sexta-feira, 30 de julho de 2010

Alvo-Branco-Alvo

A folha em branco me apavora.
E como a Esfinge,
a falta de verbo me devora.
E há tanto sentir nessa hora,
há tanta angústia nessa demora.

A fumaça do cigarro pouco se dissipa.
É arapuca de ripa.
O topor da Morfina não se instala.
Aperta-me essa sala.

O corredor foi branco outrora,
era virgem de dor e amargor.
O homem que soluça não tem cor,
como o corredor de agora.

O que se faz da vida lá fora?
Namoram a essa hora?
Riem, comem, festejam?
O olhar da mulher só lacrimeja.
E tudo gira nesse caleidoscópio
extensão desse estetoscópio

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Prometeu Acorrentado

Vazio que transborda,
como forca
sem corda.

Até quando ficarei
na masmorra desse rei?
Até quando, burocrata da Lei?

Até o "Dia do Senhor".
Quando os mortos ressuscitarão
para nova vida em vão.

Até quando Alguém queira,
pois dizem-no Absoluto,
vingativo e astuto.

Fruto estragado
que brota do Pecado,
por Ele mesmo criado.

Eis tua sina homem enjaulado:
és Deus acorrentado!

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Nóia Parada

Canta-se a paixão platônica,
a vontade harmônica
e a sabedoria salomônica.

Canta-se que em cada vicissitude
existe alguma virtude,
tal como diz o Talmude
e se repete amiúde.

Mas o diabo é que nesses instantes
os "elementos" se tornam meliantes
e com os severos agravantes
de serem Sanchos sem Cervantes.

São guris de Buarque,
asperos como charque.
Anjos caídos da Portada,
ou "nóias" da "Nóia Parada".
Querubins sem harpa e sem som,
como disse Drumonnd

domingo, 25 de julho de 2010

Lábios

Lábios indecisos
sorriram imprecisos
e Marina serena
deu-se doce e plena.

E do que foi ligado,
restou o legado
do Homem apaixonado.

Nesta noite de Sábado,
de quase tudo acabado,
chega-me o insano desejo
de te amar como versejo.

Desejo de te ouvir,
da tua pele sentir
e da certeza de existir.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Cenários

É lúgubre a máscara mortuária
que recobre a fantasia ordinária
que um dia ousou Januária:
pobre lagarta sem cristália,
a escorrer pela faina diária
e da alcunha de puta e otária.

Talvez seja excessivo o obituário
para o homem diário.
Desses que perambulam sem fim,
a espera de um Serafim
ou de quem lhe compre um rim.

Mortes e morte.
Vidas sem norte,
figuram em tosco recorte,
logo abaixo d'alguma manchete
que recobre meio seio da vedete.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Inocência

- Crime?
- Brasileiro.
- Creme?
- Puro.
- Por que?
- Imigrantes que procuro.
- Por isso o matou?
- Foi. Não se pode descuidar. Terroristas matam
[inocentes].
- E agora?
- Nada. Com o tempo se esquecerá.
- Será?
- Pode apostar. Foi só mais um.
- Mais café?
- Não posso. Preciso matar mais algum.


                                   Para Jean Charles.

terça-feira, 20 de julho de 2010

À mulher que vende sonho

À mulher que vende livros,
e outros sonhos vivos,
eu queria fazer um Poema.

Desses, em que se fala de amor,
de saudade, da Lua, da flor.
Poema que a fascinasse
como se de mágica tudo fosse um passe.

Eu queria lhe dizer
do quanto a quero,
do quanto a espero
e que juntos, sem nada temer,
andaremos qualquer trilha,
pois é dela a luz que brilha.

Queria contar da fantasia
e da cor de cada novo dia.
Dizer-lhe de seu porte,
falar-lhe do transporte
entre esse Mundo de palavras
e as jóias de todas lavras.
Dizer-lhe mulher dos livros:
por ti, os sonhos são redivivos.

                                    Para Cleusa.

