NIETZSCHE, Friedrich
1844 – 1900
Humano,
demasiado humano.
Deus
Morreu!
O Homem
é algo a ser superado!
O
Tele-Evangelismo atual e NIETZSCHE.
“... NIETZSCHE reagiu à Filosofia
de Hegel e ao Historicismo alemão. Ao primeiro,
atribuía um interesse anêmico pela história e certo desinteresse com a própria
vida e como a sua principal bandeira propunha uma reavaliação de todos os
Valores (sobretudo da Moral Cristã que ele taxava de “Moral Escrava”) para que
o curso da vida dos “Fortes” não fosse retardado ou obstruído pelos “Fracos”, a
sua oposição tornou-se severa.
Para ele a Tradição filosófica e o Cristianismo tinham
se afastado do Mundo (físico, material) e se voltado para o “Céu”, ou para
o “Mundo das Ideias”, os quais, não passam de tolas ilusões.
Por isso, conclamava “sede fiéis à Terra” e não
acreditem naqueles que falam de esperanças além desse Mundo...”.
Trecho extraído de “O Mundo de Sofia” de Jostein Gaarder – Editora Cia das
Letras.
Friedrich NIETZSCHE nasceu na Prússia, no seio de uma família religiosa, sendo seu pai e seus
tios Ministros da Igreja Luterana.
Órfão de pai ainda na primeira infância, foi criado pela mãe, pela avó
e pelas tias, mas nem essa presença feminina majoritária foi suficiente para
suavizar a sua personalidade, cuja introspecção impediu que gozasse de amizades
e de convívio social.
Aluno brilhante, aos 24 anos de idade se tornou Professor na Universidade de
Basel, onde conheceu o compositor Richard Wagner (1813 – 1883,
considerado o maior compositor alemão) que influenciou decisivamente o seu Ideário, até que o antissemitismo do Maestro causasse o rompimento entre ambos.
Em meados de 1870, contraiu difteria e depois da enfermidade nunca mais
recuperou a saúde completa. Por isso, teve que renunciar ao seu cargo de Professor em 1879 e peregrinar durante
uma década, por toda a Europa, em
busca de cura para seus males.
Porém suas tentativas foram baldadas e em 1889, quando tentava evitar
que um cavalo fosse chicoteado, desmaiou em plena rua e sofreu um tipo de Colapso Mental que agravou seu estado e o levou à morte, aos 55 anos de
idade.
NIETZSCHE legou ao Mundo
um Sistema Filosófico primoroso. Com ele, ideias que antes não
eram sequer ventiladas (como a inexistência de Deus, por exemplo), ganharam um ordenamento de tal
profundidade e coerência que seguramente abriram o caminho para que, entre
outros, o Existencialismo vingasse
pouco tempo depois.
Tais concepções foram expostas em seus vários livros e textos esparsos.
Em relação aos primeiros, citaremos a seguir, aqueles que são considerados suas
obras-chave.
Em relação aos segundos, não adentraremos em minúcias por questão de
espaço, mas sugerimos a pesquisa e o estudo de suas interpretações acerca dos Filósofos Pré Socráticos, já que nelas estão
concentrados vários de seus princípios.
1. O Nascimento da Tragédia,
1872.
2. Assim falou Zaratustra, 1883
– 1885 (sobre o qual nos debruçaremos com mais ênfase).
3. Para Além do Bem e do Mal,
1886.
4. Crepúsculo dos Ídolos, 1888.
Na sequência analisaremos os diversos temas que compõe o mosaico de
seus Pensamentos:
Na Grécia Clássica, Platão afirmava
que o “Mundo Verdadeiro” era o “Mundo das
Ideias”, um “local” imaterial, metafísico, onde
estariam os “modelos” de todas as Coisas e Seres
que existem materialmente, os quais, por isso, não passariam de meras e
grosseiras cópias imperfeitas daqueles moldes.
Para fazer tais afirmações, o Mestre
grego recorreu aos Conhecimentos que
sorveu no Hinduísmo, durante sua temporada de estudos na Índia.
E a teoria ganhou tantos adeptos que, com o tempo, passou a ser
considerada como uma “Verdade Absoluta”.
Principalmente depois de ter sido encampada pelo Cristianismo, que a catapultou
para todo o Ocidente e fez da mesma a
base de toda Cultura europeia e dos
territórios colonizados.
Desse modo, por milênios acreditou-se que:
1. O Cristianismo está correto
quando diz que tudo que existe neste Mundo
atual (físico, concreto, material) é menos importante que aquilo que está
no “Céu”, ou no “Mundo após a morte”.
2. E também está correto quando
prega que devemos nos afastar do que parece importante
nesta vida, pois é um falso brilho. Que devemos tentar transcendê-la através da
negação da mesma. Ou seja, através do ato de negar-se à satisfação dos desejos
físicos (fome, sede, sexo, luxo, dinheiro, conforto etc.).
Essas exortações ainda são repetidas com frequência em nossa época,
tanto por motivos Católicos (e assemelhados), quanto Budistas (e assemelhados) e/ou Filosóficos (no
campo da ética, patriotismo e outros semelhantes).
Triunfar sobre as necessidades e vontades do próprio corpo é um desejo
perseguido por homens tendências filosóficas e religiosas diversas.
