

A partir dessa inversão é que ele elabora um dos conceitos chaves de seu Pensamento: A Dialética Materialista, ou Materialismo Dialético.

A Influência do Socialismo Utópico.

Na época de MARX, costumava-se chamar de Socialismo Utópico o conjunto de Doutrinas (algumas antagônicas entre si) que tinham em comum as seguintes características:

1 – A base do comportamento humano é determinada pela Moral e pela Ideologia.
2 – O desenvolvimento da Civilização Ocidental já permitia o aparecimento de uma Nova Era, na qual imperariam a harmonia e a Justiça Social.

MARX foi severo em suas censuras aos Socialistas Utópicos (particularmente em relação aos franceses como o Conde de Saint-Simon de quem, aliás, foi um acirrado polemista), a quem acusava de serem excessivamente ingênuos e românticos e de serem inertes e omissos pelo pouco, ou nada, que faziam para se ter um estudo sério e profundo sobre a conjuntura social que permitisse, numa segunda etapa, a consequente alteração que fosse necessária.
Segundo ele, os Utópicos eram pródigos em falar sobre como deveria ser a Sociedade Ideal, porém, eram mesquinhos em apontar as maneiras efetivas que levassem àquela Sociedade harmônica e justa.
Contudo, não obstante suas criticas, MARX adotou (implícita ou explicitamente) algumas concepções desse grupo de Pensadores, das quais se pode citar, dentre outras, a ideia de que o aumento na oferta de produtos por obra da Revolução Industrial permitiria maior conforto ao homem; ou, a noção de que as “crenças ideológicas do indivíduo” influem em seu comportamento.

A Utopia Marxista

O termo Utopia foi criado por Thomas Morus ou More (Inglaterra, 1478 – 1535) e aqui será usado com um significado diferente do pretendido original, mas consagrado pelo uso popular.
Originalmente o termo significava “lugar nenhum”, mas o estilo coloquial transformou-o em sinônimo de quimera, ideal; ie, algo extremamente positivo, desejável, embora inatingível.
E MARX mostrou-se “utópico”, ingênuo, ao supor que o homem poderia evoluir de seu egoísmo animal para uma solidariedade angelical, ou pelo menos humanitária, que permitiria o bem-estar geral.
Todavia, essa ingenuidade, para muitos, não deve ser vista apenas como algo negativo, pois foi esse “sonho idílico que embalou – e ainda embala – as aspirações de um vasto número de admiradores e de adeptos ao “Ideal Socialista”, permitindo com isso que continue a existir uma alternativa à rudeza do Capitalismo.
E também, apesar de sua insuficiência, por ensejar o avanço em algumas práticas e costumes que tiveram o mérito de suavizar em alguma medida os horrores da miséria em vive o Proletariado sob o jugo da Burguesia.
Um dos exemplos mais recentes dessa suavização pode ser visto no Brasil com a regulamentação da “Profissão de Empregados Domésticos”, a qual, inobstante seus defeitos, busca tirar desses (as) profissionais o antigo ranço escravagista.

A Influência da Economia Clássica.

Devido à importância que dava ao aspecto material como formador e condicionante das relações entre os membros de um grupo de pessoas, MARX não titubeou em estudar com afinco as Teorias Econômicas Ocidentais (desde as da Grécia antiga até as que lhe eram contemporâneas).
Acertadamente ele intuía a necessidade de conhecer sobejamente tais fundamentos para, num segundo momento, modificar-lhes, em consonância com o seu ideal de Justiça Socioeconômica.
Dentre outros, mostrou-se admirador dos Economistas Políticos britânicos, Adam Smith (Escócia, 1723–1790) e David Ricardo (Inglaterra, 1772–1823), a quem, aliás, coube a sua predileção e de quem ele sorveu algumas ideias que posteriormente revisou e reinterpretou.
Dessa reelaboração é que provieram, por exemplo, conceitos como o da Mais Valia, do Fetiche (ambas oriundas da “Teoria do Valor”, elaborada pelo inglês), da Divisão Social do Trabalho, da Acumulação Primitiva etc.
Lisonjeiro, MARX se referia a Ricardo como “o maior dos Economistas Clássicos”. Elogio que não estendia a Smith, embora dele também houvesse tomado algumas concepções.
Contudo, o grau de influência que ambos, especialmente Ricardo, exerceram sobre o Ideário Marxista nunca encontrou consenso.
Eruditos neo-Ricardianos consideram que há uma enorme semelhança entre o Pensamento de seu guru e o de MARX, mas os estudiosos do Marxismo minimizam essa similitude e apontam diferenças cruciais entre os dois Sistemas.

