segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Ame-o ou Deixe-o


Já foi assim.
Foi no tempo do "boi da cara preta",
no tempo em que calaram a retreta
e louvaram o "deus-baioneta".

Tu te lembras, guerreira?
Aonde tu vives agora
existem lembranças?

Eramos jovens. E ríamos.

Lembra-te do gosto bom
de Buarque-Poesia
e do amor que se fazia?

Eramos jovens. E vivíamos,

apesar da tortura,
apesar da Ditadura...

Lembras guerreira,
do sonho que insistia,
do corpo que resistia
e do "Lobo Carrasco" que nos batia?

Mas, depois, guerreira,
tanto nos machucaram.
Violaram o teu corpo
e queimaram a nossa alma.

E até quiseram que o deixássemos.
E nós o amávamos tanto...

Então, um pedaço de mim
já não existia.
Tu, já não vivia...

Lembras,
do livro que eu escreveria,
das cores que tu pintaria,
do filho que o jardim pariria
e do novo Mundo que viria?

Mas, não veio a *utopia...

Lembras, guerreira?

           
                                                 Para Bete.

*Da poética de Carlos Drummond de Andrade.

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O Baile

O paletó já não acomoda
o homem que foi esbelto,
mas o gesto galante
ainda conduz a dama
das negras lantejoulas
por todos os salões
já dançados.
A música de ex amores
toca nostálgicas saudades
e uma lágrima jovem
corre pela face sozinha.
Mãos adultas acariciam
cabelos brancos e idéias passadas,
enquanto vozes semi cansadas
sussurram falsos dilemas.
A meia-luz das lâmpadas azuis
não substitui a Lua,
mas ainda assim, sonha-se.
Ama-se, talvez.

As noites de tantos antes
agora são essas.
Amanhã o Sol revelará
o que se quis esquecer.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

PRÊMIOS RECEBIDOS - Associação Artística e Literária Multiprofissional - ALPAS 21

Queridos (as),

tenho a grata satisfação de registrar as Menções Honrosas como Destaque Literário Nacional que me foram concedidas pela Associação Artística e Literária Multiprofissional - ALPAS 21 - no XVII Concurso Literário Internacional de Poesias, Contos e Crônicas  realizado em Porto Alegre - RS - em meados desse ano. Tive a grata felicidade de ter doze (12) poesias classificadas sob essa chancela, o que certamente contribui para aumentar minha satisfação por ter tido a oportunidade de bem representar o nosso País.






quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Espelho


Há desejo no olhar
que o espelho embaçado
aos poucos revela.

O corpo aprisionado
no casulo da toalha
logo ganhará asas,
pois é no voo da borboleta
que o lírio floresce
e o corpo se oferece.

Há pressa na mão
que logo será cem.
É preciso que todas as carícias
percorram o seio que arde.

E há paixão nos lábios
que beijarão todos os lábios.
E que murmurarão
a canção do amor maior.

Então, as vidraças embaçadas
esconderão as entregas
e proclamarão as verdades,
enquanto os sentidos
voarão as liberdades.

sábado, 22 de dezembro de 2012

As Estações

INVERNO

Cautela, filho, porque
grande é o Mundo
e tantos são
os labirintos de se perder.
Cuidado, mulher,
porque nem sempre
as carrancas do São Francisco
exorcizam os demônios,
nem sempre as brancas rendas
beatificam os dias,
ou as negras bençãos
afastam o infortúnio.
É preciso estar atento,
pois nem sempre
o canto de Iara se evita
e nem sempre a maré
espalha o azul pela vida.
E mais cuidado é preciso
quando o corpo da amada
ao prazer nos convida,
pois eis que nos espreita
a dor da saudade
e a solidão da idade.

OUTONO

Um vento amarelo
despe a árvore envergonhada
(o homem recolhe
as folhas caídas
no chão burocrático.
Quem fará igual
com as nossas almas?)
Quem, poeta?
O tempo, Musa de sempre.
Apenas o tempo
haverá de recolher
os nossos sonhos
e, talvez,
compensar as nossas ausências.
Apenas o tempo, Musa de sempre,
haverá de justificar
as novas crenças
e o Arco-Iris
que insiste no horizonte.
Apenas o tempo, Princesa,
trará a outra Primavera.

PRIMAVERA

E o tempo é de esperança.
E o tempo é de renovar a aliança.
Que tenhamos a força da generosidade
e que nunca nos falte a solidariedade.
Que ao amor sejamos convidados
e que por todos os perdões
sejamos perdoados.
Que o corpo experimente o gozo
e a alma, o orgasmo do repouso.
Que saibamos prover,
mas que nos esqueçamos de prever,
pois é no inesperado
que a boa sorte
revela o seu fado.
Que tenhamos,
até,
o gosto da melancolia,
apenas para sentir
o esplendor do novo dia.

VERÃO

Caminhe comigo, mulher.
Andemos por nossos corpos
e exploremos os mútuos prazeres.
O Mundo não teve fim
e a cor se renova
em cada rosa colhida,
em cada lágrima não vertida
e em toda mão estendida.
Bebamos os prazeres do vinho.
Experimentemos os sabores da romã.
E, principalmente,tenhamos a ventura de ver
que são estrelas os teus olhos
e são abrigos os teus braços.
Saibamos que a chuva do fim da tarde
haverá de trazer a fresca brisa
e que o balanço da rede
trará a cadência do amor.
Ande comigo, mulher.
A vida é o caminho.

               Para a Musa de sempre.

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Speratio


Que a esperança renovada
em cada semente germinada
reponha os deuses ancestrais
em seus coloridos pedestais.
Que a boa sorte nos cristais
predigam o fim do anjo nefasto
e do triste banquete
de intragável repasto.
Que a ideia imóvel,
que o tempo perdido
e o vicio da mediocridade
não resistam à luz e claridade;
e que a fantasia seja
a mais pura realidade.
Que abandonemos o rebanho
triste e lanho
e exerçamos a Poesia devida
em cada acácia devolvida.
Que ao labor não sejamos forçados,
mas ao amor sejamos destinados.
Que tenhamos a dignidade de um cão
e a generosidade do chão fecundo,
pois saberemos que mesmos ínfimos
somos o Mundo.
Que saibamos ser irmãos das Estrelas,
filhos das árvores e amantes do verso,
pois eis que nos saberemos Universo.
Que tenhamos mãos para o afago.
Que tenhamos um riso largo.
Que tenhamos uma lágrima caída
uma página virada, uma história vivida,
uma chegada, uma partida,
e, sobretudo, o milagre da vida.

Dedicado a todos os (as) amigos (as) e sobretudo aos Confrades e Confreiras da Academia Nacional de Letras do Portal do Poeta Brasileiro. A todos desejo um Natal e um Novo Ano repleto de tudo que lhes traga felicidade.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Preso Tempo


Preso tempo entre as paredes
que não passam.
Entre as gavetas que se fecham
em perpétuos segredos
da vida que não se fez.

Preso homem dentro do preso tempo,
dentro da presa gaveta
que guarda a vida
sem segredos.

Quem haverá, homem preso,
de quebrar tuas cadeias,
iluminar tuas candeias
e arar tuas areias?

Quem haverá, homem tempo,
de abrir tuas gavetas,
revelar teus segredos
e viver-te a vida
que não se fez?

Quem haverá, homem sozinho,
pois a estrela se foi,
o poema é segredo
e o tempo já não é...

Quem haverá?



Digitado pela Taisinha no noroeste do Estado de São Paulo.

domingo, 16 de dezembro de 2012

Colo


Quem dera eu pudesse despir
essa angústia que me veste.
Quem dera eu pudesse chorar
e o consolo de um colo
houvesse.

Lembras, doce companheira,
das cores que visitamos?
Dos caminhos que andamos
e dos amores que amamos?

Mas agora, quem dera meu grito fosse ouvido
e o teu carinho não me fosse proibido.
Quem dera o amor que tivesse havido
não se tornasse o momento interrompido.