Dos monges budistas e/ou hinduístas que fazem do ascetismo um
estilo de vida, aos monges cristãos trapistas, dentre outros, que buscam nos
votos de pobreza a “Salvação da Alma”,
até o Filósofo Schopenhauer, cujo
Ideário (derivado das “Upanishads”
hindus) afirmava
categoricamente que:
“Querer” leva ao Sofrimento!
NOTA do AUTOR - a leitura de Schopenhauer foi de fundamental importância
para NIETZSCHE que lhe
absorveu a Ideia Central, mas em sentido contrário. Se para o primeiro,
“Querer Viver” seria a causa primeira da Dor, para o segundo seria o
primeiro motivo de prazer.
O fato é que este Ideal
sempre recebeu importantíssimo apoio de todos aqueles que não querem
dividir suas posses (Elites Social e Financeira, Clero,
Estados, Nobreza etc.) e
alardeiam até o convencimento, que a renúncia ascética é uma virtude que deve
ser buscada pelos “puros”.
É claro que buscam tal convencimento não por motivos nobres, mas apenas
como um reforço sobrenatural de amedrontamento para evitar que os “puros
(geralmente as Classes Oprimidas e espoliadas)” avancem sobre suas posses e interesses.
Além da habitual coerção física e financeira, utilizam esse método
espúrio de “Lavagem Cerebral” para
que os despossuídos creiam que a miséria em que vivem é, ao cabo, um privilégio
(sic).
E os “puros” não hesitam em seguir tal
publicidade, pois nela também está embutida uma promessa que lhes é de suma
importância: a esperança de que as suas mazelas serão recompensadas,
as injustiças que sofreram serão corrigidas e que, no futuro, serão felizes.
Se no Presente o sufocamento
dos desejos e das vontades os livra dos padecimentos das frustrações advindas
pela não consecução dos objetivos, a esperança vindoura os inspira a suportar
as injustiças, humilhações e penúrias que sofrem no dia a dia sem se rebelarem.
Ajuda-os a se conformarem em viver segundo “A Moral do Escravo”.
Todavia, apesar do caráter hegemônico que a “Virtude da Renúncia” desfrutava
em todos os segmentos da Sociedade
Cristã, a partir do inicio do Iluminismo essa
concepção começou a ser questionada.
E nos séculos seguintes, o avanço do Racionalismo tornou tal questionamento cada vez mais agudo,
pois já se duvidava com muito mais frequência de uma Moral e de uma Ética
cuja base era uma lenda mitológica, ou seja, a Religião.
E esse movimento crítico, de crescimento regular e vigoroso, encontrou
em NIETZSCHE sua expressão mais erudita.
Juntamente com inúmeros outros Pensadores,
ele Não
permitiu que Mitos e Fábulas continuassem sendo consideradas
como “Verdades Inquestionáveis”.
Desse modo, graças à crescente validação do Pensamento Lógico e Racional de Pensadores de seu quilate, em contraponto ao obscurantismo das Mitologias e Religiões, pôde se decretar que: Deus morreu!
NOTA do AUTOR –
Observe-se que o Filósofo refere-se à morte das antigas normas, regras, leis e
valores que se apoiavam nas fábulas e nos mitos divinos. Refere-se, pois, à
morte do “Deus” inventado pelos homens, pelas Religiões e que era, como ainda
é, um instrumento usado para controlar com ameaças de “Castigo Eterno” aos
insatisfeitos e contestadores e para dar esperanças de “recompensas
além-túmulo” aos “escravos", conformados em obedecer aos
ditames sociais; aos desvalidos, aos fracos, aos injustiçados etc.
Morreu o “Deus” que fora construído pela carência humana em perpétua necessidade
de ilusão como contrapartida à crueza da vida. Morreu o “Deus” que não resistiu
à lúcida coragem dos que não hesitaram em pensar com a Verdade da lógica
racional.
O Homem é uma corda estendida entre o animal e o
Super-Homem. Uma corda sobre o abismo.
“Assim falou
Zaratustra” o seu livro mais afamado.
A tese nietzschiana de que o homem é “algo a ser superado” foi
apresentada pelo Filósofo em sua obra
mais afamada, Assim Falou Zaratustra, que foi escrito em
três partes distintas durante os anos de 1883 e 1884 e mais um
apêndice redigido em 1885.
Como se vê, foi escrita rapidamente, sendo, por exemplo, que a
conclusão da primeira parte não custou mais que alguns dias.
E mesmo com essa ligeireza, o Filósofo
obteve êxito e conseguiu expor a sua teoria desafiadora com clareza e consistência.
E contribuiu para esse sucesso, o recurso de romancear o texto
filosófico.
Ao se utilizar dessa prerrogativa, NIETZSCHE conseguiu dar um “rosto” ao que
seria estritamente abstrato e, por isso, de difícil compreensão.
A obra lhe serviu para lançar uma censura vigorosa contra o modo de
pensar tradicional e, principalmente, contra as seguintes concepções:
1. A noção que temos do “homem”,
ou da “Natureza Humana”.
2. A ideia que fazemos de Deus.
3. As ideias que concebemos
acerca da Ética e da Moral.
Noutro livro, o Pensador já havia afirmado que se deveria “Filosofar
com um martelo” numa clara alusão à necessidade de estilhaçar as
antigas ideias filosóficas, especialmente em relação àquelas citadas acima.
E, com efeito, em Assim
Falou Zaratustra ele foi contundente em suas criticas, as quais se
revestiram de seu estilo impetuoso e febril para ganhar maior ressonância.
E tal foi o rigor empregado que para muitos as suas afirmativa aproximavam-se
mais de “Profecias” do que de Filosofia.
