sábado, 31 de março de 2012

Eros e Tânatos

Que eu seja imerso
em pródigo sim,
chegado no suspiro
d'algum Arlequim.

Que a taça transborde,
que de tudo se recorde,
e que o novo dia
nos acorde.

Que a vida refaça,
em verso que se espaça,
o que houve de graça
no ingênuo namoro
de qualquer praça.

Que todo riso à toa
termine em sorrisos sinceros,
pois vencido foi Tânatos
e redivivo está Eros.

Que a vida festeje comigo
a glória de continuar vivo.
Que o Tempo seja retardado
e eu seja devolvido
ao Mundo que quase
me foi subtraido.

Que outro Sol aqueça meus dias
e em conhecidos lençóis
eu reencontre o que fomos nós.
O que fomos sós.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Diamantes de Graziela


Que novos diamantes,
rompam os instantes
e

generosos reflitam
os olhos de Graziela,
pois nela
o brilho se revela.

Suaves te sejam
as eternas colinas,
moça das Minas.
E sempre e reais
os sonhos que sonhas,
moça das Gerais.

E que os diamantes,
em ti refletidos,
sejam teus vestidos
em tempos seguidos.

              Para Graziela Villela

quarta-feira, 28 de março de 2012

RORTY, Richard (e o Pragmatismo de CHARLES SANDERS PEIRCE)

RORTY, Richard
(e o Pragmatismo de CHARLES SANDERS PEIRCE)
1931/2007 –
“não há nada em nosso intimo, exceto o que nós mesmos lá colocamos”.

O padrão de vida dos cidadãos estadunidenses é admirado, desejado e copiado por multidões de adoradores que se deslumbram ante a ostentação de riqueza e de poder que lhes é característica. Adoradores que podem ser encontrados em todas as camadas socioeconômicas, mas com uma esperada simetria em termos de cultura. São, geralmente, as pessoas de nível cultural inferior que se sentem mais fascinadas pelas aparências físicas, concretas (sem atentar inclusive para o mau-gosto dos exageros) e pelas quinquilharias esfuziantes que lhes chegam através do cinema, da televisão e de outros meios de comunicação.

É certo que tal sociedade tem valores reais, como a liberdade, a democracia, etc. que merecem o aplauso de todos, mas para os adoradores citados o que lhes interessa de fato é o “american way lyfe” e é provável que nisso resida o desprezo com que a filosofia estadunidense é recebida, pois quando se trata de questões intelectuais, teóricas, filosóficas, superiores etc. os “Sistemas” ali desenvolvidos são costumeiramente rotulados de “primários”, “rasos”, “medíocres” e outros adjetivos de cunho negativo. É claro que ao se fazer uma critica com tal severidade comete-se injustiças; porém, ressalvadas as exceções, o que se vê efetivamente é que os Ideários ali produzidos trazem o indefectível ranço do antigo Empirismo inglês, do sempre presente Materialismo – subdivididos entre Pragmatismo, Utilitarismo e outras tendências que glorificam a busca por excelência de ganho físico, de resultado concreto. Ou seja, dizem seus críticos mais contundentes, tratam a Filosofia como se fosse um balanço contábil ou, pior, um Manual de como se tornar rico. Ademais, a essas características some-se o fundamentalismo religioso do País que incita o surgimento de uma moralidade baseada em valores religiosos. Uma mescla – solene, ou disfarçadamente - rejeitada pelos Pensadores, principalmente, europeus que emprestam aos seus Pensamentos a densidade de suas histórias.

Com o Sistema Filosófico de RORTY não é diferente, não obstante a fama que o mesmo obteve (talvez graças a sua superficialidade que o tornou acessível às pessoas de cultura canhestra, dizem seus críticos) e às suas boas e honestas intenções como Pensador e Escritor.

Sua frase mais célebre: “não há nada em nosso intimo, exceto o que nós mesmos lá colocamos” é um exemplo notável do que se diz a seu respeito; ou seja, possui uma boa gramática e a capacidade de repetir, sem constrangimento aparente, um antigo Conceito que remonta a Locke, Berkeley, Hume e outros antigos Empiristas*. Suas teses nada acrescentam ao Saber Humano, mas talvez se deva creditar-lhe o mérito de tê-las devolvido à ribalta da filosofia contemporânea.

Algumas frases ditas por esses Pensadores:

  • John Lockeo Conhecimento de nenhum Homem pode ir além de sua própria experiência.

  • George Berkeley – Ser é ser percebido.

  • David Hume – o hábito e não a Lei da Causalidade (ou de Causa e Efeito) é o grande guia da vida Humana.

Richard RORTY nasceu em Nova York, em 1931, em uma família de ativistas políticos, fato que influenciou fortemente a sua obra e seu ideário. Precoce, em seus primeiros seis anos já lia Trotsky e aos quinze começou a frequentar a Universidade de Chicago. Em 1956, obteve o Doutorado na célebre Universidade de Yale.

Como já se disse, sua Filosofia é, ao cabo, uma revisitação ao Empirismo e às doutrinas que lhes são afeitas (o Utilitarismo e o Pragmatismo) e raras incursões em outros campos filosóficos. Isso o levou a combinar teorias diferentes e essa ousadia fez com que fosse considerado um Escritor insólito segundo os parâmetros da época. Contudo, essa mescla de Sistemas alargou o interesse que seu Pensamento desperta.

Ele, por exemplo, concordou com Kant sobre a nossa limitada capacidade de chegar à Essência das Coisas e, concomitantemente, abraçou a resignação com tal limitação, do antigo Ceticismo, ou do Cristianismo, como se observa abaixo:

Quando dizemos: “sei do fundo do coração que é errado”,

Admitimos que o Conhecimento que temos é um Conhecimento correto e que há uma Verdade Eterna em relação àquele erro; ou seja, tal Erro existe de fato, naturalmente. Não é uma convenção, ou um acordo moral e social feito pelos Homens. Contudo, não podemos, não temos capacidade para encontrar quaisquer Verdades Eternas em relação à Ética. Tampouco sobre o Conhecimento ou o Saber que seja absolutamente correto sobre as coisas. Não temos capacidade de Conhecer, entender, compreender à essência da Coisa, ou, como disse Kant, a coisa em si.