Lembras, doce companheira,
do tempo que sonhávamos
a música que nos era exclusiva
qual a alameda da "sempre viva"?

Mas agora, quem dera a música
não fosse privilégio do Aedo
e eu pudesse tocar a certeza
de não ser só.

Lembras, doce companheira,
dos planos que imaginamos
e das fantasias que realizamos?

Mas agora, doce companheira,
eu só queria que o "blue" da negra voz,
fosse a ponte que me transporta.
E que te permiti.

    Porque os diamantes e a Musa são eternos.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

A Rua da Meia-Noite


A Rua da Meia-Noite
aquieta todos os rumores
para que das janelas cerradas
ouça-se a moça cantar
as águas passadas.

E antes que ao Burgo se chegue
alguém chora uma distância
e pelas brancas paredes caiadas
desenham-se saudades resignadas.

A sombra dissolvida na escuridão
já não modela os corpos amantes,
mas o perfume dos manacás
revela as mãos que se deram
e as lisas pedras do calçamento,
os poemas que se fizeram.

E quando ao Burgo se chega
as rosas de jardins modestos
protegem os Castelos
que são casas e são lares.

Ainda nas mesas jantares descansam
dos apetites saciados.
E os corpos cansados
sonham heroicos moinhos decisivos
e amam amores definitivos.

           

domingo, 9 de dezembro de 2012

Auto de Açucena


- Branca Açucena
que do fundo nos chega,
conte o que viu
na Terra das gentes.

- Pouco eu vi, poeta que pergunta.
E menos entendi,
pois o véu que o Mundo
nos obriga
roubou o que viam esses olhos;
e essa mão (que a Terra
haverá de comer),
só o cinza vazio segurou.

- Mas e a luz que às vezes avistamos?

- Dela, só soube que é semi extinta.
Que são os brilhos derradeiros
de quando o amor existia.
De antes que o medo e o orgulho
apagassem o bem-querer.

- E mais nada restou, Branca Açucena?

- Só a paúra de saber que no Futuro
haverá de se perguntar o por quê
não se deixou a Felicidade ficar.

- E a Ciranda que se ouve, Açucena?

- Essa eu vi. É quem canta e festeja
a tristeza de quem quer sonhar.
Canta e festeja
porque nela está
que em vão já sonhou
e quem nunca sonhará.
Canta e festeja, canta e pragueja
para os sonhos não sonhar.

- Tão triste, branca Açucena.
- Tão triste, poeta que pergunta.

sábado, 8 de dezembro de 2012

Gestos


E porque o Poema
é um gesto em azul,
sabe-se da aquarela
que a bailarina pinta
no espaço que preenche.

Sabe-se do som
que viaja memórias
e das luzes
de espadas, cruzes
e histórias.

E mais se sabe,
pois eis que as árias
são ecos de vidas
e as danças dançadas
são vias caminhadas
no cenário carmim,
com a certeza
do sim.

                    Para Glória.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Que Sejam


Que sejam mansos
os mares que tu navegares.
Que sejam generosos
os portos em que te abrigares.

Que sejam ternos
os abraços que te acolherem.
Que sejam firmes
as mãos que te ampararem.

E que de todos
só recebas
um ramo de paz.

Que sejam dóceis
os solos que lavrares
e sejam muitos e gentis
os frutos do teu ensinar,
pois eis que a terra
saberá querer teu leve jugo.

Que brancas Luas inteiras
façam de prata as tuas noites;
e que todas as lavandas
perfumem os lençóis
que abrigam os teus amores.

E, então, quando tudo
assim se fizer,
esteja certa de que
se cumpriu a sua sina,
doce Musa de toda rima.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Dança do Ventre

São amêndoas
os olhos de Nefertiti rediviva.
E neles se revelam
os antigos mistérios
que bailam sensuais
nos véus que cobrem
a pele dourada
da bailarina de ouro.

E neles as tâmaras da noite
saciam a sede de amor
e a fome dos corpos.
E enquanto os Anafis
evocam Isís deusa,
o hálito morno do deserto
conta do oásis que o futuro
haverá de trazer.

E tudo,bailarina dourada,
porque tu danças.
E tudo, porque a ti 
coube parir a beleza.


Modelo da Foto - Miucha Cicaroni.

domingo, 2 de dezembro de 2012

Sei-te Acácia

Em vão os olhos se fecham,
pois nem todo breu
diminui o brilho
da Estrela que viaja
a madrugada.

Sinto-te, gozo antecipado
e saciedade pressentida,
pois sei que longe,
logo estarão
as guerreiras colunas.

E sei de tua vinda.
Sei das acácias que trazes
e das árias de Verdi
que te anunciam.

E nos sei em lentos lençóis,
no vagar do amor de todo tempo
e na carícia
de cada momento.

               



sábado, 1 de dezembro de 2012

Macabéa Envelhecida


Eu não deveria ter dificuldade para descrevê-la, pois tanto já se disse sobre ela que são tantas. E eu sei que preciso escrever sobre ela. Talvez seja o único registro de sua passagem invisível por esse Mundo de meu Deus...

Parece que combinamos milimetricamente o espaço e o tempo. De Segunda a Sexta-Feira quando estou no 3º degrau para a fila do Caixa, exatamente as 12h45, ela assoma o hall do restaurante.

Nem preciso lhe ver para saber o traje do dia: nos pares, uma bermuda marrom e uma blusa florida, com quatro botões. Nos ímpares, a bermuda é preta e a camisa é de malha azul.

Imutáveis, apenas as sandálias grossas que abrigam os seus grossos pés relaxados e a companhia do homem cinquentão que se sabe traído pela esposa, mas que continua com a esposa por causa das crianças, entende? E que tem como principal característica o fato de usar no bolso dianteiro, no lado direito da calça de tergal azul marinho, um chaveiro que se articula em duas partes: a que escorre para o interior do bolso, prende as chaves. A que fica para fora, a guisa de enfeite, ostenta a medalha com o logotipo da imobiliária em que ambos trabalham.

Eu acho que ele também se chama igual, mas com a devida desinência de gênero; logo, Macabeu. Macabeu envelhecido.

Macabéa e Macabeu envelhecidos atrás das escrivaninhas que ocupam na Imobiliária do Dr. Sarmento desde que saíram do que ainda chamam de “Grupo Escolar”.

Dr. Sarmento, patrão de Macabeu e Macabéa, advogado cadeeiro, alcoólatra e putanheiro. Dr. Sarmento, jogador nos cavalos, nos carteados e no galinheiro. Dr. Sarmento, o demo primeiro.

E como desgraça pouca é bobagem, Dr. Sarmento é pai de Sarmentinho que em certo dia, após saciar a larica, desenhou um grande e estilizado “IS” e de sua criação se fez o logotipo que usa Macabeu que pensa que o usa.

Logotipo da Imobiliária que em suas mãos, prevê Macabéa, ira para o “beleléu”, pois o moleque é um maconheiro sem vergonha que não respeita ninguém e vive atrás das raparigas que acham que Farol de Xênon fica feio em carros populares, pois isso ele as ensina quando ao alugar-lhes a Kit net troca a exigência de avalista por uma rapidinha.

As nobres damas concordam, pois se sabe como são as pessoas que não gostam de Faróis de Xênon em carros populares, enquanto pessoas e a nível de... 

E “La Nave Va”. Dia após dia. Dias após dias.

Então, a face de Macabéa já não demonstra a severidade que pretendia na juventude.

Restou apenas um misto de amarga resignação enquanto secam os açudes dos olhos que já nem vertem as lágrimas devidas ao moço da telenovela que descobriu sofrer de câncer. Aliás, a nem a qualquer outro câncer, outro moço bonito e outra telenovela. Secou, como o Sertão de 1915.

