sábado, 19 de setembro de 2015

Inquietude



De novo, a inquietude sentir
de que o amor é coisa
que se aprende a cada momento,
sem que nunca se saiba de tudo.


Produção e divulgação de Vera L. M. Teragosa

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

A Canção de Budapeste


Seria preciso cantar-te,
mas secaram as tintas e os versos.
Secaram em farpados arames,
que mais te aprisionam
que abraçam.

Seco, ficou o desejo de falar de tuas Csárdás,
pois já não se ouve os acordes de Liszt,
silenciados pelas bombas da intolerância
e pelo urro dos tristes ogros das fronteiras.

Talvez, nalgum tempo de outros amanhãs,
outros Cantos cantem a verde beleza
que te fez amada pelo Mundo.

Mas não agora,
pois patéticos fantasmas inumanos
acusam-te com a sombra da impiedade.



Produção e divulgação de Vera L. M. Teragosa.
Lettre la Art et la Culture
Enviado por Lettre la Art et la Culture em 18/09/2015

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quarta-feira, 16 de setembro de 2015

AS BODAS DE FÍGARO, Mozart - Óperas, guia para iniciantes.


Autoria – Mozart (Wolfgang Amadeus – 1756-1791 – Áustria).

Libreto – Lorenzo da Ponte.

Personagens

Fígaro – servidor especial do conde Almaviva. Interpretado por um Baixo.

Susana – aia da condessa Almaviva e noiva de Fígaro. Interpretada por uma Soprano.

Conde Almaviva – nobre com tendências despóticas e devassas. Interpretado por Barítono ou por um Baixo.

Condessa Almaviva, Rosina – interpretada por uma soprano.

Dr. Bartolo – ex-tutor de Susana. Interpretado por um Baixo.

Marcelina – governanta do Dr. Bartolo. Interpretada por uma Mezzo Soprano.

Cherubino – pajem da condessa. Interpretado por uma voz Mezzo Soprano.

Don Basílio – mestre de música. Interpretado por um Tenor.

Antonio – jardineiro do Palácio do conde, tio de Susana e pai de Barbarina. Interpretado por um Baixo.

Dom Curzio – advogado. Interpretado por um Tenor.

Barbarina – filha de Antonio e apaixonada por Cherubino. Interpretada por uma Soprano.

Local e Época

Sevilha, Espanha, meados do século XVIII.

Prefácio

Em tese essa Ópera deveria ser apenas uma forma descompromissada de entretenimento, classificada como “Buffa” ou “Cômica”, mas, em verdade, tornou-se, através da ironia, uma ácida crítica aos costumes despóticos e corrompidos de uma nobreza prestes a ser confrontada pelos ideais republicanos e constitucionais, cujo vigor já dava mostra evidente em fins do século XVIII.
É, portanto, nesse contexto que ela deve ser primeiramente compreendida, sem, no entanto, deixar de se apreciar o delicioso e sutil humor das diversas situações, assim como, a beleza de todo o conjunto.