O que conhecemos é apenas o resultado do nosso convívio com outros Homens, com o nosso meio social. Acatamos, pois, as diversas (ou nem tanto) opiniões alheias sobre determinado tema e passamos a considerar uma delas, ou um misto delas, como “a definição correta, adequada”.

Por isso, nada temos em nossa Mente ao nascermos. É uma “tabula rasa” como disseram os Empiristas. Em nossa Mente, ou Alma, ou Inconsciente etc. só existe o que nós mesmos lá colocamos. Todavia, ressalvou RORTY: alguns Pensadores alegam que ao adquirirmos um Conhecimento, processamos essa “informação bruta” sem nada lhe acrescentar. Como se fossemos uma câmara fotográfica que captura a luz, mas isso é um equivoco, disse filósofo, pois as nossas percepções (ie, o que captamos através dos Sentidos [tato, olfato, visão, audição, paladar]) estão intimamente ligadas com as nossas crenças e valores, os quais, nós impomos à Coisa que foi apreendida, ou captada. Veja-se o seguinte exemplo:

Se eu vejo três tábuas na seguinte disposição: duas verticais e uma horizontal, sobre as verticais, eu não percebo apenas o conjunto das madeiras, mas “capto” um rústico banco, ou cama ou similar.

Tudo que os Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato) nos trazem são “modificados” pelo que acreditamos, ou já conhecemos. O que, diga-se, não é uma Ideia original de RORTY, haja vista que outros Empiristas já afirmavam o “filtro modificador” que nosso Raciocínio (ou Razão) impõe ao Mundo que nos é dado.

Em outro tema, disse Richard que a “A Alma é uma coisa curiosa”, já que mesmo nos sendo inatingível racionalmente, mesmo que não possa ser demonstrada, ou comprovada, habita a crença da maioria dos humanos. Com efeito, são raros os que Não acreditam na existência de alguma coisa além da matéria. Crê-se, mesmo que apenas intimamente, que em “algum lugar”, cada Homem tenha a sua alma. Indo além, podemos afirmar que “essa coisa chamada de ALMA é o nosso EU fundamental” e que está ligada à Verdade e à Realidade. Tendemos a nos retratar como se possuíssemos um “Duplo”, uma “Duplicidade”, um corpo físico e uma alma abstrata. Alma ou Eu que se expressa usando a “Linguagem da Realidade (realidade, no sentido de estar além dos equívocos oriundos das imperfeições dos Sentidos [tato, visão, audição, paladar e olfato] e das captações feitas pelos mesmos)”.

Essa ideia, ou essa tendência de nos imaginarmos duplos (corpo e alma) foi censurada por RORTY já na introdução de sua obra “Consequências do Pragmatismo”, de 1982, quando afirmou que na medida em que temos Alma, essa alma não passa de uma invenção humana. Que ela “exista”, mas que se saiba que não passa de uma mera invenção humana.

RECORTE – essa duplicidade, sendo verdadeira ou não, revela ao menos a necessidade que temos de superar a mesquinhez do cotidiano concreto, físico, material. Talvez, aliás, esse seja o nosso desejo (inato?) mais premente. Queremos que exista outra realidade, outra dimensão que compense o despropósito, a falta de sentido, da vida humana. A partir desse fato, quase que se condena inapelavelmente o “Materialismo” por nele estar, sobretudo, a falta do Sentido Verdadeiro para a vida. A falta de um propósito que vá além dos objetivos que nós mesmos criamos (ficar rico, ter o sexo que desejar, ser famoso, ser amado etc.). Note-se que esse inconformismo com a pequenez do cotidiano é um dos fatores que contribuem para o nascimento e a manutenção das fantasias religiosas e mitológicas. O outro fator é a sensação de impotência que se apodera do Homem que, então, busca em outro Ser (fictício, ou não) o amparo que necessita.

Como já se citou alhures, RORTY bebeu na fonte do Pragmatismo, como, aliás, é corriqueiro na sociedade estadunidense. Mas o que vem a ser essa doutrina? Vejamos um breve resumo abaixo:

PRAGMATISMO – doutrina de CHARLES SANDERS PEIRCE, estadunidense, nascido em 1839 e falecido em 1914, cuja tese central é que a ideia que temos de um objeto, de um Ser, de uma coisa é apenas a soma dos efeitos práticos que possam ser atribuídos ao Objeto, segundo nossa avaliação (Eu, por exemplo, vejo em uma lata de refrigerantes vazia, apenas um lixo. Outra pessoa verá um material a ser reciclado que lhe dará algum dinheiro). Em outro sentido, a doutrina afirma que a Verdade de uma tese só pode ser confirmada, ou não, através da experiência física, concreta, material do Homem, pois como abstração, é só uma fantasia. Outro ponto da doutrina a ser destacado é relativo ao Conhecimento, o qual seria um instrumento a serviço da AÇÃO, tendo o Pensamento um caráter puramente finalistico1; a Verdade de uma tese consiste no fato de que ela seja útil, tenha alguma espécie de serventia, de êxito ou de satisfação.

1 – Finalístico – o Pensamento encerra a sua finalidade em si mesmo e, portanto, não serve como motor, ou impulso para uma ação.

Dentro desse espírito RORTY escreveu a sua primeira grande obra “A Filosofia e o Espelho da Natureza”, de 1979, que se trata de uma tentativa de confrontar a ideia de que o “Conhecimento” é um modo de representar corretamente o Mundo, como se fosse um tipo de “Espelho Mental”. Para ele essa visão não se sustenta por duas razões:

  1. Supomos que a nossa experiência do Mundo é algo que nos foi “dado diretamente (ie, captamos a “informação bruta” do Mundo, sem qualquer esforço intelectual)”.

  1. Supomos que uma vez que essa informação bruta foi captada pelos nossos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato), o nosso Raciocínio (Razão), ou alguma outra faculdade (capacidade) da Mente começa a refletir sobre tal informação, refazendo a maneira de como esse (novo) Conhecimento se encaixa no “Todo” e reflete o que é o Mundo.