Amarga resignação de sexo masturbado, de carinho feito apenas pelas manchas senis das mãos maternas, que são fortes e rijas já perto dos noventa. Resignação pela mesmice de Natais repetidos na chácara em que dança o sobrinho efeminado e que a todos chama de “Tato”. Amarga resignação pelos dias de noites ausentes e pelos poemas que não chegaram. Pelas dívidas irresponsáveis que nunca foram feitas, pelo porre que não se tomou, pela cama onde não se amou e, principalmente, pelo sonho que não se sonhou.

E La Nave Va... Dia após dia...

E eu não deveria ter dificuldade para lhe retratar, mas a cada dia está mais difícil olhar para o espelho.


Peça de ficção. Qualquer semelhança com a realidade terá sido mera coincidência.

domingo, 25 de novembro de 2012

Praça Tahril


O que fazem da Primavera prometida?
Por que a fazem
inocência corrompida?
O que farão da Promessa
que era jovem,
era homem,
era mulher
e era povo?
Que fim levaram
as vozes que ousaram
e os sonhos que embalaram?
Quais lírios sobrevivem
e quais utopias o Nilo
navega ainda?
Que tiro é esse
que tenta calar
a democracia recém parida?
E quem é esse que revive o Passado
e se veste de antigas tiranias?

O que fazem das Noites
que prometiam
serem mil e uma,
doce Sherazade?

    Aos manifestantes da Praça Tahril.

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Diques


Os diques do homem
já não impedem que se reguem
as tulipas.

Brancas esperanças
deslizam Gaivotas
que cruzam o Atlante.

Muito pouco, doce Princesa,
ainda afasta o azul do Mar.
Azul de Poema.

"Libertas" voltou a ser mais
que um eco das Minas.

E aos poucos redescubro
de que cores
os sonhos são feitos.

           Para uma doce Princesa.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Finda Poesia

Já não basta o Passado
para preencher o vazio do peito.
É inútil a arca
que guarda o que vivi.
Secou a mão,
que um dia escrevi.

As imagens que ora desfilam
ao som dos tambores guerreiros
gritam impropérios e ameaças
e ríspidos versos
contam dos ângulos 
e dos homens retos.
Já não é tempo de poesia.

Que vaguem os versos,
infelizes desocupados.
Findou-se o dizer.
Que ladrem:
À Direita, volver!

Digitado pela Taísinha no noroeste de Estado de São Paulo.

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Labiríntico

Que outro enigma
a Esfinge me cobrará?
Quanto labirintos
ainda terei que atravessar,
para que a Musa
volte aos meus versos?

Quais noites,
quais tempos,
a minha pena
terá que desenhar
para que a alma beijada
goze o corpo em paz?

Em qual leito
reencontrarei meus sonhos?
Em qual porto,
queimarei meus navios?

               Para a sempre Musa.


Digitado pela Taísinha - Noroeste de São Paulo

sábado, 17 de novembro de 2012

PROMETEU Acorrentado - PANDORA e a Esperança

Ésquilo – 525(4)/456 AEC. - Elêusis

Cenário – região desolada na Citia, atual Sibéria.

Época da ação – primórdios da Humanidade

A 1ª Apresentação – em 458 AEC em Atenas.

Personagens:

Coro – representando as Oceânidas
Hefesto – o deus do fogo.
Hermes – deus, arauto e mensageiro de Zeus.
Ío – filha do rei Ínaco, amada por Zeus e perseguida por Hera, a ciumenta esposa do “Pai dos Deuses”.
Poder e Força – divindades auxiliares de Zeus.

Prometeu – um dos titãs, filho de Urano (o Céu, também chamado de Jápeto) e Gaia, ou de Urano e Têmis.


ANTECEDENTES

Num banquete servido aos homens e aos Deuses, Prometeu encarregou-se de fazer a partilha de um boi assado. Ludibriando Zeus, fê-lo escolher a parte onde colocara apenas ossos, camuflados por uma gordura branca.

O “Pai do Deus” a se ver vitima do ardil encolerizou-se contra os mortais (que ficariam com as partes nobres da carne) e para castigá-los escondeu-lhes o fogo, o último elemento que faltava para que eles atingissem a civilização.

O titã, então, voou até o Olimpo, acendeu um ramo nas brasas do Sol (ou nas fornalhas de Hefestos, segundo uma variante da lenda) e deu aos homens aquela chama.

Zeus, duplamente enganado, puniu os homens enviando à Terra a deusa *Pandora; e a Prometeu castigou mandando acorrentá-lo num rochedo.

NOTA do AUTOR – veja no final o erro de julgar que entre as maldades que continha a “Caixa de Pandora” havia uma benção chamada “Esperança”.

REPRESENTAÇÃO

“E com a luz que Prometeu lhe trouxe, o homem se enxergou. E viu horrorizado que não era nada...”.

A representação teatral inicia com a chegada do “Poder”, da “Força”, de Hefestos e do prisioneiro Prometeu a um rochedo na distante e congelada Citia (Sibéria atual). Hefestos deixa escapar sua tristeza por ver um deus, um irmão seu naquela situação e logo é advertido pelo “Poder” para a necessidade de cumprir a ordem do Pai Zeus. Lembra-lhe que todos, inclusive os deuses estão presos às cordas do Destino e que tudo é inútil na tentativa de modificá-lo. Tudo é pré-determinado.

NOTA do AUTOR – observe-se que essa negação do “Livre Arbítrio” e da meritocracia para alcançar “A Salvação” voltaria à cena milênios depois nas vozes de Religiosos Protestantes. Com efeito, Calvino e Lutero, dentre outros, pregavam a “Graça Divina”; ou seja, seriam “Salvos” aqueles que fossem escolhidos (sic) por Deus, independentemente dos seus atos.

Preso por grossas cadeias Prometeu experimenta a solidão com a partida de seus carcereiros e dá inicio as suas lamúrias e queixumes (alguns estudiosos veem nessa cena o original da cena da Crucificação de Jesus: um Ser Divino, protetor dos Homens, é castigado por tê-los favorecido) até que um barulho lhe indica a chegada de alguém. São as Oceânidas que lhe trazem sua amizade e sua solidariedade. Prometeu, repete-lhes suas queixas e lhes ouve dizer que Zeus é um “Novo Rei”, ainda em fase de consolidação do poder e inexperiente em seus mandos e desmandos, e que talvez por isso tenha sido tão rigoroso ao puni-lo.

NOTA do AUTOR – fato, aliás, que se repete a sorrelfa em várias oportunidades na história do homem, principalmente quando as revoltas, justas ou injustas, chegam ao Poder e a agitação social, inclusive com violência, faz-se presente até que haja uma acomodação de todos os agentes deslocados por aquela convulsão.

O Coro, representando as Ninfas, prossegue consolando Prometeu que se julga motivo de escárnio doutros deuses. Dizem as Oceânidas que ninguém poderia ficar satisfeito com aquela situação.

Nesse ponto, Prometeu cita pela primeira vez à hipótese de Zeus vir a ser derrubado por outro deus, conforme esconde o segredo que apenas ele (que se desposasse Tétis, o filho que gerassem o destronaria. Por isso, o Senhor dos Deuses fez com que ela se casasse com o mortal Peleu, a quem deu o filho chamado Aquiles, o maior guerreiro grego) sabe. E afirma que tal trunfo lhe é valioso e que por isso não será revelado mesmo que lhes sejam ditas doces palavras, ou lhes sejam aplicadas cruéis torturas.

Ante o medo que as Ninfas externam, dizendo que o coração de Zeus é tão duro quanto um diamante, Prometeu as acalma retrucando que chegará o tempo em que ele, o soberano Pai dos Deus, será curvado pelas circunstâncias e será obrigado a vir humildemente pedir-lhe socorro.

Na sequencia, responde ao Corifeu (representando a líder das Ninfas), contando o que fez para receber aquele castigo. Contou-lhe primeiro que foi decisivo como aliado de Zeus contra os Titãs, pois além da força bruta, também utilizou a sutil inteligência; e se queixa da ingratidão de Zeus, nesse assunto.