Metodologia

Uma critica recorrente que se faz à obra de MARX refere-se ao fato de que ele não criou (tampouco seguiu, é óbvio) um Método para expor suas reflexões sobre seus Objetos de Estudo; ou seja, as Ciências Sociais (Filosofia, Política, História, Sociologia etc.).
Com efeito, o Filósofo nunca se preocupou em seguir um roteiro, preferindo consignar suas dispersas reflexões em obras variadas.
Com isso, arriscamos dizer, criou o seu próprio método (tão heterodoxo e singular quanto suas ideias) através das criticas que fez ao Idealismo Especulativo de Hegel e à Economia Política Clássica.
Como já se disse, segundo MARX, HEGEL e seus seguidores criaram uma Dialética Mistificada cuja intenção era explicar especulativamente (ie, apenas por meio de ilações, deduções, divagações, reflexões sem quaisquer dados concretos que apoiassem essas “operações mentais”) a história mundial, afirmando que a mesma era uma autodesenvolvimento da Ideia Absoluta (ou do exclusivo desenvolvimento mental, espiritual da humanidade).
Em relação aos Economistas Clássicos, a censura se concentrava no fato de fazerem parecer natural e desapegado do curso da história o Modo de Produção Capitalista, enxergando-o como se ele fosse uma imposição inquestionável da natureza; assim como a exploração que a Burguesia praticava contra o Proletariado.
Para tanto, apoiavam-se em um conceito abstrato e absurdo denominado de “Homo Economicus”. Conceito que além de abstrato e absurdo era eivado de sérios questionamentos acerca de sua correção.
Por esse motivo, esses Pensadores da Economia Clássica recorriam amiúde a Robsonadas (de Robson Crusoé e suas narrativas sobre o escambo primitivo entre caçadores e pescadores)” para ilustrarem um presumível primarismo econômico do Proletariado, que justificaria, ao cabo, a sua exploração (sic).

NOTA do AUTOR – essa visão de que seria justificável a dominação e a exploração de um homem por outro homem é filha do antigo conceito do “Direito Divino”; ou seja, por razões desconhecidas um suposto “Ser Supremo” escolhe a seu critério um indivíduo, ou um grupo deles, para dominar e explorar os outros Seres, mesmo que os “exploradores escolhidos” não tenham a menor qualificação para tanto. Assim, segundo essa “Lei”, o felizardo não precisaria ser hábil, nem probo, nem inteligente, nem generoso etc. Bastar-lhe-ia ter tido a sorte de nascer na “Classe Social Correta (sic)”.

Todavia, inobstante a discordância que mantinha de suas teses, MARX não considerava os Economistas Clássicos como mal intencionados.
Afirmava que a mistificação que faziam era oriunda do “Fetichismo à Mercadoria”, ou da adoração mística a um produto.
Um comportamento irracional, mas tão atrelado ao espírito humano que acabou sendo considerado normal.
E era em oposição a essa irracionalidade que MARX propunha um estudo aprofundado, sério, objetivo, sobre a história (ou sobre a trajetória, marcha) do desenvolvimento das Formas de Produção, enquanto organizadora das Relações Sociais, para que através desse conhecimento fosse possível alterar o que houvesse de errado e se pudesse atingir a justiça e a harmonia desejada.

A Crítica da Religião

Ao contrário do que se pensa habitualmente, MARX não dedicou grande esforço na censura à Religião.
Pode-se até observar que ele a via com mais condescendência que intolerância.
Basicamente ele seguiu de modo mais atenuado, a concepção do Filósofo Feuerbach para quem a Religião não expressaria a Vontade, ou a Palavra, de nenhum “Deus”, ou de qualquer outro Ser metafísico.
Não passaria, portanto, de uma mera criação humana. De uma fábula inventada pelos homens, que, cônscios de sua fragilidade, buscariam no “Sagrado” algum consolo para as suas fraquezas e fracassos, bem como “bodes expiatórios” que os isentasse da responsabilidade por seus atos.
Afinal, é sempre mais fácil culpar a Vontade de Deus que assumir a própria negligência, ou inércia, ou inabilidade pelos erros cometidos.
Portanto, a ideia difundida de que MARX e os seus seguidores seriam inimigos ferozes dos Religiosos originou-se mais da contundência de suas criticas de que da extensão e insistência das mesmas. Além, é claro, da falaciosa propaganda que a Burguesia fez sobre o tema, usando esse “falso perigo” como um instrumento a mais para aterrorizar o inculto populacho que via na Religião a sua única válvula de escape, pelas razões acima expostas, e temia perdê-la.
Em relação à contundência referida, é possível ver alguns exemplos da mesma no texto denominado Crítica da Filosofia do Direito de Hegel. Afirmativas como: a Religião é o ópio do povo, ou “é o suspiro da criatura oprimida”, ou, ainda, “o coração de um Mundo sem coração, ou, então,é o Espírito de uma situação carente de Espírito.