Mas, seguindo o filósofo WILFRID SELLARS, RORTY acreditava que a noção de que “algo nos é dado (ou seja, captado sem esforço)” é apenas um Mito. Nós não podemos, não conseguimos ter acesso a uma “informação bruta (aquela que mostra o que é, efetivamente, determinado objeto, ou coisa, ou Ser etc.)” por uma característica de nossos aparelhos sensoriais. Nossa idiossincrasia não nos permite experimentar, ou ter uma a experiência, fora do Pensamento ou da Linguagem. Por exemplo, não consigo ter a experiência sobre o que é um cão, se não for através do que Penso sobre ele. Não consigo simplesmente Sentir um cão.

Só conseguimos ter ciência ou conhecimento de algo através do encaixe do mesmo em determinado lugar, ou Conceituação. Conceitos, aliás, que apreendemos por meio da Linguagem. Dessa forma, observa-se que nossas percepções (aquilo que percebemos ou captamos) estão completa e intimamente ligadas ao modo como usamos a Linguagem para nos referirmos ao Mundo.

Tudo que percebemos ou captamos é “acomodado” aos padrões de Linguagem. Nada percebemos que não tenha um nome, um rótulo, um conceito. E caso tal conceito nos seja desconhecido, logo na primeira hora pesquisaremos seu significado para o Conceituarmos. Tendemos, naturalmente, a organizar as informações que nos chegam, pois, talvez por intuição, pressentimos que no Futuro usaremos aquela informação e que é necessário que ela esteja corretamente arquivada nas “prateleiras” de nossa memória para ser facilmente localizada quando for preciso.

RORTY sugere, pois, que aquilo que conhecemos é MAIS uma questão de diálogo (pressuposto da linguagem) com outros indivíduos. Mais uma questão de convívio, ou de prática social. Quando decidimos o que vale como “Conhecimento Efetivo”, baseamos nosso critério na suposição de que aquilo a Sociedade nos deixará dizer (não nos dirá que é ridículo, tampouco, errado, por exemplo) e Menos no fato de saber o quanto aquilo está relacionado com o Mundo. Agradar ao Meio Social, ou evitar sua censura e/ou sua punição, importa-nos mais que a eventual “verdade” do fato.

Assim, o que podemos avaliar como Conhecimento, ou não, é limitado por contextos sociais, por nossa história pessoal e pela liberdade que a Sociedade nos permite ter. Galileu, por exemplo, sabia da rotação da Terra, mas esse “Conhecimento” foi-lhe proibido pela Sociedade da época. A verdade, portanto, segundo RORTY, É o que os seus contemporâneos deixam você dizer, sem medo de punição. Porém, prossegue RORTY fazendo a seguinte indagação: o que é a Verdade? Será apenas aquilo que podemos fazer sem sofrer alguma Punição?

Note-se que nesse ponto, o filósofo está ciente de que existem fatos e nuances que ultrapassam a dicotomia: “verdadeiro ou falso” e exigem uma abordagem mais complexa. Principalmente no Campo da Ética. Vejamos a seguinte situação:

Usar crianças como soldados soa para a maioria das pessoas como um ato condenável. Antiético. Mas essa é uma opinião relativa, pois os que se beneficiam do sofrimento desses soldados-crianças acham tal procedimento correto. E até Ético, se ingênua ou cinicamente, considerarmos que tais soldados-crianças lutam pela liberdade de seu povo, por um Ideal, em buscam de melhores condições de vida etc.

Vê-se, pois, que para cada argumento haverá um contra-argumento. A verdade pura estará sempre encoberta por várias camadas de pré-conceitos, pré-julgamentos, crendices, pseudo moralismos, cinismo, ingenuidade e outras tantas facetas do caráter humano. É um diamante que só se revela após uma dura e difícil escavação. Em verdade, tal escavação é a “Mauêtica*”, o método de Sócrates utilizava para desvendar o significado mais profundo de cada noção, como, por exemplo, da Bondade, da Beleza, da Justiça, da Maldade, da Fealdade, da Injustiça etc.

MAIÊUTICA* Como se sabe, Sócrates questionava as pessoas que se achavam donas de certo saber. E suas indagações iam progressivamente mostrando que o Conhecimento que tal indivíduo julgava possuir, de fato era mínimo, ou sequer existia. E por mais que se buscasse o fim dessas dúvidas a ele nunca se chegasse, Sócrates, em toda sua humilde grandiosidade, admitia que “só sei, que nada sei”.
Através de Platão e dos célebres “Diálogos” que ele escreveu tendo Sócrates como protagonista, sabe-se que a maioria dos indivíduos interpelados era inconscientemente ambígua sobre o que falava, demonstrando, pois, a superficialidade do Saber que julgavam possuir. E isso apesar da prévia convicção de que dominavam o assunto em debate. É claro que tais indivíduos representam a maioria dos Homens de todas as épocas, inclusive a nossa.

Doravante abordaremos outro ponto do Ideário de RORTY, embora o tema ainda seja o Saber, o Conhecimento.
Falamos com regularidade a sentença “Do fundo do coração1, mas não se torna claro, automaticamente, o que queremos dizer ao usarmos tal frase. Para melhor apreciarmos o ideário de RORTY sobre a questão dividiremos o assunto em três partes:

1 – “Fundo do Coração” é uma metáfora que RORTY utiliza para simbolizar nossas sensações mais intuitivas. Aquelas que estão além da racionalidade.

Ao dizermos, por exemplo, “eu sei do fundo do coração que isto é errado", parece que falamos do “Erro” como se fosse algo externo, incrustado no Mundo. E que esse “algo externo” fosse reconhecível. Falamos de tal modo que parece existir uma “essência, uma alma” do “erro”.

Ao dizer que “sabemos do fundo do coração”, sugerimos que esse “Ente Misterioso (o fundo do coração)” é uma “coisa” que capta a “verdade das coisas”, sem que saibamos o porquê. Tampouco sabemos o que seria essa “Entidade (o fundo do coração)” que captura a “Realidade do Mundo”.
Por isso, parece que estamos falando que existe uma ligação direta entre o nosso “Fundo do Coração” e as Essências das coisas que existem. Se, pois, temos essa capacidade, mesmo sendo inconsciente, imaginamos que ao conhecer algo do “fundo do coração” teremos acesso à sua essência. O conhecimento seria, então, uma maneira de espelharmos o Mundo.