Zaratustra
inicia sua Pregação.
Zaratustra
é um nome alternativo dado ao profeta Zoroastro.
Nascido na Pérsia (Iraque atual, em c. 628 – 551 AEC), foi o fundador do Zoroastrismo que
ainda hoje se constitui como sólida religião, cuja tese central é a luta entre
o BEM e o MAL.
Mas o “Zaratustra de NIETZSCHE” coloca-se
para “além do Bem e do Mal”, já que busca estar acima dos
antigos Conceitos e das concepções
puramente arbitrárias do que significariam tais Conceitos.
Aliás, a escolha do nome “Zaratustra”
para a personagem não foi aleatória, ficando clara a ironia de NIETZSCHE, já que ele não concordava com qualquer
crença em que se despreze a relatividade do Bem
e do Mal.
O relato se inicia contando que o Profeta,
aos trinta anos, muda-se para o alto de uma montanha onde vive por uma década
em completa solidão, até que em certa manhã acorda sentindo-se cansado pelo
acúmulo de Sabedoria que o retiro lhe
proporcionou.
Decide, então, voltar ao convívio humano para compartilhar o seu Saber com a humanidade.
No sopé da montanha encontra um velho eremita e reconhece que ambos já
estiveram juntos há dez anos, quando de sua subida.
O ermitão observa as mudanças que Zaratustra sofreu com o tempo e
simbolicamente lhe diz que quando o viu subir ele só carregava “Cinzas (aludindo aos
antigos conceitos)” e que agora o vê portando “Fogo (em alusão
à chama, à luz, à energia das novas concepções)”.
Na sequência, o velho lhe pergunta por que ele se dará ao trabalho de
compartilhar com os demais a sapiência que arduamente conquistou?
E não satisfeito, aconselha-o a ficar nas montanhas, já que os homens não
conseguirão (talvez nem desejem) entender
a sua mensagem.
Ao lhe responder, Zaratustra questiona a validade da
vida que o eremita leva e ao saber que ele se limita a cantar, a rir, a chorar
e a louvar a Deus põe-se a rir, pois seria inútil debater com o mesmo.
E, enquanto avança, repete consigo mesmo: como é
possível que esse eremita ainda não tenha sabido que Deus morreu?
A Morte de Deus
e o descrédito do Público.
A afirmativa sobre “a morte de Deus”, como se pode
imaginar, causou um enorme rebuliço entre a Intelectualidade
e, mais ainda, entre o populacho insuflado pelo Clero.
Afinal, à época, a simples dúvida acerca da existência divina era
considerada não só uma blasfêmia, mais um verdadeiro crime.
Até Filósofos Racionalistas do quilate de Descartes,
por exemplo, não ousavam pensar que Deus
inexistisse.
NOTA do AUTOR - ainda hoje, em pleno século XXI, é uma afirmação polêmica.
Principalmente porque, quase sempre, é citada fora de contexto, tanto por
ignorância quanto por má fé, e sem a devida explicação de que “a morte”
refere-se mais à figura mítica que foi criada pelo homem e menos a um eventual
e verdadeiro “Ente Superior”. O mau uso dado a esta afirmativa visa
manipular o populacho ignorante que aceita ser conduzido por maus Religiosos e
Lideres corruptos.
É claro que NIETZSCHE não era o único que negava a existência do “Ser Supremo”.
Ou melhor, daquele tipo de “Ser Supremo” que a Religião e a velha Filosofia propunham existir.
Outros esclarecidos partilhavam dessa negação, mas foi NIETZSCHE quem assumiu o ônus de fazer tal
declaração publicamente.
E a rejeição que ele enfrentou foi pesadíssima, como, aliás, ainda hoje
é.
Por muito tempo o vocábulo em latim “niilismo”, por
exemplo, que significa “descrença em tudo”,
foi associado com falta de caráter.
Mas não obstante a rejeição, ou talvez pela mesma, o fato é que sua
teoria ganhou adeptos e se tornou a mais famosa do Pensador.
A ela, claro, está visceralmente ligada a noção de que o homem é “algo
a ser superado”, com as indefectíveis alterações que isso causaria nos
códigos Morais da Sociedade.
E são justamente essas alterações e superações que ocupam as reflexões
de Zaratustra
enquanto ele prossegue seu caminho.
Assim, ao chegar à próxima cidade ele vê que uma multidão prepara-se
para assistir à exibição de um acrobata em uma corda bamba.
Juntando-se ao povo, Zaratustra toma a palavra e tenta
falar ao mesmo antes que o artista inicie seu espetáculo: “vejam,
vou ensiná-los o que é o Super-Homem (na
tentativa de lhes explicar a sua ideia de que o homem é capaz de ir além, de se
superar)”.
Mas, em resposta o público limita-se a rir de sua arenga, imaginando
que ele fizesse parte do show.
NOTA do AUTOR – a
advertência do eremita aqui já começa a se concretizar. Observe-se a elegância
do estilo de NIETZSCHE ao expor a dificuldade do populacho em se libertar dos
protótipos de comportamento.
E fazer parte de um show, ser um superficial “showman” não
era uma preocupação apenas da personagem, pois NIETZSCHE também sinaliza a sua apreensão sobre a forma como seu
livro será recebido, já que teme ser visto como alguém raso, sem erudição, sem
conteúdo e capaz apenas de proporcionar divertimento ao público.