MARX acreditava que as pessoas também se apegam à Religião porque desejam um lugar em que o eu não seja desprezado, ou alienado (e nada melhor que um “Deus bondoso” para aceitar esse “eu” que noutros campos enfrenta continuas restrições por acharem-no “pobre”, “feio”, “medíocre” etc.), mas alertava que essa fuga é inútil, pois as restrições que a Classe Dominante impõe permanecem inalteradas e a quimera religiosa, ao cabo, acaba servindo apenas para que o Proletariado afunde-se cada vez mais em sua ignorância e na resignada miséria que isso lhe acarreta.
Acaba servindo apenas como pretexto para que o indivíduo deixe de lutar para sanar as injustiças, resignando-se a uma falaciosa esperança no além-túmulo.

Todavia, para o Filósofo, o fim puro e simples da Religião não seria a resposta efetiva para os problemas sociais e nunca foi um objetivo precípuo nas lutas Socialistas.

Apenas a mudança total nas questões de ordem Social e Política é que poderiam elevar o indivíduo, após ele ter enxergado a inutilidade daquela crença dogmática e alienante, bem como a necessidade de perseverar nas lutas sociais.

NOTA do AUTOR – o (a) leitor (a) comprova por essas últimas definições, a sua citada condescendência. Embora ele visse a Religião como uma reles e tola fantasia, podia compreender a necessidade humana que a faz existir.

A Revolução

Apesar de ter recebido o epíteto de “Teórico da Revolução”, MARX não consignou em suas obras qualquer definição, ou conceito, especifico sobre o tema.
Ofereceu apenas descrições e considerações acerca das Revoluções Francesa, Inglesa e Estadunidense, bem como projeções e prognósticos para as eventuais Revoluções futuras.
Um claro exemplo de tais “Prognósticos Históricos” pode ser encontrado em Contribuição para a Crítica da Economia Política, onde ele afirma que: “numa certa etapa do seu desenvolvimento, as “Forças Produtivas” da sociedade entram em contradição com as “Relações de Produção” existentes (ou, o que é apenas uma expressão jurídica delas) e com as “Relações de Propriedade, pois, estas relações transformam-se em grilhões das primeiras ensejando, então, uma época de revolução social”.
Por isso MARX considerava que toda Revolução é violenta, embora o grau e a intensidade dessa violência sejam variáveis, já que estão em conformidade com a maior ou menor truculência com que o Estado reage contra quem lhe ameaça.
A existência imperiosa da violência é, pois, uma decorrência direta do fato de o Estado tender a sempre usar a coerção e a repressão para salvaguardar os seus interesses; para manter a organização em que se assenta o seu Poder Político.

Dessa sorte, não resta alternativa à Insurreição que não seja responder violentamente.

NOTA do AUTOR – e é justamente por conta disso que ocorrem os excessos de ambos os lados.

Para MARX, ao contrário do que imaginavam os “Contratualistas”, o Poder Político do Estado não provem de um “Contrato Social”.

Não emana de um acordo voluntario, ou de um consenso entre os indivíduos de determinado agrupamento.
Na verdade, é uma determinada Classe que o conquista e o mantém através de ardilosidades, de falcatruas e da violência explicita (via Policia, Judiciário, Forças Armadas etc.) e da violência implícita (regulações, burocracia sufocante etc.).
Violências que não hesita em usar contra as Classes Exploradas, as quais, quando se rebelam devolvem-na inevitavelmente.
Todavia, para MARX, embora a violência seja indissociável da Revolução, essa mesma violência não deve se transformar em um instrumento de aniquilação total. Não deve ser sinônimo de “reconstrução a partir do zero”.
Em sua obra “Crítica ao Programa de Gotha”, por exemplo, ele alerta que a instauração de um Novo Regime só é possível se o mesmo for sustentado pelas Instituições que já existiam no Regime anterior, com as devidas correções.
Por isso, a Revolução Proletária ao instaurar um novo Regime Sem Classes só poderá lograr êxito se concluir satisfatoriamente um período de transição que ele chamou de Socialismo.