Prosseguindo sua narrativa diz ser fácil criticar, mas de tudo que fez de nada ele se arrepende, pois como tinha o dom da adivinhação sabia de antemão o que teria que enfrentar, embora não esperasse que em condições tão duras. E tudo por amor aos homens...

NOTA do AUTOR – aqui se pode questionar a real motivação de Prometeu. O que fez foi mesmo motivado por amor ao homem, ou por desejo de se opor a Zeus? Por ciúme do poder adquirido pelo irmão? A segunda opção tem mais probabilidade de ser a verdadeira.

Nesse momento chega o titã Oceano que presta juras de amizade, mas censura Prometeu por não ter se submetido ao poder de Zeus. Primeiro, Prometeu recebe as criticas com polidez, mas depois usa de sarcasmo e diz que os covardes, como Oceano, não devem dar motivos para censuras dos poderosos do momento e que, portanto, ele deve partir sem vagar. Assumindo sua paúra, Oceano parte célere, amedrontado de ter contrariado o novo Senhor, Zeus, ao visitar o seu desafeto.

NOTA do AUTOR - nesse trecho é oportuno observar uma característica bem humana: qualquer sentimento nobre, como a amizade, por exemplo, não resiste a um eventual risco. Tanto há milênios, quanto nos dias atuais. Há, aqui, todo um desnudamento profundo do caráter humano. Chega-se ao mais intimo do Ser, graças à genialidade de Ésquilo.

No outro extremo, o da real nobreza dos sentimentos, as Oceânidas permanecem junto a Prometeu suavizando-lhe a solidão a que foi condenado.

Na sequencia o Titã relata os benefícios que concedeu aos homens, narrando desde os primórdios da humanidade:

  1. A arte de construir casas, livrando-o das cavernas, onde vivia então.
  2. O uso do raciocínio e a partir daí o conhecimento astronômico básico.
  3. As ciências matemáticas e a escrita.
  4. A doma e o uso dos animais de carga
  5. Os navios à vela.
E após essa enumeração, queixa-se por não saber como se livrar da terrível condição em que ele próprio agora está. O Corifeu o compara a um médico talentoso, mas que desconhece o remédio que o curaria de sua enfermidade.

Prometeu enumera mais algumas dádivas que deu aos Homens:

  1. Os remédios e as ervas medicinais. Os alimentos funcionais.
  2. As artes divinatórias. Como interpretar as estranhas de um animal sacrificado, ou o vento dos pássaros etc.
  3. A metalurgia.
O Corifeu lhe pede, então, que não mais exagere no amor aos mortais. E que, se um dia libertar-se dessas correntes, leve uma vida harmoniosa com os outros deuses, especialmente com Zeus.

Responde-lhe Prometeu que ainda não é hora para a reconciliação. O Destino já fixou essa hora, bem como as dores que ainda sofrerá. E essas determinações são inflexíveis. Não podem ser alteradas. E o 
Corifeu faz a pergunta esperada: e quem controla o Destino (ou a Deus)?

Segundo o filho de Jápeto, o Destino é controlado pelas três Parcas e pelas três Fúrias, que não esquecem jamais qualquer erro. Sendo o próprio Zeus sujeito a isso.

NOTA do AUTOR - no hinduísmo (que é a fonte original dessas lendas, assim como de todo o restante do Pensamento humano) há também essa concepção de Deus. Acima da TRIMURTI (Vishnu, Brahma, Shiva) está o “Deus Maior”, chamado de BRAHMAN. No catolicismo, algumas correntes já admitem que exista um “Deus” acima do demiurgo que construiu o Universo.

Na sequencia, a questão do controle de Zeus (ou de Deus, na modernidade e na contemporaneidade) continua sendo o tema do Corifeu, mas Prometeu se recusa ao assunto, alegando que ainda não é o Tempo certo para a revelação de tal segredo.

O Corifeu continua questionando e pergunta a Prometeu o porquê de seu amor aos homens? Que benefícios isso lhe traz? Mas antes que o titã responda, chega à cena a beleza jovem de ÍO que atormentada pelo moscardo (a mosca da madeira) enfeitiçado, corre por todas as direções enquanto pergunta às Oceânidas sobre o prisioneiro atado à rocha, em meio aos seus próprios queixumes.

Prometeu diz conhecê-la, bem como ao seu fardo. De amada de Zeus, passou a ser a perseguida por Hera, a ciumenta esposa do “Pai dos Deuses”. Retruca a jovem pedindo-lhe que revele as futuras torturas que ainda passará. E Prometeu lhe diz que revelará o seu futuro, de forma clara e objetiva. Porém, antes que comece, o Corifeu pede a ÍO que ela própria conte seus males e ela, envergonhada, conta dos sonhos frequentes que a induziram a receber Zeus em seu corpo; de como seu pai a expulsou de casa, pensando que desse modo agradava aos deuses. E como seu físico e sua mente foram modificados para que ela ficasse parecida com uma novilha; também fala como o moscardo começou a torturar-lhe diuturnamente, impedindo qualquer repouso ou refeição. E mais contaria, mas acha melhor voltar a pedir o vaticínio de Prometeu.

Prometeu inicia seu vaticínio indicando-lhe o caminho a seguir. Nele, diz, encontrará e deverá evitar vários povos hostis, exceto o das Amazonas que a tratarão como amiga e lhes darão um breve repouso, na dura e longa caminhada que fará até sair da Europa e adentrar a Ásia.

Simultaneamente, compara seu sofrimento com o da jovem e não a persuade de desistir do suicídio. Apenas lamenta o fato de ser imortal e, portanto, proibido do descanso que a morte promete, tendo que se resignar em aguardar a paz apenas com a queda de Zeus; perspectiva, aliás, que também alegra ÍO, pois ela entende que foi ele o causador de seus males. O titã lhe conta que Zeus caiará tombado por um filho de sua estirpe; mas não será um filho seu, pois ele só nascerá após serem passadas treze gerações.
E prosseguindo no vaticínio da jovem, conta-lhe do longo caminho que ela deverá percorrer já em solo asiático e dos perigos que enfrentará até que no território do atual Egito funde uma colônia.

O Corifeu volta a lhe perguntar: quem destronará Zeus? Em resposta o titã diz que na colônia, ÍO recuperará a forma humana e a sua paz interior. Ali gerará um filho negro, EPAFO, que cultivará a região banhada pelo Nilo criando as bases de uma linhagem real. Dessa linhagem virá o seu libertador, mas não entra em detalhes alegando que seria necessário um longo tempo para chegar ao término da narrativa, o que seria improdutivo para a jovem.

NOTA do AUTOR – o nobre descendente de ÍO, através da linhagem de Epafo, é Herácles (Hércules, em latim) que efetivamente liberta Prometeu.

Entrementes, novamente aguilhoada pelo moscardo, ÍO chora seus sofrimentos e em desabalada carreira sai de cena.

NOTA do AUTOR – repare-se a importância dada nos textos antigos aos males causados pelos insetos. Na Bíblia judaico-cristã um dos terrores mais comuns é o associado à picada dos escorpiões, ou à praga dos gafanhotos, de moscas etc.

Enquanto o Coro relata o erro de ÍO, que se “casou” apenas por estar deslumbrada pelo poder e fortuna de Zeus, Prometeu retoma seu discurso sobre a queda de Zeus e se gaba de ser o único que sabe o segredo de sua queda e como minorá-lo.

As Oceânidas questionam-lhe se ele não estaria confundindo seus desejos com a real previsão do Futuro, hipótese que o titã rechaça, mas quando vai contra-argumentar adentra a cena o deus Hermes, especialmente detestado por Prometeu que não lhe perdoa a servilidade, a covardia perante Zeus. Um homem que se sujeita a ser um mero “menino de recados”.