Subvertendo
Antigos Valores
NIETZSCHE acreditava que algumas ideias tornaram-se visceralmente
ligadas, como, por exemplo, a de “Deus e Humanidade” entre
outras.
Destarte, quando ele afirmou através de sua personagem que “Deus
Morreu!” ele não questionou apenas a Religião, mas também ao conjunto de Valores que julgamos mais “Sublimes (obediência,
temor a Deus, humildade, paciência, resignação, covardia etc.)”.
A “morte de Deus” não seria, portanto, apenas o
falecimento de uma divindade, mas o fim de todos os “Valores
Sublimes” que nos foram maquiavelicamente impostos como se fosse
verdadeiros e bons.
Um claro exemplo
dessa associação pode ser visto naquilo que NIETZSCHE expressou como:
“Humano, demasiado humano”.
NOTA
do AUTOR - segundo o Filósofo, o Homem cria alguns
Valores e algumas afirmativas como, por exemplo, o de que “Somos
todos irmãos”, “Deus é Pai”, a Abnegação, a Bondade
etc. e com o correr do tempo esquece-se que os criou. Uma vez que a origem foi
esquecida, tais Valores passam a ser creditados a Deus, como se Ele
os tivesse estabelecido; porém, os mesmos são apenas criações
“humanas, demasiadamente humanas”.
E essa censura, esse ataque, atendeu a um dos objetivos centrais da Filosofia nietzschiana que é o de reavaliar
os Padrões e Valores.
Reavaliar a importância efetiva de cada um, questionando todas as
maneiras habituais de pensar sobre a Ética,
sobre a Moral e sobre o Sentido, ou o Significado prático da própria vida.
Ao fazer tal proposta, o Filósofo
insistia que estava inaugurando uma “Filosofia da Alegria*”,
que visava justamente afirmar e confirmar a grandeza da vida presente.
Da vida que se vive aqui e agora.
NOTA do AUTOR – “Filosofia da Alegria” e não “da Felicidade”
haja vista que os preceitos da mesma visavam liberar o exercício dos prazeres
físicos, concretos, hedonistas que são capazes de proporcionar algum bem estar
físico, ou alguma alegria material, concreta. Não se propunha ofertar a “Felicidade
Sublime” de uma “alma imaculada”, isenta das vicissitudes da vida mundana.
Para ele, muitas das coisas que julgamos “boas ou virtuosas,
de Deus”, na verdade, são apenas maneiras de limitar o acesso
das pessoas aos prazeres do Mundo
físico.
Criar regras para disciplinar à vida sexual é um claro exemplo disso.
Evitar extravasar-se em público porque não seria de bom-tom é outro,
ou, então, sujeitar-se a empregos tediosos apenas porque se julga que “é
um dever”.
A proposta de NIETZSCHE é justamente a de se confrontar essas “Filosofias
que negam a vida” e que, em contrapartida, ofertam a esperança de
sermos reconhecidos no “outro Mundo”, ou como “mártir
abnegado neste mesmo”.
Blasfemando
contra a Vida
NIETZSCHE recorre ao vocabulário religioso para dele pinçar o
termo “blasfêmia” que normalmente é usado contra
aqueles que rejeitam os cânones litúrgicos.
Vocábulo que com ele, claro, ganha outro significado; e com
esse sentido oposto, blasfemo passa a ser a denominação
de todos aqueles que “negam a Vida”, ie, que negam os
desejos, as vontades que o homem naturalmente possui e que sufoca por pressão
das normas e regras ditadas por terceiros.
Que renega por pressão direta ou indireta das convenções e tratativas
estipuladas por outros, que assim o controlam com a “ameaça do
Castigo Eterno” ou com a “recompensa além-túmulo”.
Por isso, vemos que depois de proclamar a vinda do Super-Homem, Zaratustra
passa a condenar a Religião,
especialmente o Cristianismo.
Segundo ele, no Passado,
a “maior blasfêmia” era contra Deus, mas doravante seria contra a Vida.
Zaratustra
reconhece, aliás, que este foi o seu maior erro. Não deveria ter-se isolado na
montanha para oferecer intermináveis preces a um Deus que não existe.
Ali, ele, Zaratustra, pecou contra a Vida.
NOTA do AUTOR – o
decantado Super-Homem seria alguém dotado de enorme poder e independência
mental e corporal. Capaz de se libertar das amarras criadas pelas fábulas
divinas, celestes e de ter a coragem de celebrar a Vida, fazendo-a conforme os
seus desejos. NIETZSCHE nega que tal personagem tenha existido,
mas citou Sócrates, Napoleão Bonaparte, Shakespeare como
modelos.
O Mundo Real
No Ensaio “Como o Mundo Verdadeiro se tornou finalmente fábula”,
publicado no livro “O Crepúsculo
dos Deuses”, NIETZSCHE faz nova alusão à “morte de Deus”.
Na sequência do subtítulo, “A
história de um Erro”, ele faz um resumo da história da Filosofia Ocidental e aponta a fábula Celeste
e Divina (originada por
uma leitura errada de Platão) como a causa de termos perdido a noção da
grandeza do Mundo Real (ou físico,
concreto, material).
Como se sabe, Platão dividia
o Mundo (aqui entendido
em seu sentido amplo e não apenas como o Planeta Terra) em “Aparente” que
é o Mundo físico, concreto, que nós captamos através dos Sentidos (tato, visão,
audição, paladar e olfato); e o Mundo
Real ao qual só temos acesso parcial através
do intelecto, das reflexões, do pensamento.