A Crítica ao Anarquismo

Como se sabe, o Anarquismo é um Sistema Filosófico que prega o fim do Estado e doutras Instituições que normatizam a vida do homem (a família, a Igreja, o Partido Político etc.).
Argumentam seus adeptos que todas as formas de governo interferem negativamente na liberdade individual e devem ser substituídas pela cooperação entre os cidadãos.
Para MARX, essa visão ingênua de se acabar com o Estado “por decreto” não se sustentava por sua própria ingenuidade.
Para ele não se deveria propor o fim do Estado, mas o fim das iníquas condições socioeconômicas que o fazem ser necessário.
Afinal, o Estado acaba se tornando um mero instrumento para que a Classe Dominante possa exercer o seu predomínio e a sua opressão sobre as Classes Exploradas.
Utiliza-o a seu bel prazer, como ferramenta de pressão com o intuito final de preservar o Poder e as benesses do mesmo.
O Filósofo Proudhon, em defesa do Anarquismo, escreveu uma importante obra intitulada A Filosofia da Miséria”.
Porém, pelas razões acima, MARX discordou dessa tese e compôs uma antítese que jocosamente chamou de “Miséria de Filosofia (em alusão ao “primarismo intelectual” que norteariam as propostas anarquistas).
Nela, além de censurar o Pensamento Anarquista de Proudhon, ele crítica o Blanquismo (de Louis Blanc) por sua visão elitista sobre o Partido e, também, por sua tendência autoritária e superada.
E ainda nessa linha de contraponto, posicionou-se a favor do Liberalismo Político e Econômico, mas tomando o cuidado de esclarecer que tal Regime não seria a solução definitiva para o Proletariado.
Serviria apenas como sustentação para o processo de maturação das Forças Produtivas (ie, os Trabalhadores) e de homogeneização da condição do Proletariado em todo o Mundo. Homogeneização, ou uniformização que seria gerada colateralmente pela internacionalização do Capital.
E de fato o seu prognóstico vai se concretizando com a Globalização da Economia e com as empresas Multinacionais que geram a uniformidade no comportamento de seus empregados (e de seus consumidores) nas mais diversas regiões do Globo.
Não é raro, por exemplo, que um trabalhador hindu tenha os mesmos desejos que um brasileiro, ou um estadunidense. E não será raro que num Futuro próximo as demandas dos mesmos sejam tão iguais que não se poderá mais diferenciá-los pela nacionalidade.
Por linhas não previstas pelos Capitalistas, vê-se que paulatinamente forma-se uma Consciência de Classe no Proletariado internacional.
Como se fosse por ironia da história observa-se que é o próprio Capital que está promovendo e materializando o slogan marxista: Trabalhadores do Mundo, uni-vos!”.

A Práxis

Termo oriundo do idioma grego cuja significação original remete à ideia de ação, de fazer, de atividade prática.
No Marxismo, significa o conjunto de ações humanas que tendem a criar as condições indispensáveis à existência da Sociedade, principalmente no que se refere à produção física, material. À atividade concreta.
Destarte, a palavra Práxis se torna o título de um dos fundamentos mais importantes da Doutrina de MARX, haja vista que a mesma afirma categoricamente que é a ação humana que cria, ou que produz a história.
O Marxismo se baseia no argumento de que a história é Materialista (ie, feita de fatos concretos e não de ideias abstratas) e que a realidade Não se altera por moto próprio.

NOTA do AUTOR - A esse propósito, ele diz em sua obra “O 18 Brumário de Luis Bonaparte” que: “não é a Realidade que move a si mesma, mas comove os atores (ie. sensibiliza os homens, levando-os à ação). Trata-se sempre de um drama histórico...”.

Mas esse Materialismo não deve ser visto como um Determinismo Histórico (ou seja, algo ou alguém que determinou que a história acontecesse de tal modo) que caísse num Materialismo Mecânico, ou Positivista.
Tal hipótese, em verdade, estaria em completa oposição à concepção Marxista do Materialismo Dialético, no qual, os atritos (tese x antítese = síntese) entre os fatos materiais, concretos, físicos é que geram as situações políticas.