Tal pressuposto para RORTY é inaceitável, pois contraria completamente a sua crença de que somos incapazes de captar qualquer coisa sem lhe deixar alguma marca pessoal. A partir daí e por coerência com sua desconfiança acerca de nossa capacidade de absorver qualquer tipo de Essência, o filósofo abandonou a tese de que existem Verdades Morais Fundamentais. Não pode, dizia, haver o Certo ou o Errado Absoluto, pois o Conhecimento ou o Saber, como já se viu, é apenas aquele que a Sociedade nos permite; logo, esses conceitos dependem das circunstâncias da época. É uma situação difícil de aceitar, reconhecia RORTY, pois ao fazer algo que socialmente é correto, mas que intimamente julga errado, o indivíduo se sente como “traidor” de sua convicção mais intima e verdadeira.

Contudo, indaga o filósofo, é mesmo necessário acreditar que ao fazer algo que julga errado, traíram-se seus valores básicos? Mas quem pode garantir que esses “Valores básicos” estão corretos, são justos? Deve-se crer que há alguma Verdade sobre a vida, ou alguma “Lei Moral Absoluta” que se está violando junto com os “Valores Básicos Individuais”? E, pior, é preciso acreditar nisso para imaginar que se agiu de acordo com a dignidade humana?

Não! Responde RORTY, com firmeza. Para ele somos simples mortais sem acesso a nenhuma Verdade Moral mais elevada. E, prossegue, essa constatação deveria bastar para atenuar nossa responsabilidade e aliviar a nossa Consciência, assim como a ofensa que cometemos contra o outro, na ocasião do erro cometido. É claro que isso não significa um perdão incondicional, pois ainda que relativa, sempre existe alguma Moral a ser observada. Também não significa que a vida deixou de ter problemas, porém, como não existe, ou não temos acesso a uma Lei Moral Absoluta, deveremos aperfeiçoar continuamente os nossos parâmetros éticos para bem solucionar tais problemas.

E para RORTY isso já é feito através da solidariedade. Somos deixados “com nossa lealdade” junto com outros Seres Humanos para juntos enfrentarmos as adversidades. Ou seja, na falta das “Luzes da Razão (ou do esclarecimento do raciocínio) o Instinto de animal que somos, faz-nos agir com nossos melhores sentimentos em relação aos demais, para poder esperar que o inverso aconteça conosco. Talvez, continua o filósofo, isso seja o suficiente.

A humildade de reconhecermos que não somos capazes de atingir uma Verdade Absoluta sobre o que é o Bom, o Mal, a Justiça etc. sugere-nos o exercício da solidariedade mutua e o efetivo exercício da Esperança de que deixaremos aos nossos descendentes um Mundo melhor.


Rio, 26 de Março de 2012.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Motivos

Barro do Mundo deixe esculpir-me
um novo homem.
Que eu seja como Prometeu
e desafie os deuses em busca
da Vida e da Verdade,
ainda que um tanto tarde.

Que novo homem
eu desvende o Destino,
revele o Caminho
e construa novo ninho.

Que a paúra seja desconhecida,
a ternura revivida
e toda dor esquecida.

Que outros braços
acolham minha carência,
que outros olhos
vejam a minha urgência
e outro corpo
sacie minha ardência.

Que eu, símile a Eros,
faça a cama que te deita,
sopre o perfume que te enfeita
e apague o Luar que nos espreita.

E que tal seja,
que nada além se veja,

pois se da lama fui eleito
e no Mundo refeito,
que exista em meu peito
todo manto festivo,
pois eis que a vida
renovou o meu
motivo.

domingo, 25 de março de 2012

Líricos Inocentes

Talvez ainda viva,
na pena d'algum poeta,
o quase extinto
amor de doar.

Amor de entrega,
cujo singular egoísmo,
compõe-se de dois
e de uma promessa
para depois.

Talvez ainda se cante
o amor além do instante.
Amores generosos
que pouco pedem
e tanto oferecem.

Talvez alguma Musa
ainda ouça a poesia
que lhe é oferecida
e se saiba a escolhida.

Talvez um jardim
ainda agasalhe
amores seminus;
de camas adiadas,
mas não dos passeios
de mãos dadas.

Talvez ainda se veja
uma volta, um perdão.
Uma lágrima caída
e uma saudade sofrida.

Talvez uma música
ainda seja a trilha
de um viver
que se compartilha.

Talvez, rosas da noite
ainda permitam
o cheiro de amar.
E a Lua se deixe ficar
à espera do amor assumido
e da certeza de se ter vivido.

              Para Yara, com carinho.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Águas de Tom

Chovem as
águas de Tom,
fechando o verão.

Céu e Mar
em uma só água,
como amantes
isentos de mágoa.
Longe, o navio
navega e flutua
qual rosa crua
que plaina indolente
esparramando-se em
vermelho perfume,
sem gemido
e sem queixume.

Água aos quatro ventos,
aos quatro elementos.
Águas do Maestro Soberano.
Morna como afago
e acolhedora como o lar
que ainda trago.

               Para Derli. Com carinho.


Homenagem pouca ao Maestro Antonio Carlos Jobim.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Filosofia Contemporânea - FEUERBACK, L. Andreas - O Ateísmo, o Agnosticismo e o Deísmo

FEUERBACK, Ludwig Andreas.
1804/1872
O Ateísmo e o Agnosticismo.

Segundo o Dicionário “Aurélio” o termo Ateísmo significa a “doutrina que dispensa a ideia, ou a intuição, (de que há) da divindade”. Seja no campo teórico, quanto no prático. No primeiro caso, a “Ideia Deus” não é utilizada para reforçar, ou justificar uma tese. No segundo caso, negando que uma eventual existência da divindade tenha qualquer influência na conduta humana.