Com esse ódio no peito, Prometeu o recebe com escárnio, acentuando sua covardia e sua servil condição de mensageiro. Hermes responde-lhe os insultos chamando-o de “Sofista”, ou seja, enganador, manipulador por meio de discurso vazio, mas convincente pela bela forma. Também lhe chama de “ladrão”, pelo “fogo” dado aos homens. E entre ataques e contra-ataques, Hermes transmite-lhe a pergunta de Zeus sobre que casamento lhe arruinará?

Ordena Zeus que Prometeu esclareça essa profecia, mas como seria de se esperar, o Titã se nega a dizer quem o derrubará, enquanto continua seu feroz ataque ao mensageiro, insultando-o pela sua mediocridade, sua baixa estima e sua ingenuidade de achar que tanto ele quanto Zeus, serão “eternos nos postos” que ora ocupam. Ele mesmo, diz Prometeu, já assistiu à queda de outros dois “Pais dos Deuses”. Primeiro Urano e depois Cronos, avô e pai de Zeus.

Furioso, antes de voltar ao Olimpo, Hermes ameaça Prometeu com novos castigos: o primeiro será o “cão alado” que estraçalhará seu corpo; o segundo será a “branca águia real” que comerá seu fígado diariamente, ou na medida em que ele se regenere.

O Corifeu tenta intervir na briga pedindo que Prometeu abrande sua fúria e se submeta ao novo “Rei dos Deuses”,  mas é em vão tal apelo, pois o Titã reafirma sua posição e diz nada temer dos novos castigos que Zeus lhe infligirá.

É acompanhado nessa determinação pelas leais Oceânidas que se recusam a abandonar o filho de Jápeto. Com isso repelem o conselho de Hermes para se afastarem e também não serem feridas pelos raios de Zeus e firmes em sua convicção e em seu propósito, junto ao deus Prometeu são colhidas pela imensa tempestade que se abate sobre todos.

É o fim da apresentação teatral.

NOTA do AUTOR - o leitor ou espectador observa que nessa Tragédia o sentimento dominante é a ira e o desejo de vingança contra uma suposta ou real injustiça. Num primeiro momento exalta-se a justeza do caráter de Prometeu. Num segundo instante, essa admiração chega às Oceânidas, cuja lealdade é voluntária. E talvez mais digna de louvor justamente por isso e pelo fato de não terem a mesma imortalidade de Prometeu, tampouco sua proteção como ente divino.

Ao fechar o livro, ou ir para casa após o teatro, o conceito de firmeza vai sendo substituído pela dúvida sobre os reais motivos de Prometeu. O que ele fez, foi mesmo por “amor aos homens”? Ou terá sido apenas uma maneira de afrontar alguém (Zeus) que teria usurpado um trono que deveria ser seu? Foram os homens apenas “massa de manobra”, tola e ingênua?

É quase certo que a sua resposta será “sim”. Pois olhando em retrospectiva, vê-se que o “fogo (a luz, a sabedoria)” dado pelo Titã serviu para iluminar um Pensador como Platão; mas, com muito mais ocorrência, serviu para armar os homens que se matam entre si, por conceitos absurdos.

O que adiantou para a humanidade a “civilização” que o deus lhe ofertou? Só a opressão de uns contra outros, sem que através dela se criasse efetivas melhorias para todos. Tudo que foi dado, e NÃO conquistado, veio com a maldição de todas as heranças: a criação de uma geração de incapazes, inescrupulosos, vadios e fúteis.

Todas essas questões perpassam os Juízos de todos que têm contato com a obra de Ésquilo, cada qual analisando de uma maneira própria. Mas é certo que todos - independentemente do juízo que faça das personagens - concordam que se saboreou um texto de beleza superlativa. Uma das grandezas de Ésquilo, cuja sutileza permite a quem dele se aproxima, viajar pelos meandros das almas humanas e divinas.

A Caixa de PANDORA e a Esperança

É bem conhecida a fábula de Pandora, a deusa enviada por Zeus para castigar os humanos e que ao abrir a caixa que trazia liberou todos os males no mundo, exceto uma benção que teria vindo junto: a Esperança. Não resta dúvida que é mais confortável pensar desse modo. Supor uma generosidade que em Zeus não havia.

Essa visão benéfica fugiu do sentido original a partir da consolidação e hegemonia da visão  judaico-cristã que transferiu toda recompensa para um Futuro incógnito, para um vir a ser imaginário. Passou-se a postergar a bem-aventurança e a esse adiamento da Felicidade foi dado o nome de Esperança.

Contudo, despindo-se de ideias preconcebidas, observa-se que não houve uma contradição do autor (ou autores) da lenda. Ele foi fiel à ótica de sua época e incluiu a Esperança, enquanto ilusão, como uma das pragas do Mundo.

Assim sendo, no original, a “Esperança” é apenas mais uma das crueldades armazenadas na Caixa, haja vista que é ela que ilude o homem fazendo-o crer que seu Futuro será diferente. Que ele poderá dominar esse Futuro.

É a “Esperança” é que obriga a humanidade a perseverar em sua vida sem sentido, como se fosse o mitológico Sísifo, cuja pena no Hades consistia em empurrar uma pesada rocha montanha acima e ao chegar ao cume, ver que a pedra rolava para seu ponto inicial, tornando toda a sua obra, todo o seu trabalho, inútil e sem sentido.

Ao se ler, pois, a fábula de Pandora com a alma desarmada de clichês, nota-se a semelhança do homem e Sísifo e se sabe que o preço que pagamos foi bem mais severo que o de Prometeu, pois sofrimento daquele tinha uma finalidade e a vida “de Sísifo” que levamos, não.


Nota - imagens captadas na WEB. Em caso de haverem "Direitos Autorais" o autor se compromete a excluí-las tão logo seja oficialmente notificado.

terça-feira, 13 de novembro de 2012

Travessia

Atravessa-me o tédio
das vidas pequenas
que veem o Mundo passar
em suas tristes janelas imóveis.
Sinto aproximar-se
a Náusea de Sartre
e o marasmo resignado
das horas e das lutas perdidas.
Em que  voo voa o devir,
a gana de sempre ir
e o antigo desejo de resistir?
Qual umbral atravessou
a alma que animava
o corpo que julgavam
ser eu?
A viscosidade dessa
madrugada insone
cristaliza os fantasmas
e plasma os terrores.
A última dose talvez
tenha sido excessiva,
mas nem assim a dor
sentiu-se expulsa.
Sobrepujou a demasia
e reina à revelia,
como insana deusa fria
nessa noite sem maresia,
sem mar de viajar
e sem porto de chegar.
O Tempo é ficar.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

A Espera por Godot


Há que se esperar
por Samuel,
pois a palavra de Becket
nos redime,
enquanto
o rinoceronte de Ionescu
rompe o aço do
insensato barco da Razão.

Protege-nos Dom Salvador
de acolá,
já que a anti rima
com William
de Pensacola,
é o que justifica
nosso andar ao Nada.

Ave, Deus Absurdo,
que deflora a canhestra
mediocridade da virgem
complacência
e nos faz Sujeitos
da oração sem nexo
e anexo.

Por ti,
livres do peso, então,
podemos voar...

        Para a Poetisa Rosemary Chaia.

domingo, 11 de novembro de 2012

MEDÉIA, a tragédia de hoje - Resenha Comentada.


Eurípedes – 484/406 - Salamina
Cenário – as cercanias do Palácio de Jasão, em Corinto
Época da ação – Idade lendária da Grécia.
A 1ª Apresentação – 435 AEC Atenas

Personagens:
Coro, as mulheres Coríntias
Creonte, rei de Corinto, homônimo ao de Tebas.
Egeu, rei de Atenas
Filhos de Jasão e Medéia.
Glauce, filha de Creonte
Jasão, herói grego e marido de Medéia.
Medéia
Mensageiro,
Aia,
Escravo.


Qual é o limite da vingança que uma mulher abandonada comete? Será justo utilizar inocentes para saciar essa sede?