Vão

Pois é tu a Poesia
que se faz todo dia.
É por ti que me atrevo poeta,
entre tanta curva e tanta reta.

E por isso nem tudo será vão.
Talvez o sim supere o não
e a rima à Razão.

Cultivados serão os sorrisos
e os gestos precisos
que indicam onde fica o Paraíso.
Logo ali.
Atrás do falso juízo.

sábado, 17 de julho de 2010

Dizem de Pã e de Isadora

Dizem que não será vã
a espera pela nova manhã.
Que em trote ligeiro,
um guapo cavaleiro
reempossará o deus Pã;
e de tudo se verá na Era pagã
regida pelo deus titã.

Que de novo, pela liberdade,
alguma heroína será Isadora,
que nua dançará pelo salão afora.
E empunhará lança e dardo
e tal como o outro bardo
matará o demônio retardo.

Que haverá perdão de todo pecado,
mesmo que incerto e ignorado,
mas que cismou em ficar ao teu lado.

E que de novo a Loura Musa
chegará de um Rio de Janeiro
refazendo-me vivo por inteiro,
tal como fui no Tempo primeiro.

* em homenagem à Isadora Ducan

Agosto

Aproxima-se Agosto.
Da vida sem gosto
e da saudade sem rosto.

Aproxima-se Agosto aziago.
Da morfina num trago
e do Monstro no lago.

E eu só queria um afago...

Que fosse pequeno,
mas ainda seria ameno.
Que fosse ligeiro,
mas ainda seria verdadeiro.

Porém só ficou
o abandono de quem restou
depois que a Vida passou.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Mendingo

- De quê morreu?
- De fome, frio e ausência.
- Quem o matou?
- Eu e outros assassinos,
fomos "lanos caprinos".

Poderíamos tê-lo agasalhado,
saciado e abrigado,
mas nada fizemos.
Agora, é só um embrulho em papel pardo
que o Rabecão leva como fardo.

Limpou-se o Ar,
tortas vozes dirão.
Sim! Limpou-se o Ar!

Amargo meu remorso
e o horror pelo meu ócio.
Maldigo as tortas direitas vozes.
Suas hipocrisias atrozes
qual trágicos albatrozes.
Suas prudências,
suas indecências
e suas vendas de indulgências.

C'est la vie, mon petit...
Sempre o horror que já vivi.
O sangue que perdi
e o tempo que escorri.

- De quê morreu o mendingo?
- Do que falo e nada digo.
Matei-o por cumplicidade.
Nada fiz por pura comodidade.

Sapiens homos.
Somos?

domingo, 11 de julho de 2010

Brisa

Não mais tarde,
pois a chama já arde.
Volte em breve.
Siga o vento leve.

Não demores no caminho.
Abandones o azul-marinho
e saibas que é tão esperada,
quanto a estrela recém inaugurada.

Percorras toda distância,
ultrapasses toda circunstância.
Aguarda-te o amor-constância.

Siga a conhecida brisa
e vença a dúvida que paralisa,
pois somos o que a vida harmoniza

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Neuro

Da face
fez disfarce.
E riu,
do que só ele viu.

Balanço pendular,
como tempo doutro lugar.
E chora,
por aquilo que só ele deplora.

Existe noutro Universo.
De tudo disperso,
no Nada imerso.

Chamam-lhe demente,
doente indigente.
Poucos o sabem, é o retrato da gente

domingo, 4 de julho de 2010

Mago

Foi-se a luz da luz,
o deus doutro Jesus.
Foi-se um amarelo de cegueira
em uma pétrea jangada sem fronteira.

Foi-se Joana Carda
e o vazio já não tarda.
Foi-se o texto sem pontos
do gênio de mil contos.

Foi-se o perfume de um lar
e a poesia de algum luar.
Foi-se a mais fina ironia
e restou essa dor, essa agonia.
Uma lágrima à revelia.

Orfãs palavras sem afago,
morreu-lhes Saramago