Enredo

O primeiro ato acontece na réplica do quarto que o conde Almaviva destinou aos noivos, Fígaro e Susana. Tal deferência se explica pelo fato de ter sido Fígaro – o “Barbeiro de Sevilha” quem lhe ajudou a se casar com Rosina, agora condessa Almaviva, e quem o acompanha leal e eficientemente desde então. E, também, por um motivo menos nobre, já que ele intenciona ficar próximo aos nubentes por pretender manter um relacionamento extraconjugal com Susana.
O quarto está semimobiliado e enquanto o noivo se ocupa com as medidas do mesmo e com a acomodação da mobília que falta, a noiva mira-se num espelho, experimenta alguns chapéus e se mostra totalmente alheia às questões da decoração do ambiente.
Em certo momento, percebendo o desinteresse da futura esposa, Fígaro inicia o belo Dueto em que chama a atenção de Susana enumerando as vantagens do aposento, dentro as quais, segundo ele, a localização a “dois passos” dos aposentos da condessa, o que permitirá que ela atenda imediatamente aos chamados da patroa.
Prosseguindo o Dueto, Susana diz, ironicamente, que o quarto também se situa “a três passos” dos aposentos do conde e que ele, Fígaro, deve estar ciente de que o patrão já deu a entender que restabelecerá o famigerado “Droit du Seigneur*”, que antes renunciara hesitantemente. Em seguida, interrompe seu Canto e sai apressadamente para atender ao chamado de Rosina, a condessa.
Fígaro, sozinho em cena, põe-se a pensar sobre o jogo sujo do conde e ao entoar a ária “Se Vuol Ballare” diz que “se Almaviva deseja dançar, ele lhe dará a música”. Que ele aguarde para ver quem sairá vencedor daquele sórdido embate de astuciosas negaças. Em seguida, deixa a cena.
Entram o velho Dr. Bartolo (que se tornou ferrenho inimigo de Fígaro por ele ter ajudado ao conde a lhe tomar Rosina) e Marcelina, a sua governanta, que, ao contrário do patrão, apaixonou-se pelo ex-barbeiro e deseja casar-se com ele, mesmo que, para tanto, tenha que recorrer a algum estratagema antiético, já que a base em que pretende se apoiar consiste em chantagear Fígaro para que ele devolva-lhe o dinheiro que lhe emprestou ou que a assuma como esposa.
Agir imoralmente não lhe agrada, mas ele supõe que um êxito seu terá dupla utilidade, já que ela alcançará o seu objetivo e, concomitantemente, o seu patrão poderá sentir-se vingado. Porém, para que o sucesso ocorra é preciso que Susana rejeite o conde Almaviva e que ele, furioso, a ajude a executar o seu plano, haja vista que desejará vingar-se de Fígaro e de sua noiva.
Contudo, as armações, intrigas e confusões não se limitam a essa, pois no castelo vive o jovem pajem Cherubino que, no vigor da adolescência, vive assaltado por um desejo insaciável, o que o leva a se meter em constantes situações embaraçosas, sendo a mais recente delas, a que acabou sendo surpreendido pelo próprio conde com filha do jardineiro, a jovem Barbarina.
Por isso, crendo que será expulso do castelo, ele dirige-se a Susana e lhe pede que interceda junto à condessa para evitar a sua demissão. Mas antes que ela possa dizer qualquer coisa, Almaviva entra na sala onde ambos estão e Cherubino tem de se esconder atrás de um sofá.
Imaginando estar a sós com Susana, o conde propõe-lhe um encontro romântico, mas, de novo, ela não tem tempo para qualquer resposta, pois Don Basílio bate à porta e Almaviva se joga atrás do mesmo sofá em que estava Cherubino, que, ante a chegada do outro, salta sobre o móvel e Susana o esconde sob um vestido da condessa.
Após essa rápida e hilária troca de esconderijos, a jovem ouve o conselho de Don Basílio (que alega falar em nome do nobre) para que se deite com o conde. Depois, ele também lhe aconselha a tomar cuidado com o endiabrado Cherubino, que se atreve a desejar a própria condessa, e a olha com intenções indecorosas.
Ao ouvir que a sua esposa é desejada por um reles serviçal, o conde não se contém e abandona o esconderijo para arguir Don Basílio, com certa rispidez.
Susana aproveita-se do clima tenso e confuso e simula estar desmaiando, mas quando nota que os homens irão colocar-lhe no sofá onde Cherubino permanece escondido, ela se “recupera milagrosamente”.
Ainda possesso, o irado Almaviva fala das travessuras concupiscentes do jovem pajem, sem imaginar que ele pudesse estar ali; e, por isso, assusta-se ao se deparar com o mesmo, quando puxa o tecido sobre o sofá para demonstrar como anteriormente o flagrou com Barbarina.
Num primeiro momento cogita aproveitar-se da situação, relatando a Fígaro que a sua noiva mantinha oculto em seu quarto o jovem mal afamado, para um provável affair. Todavia, ao atentar para o fato de que o jovem ouvira a sua proposta indecorosa para Susana, resolve calar-se, já que uma eventual delação de Cherubino lhe traria sérios problemas com Fígaro e com a sua própria esposa.
Nesse momento, Fígaro e uma malta de camponeses entram em cena e cantam em louvor do conde. E o noivo, trazendo o tradicional chapéu de noivado, pede-lhe que renuncie ante todos os presentes ao famigerado “Droit du Seigneur*”, conforme havia prometido anteriormente, e que coloque o véu ritual sobre a cabeça de Susana.
Esquiva e maquiavelicamente, Almaviva faz um discurso recheado de frases de efeito, mas sem qualquer compromisso de respeitar o corpo da noiva. Os pobres camponeses, em suas rudes percepções e pobres entendimentos, não percebem a manobra do conde e o aplaudem fervorosamente através do alegre Coro que entoam.
Todos riem, dançam e externam a alegria que sentem ou que fingem sentir, como no caso de Cherubino que ainda está perturbado com a ameaça de ser expulso do castelo. Contudo, Almaviva reluta em demiti-lo, pois entende que ele sabe de muita coisa e teme expulsá-lo, pois ele poderia delatar as suas tramoias. Melhor mantê-lo por perto, nomeando-o “aspirante de Regimento” e, depois, enviá-lo com a sua unidade militar para um distante local, até que tudo seja esquecido.
É o fim do primeiro ato, mas antes de avançarmos chamamos a atenção do (a) leitor (a) para outras peças musicais que fizeram desse ato, um dos mais afamados de todos os tempos:

  • Ária que Don Bartolo canta, “La Vendetta, oh La Vendetta”, mencionando a vingança contra Fígaro, que o fez perder Rosina para Almaviva;
  • Ária entoada por Cherubino, “Non Só Più Cosa Faccio”, exaltando as suas paixões adolescentes;
  • Ária cantada por Fígaro, “Non Più Andrai”, contra Cherubino, dizendo que ele seguirá com o Regimento em breve e que, por isso, o castelo ficará livre e suas trapalhadas amorosas.
§§§