Essa seria a questão de fundo desse drama. Mas, e as respostas? São tão variadas quanto são os expectadores, ou leitores dessa obra, que traz, além da belíssima forma, essas dúvidas perturbadoras.

É preciso ler Eurípedes para sondar as cavernas em que transitam os chamados Seres civilizados.

Medéia era filha do rei Eetes, da Cólquida, e poderosa feiticeira. Apaixonou-se por Jasão quando ele e outros heróis foram à sua terra em busca do “Velo de Ouro”. Ajudou-o na conquista do mesmo e depois decidiu acompanhar-lhe e fugiu da casa paterna.

Eetes saiu em seu encalço e para lhe retardar a marcha Medéia matou seu irmão, Absirto, e o des-membrou para que o pai de ambos se atrasasse enquanto recolhia as partes da criança, que ela ia jo-gando pelo caminho. Contudo, os soldados do rei continuaram a perseguição e alcançaram os Argo-nautas e ela no País do rei Alcínoo, da Feácia. Ali, o rei consentiria que a levassem de volta se ela fosse virgem e para evitar que isso acontecesse, Jasão a desposou e dessa relação nasceram os dois filhos do casal: Feres e Mérmero.

Livres, então, da perseguição de Eetes, o casal e seus seguidores rumaram para o País de Iolco do rei Pélias, que anteriormente tinha obrigado Jasão à difícil tarefa de resgatar o Velocino. Medéia decidiu vingar-se do mesmo e persuadiu as filhas do rei de que conseguiria rejuvenescê-lo. Para tanto as ludibriou cozendo um carneiro e dele tirando um novo filhote. As princesas despedaçaram o pai na es-perança de lhe dar nova vida, mas logo a farsa ficou evidente e Medéia e Jasão foram expulsos do País.

Dali, o casal e os filhos foram para Corinto onde, após certo tempo, Creonte ofereceu a mão de sua filha, a princesa Glauce (também chamada de Creúsa), a Jasão que aceitou de pronto o novo casa-mento, abandonando Medéia e os filhos de ambos. A partir daqui tem inicio a “Tragédia” de Eurípedes:

“É uma alma violenta”... ”não suportará essa injuria”... ”ela me assusta”... ”ela é terrível”.

A peça se inicia com a Aia de Medéia falando consigo mesmo. Entre outras, as frase pinçadas, e acima expostas, de seu monólogo reafirmam a ferocidade de sua Ama, que nesses dias estava prostrada em seu leito, em estado de depressão, do qual às vezes saía apenas para lançar olhares raivosos a todos que se lhe achegassem, inclusive seus filhos.

Prosseguindo seu solilóquio, a Aia fala de seu medo de que a Ama cometa suicídio ou homicídio contra Jasão e Glauce, ou infanticídio contra os filhos. Essa expectativa sombria é respaldada pelas atitudes anteriores da mesma, como se viu no preâmbulo.

A chegada do Escravo que guarda as crianças, vindas do ginásio com a alegre despreocupação da ida-de, interrompe as reflexões da Aia, mas não as suas preocupações, que as expõe ao escravo. Delas, ele compartilha e acrescenta às mesmas a informação que colheu entre o povo, de que Creonte iria expulsar a patroa de ambos em brevíssimo tempo.

Atônita, a Aia dirige-se às crianças falando do desamor que o pai delas agora lhes sente e dos cuidados que eles devem ter para não perturbar a mãe, ferida por aquela traição. Sobre essa traição, o escravo diz uma frase que resume a atitude de quase todos os homens: “que mortal não faz o mesmo? Todo homem ama mais a si próprio do que ao seu próximo...”

Note-se que essa frase do escravo poderia ser estendida às outras “Tragédias”, bem como à vida em geral. Tanto naquela época, quanto na atual. A força do Instinto de Conservação prevalece (como egoísmo, egocentrismo, ambição, desprezo etc.) sobre qualquer regra que castigue esses comportamentos, ou que premie a sua não realização. A generosidade, salvo raríssimas exceções, só é praticada na esperança de que resulte em alguma recompensa (material ou abstrata), inclusive após morte, para que o renome atinja o desejado destaque, ou o Crente consiga sua “Salvação”.

Antes de se separarem, a Aia pede ao escravo que ele mantenha as crianças longe da mãe, pois ela já entreviu olhares funestos da mesma em relação a eles. Repete a advertência para os filhos de Jasão, enquanto se escuta os lamentos de Medéia. Dentre essas suas altercações, algumas se dirigem         diretamente aos filhos, ameaçando-lhes com rude frieza: “malditas crianças de mãe odiosa, morram com seu pai”.

O Coro, representando o povo, indaga a Aia o que sucede, pois as lamentações da esposa extravasam o Palácio, mas as informações estão confusas. A resposta de que Jasão trocou a família pela princesa Glauce causa uma onda de compaixão por Medéia e o Coro pede a Aia que a traga para ouvir suas consolações e pedidos que evite cometer alguma violência a que sua ira predispõe.

Relutantemente a Aia entra no Palácio, temente de que a fúria da patroa a repila. E lamenta que nin-guém tenha inventado uma música que acalme o ódio dos humanos, fonte de brigas, assassinatos etc.

Medéia sai e diz ao Coro que o fez para não parecer orgulhosa. Lamenta estar em terra alheia, sem parentes que a amparem naquele terrível momento e discursa contra as injustiças que se veem nos casamentos quando o Homem assume o papel de “todo poderoso”, cujas vontades prevalecem sobre qualquer coisa, em prejuízo da esposa. Fala de seus sofrimentos com a traição de Teseu, seu desejo de morrer e, por fim, confidencia sua intenção de buscar vingança, para a qual pede discrição ao povo, que também vê justiça nessa revanche.

Nisso, Creonte entra em cena e grosseiramente participa a Medéia a sua decisão de expulsá-la sem demora. Que ela e seus filhos partam imediatamente. E lhe avisa que só voltará ao Palácio Real após sua partida, pois quer se certificar de sua ida.

Medéia lamenta sua triste situação e questiona Creonte sobre o motivo de sua decisão. Por que expul-sá-la? Até ali ela não cometeu crime algum que justificasse castigo tão extremo. E Creonte, com since-ridade, diz que o motivo é o temor de que ela cumpra as ameaças que fez contra sua filha, contra ele e contra Jasão.

Medéia responde-lhe que seu ódio é apenas contra o último e que nada tem contra ele ou contra sua filha. Também diz que a grande sabedoria* que lhe creditam é uma maldição. O Povo imagina que ela é capaz de provocar males de tal extensão que tudo poderia conseguir, mas isto está longe de ser ver-dadeiro. Ela não tem poder algum que a diferencie dos demais e que, portanto, ele não deve temê-la, pois o que poderia uma simples cidadã contra um rei? E repete, em tom de súplica, que ele a deixe ficar.

*Em termos literais Medéia diz: ”um homem de bom senso não deveria nunca dar aos seus fi-lhos ciência demasiada, pois o expõe a critica por ociosidade e à inveja e ao ódio do povo”. Ainda hoje tal observação é válida. Todo saber que não se traduz em resultado material imediato, (a filosofia, por exemplo), é visto pela maioria como inútil. Tal preconceito decorre da incapacidade de ver além do físico instantâneo. De entender que os Estudos Superiores formam indivíduos mais capazes de no médio prazo produzir mais e melhores bens concretos. E não é raro de que ao conceito de inutilidade se junte o de ociosidade daqueles que buscam tais saberes. Geralmente os estudantes das áreas voltadas para a intelectualidade pura são taxados de preguiçosos, lúmpens que vivem à custa “dos que produzem”.

Creonte se diz imune às belas palavras de Medéia, mas teme que em surdina ela prepare sua vingança. E por temer mais uma má intenção oculta e dissimulada que uma cólera explicita, é que reafirma sua ordem de exílio.