O “Mundo das Aparências” não é real, Verdadeiro, porque está sujeito a
constantes transformações e a ter um fim.
O “Mundo Real”, ao contrário, é Eterno, Infindável, Imutável.
Perpetuamente inalterável, independentemente de seu tamanho, do
material de que foi feito, do fato de ser bi dimensional (desenhado,
apenas) ou tri dimensional (esculpido), de sua utilidade, de sua cor etc.
NOTA do AUTOR - Essa conclusão, o sábio grego extraiu de suas
observações sobre a Matemática. Mais precisamente de seus estudos sobre a Geometria,
onde ele observou, por exemplo, que a forma, ou o formato de um Triângulo é
sempre igual. Através de nossa capacidade
mental sabemos que ele é composto por três lados, que a soma de seus ângulos
será sempre 180º etc. mesmo que ele não esteja sendo observado
ou captado por alguém. A “Ideia Triângulo” existe, independentemente
de ser captada por alguém, ou não.
Essa tese de Platão
tornou-se universalmente aceita e o conceito permeou a Filosofia por milênios, ganhando inclusive outros nomes, como “a
coisa em si” ou o “númeno” de Kant, ou a “Essência”,
ou a “Substância” de Descartes, Spinoza e outros.
E mesmo a célebre divergência havida entre Platão e o seu discípulo Aristóteles
não passou de uma querela acerca da “localização” desse “Mundo
das Ideias”.
Para o mestre, a “Ideia” (ou Modelo, ou Paradigma, ou Padrão) estaria em um “espaço
imaterial, metafísico”, enquanto que para o aluno estaria na própria Coisa, ou Ser
a quem anima, dá vida. Seria a sua “alma, ou espírito”.
O certo é que tanto para um, quanto para o outro, nós captamos apenas a
cópia do “modelo original” (através
dos Sentidos [tato, visão, audição, paladar e olfato]); como acontece, por exemplo, com “As
coisas triangulares (ou
seja, os objetos que tem naturalmente a forma triangular, ou que são fabricados
com esse formato [a pirâmide, a flâmula etc.])”, pois somos incapazes de captar a “Ideia Triângulo”.
De todo modo, as “Coisas
Triangulares” são fundamentais, pois além de suas utilidades práticas,
através das mesmas teremos um vislumbre, ainda que pálido, da “Ideia Triângulo”, escapando das amarras
do Materialismo
puro.
Afinal, por uma característica de nossa capacidade mental, nós
necessitamos de um ponto inicial, de uma base, para
entendermos qualquer coisa abstrata, imaterial.
Destarte, se quisermos conhecer, por exemplo, a “Bondade” nós
precisaremos formar na Mente um
esboço dessa substância. Mas como não conseguimos formar qualquer ideia a
partir do nada, recorremos aos “atos, ou ações de bondade” para
termos uma noção – mesmo que desfocada – daquela essência.
É claro que tais visões não são perfeitas e tampouco nos mostram
o “Mundo Verdadeiro” em
sua totalidade.
E justamente por reconhecer essa limitação é que o próprio Platão já
alertava para a mesma, esclarecendo que sua proposta original foi a de explicar
o surgimento das Coisas, dos Seres e o porquê de haver entre os
indivíduos da mesma classe, ou categoria, uma característica comum, malgrado as
diferenças individuais, pessoais.
E que nunca teve a intenção que a sua magistral concepção fosse
aviltada e apequenada a ponto de servir de fundamento para uma crença
mitológica.
Mas os homens assim o fizeram, tanto por falta de escrúpulos, quanto
por falta de erudição, de conhecimento.
E a grandeza do Platonismo acabou servindo como base
para a ideologia de uma seita que, lembremos, surgiu após dois milênios da vida
do Mestre helênico.
NOTA
do AUTOR – para expor essa teoria, Platão escreveu uma fábula “O Mito da Caverna” que
é, seguramente, o melhor texto filosófico já produzido e uma das mais belas
páginas da Literatura Universal. Aos interessados recomendo sua leitura na obra de
minha autoria “Filosofia Sem Mistérios – Dicionário Sintético”- Ed.
Seven System – Biblioteca 24x7.
Contudo, a genialidade de Platão
não foi usada apenas em falcatruas. Ao contrário, pois foi a partir de seu Ideário que se construiu todo o edifício
em que se instalou o Pensamento Filosófico vigente, ainda que tuas teses
sofram restrições pontuais.
Restrições, aliás, que não tiveram o aval de NIETZSCHE. Sua rejeição focava apenas o mau uso que
dela foi feito. Por isso, a sua luta denodada contra o Cristianismo, em suas
diversas correntes.
E sua batalha ganhou destaque graças ao furor de sua pena que expôs
magistralmente seus argumentos apropriados, profundos e contundentes.
Ao contrário de muitos, ele não tentou se acomodar ao “status
quo”, não se submeteu a uma “aliança com o Cristianismo”.
Rejeitou-o com sincera e inédita transparência e isso lhe custou ácidas
criticas em seu tempo e quase que um anátema entre o populacho dos tempos de
hoje, que não hesitam em lhe associar com “as artes diabólicas”.
Mas é claro que para indivíduos de seu quilate ético e intelectual,
criticas desse teor sempre foram insignificantes. Como, aliás, ainda são.