Existem pessoas que só concordam parcialmente com essa tese, pois acreditam que Deus não influencia diretamente a vida humana e nem é útil para reforçar uma opinião. Porém, acham, supõe que exista um Deus, mas totalmente diferente daquele que as religiões propõem. Pessoas que comungam essa opinião são chamadas de Deístas. O Deus que aceitam é totalmente isento dos atributos e do antropomorfismo que as Igrejas lhe emprestam.

Além desse, citaremos o grupo de indivíduos chamados de “Agnósticos” que em termos de Filosofia só aceitam como verdadeira a tese que seja logicamente, racionalmente evidente. Agnósticos são as pessoas adeptas da “Agnosia (do grego Agnosia = ignorância)”, que é o desconhecimento assumido sobre determinado assunto, principalmente metafísico (ou seja, os assuntos que estão além da Física, do Concreto, do Material).  Logo, Agnósticos são aqueles que Não sabem se Deus existe.

Em resumo, teremos o seguinte quadro:

Ateu – não crê que Deus exista.

Deísta – aceita que Deus exista, mas que é totalmente diferente daquele proposto pelas religiões.

Agnóstico – aquele que “não sabe” se Deus existe.

Como se sabe, já em seu declínio o Império Romano, através de Constantino, elevou o Cristianismo à condição de “Religião Oficial” do Império; e que no “Concilio de Trento” um grupo de Teólogos sistematizou e decidiu o que seria a religião Católica, a qual imperou absoluta durante quase toda “Idade das Trevas (o epíteto não é fortuito)”. E assim foi, até que alguns de seus fundamentos (ou o mau uso que se fazia desses fundamentos) foram questionados e contestados pela Reforma Protestante de Lutero e de Calvino.

Contudo, não obstante as divisões havidas, a Religião (a Religação de Deus com o Homem) consolidou-se de tal forma que seus dogmas não eram sequer discutidos. Eram tidos como “Verdades Absolutas”, mesmo antes da “Santa (sic) Inquisição”. Duvidar de tais “Verdades” era uma prova de coragem extrema, ou de ingenuidade completa, pois, além de ser considerada uma blasfêmia que seria punida no além-túmulo por toda Eternidade; era tida como um crime hediondo, ou então, um sinal inequívoco de “Possessão Satânica” que só seria “curada” através de torturas no corpo físico do “endemoniado”. Em alguns casos, após esse “tratamento”, o indivíduo ainda era banido e excomungado e se tornava pária de uma Sociedade que lhe era de fundamental importância, inclusive por questões de segurança física. Ou, então, era queimado vivo.

No Oriente, o Islã cumpria a mesma tarefa, talvez com menos violência. Assim como as Religiões e Filosofias no Extremo Oriente. Em todo mundo, era absolutamente proibido Não acreditar em Deus, ou crer num Deus que não “fosse religioso”, ou Não saber se Deus existiria mesmo.

Apenas no Renascimento, dúvidas como essas ganharam relativa liberdade, mas só a partir do século XVII é que o assunto ganhou músculos com o surgimento dos grandes Pensadores e dos grandes Sistemas Filosóficos. De certa forma o Homem ganhou (ou conquistou) o direito de perguntar se foi Deus quem o inventou o Homem, ou se foi o Homem quem inventou a divindade?

Esse tipo de questionamento, abafado pelas trevas da Idade Média e pela ignorância que permeou e permeia as outras Eras (inclusive a atual), já percorria a Filosofia desde os “Pré Socráticos”, quando, por exemplo, Tales, em c. 600 AEC, negou que o Universo fora criado por algum tipo de Deus. Mais recentemente, em c. 400 AEC, o grego Diágoras de Melo, propôs um Sistema que argumentava em defesa do Ateísmo.

E ao longo do tempo, a Filosofia sempre acomodou as tendências a favor ou contra a existência da Divindade, ou como a mesma poderia ser. Filósofos do porte de Voltaire, Spinoza e mais recentemente, Karl Marx e Freud debruçaram-se sobre o tema e cada qual, junto com tantos outros, deixaram valiosas colaborações para o acervo intelectual da Humanidade.

O certo é que Deus é mais Objeto de Fé (ou seja, é alguma coisa que existe apenas por que se acredita que exista. Não há meio lógicos, racionais para comprovar tal existência), do que de Raciocínio Lógico, como bem nos demonstrou o Mestre ECKHART (c.1260/1327) ao dizer que: “Creio porque é Absurdo”, afinal eu só posso Crer, já que Deus é Absurdo (no sentido de ser Metafísico, Sobrenatural, além da Lógica) e, portanto, imensurável, incognoscível. Se Ele Não fosse Absurdo (ie, se Ele fosse mensurável, captável pelos Sentidos [tato, olfato, visão, audição, paladar]) eu Não precisaria apenas Crer. Eu poderia Conhecê-lo racionalmente.

Assim, por ser Objeto da Fé Irracional e não do Raciocínio Lógico, a existência ou não de Deus é um assunto que provoca debates acesos e até insultos e/ou agressões físicas. Por isso, e por ser a minoria, haja vista que desde cedo o indivíduo é treinado para acreditar em um “Ser Superior”, os Ateus, os Deístas e os Agnósticos só nos tempos de agora é que podem assumir a sua condição. A sua descrença; embora, ainda lhes seja imputados adjetivos negativos que vão de “adoradores de Satã (sic)” aos tristemente famosos “comunistas devoradores de criancinhas”. Não faltam, claro, outras “preciosidades” que geralmente frequentam as mentes incultas e manipuláveis.

Feita essa explanação, abordaremos a seguir o ideário de FEUERBACK, que para muitos é o autor do comentário mais lúcido sobre o tema.

Filósofo alemão do século XIX, FEUERBACK é mais conhecido pela obra “A Essência do Cristianismo”, de 1841, que lhe serviu de base teórica para contestar o próprio Cristianismo. Suas ideias inspiraram Pensadores Revolucionários como Marx e Engels.

Nessa sua obra, FEUERBACK abraça muitos pontos do Sistema de Hegel, porém com a seguinte ressalva: enquanto Hegel propunha a existência de um “Espírito Absoluto”, de uma “Idéia Total” que abrigaria em seu SER tudo que existe – tanto material quanto intelectual, emocional, espiritual – e seria a “Força Guia” operando na Natureza (nas árvores, nos animais, nas plantas, no Mundo, no Universo etc.) FEUERBACK propôs que a Experiência Humana (a História do que o Homem já fez, mais o relato do que faz) é o suficiente para explicar a Existência.