O segundo ato é encenado nos elegantes aposentos da condessa Rosina.
Sozinha em cena, ela se põe a lamuriar o fato de não receber mais a exclusividade das atenções do conde que, após algum tempo, voltou a buscar novas aventuras e paixões. Lembra-se, sofrida, de quando era a única a receber o afeto e os seus carinhos e se ressente por ter sido substituída com tanta voracidade pelo marido. Por fim, invoca o “deus do amor” e pede a sua intercessão para que o marido volte a amá-la.
Nesse momento, Susana entra no quarto e as duas redobram as queixas contra a infidelidade e o ciúme dos homens.
Em seguida é Fígaro quem chega e as interrompe para lhes falar de seu plano contra as más intenções do conde: primeiro ele mandou uma carta apócrifa com a acusação de que Rosina teria um amante; sendo que o segundo passo consistirá em enganar Almaviva, fantasiando Cherubino com as vestes de Susana para desmascarar a quebra de sua promessa de não exigir o “Direito do Senhor”.
Ante a aquiescência das mulheres, Fígaro deixa a cena feliz e cantarolando a ária anterior repete que: “se o conde quer dançar, ele tocará a guitarra”.
Pouco depois, Cherubino, ávido por aventuras e travessuras, entra no quarto para que Susana e Rosina o fantasiem, mas, então, Almaviva chega inesperadamente, obrigando a Susana e ao pajem a se esconderem no quarto contiguo.
A princípio Almaviva não percebe qualquer diferença, mas o atrapalhado Cherubino tropeça em uma cadeira e o barulho leva o conde a imaginar que o amante de sua esposa, conforme a denúncia na carta apócrifa, realmente existe e se oculta ali.
Furibundo, ele interpela Rosina rudemente e não obstante ela garantir que ali está apenas Susana, ele a toma pelo braço e a leva consigo em sua busca por uma ferramenta para arrombar a porta, sem que a criadagem saiba do acontecido.
Quando saem, Susana pede que Cherubino desapareça, mas, agora, todas as portas foram fechadas e o jovem é obrigado a escapar pela janela. Em seguida, Susana ajeita-se no quarto e aguarda “ser descoberta” pele enciumado conde.
Na volta, Rosina, por desconhecer a fuga de Cherubino, confessa ao marido que ele e Susana estão no quarto e argumenta que isso não é motivo para ciúme do marido, já que o pajem é apenas uma criança.
Contudo, a semente da desconfiança que a carta lhe plantou no coração, faz com que Almaviva sinta um imenso rancor pelo jovem e, por isso, decide dar-lhe uma lição severa. Desembainhando a espada, irrompe pelo quarto à procura do pajem, mas encontra apenas Susana que ridiculariza a sua postura e entre dentes avisa Rosina da fuga do jovem.
A condessa aproveita-se dessa mudança na situação e assume o papel de esposa ultrajada por ilações infundadas. Vestindo a máscara de vitima inocente, faz com que Almaviva peça-lhe perdão.
Todavia, a questão da carta ainda incomoda Almaviva e ele interpela a esposa e à aia sobre a mesma. Sem opção, ou talvez como parte do estratagema, elas aludem à possibilidade de ter sido Fígaro quem a escreveu.
O conde, após breve ponderação, admite essa possibilidade e passa a dirigir a sua ira, antes focada em Cherubino, na direção de seu valete. Um rancor tão pronunciado que atemoriza Rosina e ela, na tentativa de evitar uma tragédia, exige que ele perdoe a Fígaro como condição indispensável para ser perdoado por ela, pelas suspeitas infundadas.
A estratégia funciona a princípio, porém quando Fígaro entra no quarto o ódio de Almaviva reacende e rudemente ele o interpela com a carta em punho. Fígaro nega ter sido o autor e protesta a sua inocência. Depois, com falsa servilidade implora que o conde presida ao seu casamento naquele mesmo dia.
Nesse instante, entra em cena o jardineiro Antonio queixando-se de que objetos e pessoas estão sendo arremessados pelas janelas ao jardim que cuida. As mulheres sabem que foi Cherubino quem saltou e disfarçadamente fazem um sinal a Fígaro que diz ter sido ele, mas o velho o contradiz alegando que o indivíduo que saltou era “três vezes menor que ele”.
O impasse reinflama a ira de Almaviva que não demora a afirmar que o fugitivo era Cherubino. Fígaro contra-argumenta dizendo ser impossível, vez que o pajem está com o Regimento a uma considerável distância, na cidade de Sevilha. E sem perder a oportunidade de ironizar o conde, diz: “só se Cherubino veio montado em um cavalo hiper veloz”. O pobre jardineiro não consegue captar a mordacidade do outro e rebate: “mas eu não vi nenhum cavalo...”.
Almaviva, então, exige que Fígaro explique o motivo de ter saltado pela janela e ele confessa, enfim, ter escrito a carta apócrifa e justamente por isso não quis que Almaviva o encontrasse nos aposentos da condessa. Ao conde parece plausível, ainda que lhe arda o rancor pela autoria da carta.
Porém, o velho jardineiro mostra alguns documentos que o fugitivo perdeu. São papeis do pajem, que ainda não se incorporara ao exército por faltar a assinatura definitiva do conde em um dos formulários.
A revelação volta a atiçar os ânimos de Almaviva, mas antes que ele retome a carga, Don Bartolo, Don Basílio e Marcelina entram em cena. E tão logo chegam, a mulher acusa Fígaro de traição, dizendo que ele prometeu-lhe casamento e pouco depois a abandonou.
O conde se delicia com a acusação, enquanto Fígaro, Susana e Rosina se quedam, pasmos, diante daquela novidade. Sem mostrar-se preocupado com o aturdimento do trio, o conde diz que estudará a questão naquele mesmo instante e promete a Marcelina tomar a mais justa das medidas. Ela e os seus dois acompanhantes mostram-se eufóricos e confiantes, pois tudo corre como previram, já que Almaviva se propõe a ouvir os argumentos da acusadora e do acusado.
Nesse ponto da obra o público é brindado com vários temas musicais, nos quais as razões dos contendores são expostas. E as belas Árias encerram o segundo ato, em cuja parte melódica merece destaque a belíssima ária “Voi que Sapete Che Cosa é Amore (Vós que sabeis que coisa é o amor)”.