Por isso a atualidade de sua afirmativa
de que rebaixar o “Mundo Físico, Concreto” a um “vale
de lágrimas” é um desserviço que se presta ao homem, fazendo com
que ele creia em Valores
errados, como o da resignação covarde, da submissão medrosa, do ascetismo sem
sentido, da tola ilusão em miragens e quimeras etc.
Valores Cristãos
Quando NIETZSCHE fez
a divisão entre “Mundo Real” e “Mundo Aparente” usou a apropriação
equivocada que o Cristianismo fizera do Platonismo.
Por isso, para ele, os Valores Cristãos eram
equivocados.
Em lugar do “Mundo Real das Formas”, de Platão,
os cristãos criaram um “Mundo Real Alternativo”.
Um “Paraíso, um Céu”, que se promete aos que
praticam os atos, ou as ações, considerados arbitrariamente como
virtuosos.
Restando ao “Mundo presente, físico, concreto” o papel
secundário de ser uma "escada" que os "Virtuosos"
subiriam se obedecessem aos Valores que
uma Elite estipulou como corretos.
Outra diferença refere-se ao
fato de que ao invés da total inacessibilidade ao “Mundo Real” de Platão,
o “Paraíso Celeste” seria alcançável, após a morte, se
indivíduo seguisse as regras cristãs.
NOTA do AUTOR – e como
defender o acerto e a correção dessas regras e desses valores? O quê dizer, por
exemplo, da absolvição dada aos exploradores europeus pelos genocídios e pela
escravidão a que sujeitavam os nativos colonizados, desde que os mesmos fossem
executados e/ou escravizados em sincronia com a “pregação do Sagrado
Evangelho”? Tal
qual o “Direito Divino” que “legitimava” a presunção de alguns
indivíduos serem Governantes de povos e de nações por “Vontade Divina”,
também as “Regras Cristãs” eram consideradas de autoria do próprio
Deus (quer através das “Tábuas de Lei” que Moises teria recebido no Monte
Sinai, quer por intermédio de outras revelações que variados “Profetas”
ou “Santos” teriam recebidos) e, portanto, inquestionáveis (sic). É
claro que tal justificativa só é aceitável aos humildes de inteligência ou
indolentes de alma, pois qualquer raciocínio mediano a classifica como
absolutamente ridícula. Contudo, esse comportamento ridículo foi generalizado e
ainda hoje permeia grande parte da ideologia social. Pensadores como NIETZSCHE
insistem no bom combate para exterminá-lo, mas é uma ideia tão introjetada que
os resultados são muito menores que os desejados.
E essa condição de "simples degrau, ou escada" corrobora
o desprezo que os cristãos devem dedicar às Coisas,
aos Seres, aos Fatos físicos, mundanos e reafirma o apelo para que reneguem a Vida (ie, os desejos,
as inclinações naturais do homem) em favor das Promessas
que se “realizarão” no além-túmulo.
O resultado desse modo de pensar é a consideração de que devemos
renegar e/ou desdenhar as nossas próprias ideias, vontades, habilidades,
capacidades etc. E que devemos nos afastar e, se possível, transcender,
ultrapassar, a vida que vivemos.
A noção de que tudo que é valoroso seja inalcançável
neste Mundo faz com que se neguem, de
fato, todas as conquistas mundanas.
Inclusive aquelas que demandaram esforço ético e válido para
acontecerem e que por isso deveriam, sim, serem apropriadamente valorizadas.
NOTA do AUTOR – contudo não se pode afirmar categoricamente que
tais negativas sejam sinceras, ou se são apenas um modo de exercer a obediência
aos cânones sociais e religiosos.
Porém, quando se despreza tudo que existe no Presente, no Físico,
passa-se a viver apenas em função de uma simples quimera, de uma mera ilusão.
Em função de um mito que criou um falso “Mundo Real”.
Em razão de todas essas colocações, NIETZSCHE chama os Padres,
Pastores, Ministros e outros religiosos – especialmente os cristãos – de “Pregadores da
Morte”, porque os seus ensinamentos nos induzem a abandonar a Vida (não
necessariamente cometendo suicídio, mas abandonando as Coisas da vida que, ao cabo,
são as nossas características mais básicas) ao fazerem “publicidade das recompensas” no
Além.
Assim, ao invés de saborearmos os prazeres que o Mundo pode nos oferecer em repetidas ocasiões; em um Eterno
Retorno , pois segundo o Filósofo “o que
acontece uma vez, acontece mil vezes” (como num lauto
banquete em que os acepipes se sucedem), deixamos de fazer o que seria necessário para desfrutarmos dos
mesmos e optamos pela inércia e pela espera dos “Prazeres Celestes” que
o Futuro nos reservaria.
Ao invés de construirmos a Felicidade,
optamos por deixar “a vida passar”, na esperança de que ela nos
aguarda no Futuro se formos passivos e obedientes. Se negarmos a nossa Vontade
de Potência, (ie, a nossa Vontade, o nosso desejo de exercer o
poder), ou o potencial
que temos.
Um Mundo Além do
Alcance
Não é raro que se pergunte o porquê de NIETZSCHE insistir com sua tese provocativa (Deus Morreu), quando sabia o potencial de
irritabilidade que ela continha.
A resposta, talvez, esteja nessa última
parte. Pois era mesmo seu desejo causar
uma grande celeuma que fosse capaz de abalar a estrutura vetusta em que o Pensamento estava acomodado, mesmo que
isso lhe causasse sérios prejuízos pessoais.
