segunda-feira, 19 de março de 2012

Filosofia Moderna e Contemporânea - HABERMAS, Jurgen - A Razão Comunicativa e as Esferas Públicas

HABERMAS, Jurgen

1929

Considerado um dos maiores Pensadores vivos, o filósofo alemão trouxe para a arena da Filosofia um tema que raras vezes (talvez nunca como agora) foi estudado com tanta profundidade: a necessidade imperiosa do grupo social questionar, transformar ou repudiar as tradições perniciosas que atrapalham ou impedem o progresso da sua Sociedade.

De acordo com sua ótica, a Sociedade Moderna precisa não só dos avanços tecnológicos, mas também de sua capacidade de criticar (estudar minuciosamente) e de (re) pensar as suas tradições, hábitos, costumes, valores, padrões e quetais, para que o bem-estar físico, material e emocional seja alcançado pelos membros dessa Sociedade.  Tome-se o seguinte exemplo para maior clareza: até a 2ª Guerra era tradição que a mulher só trabalhasse em seu lar. Mas, hoje, essa tradição é possível, ou desejável?

Como se sabe, a Crítica – enquanto estudo detalhado, minucioso – só pode ser feita através da Razão, ie, do Raciocínio, da Lógica. Razão e Lógica que atuam majoritariamente em nosso cotidiano. Tanto é que em resposta à ação que alguém fez perguntamos instintivamente “Por que você fez isso?”, ou se fulano diz alguma coisa, também automaticamente lhe perguntamos “Por que você disse isso?”. Continuamente pedimos justificativas sobre os atos e as falas do outro, fazendo uma Critica, uma investigação sobre o seu comportamento. Porém, raríssimas vezes, o nosso interesse avança para além da matéria, das questões do dia-a-dia. Nunca, ou quase nunca, o interesse que temos se reporta às motivações mais profundas; mais, digamos, afeitas à Essência metafísica, a alma do indivíduo.

A essa comportamento característico do Homem comum, Habermas deu o nome de “Razão Comunicativa”. Por ela, como já citado, não se busca encontrar “verdades abstratas, metafísicas, espirituais etc.”. Ao contrário, com ela só se busca sondar a “justificativa” ao nível do físico, do material, do concreto, que o Outro (indivíduo, sujeito) apresenta para o Ato que praticou, ou para o Discurso que fez. E assim fazemos em relação a terceiros, porque nós mesmos sentimos uma necessidade imperiosa de justificarmos as nossas ações e as nossas falas. Somos, afinal, “animais políticos”

Para Habermas, as Tradições da Sociedade (enquanto valores morais, abstratos, espirituais) Não são, ou Não devem ser prioritárias para os indivíduos, pois a Sociedade necessita imperiosamente questionar constantemente essas Tradições e descartá-las sem o menor pudor, para alcançar os objetivos materiais, concretos que foram visados.

Para o filósofo, ao juntarmos esse “desinteresse” pelas Tradições, com a objetividade fria e lógica da Razão Comunicativa passamos a ter o primeiro trunfo efetivo que nos permite projetar as melhorias que queremos para a Sociedade. Porém, para que essa junção aconteça é preciso que haja uma infraestrutura mínima; será necessário um Local especifico onde as pessoas possam se reunir. A esse lugar, Habermas chamou de “Esfera Pública”.

Até o final do século XVII a Cultura Européia era o que se poderia chamar de Representativa. Isto é, as Classes Dominantes buscavam representar a si mesmas, perante seus súditos, com grandes demonstrações de seu Poderio. Ostentações que ocorriam sem a necessidade de qualquer justificativa em função do Regime Absolutista e do Direito Divino que vigoravam e dispensavam qualquer limitação.

RECORTE – O “Direito Divino”, como se sabe, consistia na crença de que Deus escolhia (sic) certa família (ou dinastia), ou certo indivíduo para governar os demais. Assim, o escolhido, por ter esse aval divino, podia fazer o que bem entendesse sem prestar contas de seus atos. Afinal ele era um Instrumento (sic) do Governante de todas as coisas (sic).

Os súditos, geralmente rudes camponeses analfabetos, acreditavam piamente nas fantasias religiosas (Céu, Inferno, Perdão, Castigo, Milagres e quejandos) e se contentavam em maravilhar-se diante das grandezas e opulências de seus Senhores. Diante dos grandes castelos, enormes retratos, bailes luxuosos, grandes esculturas e outras formas de Cultura que compunham o cenário da época.

Contudo, no século XVIII surgiram vários espaços abertos ou acessíveis ao público. Bares, Cafés, Saraus Literários etc. onde os indivíduos se reuniam, ao arrepio do controle governamental, para debaterem sobre os mais diversos assuntos. A abertura desses Espaços Públicos deu oportunidade para que se questionasse a Autoridade e a legitimidade do Governo e, por consequência, a sua forma de Cultura. A “Cultura Representativa” que mencionamos acima.