A sequência de argumentos e contra-argumentos é interrompida por Medéia que pede ao Rei algumas horas para providenciar sua mudança, o que, a contragosto, Creonte consente, dando-lhe mais um dia de prazo.

Enquanto o Coro lamenta a má fortuna de Medéia, ela diz ao povo que só bajulou Creonte por ter se-gundas intenções e que ao lhe dar um dia a mais, o incauto selou a sua sorte e a de sua filha. Continua contando às mulheres do Coro seus planos para cometer o duplo homicídio, o qual deverá ser feito através de cruel envenenamento. A sua especialidade, aliás.

Que irá matá-los é certo, mas tem dúvidas sobre o passo seguinte. Quem lhe daria refúgio contra a fúria de Jasão e doutros sequazes de Creonte? Quem a abrigaria? Dúvidas, diz, que a obrigam a agir com cautela; mas se nada der certo, apunhalará Glauce e quem lhe socorrer, pois sua obsessão é ex-terminar-lhes efetivamente.

Juristas, provavelmente, classificariam esse crime como premeditado, pensado, refletido. Enquanto que o assassinato do irmão seria classificado como passional, não obstante ter tido requintes crudelís-simos. O segundo, pois, mais levemente apenado. Fica clara a questão do afastamento entre a “Letra e o Espírito da Lei”. Ademais, como criticar as mulheres que a ouviram e nem assim a delatam? O pará-grafo abaixo retorna à questão.

O Coro volta à cena e entoa um canto profético sobre o Futuro das mulheres: tempo haverá que deixa-rão de ser injuriosamente tratadas e a elas será dado o devido respeito masculino, gênero que abriga indivíduos de igual ou maior maldade que a delas (sic). E prossegue o canto lamentando a má fortuna de Medéia, cuja casa já não é sua, pois outra dama dela se apossou e agora lhe expulsa.

E segue o canto até ser interrompido pela chegada de Jasão que culpa a ex-mulher pelo exílio que ela e os filhos sofrerão. Diz que se não fosse a rebeldia dela, seus desacatos ao Rei, ela poderia viver para sempre em Corinto. Também se diz disposto a lhe dar algum dinheiro para que ela e seus filhos usem durante a peregrinação em busca de novo lar.

Note-se: filhos só de Medéia. Não dele. Já não os reconhece como seus.

Medéia responde-lhe com insultos e xingamentos irados e recapitula tudo que fez em seu beneficio: ações que vão da morte do dragão que zelava pelo “Velo de Ouro”, passando pelo assassinato do pró-prio irmão, pelo abandono do pai e da mãe e chegando à morte do rei Pélias. E todos os cuidados que teve para salvar-lhe a vida em cada uma dessas situações. Lança-lhe em rosto a vilania de sua traição e pergunta-lhe com sarcasmo, para realçar sua torpe conduta, para onde ela agora pode ir. Para o rei-no do finado Pélias? Para sua terra natal? Ou para os outros lugares onde fez inúmeros inimigos, apenas para auxiliá-lo? E termina essa parte do discurso questionando o próprio Zeus, que deu aos Homens meios de distinguir o ouro falso do verdadeiro, mas não lhes ensinou a diferenciar o bom e o mau caráter.

Jasão retruca dizendo-lhe que credita seus salvamentos à deusa e não a ela, pobre mortal como ele. Que não lhe cabe culpa por ela ter-se apaixonado por ele, mas sim a Eros que a fez amá-lo. Prossegue dizendo que os trabalhos que ela teve com ele estão sendo pagos pelo fato dela ter sido tirada de um País bárbaro e colocada na ilustre Grécia, onde ela poderia aprender o conceito de Justiça, do Direito e não apenas o da força bruta. E que foi graças a ele que a sua ciência a tornou famosa em toda Hélade. E que a importância desse reconhecimento está no fato de ter acontecido na célebre Grécia e não em um local ermo e remoto; e que tudo isso é a justa recompensa para seu denodo.

É inegável que para a maioria importa mais ostentar a riqueza que desfrutá-la. Há um prazer infantil em mostrar aos demais “o quanto se é superior”. E para que tal reconhecimento seja o máximo possível é necessário que se dê em um grande centro, em um local que sirva para referendar aquela abastança. É um comportamento que se liga diretamente à carência existencial: é preciso “ter”, para “ser”.

Sobre seu casamento com a Princesa, alega que o fez para beneficiar a ela, Medéia, e aos seus filhos; pois ele, pobre exilado, tendo sido abençoado pela sorte iria, doravante, conseguir oferecer um futuro melhor para todos e não apenas para si. Que tal himeneu não aconteceu por ele desgostar de Medéia, ou por desejar outra mulher, mas tão somente por aquela ambição. Por querer dar a ela e aos filhos de ambos um futuro risonho e próspero.

Observe-se que a falsidade e o vazio do discurso de Jasão são tais, que no final ele se coloca nova-mente na posição de pai dos filhos de Medéia, numa desesperada tentativa de se tornar mais digno de compreensão e aceitação. Contudo, a prevalência do individualismo sobre o respeito a terceiros, ou a compromissos éticos, não é uma maldade restrita a Jasão. Individualismo igual, na essência, norteou os passos de Medéia que não titubeou em abandonar os pais, em matar e desmembrar o irmão, em matar Pélias etc. para perseguir seu gozo sexual. Em ambos, o que se quis foi a satisfação pessoal, não importando o preço a pagar. Medéia quis a felicidade personificada em Jasão; e ele a viu na Princesa Glauce. E os dois tudo fizeram para chegar aos seus objetivos, inclusive ao arrepio da Lei dos homens e da Lei dos deuses. Observa-se que milênios foram insuficientes para mudar o homem. Tudo que faz, visa seu próprio beneficio e se não avança além de certos limites não é por cuidado ético, mas sim pelo medo da repressão que outrem lhe infligirá por ter ameaçado o seu pretendido “direito”.

Intervém o Coro criticando a atitude de Jasão ao abandonar os filhos e a mulher. Na corrente, Medéia continua seu ataque contra ele acusando-o de falacioso discursar e inábil pensar. Que se de fato ele não tencionava traí-la, ele deveria ter-lhe comunicado seus planos ao se casar com a Princesa. Embora doloroso, seria mais honesto da parte dele.

Jasão responde dizendo que se fizesse isso, o violento ciúme dela ter-lhe-ia impedido de levar o plano a bom termo. E ante a sua observação de que a trocava por ser “bárbara”, reafirma que não quis (sic) outra mulher, pois só visava às vantagens econômicas que o casamento asseguraria a ele, a ela e aos filhos de ambos, que seriam tão príncipes quanto os filhos que viesse a ter com Glauce. Por fim, volta a oferecer dinheiro para a viagem, que Medéia recusa violentamente.

O Coro reassume a cena, condenando os amores furiosos e deplorando a sorte de Medéia que experi-menta as mais duras provações: ser trocada por outra mulher e ser banida de sua casa.

Nesse ínterim, adentra a cena o rei de Atenas, Egeu. Cumprimenta Medéia amistosamente e diz que vai a busca de orientações num Oráculo, para ter filhos. Medéia responde-lhe o cumprimento e lhe de-seja sorte na empreitada.

Mas a tristeza no olhar dela não passa despercebida por ele que a indaga sobre a causa. Ao saber da traição de Jasão e do exílio a que ela e os filhos estão submetidos, oferece-lhe abrigo e proteção. Be-nefícios que ela aceita prontamente, enquanto lhe garante que usará seu saber místico para ajudar-lhe a ter os descendentes que tanto quer.

Depois, cuidadosamente arranca do ateniense o juramento solene de ampará-la, defendê-la e abrigar contra quaisquer inimigos que a queiram. Que peçam sua extradição. Egeu lhe garante que seu asilo será inviolável e segue seu caminho e deixando um rastro de conforto e segurança para que Medéia execute seu intento de se vingar dos ultrajes sofridos.