Para ele, os Humanos Não são projeções (formas externas, externalizadas) de algum “Espírito Absoluto” como o proposto por Hegel. Os Homens seriam, em verdade, o contrário disso. Para o filósofo, é o Homem quem cria a noção de que existe o referido “Espírito Absoluto, ou Maior, ou Deus”, a partir de seus próprios desejos, valores, opiniões e aspirações.

Sugere FEUERBACK que na nossa aspiração de que tudo que existe de melhor na Humanidade (compaixão, solidariedade, bondade* etc.) está concentrada num único SER, está a gênese do divino. Ou seja, pensamos que todas as boas qualidades que gostaríamos de ver nos indivíduos, é um atributo natural desse SER que chamamos de Deus. Assim o geramos.

*Mas o que são a bondade, a solidariedade, a compaixão? Serão iguais para todos e em todas as épocas? No final do presente Ensaio discorreremos sobre a Relatividade desses Conceitos.

A partir, então, do fato de que Deus é uma invenção do Homem, FEUERBACK afirma que a Teologia (Teo = deus + logia = estudo) é, na realidade, apenas uma Antropologia (o estudo sobre a Humanidade). Ao se estudar Deus, o que se estuda, de fato, é o Homem. Suas necessidades, suas carências, suas soluções etc.

Também, segundo FEUERBACK, não só nos iludimos ao pensar que Deus (ou deuses, ou seres divinos) existe como nos esquecemos, ou renunciamos ao que somos. Deixamos de ver que aquelas Virtudes que emprestamos ao divino, já existem em nós mesmos, com as obvias diferenças de indivíduo para indivíduo. Alguns as têm em maior grau, outros em menor escala e até mesmo aqueles considerados perversos, de algum modo trazem alguma virtude.

Por tudo isso, para FEUERBACK, deveríamos focar nossos maiores e melhores esforços nas virtudes da Humanidade, e não na retidão, na “bondade divina”. São as pessoas, nesta vida, nesta Terra que merecem a atenção integral.

ADENDO – FEUERBACK versus HEGEL – o Ateísmo.

Para FEUERBACK, Hegel abandonou um dos pilares da boa filosofia ao não adentrar mais profundamente nos Conceitos de Bom e Mal, que são essencialmente relativos e concordes com a sua época. É o caso clássico, por exemplo, da Escravidão que no Passado era considerada “boa” e no Presente é taxada de “má”.

Assim, dizia o filósofo, o Deus ou o “Espírito” de Hegel é equivocado, pois ao incorporar as “boas qualidades” que os humanos deveriam possuir, fê-lo sem questionar o que seriam essas “boas qualidades” já que as mesmas mudam conforme as condições sociais em que são evocadas. O que são o Bom, o Mal, o Feio, o Belo, a Verdade, a Mentira? Aquilo que é consenso para a maioria? Talvez, mas ainda assim seria um juízo relativo, pois o que é Belo para fulano, será Feio para sicrano. Nunca haverá uma unanimidade que torne tais Conceitos como Absolutos. Tudo é relativo. Tudo, pois, que forma Deus é relativo; logo, Deus é Relativo! É, portanto, apenas uma fantasia humana, sem qualquer característica efetiva que o diferencie dos Homens.

Ao principio tende-se a concordar com FEUERBACK. Contudo, para vários Pensadores, num segundo momento, numa reflexão mais acurada, vê-se que faltou argúcia para o filósofo; pois Hegel ao estipular que tudo é formado pelo “Movimento Dialético”, já embutira ali o “Relativismo das Coisas e Conceitos”. Senão vejamos: como se sabe, para Hegel uma Idéia, ou uma noção é composta por uma Tese (que afirma alguma coisa) confrontada por sua própria Antítese (que nega aquela mesma Coisa, ou parte da mesma, inclusive por não estar de acordo com a Moral da época). Desse confronto surgirá uma Síntese (que é aquela Coisa aprimorada e atualizada seguindo o padrão do momento). Dessa forma o Conceito, a Idéia ou a Noção de “Bom”, por exemplo, é Absoluto ou Imutável, pois Relativos são os componentes que formam esse “Bom”, os quais, como se disse, são atualizados conforme a época. Voltando ao exemplo da Escravidão, veremos que “Bom”, hoje, É a ausência de escravidão.

Note-se que o significado mais profundo da Noção de “Bom” não foi alterado. Continua a ser aquilo que agrada aos costumes, hábitos e moralidade da época. Logo, se o “Espírito” de Hegel é formado por essas Noções, digamos, Maiores e por esses “Conceitos Absolutos”, ele só pode ser “Absoluto”. Portanto, bem mais que uma fantasia.

Note-se, por fim, que a existência ou não de Deus, aqui tratada, obedece apenas ao plano da reflexão filosófica superior. A existência ou a inexistência baseada apenas na Fé foge ao objetivo dessa discussão e não foi abordada, justamente, por não ter nascido da Razão, do Raciocínio filosófico.

São Paulo, 21 de Março de 2012.

Bibliografia Consultada e Recomendada:
Dicionário de Filosofia – 6ª Edição
Nicola Abbagnano
Tradução – Alfredo Bosi e Ivone Castilho Benedetti
Ed. VMF – Martins Fontes SP.

O Livro da Filosofia – Anna Hall, editora de projeto e Sam Atkinson, editor Sênior – Londres, Grã Bretanha.
Tradução de Rosemarie Ziegelmaier.

Pequeno Dicionário de Filosofia Contemporânea – Oswaldo Giacoia Junior – Ed. Publi Folha.

Negro Baú

A negra noite
escorre pelo
negro baú.
Se houve,
já não se sabe,
mas alguém insiste
que uma Estrela brilhou,
como se do drama
de ser cadente,
nada me fosse indiferente.

Uma saudade amante
inesperada,
sonha ao meu lado,
sem que eu lhe adivinhe
o secreto segredo.
Sinto-lhe a pele
e o calor da presença,
mas não sei qual enredo
esse misto de dramaturgo
e inglório taumaturgo
escreveu no rodapé
da cena principal.