De certa maneira, um gesto heroico. E coerente com a solidez de suas
convicções.
E para que possamos entender melhor essas convicções será oportuno
recuarmos no tempo e estudar brevemente a Filosofia
de Kant (Immanuel, 1724
– 1804), cujas ideias
são fundamentais para se compreender a teoria nietzschiana.
Como se sabe, os estudos kantianos focavam a questão
relativa aos limites possíveis para o Conhecimento
humano.
Em sua obra mais célebre “A
Critica da Razão Pura” ele argumenta que não conseguimos conhecer,
captar, apreender “o Mundo como ele é em si”.
Só conseguimos captar “o seu corpo físico, material”,
mas não “a
sua alma, sua essência”.
Segundo ele, Não podemos
alcançá-lo nem mesmo através do intelecto, da
inteligência, do raciocínio, ao contrário do que Platão acreditava.
Tampouco podemos atingi-lo através de ações virtuosas ou
pela Graça divina como os Religiosos prometem.
Para Kant, o Mundo Real existe efetivamente,
porém está totalmente além
do nosso alcance.
NOTA do AUTOR – os
argumentos de Kant para chegar a essas conclusões são complexos e não serão
discutidos aqui. Aos interessados recomendo a obra de minha autoria “Filosofia Sem Mistérios – Dicionário
Sintético”- Ed. Seven System – Biblioteca 24x7.
NIETZSCHE utilizou-se, pois, da tese kantiana para concluir que
se o “Mundo Real” é de fato absolutamente inatingível
em vida e mesmo depois da morte, ele não passaria, em verdade, de “uma
concepção inútil”. De uma “ideia supérflua”. Uma noção que deve ser descartada, haja vista a sua inacessibilidade.
Jocosamente alguns dizem que se “Deus está morto”, NIETZSCHE topou com o cadáver.
NOTA do AUTOR – é
oportuno notar que são as impressões digitais de Kant, que estão no “no cadáver divino”,
pois ele foi o verdadeiro autor do deicídio. Afinal, tê-lo recoberto com a
manta da completa inacessibilidade foi equivalente a suprimi-lo da vida do homem.
Contudo, vale lembrar, NIETZSCHE não questionava a existência ou não de uma
eventual “Ser Supremo”, mas sim o mau uso que se fez desse ente.
O Erro mais
Duradouro
Para NIETZSCHE o
equivoco mais persistente em todo Pensamento
Humano – tanto filosófico, quanto
religioso – é a separação que se pretende entre o “Mundo Real” e
o “Mundo Aparente”.
No texto de sua autoria “Como o Mundo Verdadeiro se tornou
finalmente fábula” ele avançou na questão e propôs que se renunciarmos
a ideia de que existe esta duplicidade de “Mundos”
corrigiremos este “erro estúpido”.
Ao enxergarmos a desnecessidade, talvez à incoerência de insistir na
separação de “Essência (ou Realidade)” e “Aparência”, certamente atingiríamos o zênite do Pensar Humano. Atingiríamos, pois, o ponto mais alto da Filosofia.
Esse é, portanto, um ponto-chave para NIETZSCHE, pois, segundo ele, quando compreendermos que existe apenas um Mundo, nós corrigiremos
o erro de transferir os nossos
melhores valores e atributos para um “Além” imaginário.
Após termos compreendido que só há um Mundo, seremos forçados a rever nossos valores e até o significado
do que seja Ser um homem, ser um Ser Humano.
Veremos o quanto o homem pode se superar.
O quanto é possível que exista, de fato, o Super-Homem.
E esse Super-Homem, na visão
de NIETZSCHE NÃO é um super-herói, um ente
dotado de poderes sobrenaturais ou quejandos.
Na verdade, é apenas um novo modo de ser, de existir, cuja característica
fundamental á a “Afirmação da Vida”; ie, o individuo
utilizar seu poder pessoal, suas habilidades, capacidades e possibilidades para
fazer a vida atender aos seus interesses e satisfazer os seus desejos e vontades.
É, ao cabo, o sujeito conseguir dar um Sentido à sua existência. O “Sentido da Terra”.
NOTA do AUTOR – ao
leitor (a) não passou despercebido que o Monismo
pregado por NIETZSCHE não lhe é original. Desde os Pré-Socráticos que se discute a Pluralidade versus a Unicidade,
mas ele soube com maestria beber na fonte de Kant e na de Hegel para
compor a sua teoria. Kant, ao propor
a inacessibilidade absoluta ao Mundo das Essências deu-lhe o aval necessário
para que ele decretasse a inutilidade do mesmo para a vida humana. Enquanto que
de Hegel ele aproveitou o Movimento
Dialético (tese – antítese = síntese) para explicar o
processo de ascensão que pode levar o simples humano ao estágio de Super-Homem.
NOTA do AUTOR – quando
se fala em “desejos”, “vontades” do homem nietzschiano não
se quer dizer de “desejos ou vontades” vulgares, inferiores.
Embora não se possam excluir totalmente as mesmas, deve-se pensar que, também,
podem ser as de cunho superior, éticas, pois ambas fazem parte da vida. Ademais,
classificar umas e outras como superiores ou inferiores não deixa
de ser um mero exercício de conceituação calcado em ideias oriundas da Religião
e das antigas concepções sociais. Um atentado contra o relativismo ocasionado
pelas condições que presidem as vidas individuais e das próprias sociedades.