Materialismo Dialético ou Histórico que também poderia ser entendido como uma “Dialética Realidade – Idealidade Evolutiva” onde as relações entre a Realidade (concreta) e as Ideias, ou concepções acontecem e se juntam precisamente na Práxis.
Afinal, sendo a história um produto das ações humanas e sendo as ideias um produto das circunstâncias materiais em que  surgiram a meta a ser atingida é fazer com que a História seja Lógica e Racional.
Que as ações humanas sejam coerentes e justas e que por isso criem condições materiais favoráveis; as quais, por sua vez, proporcionarão o surgimento de ideias também Lógicas, Racionais e Favoráveis.
Assim, com essas reflexões, MARX encerra suas teses sobre Feuerbach reafirmando que a sua proposição não se esgota em interpretar o Mundo de forma diferente, mas, sim, de transformá-lo efetivamente.
Afinal, a interpretação ocupa-se “apenas” de estudar, de pensar, de refletir sobre o Mundo que já existe, enquanto que a pretendida Ação Revolucionária será capaz de produzir a transcendência, ou ultrapassagem, desse modelo de Mundo.

A Mais Valia e o Exército de Reserva

O conceito da Mais Valia foi empregado por MARX para explicar a obtenção de lucros espúrios no Sistema Capitalista.
Vale lembrar que segundo o Filósofo, Mais Valia é o valor extra da mercadoria, ou seja, a diferença entre o que o empregado produz e o que efetivamente recebe.
É aquilo que o patrão deixa de lhe pagar e que ele não cobra, não exige.
E a partir desse ponto é inevitável que surja a questão: por que o Proletário não cobra o que lhe seria de direito?
A resposta a esta indagação vem na forma de um dos outros pontos importantíssimos da Doutrina Marxista.
O Proletário não exige o seu direito porque sabe que será prontamente demitido e substituído por um dos desempregados que lotam constantemente as fileiras do chamado Exército de Reserva.
Exército de Reserva que nada mais é que um Estoque de Mão de Obra ie, um grande contingente de pessoas desempregadas e desesperadas por qualquer emprego e qualquer salário, que a Burguesia mantém para usar como instrumento de coação.
Como não poderia deixar de acontecer, essa sua proposição encontrou ácidas oposições, dentre as quais a de Benedetto Croce (1866-1952, Itália) que afirmou ser “O Capital” um texto que não poderia ser considerado Científico, mas apenas uma obra Moral(ou Moralista), cujo único objetivo seria caracterizar a Sociedade Capitalista como perversa e injusta, ao contrário da Sociedade Comunista que concretizaria o Ideal de plena justiça social.
Alegou que essa carência de “cientificidade” poderia ser observada facilmente só pelo fato de o Ideário Marxista não ter qualquer apoio da Racionalidade Lógica e Cientifica (sic).
GRAMSCI e vários outros Eruditos saíram em defesa da tese de MARX afirmando que a opinião de Croce não passaria de reles sofisma, posto que os Conceitos de Mais Valia” e de Valor” são idênticos.
Ou seja, é a diferença entre o valor da Mercadoria Produzida e o valor pago à “mão de obra” que a produziu.
E para consubstanciar essa defesa, eles lembraram que a tese de MARX derivava diretamente de uma Teoria do economista Davi Ricardo (1772-1823, Inglaterra), que não enfrentou qualquer censura ao publicá-la.
Talvez, ou mais provavelmente, porque à época ela não representasse nenhum perigo à Burguesia, já que não havia a menor conscientização entre o Proletariado acerca da exploração que sofria.
Aliás, naquela ocasião, a tese de Ricardo foi considerada como uma constatação puramente objetiva e cientifica de uma Realidade econômica”. Ou seja, amplamente respaldada pelos rigorosos critérios Racionais, Lógicos, Científicos e Positivistas.
Dessa sorte, entre críticas e elogios, a tese passou para a história e se firmou como uma das bases do Pensamento Socialista, ainda em voga nos dias atuais, apesar da hegemonia atual do Capitalismo.