§§§

O terceiro ato é encenado na reprodução do belo salão onde será celebrado o casamento de Fígaro e Susana, dentro de algumas horas.
A cena é ocupada apenas por Almaviva que caminha ansiosamente e sem direção enquanto rumina as dúvidas que lhe queimam o coração: por que Susana estava escondida nos aposentos da condessa? Por que um homem fugiu pela janela? Por que a sua esposa tem-se mostrado tão agitada? Por que...? Sim, pondera, a condessa está acima de qualquer suspeita, mas os empregados... E, ainda, aquela carta... Dúvidas e mais dúvidas que lhe acompanham ao sair de cena.
Entram Rosina e Susana e combinam que a condessa se passará pela noiva quando o conde vir exigir o famigerado “Droit du Seigneur”. Em seguida a esposa de Almaviva sai de cena e Susana recebe o conde que retorna mostrando-se preocupado com a hipótese de Susana ter falado com a sua mulher sobre a sua intenção de desvirginá-la. Hipótese, aliás, que se for confirmado fará com que ele obrigue Fígaro a casar-se com Marcelina, a título de vingança.
Porém a jovem noiva o tranquiliza, levando a conversa para um terreno cheio de promessas maliciosas. Por fim, ambos entoam um dueto no qual combinam o encontro que o conde tanto deseja e ela se retira.
Sozinho em cena, Almaviva deixa a imaginação antecipar-lhe os prazeres que, supõe, sentirá em breve.
Nisso, entram Fígaro e Susana e começam a conversar em voz inaudível até que avistam o patrão e se retiram apressadamente. Intrigado, Almaviva sente-se um mero joguete na mão dos serviçais e, sentindo-se traído, expressa toda a sua fúria através de uma vigorosa ária que fala de sua ameaça de castigar os servos com rigor inusual.
Ao fim da melodia, voltam à cena Marcelina, Don Basílio, Don Bartolo, o advogado Don Curzio e, também, Fígaro. Estão ali para resolverem em definitivo a questão da dívida do ex-barbeiro com a mulher, assim como, a promessa de casamento que ele lhe fizera tempos atrás.
Don Curzio expõe os argumentos de Marcelina, alegando que Fígaro havia ficado com várias peças de prata de sua representada e que deveria devolvê-las imediatamente ou, então, casar-se com a mesma, a título de indenização (sic).
O ladino valete responde que lhe é impossível casar-se por ser nobre de nascimento, o que implica a necessidade ter o consentimento dos pais para contrair matrimônio, esquecendo espertamente de seu casamento com Susana. E, prossegue, dizendo que como ele desconhece quem são seus progenitores, não lhe é possível pedir-lhes a necessária autorização. De sua infância nada se lembra; e apenas sabe de sua condição por ter uma marca corporal no braço que lhe identifica como membro de certa dinastia.
Nesse momento, Marcelina pergunta-lhe que marca corporal é aquela e quando ele responde ser uma “espátula” abaixo do cotovelo, ela reconhece que ele é o filho que ela e Don Bartolo tiveram na juventude e que lhes foi roubado pouco depois de nascer.
É um momento de intensa emoção e de grande alegria para os pais e para o filho. Entre beijos, abraços, cumprimentos e promessas de nunca mais se apartarem, a felicidade dos reencontros reina absoluta.
E é esse ambiente que Susana encontra ao voltar. Porém, sem saber do acontecido, ao ver Fígaro e Marcelina abraçados, ela julga que o noivo a trai e o mal-estar só é quebrado através das explicações que são dadas através de um Coro que os seis personagens entoam. Por fim, tudo é esclarecido e a harmonia volta a reinar.
Instantes depois, Almaviva e o jardineiro entram e o velho lhe informa que Cherubino voltou. Em seguida ambos saem de cena e entram a condessa e Susana que entoam o magnífico “Dueto da Carta”, no qual Rosina dita o bilhete (selado por um alfinete especial) endereçado ao conde, confirmando o encontro para o sórdido “Direito do Senhor”.
Na sequência a cena é ocupada por vários figurantes que representam os servos que vieram trazer flores para a condessa. Entre eles está Cherubino, disfarçado como mulher, graças aos trajes que Barbarina lhe emprestou.
É uma bela fantasia, mas insuficiente para enganar o pai de Barbarina que ao puxar-lhe a falsa cabeleira desmascara-o.
O conde irrita-se com a nova travessura do pajem e ameaça expulsá-lo definitivamente, mas, então, a filha do jardineiro lembra-lhe que ele prometeu atender a qualquer pedido seu, enquanto a assediava. E que o seu maior desejo é casar-se com o belo Cherubino.
Publicamente desmascarado, Almaviva limita-se a praguejar e a dizer que “os demônios estão contra mim”.
Nisso, mais convidados enchem a cena e a orquestra toca os acordes iniciais da “Marcha Nupcial”, passando em seguida para um ligeiro “Fandango (música e dança típica de Sevilha)” que todos dançam alegremente.
Findo o bailado, Susana ajoelha-se ante o conde para que ele coloque-lhe o véu nupcial e, disfarçadamente, entrega-lhe o bilhete fechado com o alfinete. Pouco depois, a cerimônia do casamento é concluída e Fígaro observa que o conde feriu-se com o alfinete e comenta com sua noiva que Almaviva recebeu uma “carta de amor”, pois, geralmente, as mesmas eram fechadas dessa forma.
Susana nada responde e o conde pede que os convivas se retirem e voltem à noite para os festejos do enlace.
Em uníssono todos entoam em um Coro em louvor ao nobre e saem de cena. É o fim do terceiro ato.