Criando a Nós
Mesmos
NIETZSCHE não alcançou em vida sucesso com o público. E mesmo
entre a intelectualidade a dureza de seu Pensamento
radical causou mais desconforto que aceitação.
Essa rejeição, inclusive, levou-o a ter que arcar com as despesas de
publicação de seus livros, pois não encontrou Editores que o bancassem.
Porém, após a sua morte a admiração foi acontecendo progressiva e
continuamente até que na década de 1930 o seu conceito de “Super-Homem” acabou sendo
encampado maquiavelicamente pelos Nazistas
que passaram a lhe citar em sua retórica oficial, por ordem do próprio Hitler que se lhe tornara um leitor
fiel.
Seu Ideário soava-lhes como
se fosse uma “legitimação” do sistema
nazifascista, particularmente no trecho em que NIETZSCHE censura a humildade subserviente contida na Moral Judaico-Cristã que dominava a Europa,
É claro que essa “legitimização” decorreu apenas da má compreensão –
por falta de escrúpulos, ou de bom entendimento – das ideias nietzschianas,
haja vista que a proposta original do Pensador
não previa qualquer tipo de extermínio físico, tampouco de tortura, exploração,
dominação etc.
Segundo a maioria dos estudiosos, Hitler
manipulou os textos e os Pensamentos
de NIETZSCHE para que parecessem advogar o uso
indiscriminado da violência generalizada, da discriminação, da eugenia, já que
teoricamente “glorificavam a Superioridade
Ariana”.
É consenso, aliás, entre esses mesmos estudiosos que o próprio NIETZSCHE teria ficado horrorizado com essa distorção.
Até mesmo porque a sua Filosofia censurava
vigorosamente os Valores que os totalitaristas
defendiam: o patriotismo, o nacionalismo exacerbado, a segregação, a religiosidade torta, a expansão colonial e outras tantas
teses que eram caras aos “donos do Poder”.
NIETZSCHE, na realidade, foi um dos poucos Pensadores que desafiou tais Conceitos
e Ideologias e, por ironia da história, foi um dos mais usados para dar
credibilidade a tais absurdos.
Justo ele, que em um trecho de “Assim Falou Zaratustra” deixou de forma claríssima a
sua opinião contrária ao Nacionalismo,
quando o taxou de uma “forma de alienação e fracasso”.
Justo ele que havia alertado que “apenas onde o Estado
termina, começa o Ser Humano que Não é supérfluo”.
Contudo, apesar de todas as evidências de sua rejeição a qualquer forma
de Totalitarismo
e de intolerância de cunho étnico ou social, ainda hoje essa nódoa persiste em
sua memória e não é incomum que lhe sejam assacadas injúrias por conta dessa suposta
associação; que, se houve, foi totalmente à sua revelia e sem o seu
conhecimento, pois, a aproximação de seu Pensamento com a
manipulação nazista aconteceu graças à sua irmã, Elisabeth (ela sim uma antissemita convicta) que se aproveitou de sua posição de
guardiã da obra nietzschiana para repassá-la ao Regime Nazista após o Filósofo ter adoecido.
Todavia, nem essa mancha foi capaz de ofuscar totalmente o brilho de
sua Filosofia.
A sua ideia sobre a ilimitada possibilidade do homem foi importante
para a constituição de vários Sistemas
Filosóficos que vicejaram depois da 2ª Guerra e as suas ideias acerca da Religião*
e sobre a importância da autoavaliaçao foram decisivas nos Pensares de vários Filósofos Existencialistas,
como, por exemplo, SARTRE, que, aliás, parafraseou o “Super-Homem” ao
afirmar que “cada um de nós deve definir o significado da própria
existência”.
Tele-Evangelistas
Acerca da Religião é interessante observar
um fenômeno dos nossos dias que acaba se constituindo em mais uma das ironias
da história em relação ao Pensar de NIETZSCHE.
As Religiões
Evangélicas, principalmente através dos “Tele-Pastores”, aproximam-se de modo obliquo e nem sempre ético
das Ideias do Filósofo ao proporem que se “exija de Deus”
benefícios e alegrias materiais para agora, para esta vida e não mais, como no
antigo Catolicismo, para a “Vida no além”.
Há quase um consenso entre eles de que os Fiéis
devem buscar a realização material e a satisfação dos desejos no momento atual
e que rejeitem sumariamente a espera por “recompensas celestes”.
É claro que para tais desejos e vontades
serem concedidos é imperioso que o “Fiel” leve a vida segundo os cânones
estipulados por tais “Pastores, Bispos, Missionários etc.”, os quais,
nem sempre primam pela ética e decência.
Cânones que NIETZSCHE combatia com vigor,
denunciando-lhes a falsidade e hipocrisia. De todo modo, o que se vê é que a Religião
se apoiou em um de seus mais ardorosos críticos para consolidar seu crescimento.
Epílogo
Não só a Filosofia se
beneficiou das ideias nietzschianas, pois outros campos da Cultura herdaram suas visões críticas, contrarias as tradições
equivocadas do Ocidente. Com isso, vários
outros Eruditos e Artistas puderam ousar novas Estéticas
e novas Linguagens.
Assim, por tudo, NIETZSCHE se tornou uma estrela de primeira grandeza na constelação do Saber Humano e compreender as suas teses é vislumbrar um Futuro mais livre, justo, criativo e, talvez, mais feliz para o homem.
Dedicado ao amigo "Batata", cuja luta diária pela Cultura merece toda consideração.
Nenhum comentário:
Postar um comentário