Hoje, a brisa custou a vir
e a febre me assolou.
Ainda que tente
nenhum poema se apresenta
e essa insônia a seco
fere-me a garganta
a cada ríspido
gole que bebo.

Noite do tempo parado,
do estampido de tiro
disparado.
E dessa triste tristeza
que vira incerta certeza
na sombria fantasia
carente de beleza.

quarta-feira, 21 de março de 2012

A Sodoma dos Homens

O som que fere
o silêncio da noite
recém chovida,
revela o voar
de quem nunca
pôde andar.

É o anjo triste
em busca da paz
que lhe disseram
e do amor
que não lhe deram;

mas tais já não existem,
jovem amante antigo.
Foram extorquidos
pelos Homens enlouquecidos.

Levaram ambos,
rotos mulambos,
pelas ruas sem esquinas
das cidades marroquinas.
Estão perdidos na Bagdá
das mil e uma noites
e gemem sob os açoites
um choro desamparado
de orfão rejeitado.

Saia dessa Sodoma,
desse bíblico Genoma,
pois cá só te espera
o estupro por Homens
pervertidos.

Ande! Que se apresse,
que se corra dessa
luxuriosa Gomorra,
terra de só ambição,
de ganho, de lucro
e do amor sem paixão.

Volte ao Sétimo Céu
e lá se abrigue
desse erro da Criação.
Aqui, é o Mundo Perdido
que pelos deuses foi esquecido.

Não se nos juntem
nesse bêbado olvido,
pois Apolo se aproxima
e logo terá amanhecido.

É assim que tem sido...
é assim que tem sido...

terça-feira, 20 de março de 2012

Sendas

Sigo a Lira
do poeta louco,
nos sendeiros da América.
Sigo a prata de Potosi,
o ouro das Gerais
e os negros olhos
da Marquesa que se foi.

Caminhos da louca famélica,
de tantos Pablos em vão.
Caminhos de Joaquim José
nos desvãos obscuros
de Assumares impuros.

Sigo a Lira
dos loucos profetas,
que nas montanhas
das Gerais
cantam a dor do Passado
pelo inútil sangue derramado.
Sigo em vão os Profetas eternos.
Parados, aleijados
no frontispício
do templo hospício.

A todos sigo
no caminho das Minas.
Selvas de pedras partidas
e de eternas Inconfidências
não resolvidas.
Sigo o canto,
sigo o campo
e nunca me farto
de seguir tanto.

Sou louco demente,
profeta inexistente
sem rumo à frente.
Mas ainda creio
que tarda o meu poente.

               

segunda-feira, 19 de março de 2012

Filosofia Moderna e Contemporânea - HABERMAS, Jurgen - A Razão Comunicativa e as Esferas Públicas

HABERMAS, Jurgen

1929

Considerado um dos maiores Pensadores vivos, o filósofo alemão trouxe para a arena da Filosofia um tema que raras vezes (talvez nunca como agora) foi estudado com tanta profundidade: a necessidade imperiosa do grupo social questionar, transformar ou repudiar as tradições perniciosas que atrapalham ou impedem o progresso da sua Sociedade.

De acordo com sua ótica, a Sociedade Moderna precisa não só dos avanços tecnológicos, mas também de sua capacidade de criticar (estudar minuciosamente) e de (re) pensar as suas tradições, hábitos, costumes, valores, padrões e quetais, para que o bem-estar físico, material e emocional seja alcançado pelos membros dessa Sociedade.  Tome-se o seguinte exemplo para maior clareza: até a 2ª Guerra era tradição que a mulher só trabalhasse em seu lar. Mas, hoje, essa tradição é possível, ou desejável?

Como se sabe, a Crítica – enquanto estudo detalhado, minucioso – só pode ser feita através da Razão, ie, do Raciocínio, da Lógica. Razão e Lógica que atuam majoritariamente em nosso cotidiano. Tanto é que em resposta à ação que alguém fez perguntamos instintivamente “Por que você fez isso?”, ou se fulano diz alguma coisa, também automaticamente lhe perguntamos “Por que você disse isso?”. Continuamente pedimos justificativas sobre os atos e as falas do outro, fazendo uma Critica, uma investigação sobre o seu comportamento. Porém, raríssimas vezes, o nosso interesse avança para além da matéria, das questões do dia-a-dia. Nunca, ou quase nunca, o interesse que temos se reporta às motivações mais profundas; mais, digamos, afeitas à Essência metafísica, a alma do indivíduo.

A essa comportamento característico do Homem comum, Habermas deu o nome de “Razão Comunicativa”. Por ela, como já citado, não se busca encontrar “verdades abstratas, metafísicas, espirituais etc.”. Ao contrário, com ela só se busca sondar a “justificativa” ao nível do físico, do material, do concreto, que o Outro (indivíduo, sujeito) apresenta para o Ato que praticou, ou para o Discurso que fez. E assim fazemos em relação a terceiros, porque nós mesmos sentimos uma necessidade imperiosa de justificarmos as nossas ações e as nossas falas. Somos, afinal, “animais políticos”

Para Habermas, as Tradições da Sociedade (enquanto valores morais, abstratos, espirituais) Não são, ou Não devem ser prioritárias para os indivíduos, pois a Sociedade necessita imperiosamente questionar constantemente essas Tradições e descartá-las sem o menor pudor, para alcançar os objetivos materiais, concretos que foram visados.

Para o filósofo, ao juntarmos esse “desinteresse” pelas Tradições, com a objetividade fria e lógica da Razão Comunicativa passamos a ter o primeiro trunfo efetivo que nos permite projetar as melhorias que queremos para a Sociedade. Porém, para que essa junção aconteça é preciso que haja uma infraestrutura mínima; será necessário um Local especifico onde as pessoas possam se reunir. A esse lugar, Habermas chamou de “Esfera Pública”.