§§§

O quarto ato é encenado na reprodução dos jardins do castelo.
Nessa parte do espetáculo, o público será brindado com uma das Árias mais importantes e populares do universo operístico: “Aprite um Pò Quegl´occhi (abri um pouco os olhos)”, que pretende ser um alerta aos homens contra a falsidade das mulheres. Ademais, também assiste a várias cenas de desencontros, imprevistos e outras situações embaraçosas e hilárias, que foram típicas das óperas do século XVIII.
A noite é de festa, mas Barbarina ainda trabalha. A mando do conde ela vasculha os canteiros com uma lanterna em busca do alfinete que selava o bilhete de Susana e Rosina, quando, por acaso, Fígaro a surpreende e ela, involuntariamente, conta-lhe do encontro de sua noiva para a consumação do “Direito do Senhor”.
Fígaro, desconhecendo os planos de Susana e da condessa, acredita que a sua noiva irá traí-lo e é, então, que furiosamente canta a ária citada no início. Um canto que mescla a sua mágoa e o aviso de que a sua vingança será terrível.
E como se essa dor não bastasse, outra mais severa o atinge, quando ele vê que Susana pede permissão à condessa para passear sozinha pelo jardim. É o bastante para que ele tenha “certeza” de que a traição é iminente.
Cego de ódio e de ciúme não percebe que aquela que julga ser Susana, em verdade, é a condessa, já que ambas trocaram de vestes, enfeites etc. para consumarem o plano e darem uma bela lição no volúvel conde.
E, fantasiada de Susana, Rosina segue ao encontro do marido infiel, enquanto entoa a bela ária “DeH, Vieni, non tardar”.
Nesse momento acontece mais uma cena “pastelão”, pois Cherubino vendo a condessa julga ser Susana, e passa a lhe fazer a corte, mas logo entre ambos se interpõe o conde e graças à rapidez de sua aparição, recebe o beijo que o jovem pajem daria na falsa Susana. Surpreso e ofendido, Almaviva tenta esbofetear Cherubino, mas quem recebe o golpe é Fígaro, que havia tomado o lugar do jovem.
 Após esses hilários desencontros, a condessa – ainda disfarçada de Susana – deixa-se cortejar por Almaviva que não desconfia tratar-se de sua esposa.
Enquanto isso, Fígaro dirige-se à falsa condessa e lhe pede para surpreender o seu marido com a sua esposa. A aia, porém, não consegue imitar a voz da patroa e Fígaro descobre o estratagema que as mulheres armaram, mas finge não ter compreendido e decide vingar-se da noiva fazendo mil elogios e galanteios à falsa condessa. Chega até a dizer que esqueceu completamente o amor que tinha por Susana.
Ela, não suportando a ideia de ser abandonada, deixa o disfarce e volta à sua voz natural, acusando o marido de ser insensível, pouco perspicaz etc.
A irritação da mulher agrada Fígaro, pois ele a entende como uma demonstração do amor que ela lhe dedica e, então, entre explicações, pedidos de perdão e juras de amor, ambos se reconciliam.
Juntos novamente, os noivos decidem vingar-se do conde e quando ele volta à cena vê que Fígaro está cortejando acintosamente à mulher que ele julga ser a sua esposa. Indignado, grita e exige que testemunhas se apresentem e presenciem o ultraje que lhe é feito.
Logo um grupo de serviçais e de acólitos acorre e Almaviva segura Fígaro pela gola, que finge estar aterrorizado com a acusação de tentar seduzir a condessa. Enquanto isso, Susana, ainda fantasiada de condessa, esconde-se atrás das alamedas.
Irado, o conde a segue e pouco depois ressurge trazendo Cherubino; depois, Marcelina e só por último, a falsa condessa que, ainda no espírito da farsa, pede-lhe perdão.
Ele se mostra inflexível e responde que nunca a perdoará, todavia, nesse momento, a verdadeira condessa faz uma entrada triunfal e esclarece todo o ocorrido.
Ao conde só resta pedir humildes e sinceras desculpas por seu comportamento lascivo, volúvel e tirânico. Rosina, por lhe amar com sinceridade, perdoa-lhe e os demais torcem para que tal lição não seja esquecida.
Por fim, em Coro, todo cantam o Hino que brinda o amor e a reconciliação e a Ópera termina sob a égide da paz e da alegria.

Histórico

Nas últimas décadas do século XVIII, entre 1775 a 1792, o romancista francês Pierre Augustin Caron de Beaumarchais (Paris, 1732-1799) escreveu três comédia inter-relacionadas com o tema central focalizado na permissividade que vigorava na decadente nobreza europeia.
Primeiro, escreveu “O Barbeiro de Sevilha”, cujo Ensaio da Ópera homônima consta da presente obra; depois, “Bodas de Fígaro” e, por último, “A Mãe Culpada”.
A Ópera, “Barbeiro de Sevilha”, foi montada primeiramente por Paisiello (Giovanni – 1740-1816 – Itália) e se tornou um clássico. Na geração seguinte, Rossini (Gioachino – 1792-1868 – Itália) deu-lhe nova versão que, também, foi muito bem aceita e ainda é bastante conceituada.
Em relação a Mozart, deve-se dizer que foi o famosíssimo poeta Lorenzo da Ponte (Nascido, Emmanuele Conegliano – 1749-1838 – Itália) quem sugeriu ao gênio precoce a composição de “As Bodas de Fígaro”, tendo em vista o sucesso que a antecessora alcançou com os compositores supracitados.
E Mozart a fez, acrescentando-lhe o brilho e o talento que lhe eram peculiares.
Na geração seguinte, Rossini produziu uma nova versão da história, mas não conseguiu empanar o brilho que a versão mozartiana havia conquistado.
Contudo, para além das diferentes concepções e recepções, todas as versões operísticas sobre o “Barbeiro” sofreram um destino comum: a repressão da nobreza, que se viu negativamente retratada com a crua exposição pública de todos os seus vícios e perversões e, também, a censura dos falsos moralistas puritanos do início do século XX que enxergavam a sua temática como indecorosa. Exemplo disso, aliás, pode ser visto nas palavras do estadunidense Henry Edward Krehbiel que escreveu textualmente: “De fato, há algo de especialmente repulsivo na perseguição concupiscente do conde à noiva do homem a cujos méritos intelectuais ficou devendo o êxito do seu próprio casamento... É mesmo uma sorte para a música de Mozart que tão poucos frequentadores de óperas compreendam o italiano hoje em dia...”.
Todavia, essas perseguições e censuras não empalideceram a popularidade das obras. Ao contrário, aumentaram-lhe a importância, já que colocaram a “Grande Arte” a serviço da denúncia social.
Em termos melódicos, a maioria dos eruditos concorda que a versão de Mozart contém uma das partes mais nobres do genial talento do compositor. A variedade dos sentimentos, emoções e ações que as músicas exprimem, sinalizam, acentuam e amenizam são uma amostra eloquente da enorme maturidade e universalidade que o gênio já desfrutava quando a compôs, aos trinta anos de idade somente.
Por todos esses aspectos, a obra desfrutou de enorme sucesso desde a sua apresentação inaugural e ainda hoje é uma das preferidas do grande público e da crítica especializada. Um dos maiores clássicos do gênero.