O Manifesto Comunista

Enquanto estudava Filosofia Acadêmica na Universidade de Berlim MARX conheceu Friedrich Engels (Prússia, 1820-1895), que além de se tornar um amigo fraterno por toda a vida foi, também, o coautor dessa primeira publicação de MARX e seu constante parceiro em outros assuntos literários e políticos.
ENGELS deu suporte financeiro ao amigo e contribuiu com ideias e com a sua habilidade literária para o trabalho, mas coube a MARX o maior reconhecimento pela genialidade do texto.
As ideias que foram expostas nesse livreto, de cerca de quarenta páginas, já viviam na mente do Filósofo desde as décadas de 1830 e 1840, que as transcrevia aleatoriamente em manuscritos privados, os quais, posteriormente, foram compilados pela dupla de Pensadores e embasaram o texto final de O Manifesto.
Nele, explicitaram os Valores, as Ideias, os Ideais, os Conceitos, os Planos Políticos etc. do Comunismo, em linguagem coloquial e pragmática (pois, segundo ambos, a função da Filosofia não era explicar o Mundo, como fora o objetivo dos antigos, mas sim reformá-lo e por isso qualquer leitor deveria compreendê-lo).

NOTA do AUTOR - Comunismo, diga-se, que à época não passava de um Sistema proposto e adotado por um reduzido número de pessoas, geralmente oriundas de Regimes Socialistas Radicais, que existiam na Alemanha.

Diz o Manifesto que a Sociedade reduzira-se a duas Classes Socioeconômicas e que ambas vivem em perene confronto: a Burguesia* e o Proletariado*:

Burguesia – palavra derivada do francês “burgeois” e que significa etimologicamente “o habitante do Burgo, ou vila ou cidade”. Em Política passou a significar o indivíduo que é proprietário dos “meios de produção”; ou seja, das máquinas, das terras, das fábricas, do Capital etc. O homem que ascendeu socialmente e passou a ocupar, graças à sua fortuna, o espaço que antes era destinado aos nobres, ao alto clero, à elite militar etc.

Proletário – etimologicamente significa o indivíduo que gera uma prole. Em Política essa capacidade de gerar filhos passou a significar a capacidade de gerar mais mão de obra, que seria agregada à força de trabalho do pai. É o indivíduo que não possui “os meios de produção” que são indispensáveis para se produzir algo. Dispõe apenas de sua “Força de trabalho (ie, de sua capacidade de trabalhar)”, que vende em troca de um salário, ou ordenado.

Essa estrutura dividida em apenas duas classes pôde existir com relativa tranquilidade (inobstante algumas revoltas pontuais, localizadas que os Senhores Feudais não tiveram dificuldade para esmagar) até que os seguintes acontecimentos alterassem a Estrutura Social:

1.   O descobrimento das Américas.
2.   A abertura dos mercados indiano e chinês aos produtos fabricados em série com o advento da  
 “Revolução Industrial e o consequente êxodo rural que esvaziou o Poder da nobreza feudal e ensejou o surgimento de um Proletariado urbano, mais aglomerado e cônscio de sua miséria e de sua capacidade de luta.
3.   O próprio desenvolvimento da Indústria e do Comércio (também como consequência do exposto nos itens acima) que decretou o fim do trabalho artesanal, pois este modelo já não era capaz de suprir a demanda sempre crescente.

NOTA do AUTOR: Como por ironia, esse fim causou a primeira das contradições do Capitalismo, pois ao eliminar a presença do Artesão, também eliminou um Capitalista, embora de pequena dimensão, que, então, tornou-se um simples Operário e um membro a mais do Proletariado.