Até o final do século XVII a Cultura Européia era o que se poderia chamar de Representativa. Isto é, as Classes Dominantes buscavam representar a si mesmas, perante seus súditos, com grandes demonstrações de seu Poderio. Ostentações que ocorriam sem a necessidade de qualquer justificativa em função do Regime Absolutista e do Direito Divino que vigoravam e dispensavam qualquer limitação.

RECORTE – O “Direito Divino”, como se sabe, consistia na crença de que Deus escolhia (sic) certa família (ou dinastia), ou certo indivíduo para governar os demais. Assim, o escolhido, por ter esse aval divino, podia fazer o que bem entendesse sem prestar contas de seus atos. Afinal ele era um Instrumento (sic) do Governante de todas as coisas (sic).

Os súditos, geralmente rudes camponeses analfabetos, acreditavam piamente nas fantasias religiosas (Céu, Inferno, Perdão, Castigo, Milagres e quejandos) e se contentavam em maravilhar-se diante das grandezas e opulências de seus Senhores. Diante dos grandes castelos, enormes retratos, bailes luxuosos, grandes esculturas e outras formas de Cultura que compunham o cenário da época.

Contudo, no século XVIII surgiram vários espaços abertos ou acessíveis ao público. Bares, Cafés, Saraus Literários etc. onde os indivíduos se reuniam, ao arrepio do controle governamental, para debaterem sobre os mais diversos assuntos. A abertura desses Espaços Públicos deu oportunidade para que se questionasse a Autoridade e a legitimidade do Governo e, por consequência, a sua forma de Cultura. A “Cultura Representativa” que mencionamos acima.

A “Esfera Pública” tornou-se um “terceiro espaço”, uma “ponte” entre o que se discutia privadamente no recesso do lar, ou das amizades mais intimas, com as discussões para públicos maiores. Serviam também como uma espécie de “amortecedor” entre as conversas privadas e o Espaço ocupado e controlado pelo Estado.

Além da “Cultura oficial”, promovida pelo Regime, outro tipo de Cultura nascia nos Cafés, Saraus e Bares; e emergiram em paralelo as discussões filosóficas, políticas etc. Ademais, na “Esfera Pública”, abriu-se um leque de oportunidades para que se reconhecessem os interesses em comuns de todos os cidadãos. Interesses que nem sempre o Governo supria, quer por inabilidade, quer por politicagem rasteira. A partir daí pôde se questionar a existência e a validade da “Cultura Representativa” e a existência e legitimidade do próprio Estado, ou, pelo menos, “daquele tipo de Estado”.

Nas décadas de 1960/1970, Habermas convenceu-se da estreita ligação entre a “Esfera Pública” e a “Razão Comunicativa” e o filosofo chegou à creditar a tal junção, fatos importantíssimos como, por exemplo, a Revolução Francesa de 1789, à medida que naquelas “Esferas Públicas” é que foram exarados, estudados e execrados os atos opressores da Monarquia em detrimento do povo.

A expansão das “Esferas Públicas” a partir do século XVIII ocasionou o crescimento das Instituições Políticas democraticamente eleitas, os Tribunais independentes e as Declarações de “Direitos Humanos”. Contudo, para Habermas, muitos desses freios contras as arbitrariedades, contra os abusos e excessos estão ameaçados na Atualidade. Os jornais, por exemplo, podem oferecer espaços para debates eficientes e instrutivos, porém, esmagados pela lógica do Capitalismo, capitulam e partem em busca do lucro a qualquer preço, chegando ao ponto de se especializarem em Colunas Sociais, ou sobre “Celebridades” e outras tantas futilidades. Certamente seu pessimismo cresceu com o correr do tempo, principalmente com o que ocorre no Radio e na Televisão, onde o Tempo e o Espaço que deveriam ser entregues à Cultura, são dirigidos para o entretenimento de baixíssimo nível que agrada à sanha do populacho. A imprensa eletrônica (o Radio e a Televisão) é uma concessão que o Estado faz para alguns indivíduos ou grupos que formalmente (e falsamente) se comprometem a promover Educação, Saúde, Lazer e Cultura de boa qualidade, mas o resultado desse logro é o que se assiste diariamente.

Ante a pergunta sobre o porquê do Estado não cassar tais concessões, a resposta não surpreende: corruptos governantes e maus empresário em criminoso conluio – afinal, cometem o crime de lesa-pátria por imbecializar uma parcela imensa da população – lucram com essa atividade perniciosa para quase todos. Menos para eles, é claro, que lucram de duas formas: a primeira, pelo roubo simples e direto do erário público. A segunda, através da cretinização do eleitorado que sem poder intelectual de critica e análise os reconduzem aos postos de onde ofertam as migalhas que julgarem oportunas. Por ora, para Habermas, de “agentes críticos e racionais, somos transformados em meros consumidores irracionais”.

Não é difícil supor que, ao cabo, só trocaram “a cenoura que o asno tenta alcançar enquanto puxa a carruagem que carrega a Elite”. Antes, as promessas se baseavam em felicidades futuras no Além. Agora, tais felicidades podem ser conseguidas aqui mesmo, em “módicas prestações”. Em relação aos castigos que o “asno sofre se não prosseguir o trabalho” quase não houve alteração. Diuturnamente “pastores”, “padres”, “rabinos”, “pais de santos”, “mestres orientais” etc. vociferam pelo Radio e pela Televisão, ameaças terríveis que o “Demônio” imporá contra todos que não seguirem os Mandamentos (sic). Além, é claro, de todo aparato de repressão mundana a que ele estará sujeito.

Atualmente, Habermas tem um papel importante na “Esfera Pública” participando de palestras e de debates sobre a negação do Holocausto judeu pelos nazistas e sobre o terrorismo global.

São Paulo, 17 de Março de 2012.

Bibliografia Consultada e Recomendada:
Dicionário de Filosofia – 6ª Edição
Nicola Abbagnano
Tradução – Alfredo Bosi e Ivone Castilho Benedetti
Ed. VMF – Martins Fontes SP.

O Livro da Filosofia – Anna Hall, editora de projeto e Sam Atkinson, editor Sênior – Londres, Grã Bretanha.
Tradução de Rosemarie Ziegelmaier.

Pequeno Dicionário de Filosofia Contemporânea – Oswaldo Giacoia Junior – Ed. Publi Folha.