Nota do Autor – Droit du Seigneur – Direito do Senhor – costume antigo e medieval que consistia no “direito” do Governante, do Senhor Feudal, de outros Nobres etc. de desvirginarem a noiva que fosse casar-se com um de seus súditos ou agregados. No Brasil, essa prática criminosa foi comum nos rincões mais distantes e só deixou de ser praticada há cerca de trinta ou quarenta anos, embora fosse proibida legalmente.


Produção e divulgação de Vera L. M. Teragosa. Lettré l´art et la Culture. Rio de Janeiro, inverno de 2015.


sábado, 12 de setembro de 2015

Húngara



Doi-me a maldade que habita
a feia alma e a carne infeliz
da mulher que chuta
a tragédia alheia.

Doi-me a sua covardia insolente
e o sórdido Fascismo que a criou.

E doi-me, principalmente,
saber o quão passageira é
a indignação que causará.




Foto - Jornal "O Globo", captada via WEB

Lettre la Art et la Culture
Enviado por Lettre la Art et la Culture em 12/09/2015

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

ORLANDO FURIOSO, Vivaldi - Óperas, guia para iniciantes.

Autoria – Vivaldi (Antonio – 1678-1741 – Itália).

Libreto – Grazio Braccioli

Personagens

Orlando (Roland, em francês) – cavaleiro cristão, sobrinho de Carlos Magno. Interpretado por uma Mezzo Soprano (papel/travesti).

Alcina – feiticeira e usurpadora da ilha de sua irmã Logistilla que é o símbolo da Verdade e da Razão. Magicamente, Alcina transfigura-se em jovem e bela e, assim, seduz os cavaleiros que chegam ao seu reino. Possuidora das cinzas do célebre Mago Merlin, detém, por isso, um imenso poder. Interpretada por uma Mezzo Soprano.

Angélica – filha de Galarone, rei de Cataio (antigo nome da China), é apaixonada por Medoro, embora seja noiva de Orlando que a raptou de sua casa. Interpretada por uma Soprano.

Medoro – jovem herói sarraceno, de humilde origem. É amado por Angélica e lhe corresponde o sentimento. Interpretado por um Tenor ou por um Contralto (castrato).

Astolfo – primo de Orlando e como ele, um Cavaleiro Cristão. Interpretado por um Baixo.

Ruggiero – Cavaleiro Cristão e considerado o fundador da famosa “Casa D´Este”, reinante na proto Itália, que na vida real foi homenageada por Leonardo Da Vinci que pintou o célebre retrato de Beatriz D´Este. Interpretado por um Barítono.

Bradamante – a grande heroína cristã, sobrinha de Carlos Magno e irmã do Cavaleiro Rinaldo. É apaixonada por Ruggiero e, segundo a tradição, foi o casamento de ambos o ponto inicial da citada “Casa D´Este”. Interpretada por um Contralto (castrato).

Época e Local

Nalgum ponto da Europa, durante a invasão moura ao continente.

Prefácio

Lodovico Ariosto (1474-1533 – Itália) o autor do poema que serve de base para a Ópera de Vivaldi inicia o seu épico com os seguintes versos: “Eu canto sobre as damas, os cavaleiros, as armas, os amores e os feitos audazes que tiveram lugar quando os mouros cruzaram os mares vindos da África e tanto mal fizeram à França. Ao mesmo tempo, falarei de Orlando, de algo jamais mencionado em prosa ou verso; de Orlando, que em sua fúria enlouqueceu de amor, um homem antes considerado sábio e sensato...”.
E, realmente, o delírio por amor que acomete o herói Orlando foi a faceta mais explorada por Vivaldi, que através desse artifício sublinhou o aspecto sentimental, tornando o grande herói cristão mais próximo do homem comum, sempre sujeito às artimanhas do Cupido. E ao lhe dar essa face mais humanizada, tornou-o mais amado pelo público, bem ao estilo do que se espera dos protagonistas de uma Ópera.
Outro ponto a ser observado é a manutenção do clima fabuloso, mítico, fantástico, onde os poderes metafísicos convivem pari passu com as idiossincrasias dos herois e dos vilões da época: cristãos versus pagãos.
É, em suma, um espetáculo que resgata a grandeza tipicamente humana e, simultaneamente, o mundo misterioso de bruxos, feiticeiras, sortilégios etc. e que, principalmente, coloca-se à altura o enorme talento de Vivaldi.