Desse modo, graças à Linguagem acessível e à ênfase dada aos assuntos Políticos e Econômicos que atingiam diretamente os estômagos primeiro e só depois os cérebros abstraídos, o Manifesto tornou-se popular em pouco tempo.
Mais conhecido pelo seu conteúdo de Filosofia Política de que pelo seu valor literário.
Porém, também no aspecto “Literatura”, a obra não fica a dever a seus similares, pois além das teses já citadas, também aborda outros temas paralelos à Sociedade e à Economia com clara e rara erudição, o quê o torna uma leitura de primeira linha.
Tornou acessível ao público em geral a ideia de que através da análise do Sistema de Propriedade (privada, ou coletiva) que uma Sociedade exerce, é possível entender a forma como seus cidadãos se relacionam.
E, mais importante, alertou para a possibilidade de se corrigirem os equívocos e as injustiças que vigoram no seio daquelas Relações Sociais, pois não existe nada Predeterminado por um suposto Deus, ou por uma suposta “Lei da Natureza”.
Que a correção das iniquidades depende apenas da ação humana.
Destarte, tornou-se um divisor de águas na cena política do Mundo.
Pela primeira vez um texto alardeou de forma clara e direta que a Burguesia tinha, sim, que temer “o espectro que avança sobre a Europa”.
E que os antigos conceitos, as velhas noções e os valores do Passado seriam irremediavelmente rompidos.
Popularizou a ideia de que seria possível compreender os mais íntimos meandros da Sociedade, independentemente da época em que a mesma existiu, ou existe.
Explicou, por exemplo, que o Sistema Capitalista não é apenas injusto e explorador, mas, é, também, inerentemente instável, o que leva a ocorrência de frequentes crises comerciais e financeiras (como a que assola a Europa nesses dias, comprovando a atualidade da versão marxista).
Crises, que serão cada vez mais severas e deletérias, ocasionando um agravamento na miséria da Classe Explorada e a consequente radicalização do Ideário revolucionário em seu meio.
O progressivo empobrecimento da Força de Trabalho, ou Proletariado, resultará no aumento da agressividade de suas respostas e o configurará como um efetivo segmento social genuinamente revolucionário. Aliás, as corriqueiras manchetes dos jornais atuais (desemprego, protestos populares, aumento na violência etc.), confirmam novamente o acerto das previsões de MARX.

NOTA do AUTOR – no Brasil atual essa faceta revolucionária ainda não tem qualquer conformação estruturada e se expressa apenas através do aumento crescente no banditismo; mas, já se observa alguns ensaios de organização, ainda que de modo precário, através da criação de grupos como os chamados “Comando Vermelho”, no Rio de Janeiro,  “PCC”, em São Paulo, dentre outros.

E, observa MARX, outro aspecto que talvez seja decisivo para a vitória Comunista, pois pela primeira vez na história, essa Classe Revolucionária representará a maioria da humanidade.
Se antes a grande Massa de Explorados não tinha qualquer Consciência Revolucionária (graças às pressões físicas que a continham através de fomes, torturas, escravidões, prisões; e as opressões metafísicas com o “Inferno” dos Religiosos ameaçando qualquer protesto por Justiça), o Proletariado atual começa a conquistá-la através das brechas que lhe permitem as incoerências do Capitalismo.
Incoerências que vão da permissão a que mais jovens Proletários estudem (ainda que em condições inadequadas); que mais Proletários comam e vivam por mais tempo, graças à abundância propiciada pelo desenvolvimento da tecnologia; que mais pessoas se informem e se comuniquem graças à difusão dos telefones e da Internet e que se uniformizem as demandas de quase todos os povos da Terra, fazendo com que a “Concentração da Renda” seja mais questionada e reprovada, a cada dia.
Para o Filósofo, outra agravante vem do fato de que a crescente “Complexidade do Processo de Produção (à medida que a tecnologia avança) torna o desemprego mais agudo, vez que a máquina substitui, com vantagens, inúmeros trabalhadores.
Em consequência, cresce o afastamento das pessoas de seus “Meios de Produção” que lhes garantia, bem ou mal, o sustento.
E uma vez perdido esse último recurso, nada mais restará ao Proletariado que não seja a Revolução.

O Capital – “Das Kapital”

Das Kapital é seguramente a criação máxima de MARX, que para realizá-la contou com a inestimável ajuda de Engels, o coautor da obra-prima.
Nela, os Filósofos fazem uma extensa, profunda e elaborada análise da Sociedade Capitalista.
É predominantemente um livro sobre Economia Política, mas a sua abrangência estende-se por outras áreas.
Nessa obra monumental, MARX discorre sobre a Economia, a Cultura, a Sociedade, a Política e a Filosofia.
É um trabalho tanto analítico quanto sintético, pois traz análises minuciosas sobre determinados temas, enquanto oferta inspirados resumos sobre outros assuntos, apresentando vários estilos literários.
É, simultaneamente, uma obra crítica, descritiva, científica, filosófica e, de certo modo, romântica por embutir entre tantos conceitos técnicos a esperança de se construir um Mundo mais justo e harmônico.
Decerto que a sua leitura é difícil, pois é inegável que a sua linguagem é insípida e complexa, mesmo que não seja tão especulativa e abstrata quanto nas obras de Hegel,
Não é um livro para ser apenas lido. Deve ser visto como um objeto de estudo, cuja recompensa vale à pena, pois a sua compreensão traz um acréscimo de Saber cujo valor é inestimável.
Em conformidade com o Pensamento Marxista, “O Capital” é a principal fonte de conhecimento (tanto para a humanidade em geral, quanto para o Proletariado em particular) para que se atinja a desejada Conscientização de Classe.
Só através da análise inovadora, profunda e correta que MARX e Engels fizeram acerca da realidade da Classe Subjugada é que a mesma poderá enxergar além da Ideologia Dominante que a Elite lhe impõe.
E só assim é que poderá obter uma base sólida para as suas reivindicações. Para a sua Luta Política.