Semi extasiada, Medéia conta às mulheres do Coro o seu plano: primeiro chamará Jasão e com falsas palavras doces o convencerá de que se arrependeu de sua atitude anterior. Que reviu seu comporta-mento e que se convenceu de que ele agiu corretamente (sic). Depois pedirá que ele fique com as cri-anças, alegando a dureza de um banimento para os filhos.

Mas o que planeja, na verdade, é utilizar-se dos filhos para preparar a terrível armadilha contra Glauce e Creonte. Enviará com os mesmos um rico presente, como se fosse uma oferenda para que não os expulsem do País. Funesto presente, que ao ser tocado pela Princesa a matará cruelmente. E o mesmo em que a tocar, pois o veneno que levará é extremamente poderoso.

Depois, continua Medéia, matarei meus filhos para que outrem não o faça com requintado sadismo. Dar-lhes-ei uma morte suave e indolor, protegendo-os dos vingadores e dos meus inimigos. Tudo feito, eu irei para a segurança do refúgio em Atenas, protegida pelo rei Egeu. Na consciência levarei o re-morso pelo assassinato das crianças e por ter abandonado meus pais, tornando-me uma pária execrá-vel.

O Coro, agora representando todo o Povo, tenta dissuadi-la, pois ninguém pode compreender ou justi-ficar um infanticídio, mas Medéia responde-lhe que só matando os filhos de Jasão é que poderá causar-lhe a dor que pretende. E indiferente à réplica, manda chamar-lhe.

Observe-se que a real intenção de Medéia ao assassinar os próprios filhos é causar dor no pai das mesmas. Vingança pela dor que ele lhe causou ao trocá-la por outra. Como cordeiros de sacrifícios ju-deus ou cristãos, seguem os inocentes como massa de manobra, cuja única serventia é ferir o oponen-te.

Chegando Jasão, Medéia faz o discurso da falsa conciliação e ele aprova sua “racionalidade”, sua “obje-tividade” em esquecer os sentimentos e pensar nos lucros materiais que o novo casamento proporcio-nará a todos. Promete-lhe, ainda, que fará dos filhos de ambos, príncipes iguais aos que nascerem de sua união com a filha de Creonte. Que lhes proporcionará uma longa vida feliz.

E diante do pedido de Medéia de que fique com eles ao invés de mandá-los para o exílio, diz que tudo fará para conseguir o assentimento de Creonte, usando inclusive a própria Princesa, como lhe sugeriu Medéia. Ela, para reforçar tal pedido, já preparou uma rica prenda para Glauce e embora Jasão diga que tais presentes são desnecessários, insiste em enviar-lhe através das crianças. Afinal, diz, o ouro vale mais que qualquer discurso.

Pela voz do Coro, Eurípedes conta da satisfação de Glauce ao receber o mimo e como, por serem tão belos, quis usá-los imediatamente. E conta, também, que subitamente ela caiu morta em meio a so-frimentos lancinantes. E pela voz do Escravo, relata Eurípedes que a permanência das crianças foi au-torizada.

Medéia, em seu transe diz ao Escravo para organizar os pertences dos filhos e estando sozinha inicia um monólogo lamuriento onde assume o papel de vitima, enquanto lamenta sua má sorte. Sua infelici-dade por não ver os filhos adultos, casados, felizes etc.

Nesse momento, vacila em matá-los, mas ante a perspectiva deles se tornarem objeto de escárnio e de cruel vingança, retoma seu intento macabro.

No monólogo supra, Eurípedes retrata com maestria os conflitos na alma de Medéia. Sua consciência do horror que envolve o que fará e a necessidade de fazê-lo, segundo sua ótica. Seu sacrifício interno, a dor que lhe dilacera, o orgulho que a obriga a cometer o ato nefando e todas as convulsões de espíri-to que se pode imaginar nesse tétrico quadro desenhado pela pena do poeta. Sem dúvida, é um dos cumes da literatura universal de todos os tempos.

O Coro canta uma sofrida reflexão onde questiona se os pais e as mães são mais felizes que aqueles despojados de filhos. Pois só quem os tem, sabe da eterna preocupação que causam involuntariamente: saberei educá-los? Serão voltados ao Bem? Poderei garantir-lhes a subsistência? Dúvidas povoam os dias e as noites daqueles que ainda correm o risco extremo: ter um filho arrebatado pelo Hades.

Aqui, Eurípedes torna a atingir outro ápice literário. O escrevinhador dessa sinopse e o (a) leitor (a) da mesma, que são progenitores, veem-se fielmente retratados em cada linha.

Nisso, um Mensageiro chega e aconselha Medéia a fugir imediatamente, pois Glauce e Creonte estão mortos e a turba exige vingança. Exultante, para espanto do Mensageiro, Medéia gargalha e lhe pede que conte em detalhes como tudo aconteceu, pois lhe será dobrado o prazer se souber das torturas que sofreram no desenlace.

E o Mensageiro se põe a contar que Jasão chegou ao Palácio na companhia dos filhos, os quais, no primeiro momento foram alvo da aversão de Creúsa (ou Glauce), sendo necessário que Jasão interce-desse para que ela abrandasse o seu repúdio.

Depois, ao ver os presentes que traziam, a Princesa abandonou qualquer rejeição e os tratou com ge-nerosidade, intervindo junto ao pai para que ficassem no País. E que enquanto Jasão encaminhava os filhos de volta à Medéia, a Princesa já colocava o diadema de ouro na cabeça e vestia a fina túnica que ganhara.

Deslumbrada, ainda se mirava ao espelho quando irrompeu o incêndio em sua cabeça, face e corpo, por obra dos mimos recebidos. Terrível incêndio que não amainava, pois ao tentar tirar os adereços que o causavam, mais eles se fixavam causando-lhe dores insuportáveis, até que a morte a prostou irreconhecível.

Alertado pelo barulho, Creonte correu aos aposentos da filha e transido de pavor e de sofrimento abra-çou o corpo desfigurado. Depois, ao tentar afastar-se, a rogo de Jasão e dos demais, viu que a túnica lhe segurava com tal força que a cada gesto seu, um pedaço de sua carne se desgrudava do osso. Ten-tativas inglórias que também o deixaram morto em meio a grande sofrimento.

Satisfeita, Medéia avisa às mulheres do Coro que cumprirá o restante do plano e após alguma vacila-ção, toma o punhal e mata os filhos, cujos gritos horrorosos chegam ao Coro, agora representando todo o povo, e preenchem todo espaço. Tenta o Coro intervir, mas já é tarde. Os filhos de Jasão estão mortos.

E é ele quem chega nesse momento à cena, dizendo ao Povo que já não pode ajudar sua noiva, nem seu sogro, mas que ainda pode salvar seus filhos da mãe enlouquecida. É, então, que recebe a noticia do assassinato de ambos.

Irado, transido, promete vingar-se matando Medéia, de quem escuta a voz, mas sem poder lhe ver, pois ela está no carro que lhe deu o Sol, seu antepassado. Dali é invisível a Jasão, que, impotente, insulta-lhe e rememora todos os crimes que ela cometeu, remoendo o arrependimento por ter trazido aquela bárbara mulher para a ilustre Grécia.

Protegida pela invisibilidade, Medéia responde aos insultos e lhe debita o ônus da trágica situação. Se ele não a tivesse traído, nada teria acontecido. Também lhe diz que será ela quem enterrará as crianças no “Bosque Sagrado” de Hera, onde ninguém poderá violar as suas sepulturas.

Por fim, lança uma maldição a Jasão: ele morrerá esmagado pelo navio Argos (o que de fato sucede posteriormente); e parte para Atenas, onde se casa com o rei Egeu e lhe dá um filho chamado “Medo”.

Glaucia completaria sete anos em 11/11/2011. Porém, a garota foi assassinada dez dias antes – em Castilhos PA – pela mãe que assim se vingava do marido e pai, por ele ter-lhe trocado por outra mulher...

À memória de Glaucia essa Resenha é dedicada.