Enredo

Ao se abrirem as cortinas, o público vislumbra um belo cenário que sugere a proximidade do mar.
Em cena apenas Orlando, que, entoando uma vigorosa ária, fala de sua paixão pelas glórias bélicas e de sua esperança de vencer as adversidades e encontrar a plena felicidade junto com Angélica, o seu grande amor.
Porém, logo a seguir, na segunda cena, num cenário que reproduz um jardim a beira-mar, Angélica entoa um triste lamento por ter sido separada de seu verdadeiro amor: o jovem mouro, Medoro.
É um cantar nostálgico, triste, comovente e que só é interrompido pelos esplêndidos efeitos teatrais que simulam ondas violentas e a chegada dos restos de um navio naufragado.
Atônita, Angélica assiste à chegada dos destroços e de alguns náufragos, dentre os quais reconhece o seu amado. Mas o que seria motivo de júbilo e contentamento, de chofre se transforma em pavor, quando ela percebe que ele está entre a vida e a morte. Enlouquecida, ela abandona qualquer cautela e implora desesperadamente por socorro.
Presto, acode-lhe Alcina, sua amiga e poderosa feiticeira, que graças aos seus poderes sobrenaturais reanima o combalido Medoro, que, então, relata as aventuras e desventuras que viveu até aquele momento.
Nesse ínterim, Orlando surge em cena e ao presenciar os cuidados que Angélica dispensa ao mouro, sente o ciúme dominar-lhe por inteiro e investe ferozmente contra o jovem com o claro objetivo de matá-lo.
Alcina, porém, pressentindo o perigo interpõe-se entre ambos e hábil e ardilosamente convence Orlando de que Medoro é irmão de Angélica.
Constrangido, o agressor pede desculpas a Angélica que, tão ardilosa e falsa quanto a Alcina, aceita-as, após fingir certa relutância, e lhe jura eterno amor. É a vez, então, de Medoro sentir-se enciumado, mas sem que o demonstre.
Na sequência, a cena passa a ser ocupada apenas pela feiticeira que assiste deslumbrada à chegada de um “cavalo voador”. E mais deslumbrada fica com o cavaleiro que o cavalga: o guapo Ruggiero.
Sem disfarçar o seu interesse, Alcina enfeitiça-o com a água das duas fontes do Jardim, que ele bebe sofregamente. Logo em seguida, acolhe-o nos braços, mas esse terno enlace é quebrado com a chegada de Bradamante, que se irrita ao ver o seu amado nos braços de outra mulher.
Ruggiero, por sua vez, foi de tal modo afetado pelo encantamento que sequer reconhece Bradamante e ela, para não agravar a situação, assume uma falsa identidade.
E assim termina o primeiro ato.

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O segundo ato tem início com Bradamante quebrando o encantamento de Ruggiero, graças ao seu “Anel Mágico”. Contudo, ao invés do que se poderia esperar, o fato de ele ter agido mal apenas por estar sob a influência do feitiço de Alcina, não diminui a fúria de Bradamante, que o deixa dizendo palavras causticas e irônicas.
Sem compreender o motivo de ter sido o alvo daquela fúria, Ruggiero permite que o abatimento da alma transpareça em seu semblante e, por isso, o recém-chegado Orlando condoi-se de sua dor e tenta consolá-lo dizendo que “a bonança sempre sucede à tempestade”.
Na sequência, assiste-se à chegada de Astolfo e ao seu deslumbramento por Alcina, transfigurada em um jovem formosíssima, que ridiculariza a sua tentativa de seduzi-la.
Enquanto isso, na quarta cena, Bradamante e Ruggiero voltam a se encontrar e se reconciliam, entoando um belíssimo Dueto que exalta a felicidade que os domina.
Na cena seguinte, a quinta, Angélica expõe a Medoro o plano que engendrou para livrar-se de Orlando. Ele admira a sua sagacidade, mas reluta em atender ao seu pedido para agir sozinha, pois crê ser perigoso que ela enfrente tamanho desafio sem o seu auxílio. Todavia, Angélica insiste nesse ponto e termina por convencê-lo, após uma mutua e renovada jura de eterno amor.
Logo em seguida surge Orlando e ela começa a concretizar o macabro estratagema convencendo-o a escalar uma íngreme e perigosa montanha - dominada pela feiticeira Alcina – sob o falso pretexto de que há no cimo da mesma, guardada por um terrível dragão, a “Fonte da Juventude” que dará vida eterna a todos que dela beberem.
Ansioso para demonstrar a sua coragem e o amor que lhe devota, Orlando se dispõe a escalar o precipício e trazer-lhe a água milagrosa para que juntos possam viver eternamente jovens e felizes.
Ingênuo, sequer imagina que a sua amada possa estar traindo-lhe e com a máxima audácia inicia a escalada enquanto brada contínuos desafios ao dragão que acredita existir.
Todavia, ao chegar ao centro de uma caverna, uma enorme pedra cai e lhe veda a saída. A bruxaria de Alcina fê-lo prisioneiro, mas com o poder dos “Cavaleiros Sagrados”, Orlando despedaça a rocha e reconquista a liberdade, embora tenha perdido a lucidez, pois, num átimo, compreendeu a farsa de Angélica e o choque emocional levou-lhe a razão.
Possuído por imensa fúria, e apenas por instinto, jura vingar-se e os elementos da natureza parecem retrair-se ante a sua explosão de cólera e de dor.
Entrementes, Angélica e Medoro comemoram o suposto fim de Orlando, já que não podem crer que ele tenha conseguido escapar da prisão que lhe armaram. E, como parte da comemoração, celebram o próprio matrimônio, escrevendo seus nomes nas árvores e trocando mil caricias, sob as benções da feiticeira Alcina, que ainda se ressente do desaparecimento de seu amado Ruggiero.
Mas a tristeza da bruxa não é a única, pois ao chegar ao local das celebrações, Orlando vê que a perda de sua adorada Angélica está consumada.
Louco de ódio, amargura e ciúme, observa os nomes do casal inscritos nas árvores e não se contendo desnuda-se e destroça os velhos e sólidos pinheiros.
É o fim do segundo ato.