NOTA do AUTOR - Alphonse de Waelhens (Filósofo belga, 1911 – 1981) afirmou sobre a abordagem que MARX faz acerca dos fatores econômicos para a formação das Sociedades humanas que: “o Marxismo é um esforço para ler, por trás da pseudo-imediaticidade do Mundo econômico reificado (ou coisificado, ie, tudo é tratado como se fosse uma simples coisa, inclusive o Ser Humano), as relações inter-humanas que o edificaram e se dissimularam por trás de sua obra”.

Porém, apesar do sucesso que alcançou e do prestigio de que ainda goza, “O Capital” é considerada, por alguns puristas, como uma obra incompleta no que tange à autoria de MARX, já que apenas o primeiro volume foi publicado enquanto ele vivia. Os outros Tomos só foram organizados e publicados por Engels após a morte do companheiro.

Outras Obras de MARX

Além das obras-primas O Capital e O Manifesto Comunista que vimos com mais acuidade, MARX escreveu outros trabalhos de enorme importância.
Na sequência falaremos brevemente sobre cada um deles. A saber:

A Ideologia Alemã – nele, MARX apresenta com minúcias os pressupostos de seu Sistema Político e Filosófico.

Questão Judaica – onde MARX expõe as suas críticas às Religiões, afirmando que não se devem apresentar questões humanas como se fossem teológicas. Mas justamento o contrário, ie, mostrar que as questões teológicas não passam de simples questões humanas. Também afirma que a ótica correta a ser empregada seria ver as Religiões como um mero reflexo do Pensamento humano sem que exista qualquer coisa de Sagrado, ou de Divino nas mesmas, pois, afinal, elas são apenas e tão somente fantasias que o homem faz de si mesmo, o que, de certo modo, representa a mísera condição a que ele é submetido.

Crítica ao Programa de Gotha – aqui o Filósofo faz uma extensa e sistemática apresentação sobre a Sociedade Socialista. No texto, além da excelência literária, é possível notar o esforço que MARX faz para se afastar de qualquer ranço de Futurologia, já que ele não a considerava uma Ciência crível por lhe faltar o embasamento necessário.

A Guerra Civil na FrançaMARX ultrapassa nesse texto, as suas tendências jacobinas e defende com vigor a tese de que só com o fim do Estado é que o Proletariado ofertará a si próprio as condições necessárias para manter o Poder recém-conquistado. Também afirma que o fim do Poder Estatal levará à situação do “povo em armas (ie, o próprio povo assegura a ordem pública), pois o Monopólio da Violência, que havia sido delegado ao Estado sucumbirá com o mesmo.

O 18 Brumário de Luis Bonaparte – aqui MARX desenvolve uma profunda análise sobre o “terror da burocracia” e comenta a questão do campesinato como aliado do operariado na Revolução Comunista (tese que posteriormente, grosso modo, foi adotada por MAO TSÉ TUNG, na Revolução Chinesa). Ademais, investiga o papel dos Partidos Políticos no âmbito da Sociedade e comenta com minúcias a essência do bonapartismo.

Epílogo

Em 1954, o Partido Comunista Britânico construiu uma lápide com o busto de MARX sobre sua tumba, que até então nada tinha como ornamento.
Na pedra, além de uma citação de Feuerbach, escreveram: “Proletários de todos os países, uni-vos!”.
O jargão que se tornou a marca icônica do Pensamento de um dos maiores Filósofos que o Mundo produziu e a síntese perfeita para os sonhos desse gênio alemão que ousou acreditar na humanidade.


DIGITADO E MONTADO POR TAÍS ALBUQUERQUE - CAMPOS, NORTE FLUMINENSE.