A “Esfera Pública” tornou-se um “terceiro espaço”, uma “ponte” entre o que se discutia privadamente no recesso do lar, ou das amizades mais intimas, com as discussões para públicos maiores. Serviam também como uma espécie de “amortecedor” entre as conversas privadas e o Espaço ocupado e controlado pelo Estado.

Além da “Cultura oficial”, promovida pelo Regime, outro tipo de Cultura nascia nos Cafés, Saraus e Bares; e emergiram em paralelo as discussões filosóficas, políticas etc. Ademais, na “Esfera Pública”, abriu-se um leque de oportunidades para que se reconhecessem os interesses em comuns de todos os cidadãos. Interesses que nem sempre o Governo supria, quer por inabilidade, quer por politicagem rasteira. A partir daí pôde se questionar a existência e a validade da “Cultura Representativa” e a existência e legitimidade do próprio Estado, ou, pelo menos, “daquele tipo de Estado”.

Nas décadas de 1960/1970, Habermas convenceu-se da estreita ligação entre a “Esfera Pública” e a “Razão Comunicativa” e o filosofo chegou à creditar a tal junção, fatos importantíssimos como, por exemplo, a Revolução Francesa de 1789, à medida que naquelas “Esferas Públicas” é que foram exarados, estudados e execrados os atos opressores da Monarquia em detrimento do povo.

A expansão das “Esferas Públicas” a partir do século XVIII ocasionou o crescimento das Instituições Políticas democraticamente eleitas, os Tribunais independentes e as Declarações de “Direitos Humanos”. Contudo, para Habermas, muitos desses freios contras as arbitrariedades, contra os abusos e excessos estão ameaçados na Atualidade. Os jornais, por exemplo, podem oferecer espaços para debates eficientes e instrutivos, porém, esmagados pela lógica do Capitalismo, capitulam e partem em busca do lucro a qualquer preço, chegando ao ponto de se especializarem em Colunas Sociais, ou sobre “Celebridades” e outras tantas futilidades. Certamente seu pessimismo cresceu com o correr do tempo, principalmente com o que ocorre no Radio e na Televisão, onde o Tempo e o Espaço que deveriam ser entregues à Cultura, são dirigidos para o entretenimento de baixíssimo nível que agrada à sanha do populacho. A imprensa eletrônica (o Radio e a Televisão) é uma concessão que o Estado faz para alguns indivíduos ou grupos que formalmente (e falsamente) se comprometem a promover Educação, Saúde, Lazer e Cultura de boa qualidade, mas o resultado desse logro é o que se assiste diariamente.

Ante a pergunta sobre o porquê do Estado não cassar tais concessões, a resposta não surpreende: corruptos governantes e maus empresário em criminoso conluio – afinal, cometem o crime de lesa-pátria por imbecializar uma parcela imensa da população – lucram com essa atividade perniciosa para quase todos. Menos para eles, é claro, que lucram de duas formas: a primeira, pelo roubo simples e direto do erário público. A segunda, através da cretinização do eleitorado que sem poder intelectual de critica e análise os reconduzem aos postos de onde ofertam as migalhas que julgarem oportunas. Por ora, para Habermas, de “agentes críticos e racionais, somos transformados em meros consumidores irracionais”.

Não é difícil supor que, ao cabo, só trocaram “a cenoura que o asno tenta alcançar enquanto puxa a carruagem que carrega a Elite”. Antes, as promessas se baseavam em felicidades futuras no Além. Agora, tais felicidades podem ser conseguidas aqui mesmo, em “módicas prestações”. Em relação aos castigos que o “asno sofre se não prosseguir o trabalho” quase não houve alteração. Diuturnamente “pastores”, “padres”, “rabinos”, “pais de santos”, “mestres orientais” etc. vociferam pelo Radio e pela Televisão, ameaças terríveis que o “Demônio” imporá contra todos que não seguirem os Mandamentos (sic). Além, é claro, de todo aparato de repressão mundana a que ele estará sujeito.

Atualmente, Habermas tem um papel importante na “Esfera Pública” participando de palestras e de debates sobre a negação do Holocausto judeu pelos nazistas e sobre o terrorismo global.

São Paulo, 17 de Março de 2012.

Bibliografia Consultada e Recomendada:
Dicionário de Filosofia – 6ª Edição
Nicola Abbagnano
Tradução – Alfredo Bosi e Ivone Castilho Benedetti
Ed. VMF – Martins Fontes SP.

O Livro da Filosofia – Anna Hall, editora de projeto e Sam Atkinson, editor Sênior – Londres, Grã Bretanha.
Tradução de Rosemarie Ziegelmaier.

Pequeno Dicionário de Filosofia Contemporânea – Oswaldo Giacoia Junior – Ed. Publi Folha.

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