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O terceiro ato começa sob o signo da melancolia. Os primos e amigos de Orlando, Astolfo e Ruggiero, choram a sua suposta morte na montanha de Alcina e fazem planos para vingá-lo com o auxílio da boa fada Melissa.
A segunda cena mostra a réplica do frontispício do chamado “Templo Infernal”, onde Ruggiero e Bradamante, disfarçada como o cavaleiro Aldarico, esperam escondidos por Alcina, para atacá-la.
Pouco depois a feiticeira chega e sem notar a presença dos inimigos dirige-se aos “Deuses do Mal”, suplicando pela volta de seu amado Ruggiero.
Nisso, Bradamante, como Aldarico, aproxima-se e imediatamente lhe desperta o interesse e a admiração por sua bela e elegante estampa. Está colocado o momento da vingança.
Porém, antes que a revanche aconteça, Ruggiero e Bradamante, consternados, assistem a chegada do enlouquecido Orlando, que se dirige à feiticeira com frases desconexas e típicas da confusão mental em que vive.
Um quadro doloroso, pungente, que não raramente arranca suspiros e lágrimas do público.
E a cena se faz mais triste quando Angélica entra em cena e os insanos lamentos de Orlando a ela se voltam em uma patética (1) mescla de amor frustrado, saudades, mágoas e recriminações.
Para Bradamante e Ruggiero é o limite e sem poderem se conter, juntam-se ao Coro das recriminações à jovem e acusam-na de deslealdade e crueldade.
Acusações fortes, mas que ela não pode rebater, já que são verdadeiras. Dolorosamente reais. Resta-lhe, pois, chorar amargamente o seu remorso.
Na sequência, Orlando é deixado só e, completamente perturbado, ele vê na estatua do Mago Merlin, que domina a entrada do Templo, a figura de sua amada e com força inumana derruba-a do pedestal e deita-se, abraçado, com a mesma.
Um terrível sacrilégio para os adeptos do Mal e, por isso, o guardião Arontes o expulsa num primeiro momento; mas, ensandecido, Orlando volta à carga e após uma luta brutal consegue matá-lo e regressar para junto da figura que lhe representa o seu grande amor.
A queda da estátua, o seu amuleto mais poderoso, faz com que o “Templo do Mal” soçobre completamente, levando à ruína igual o “Centro de Magia” de Alcina, assim como, todos os seus feitiços e encantamentos.
E Alcina, há pouco retornada, demonstra sentir o peso de sua falência. Contudo, ao ver Orlando, as forças voltam-lhe imediatamente e impetuosamente ela saca um punhal e avança contra o causador de sua queda, mas antes que consiga vingar-se, a mão poderosa de Ruggiero a detém. E para aumentar-lhe o desgosto, Bradamante revela ser Aldarico, o homem que há pouco havia conquistado a sua admiração.
Proferindo mil impropérios, ela só pode lamentar que novamente o Bem triunfasse sobre o Mal.
Enquanto isso, Angélica e Medoro tentam aproveitar a confusão para escaparem, mas Bradamante os impede e torna a culpar a jovem pela insanidade de Orlando.
Enquanto isso, Astolfo chega, acompanhado pelos soldados de Logistilla, para selar o destino de Alcina e Orlando, recuperando milagrosamente a lucidez, compreende que o amor de Angélica e Medoro é puro e não nasceu para lhe afrontar, haja vista que os sentimentos independem da vontade.
Assim, estende-lhes a mão e abençoa a sua união. E desse modo termina a sua desdita.
É o fim da Ópera.

Histórico

Ao completar meio século de vida, Antonio Vivaldi colhia os doces frutos de seu enorme sucesso como compositor de “músicas para Concertos” e, menos conhecido, de “músicas para Teatro”.
Autor de verdadeiras joias como “Glória, o Dixit o Magnificat”; as “Quatro Estações (cuja ‘Primavera’ é especialmente querida no Brasil)” etc., ele não deixou de emprestar ao gênero operístico o seu talento imenso. Gênero, aliás, que lhe agradece a composição de cerca de cinquenta peças, embora ele afirmasse ter composto mais de noventa e três.
Mas, independentemente da divergente quantidade de óperas produzidas, o que é inquestionável é a superior qualidade de seu trabalho, em todas as searas em que laborou.
A presente Ópera, baseada no poema épico de Ariosto, publicado inicialmente em 1516 e revisado em 1532, estreou em 1727 na riquíssima Veneza, onde o patrocínio dos Doges reunia os talentos de Vivaldi, Albignoni, Tiziano, Veroneze e tantos outros mestres das Belas Artes.
Com o tempo, o esplendor de Vivaldi no terreno da música instrumental acabou superando a sua excelência no campo da Ópera, o que explica o fato de ele ser mais conhecido no primeiro que no segundo gênero; porém, todos que são apresentados ao magnífico “Orlando Furioso” não deixam de reconhecer que a sua genialidade foi equinamente repartida, para sorte de todos nós.

Nota do Autor – Patética (1) em seu sentido correto; isto é, “aquilo que comove” e não em sua equivocada versão atual que equipara o termo a “ridículo”.


Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro, inverno de 2015.