sábado, 29 de maio de 2010

Estranheza

O Shakesperiano impasse,
o aviso de não ultrapasse
e o conselho de não ameace.

To be or not to be,
antes da Feira de Parati
e do herói de gibi.
A cultura de almanaque
e a pedra de crack.

Posições,
oposições,
certos senões,
certos sermões
e incógnitos Sertões,
em Liliputi dos anões.

Estranho poema
sem métrica,
sem estética
e sem dor patética.

Por onde andarão
os Poetas de plantão?
Qual chave apaga a escuridão?
Onde estão os velhos anarquistas
os poemas de vermelhos comunistas
e os atrevidos artistas arrivistas?

Renderam-se aos Nho-Nhôs Capitalistas...

Estranho tema
finda o estranho Poema.
Mas ... é o Sistema,
nessa terra de Moema
e da virgem Iracema
dos lábios de mel.

Hora de encerrar esse cordel,
de devolver ao Senhor do Anel
a corda trança da bela Rapuzel
e de tentar uma vaga no Céu.

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Entrudo enfim

Nem todo gato é pardo,
nem todo poeta é bardo
e nem todo fome impudíca
é mote de tamborim e cuíca.

A alegria é ensaiada e barata,
mas falsa como olho de Pirata.
De tudo se ri,
nesse disfarçado haraquiri.

Carnaval de maluco,
de Napoleão, rouxinol e cuco
que se mata com bodoque e trabuco.

Folia sem graça,
máscara e mordaça
enquanto a vida passa.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Pós

Como febre violenta,
fúria que tudo arrebenta
e alma que o Diabo atenta,
queimamo-nos nessa alcova
em que nada se reprova.

E depois de tal brasa,
aninho-te sob braço e asa;
e te conto a outra história
que retive na memória.

Tão bom percorrer tua nudez,
esse gosto de xeres
esse mistério xadres.

Contigo adormecer,
contigo sonhar.
Esperando não tardar
o momento de ficar.

Apagar o dia
e toda melancolia;
e saber porque nunca ia
de teu laço que já me prendia.

sábado, 22 de maio de 2010

Tatyana

A vida nos reparte
e seguimos rumos estranhos.
Valentes e lanhos
juntamos cacos e partes
e insistimos nessas artes.

Russa mulher distante,
bela como sonho de Cervantes,
breve como instantes,
mas eterna Musa de tantos Dantes.

Que caminhos são esses
mulher estrangeira?
Que perfume de cerejeira,
que brisa ligeira
carrega tua alma
e arrebata minha calma?

Pouco te sei moça de longe,
mas sei do Nivarna de monge
que cobre meu peito
no abrigo do teu leito.

Loura moça da branca neve,
manjar que a vida serve,
eu deveria ser breve
como riso que não se atreve,
mas eis que te escrevo
e em sonhos revejo
esse sonho sobejo.

                            Para Tatyana.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Creio

Santa vigilia
por Santa Virgilia,
rezada em puro latim
com a benção de São Serafim.

Ou será outra Santa,
nessa aflição tanta,
que das chamas me salvará
como velho Orixá?
Oxalá,
saravá!

"Eu creio por ser absurdo"
assim disse Tertuliano.
Nada ouço por ser surdo;
nem o negro no piano,
nem os anjos nas harpas.
E entre tapas e farpas
assim vou levando ...

Sigo para o Calvário,
preso como verbo no diário,
a quem conto meu drama
e o choro que te chama.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Amores Repentinos

Amores que brotam de repente,
sem que se saiba da semente.
Paraíso sem serpente,
prisão sem corrente.

Urgentes paixões repentinas
em devassos quartos sem cortinas,
entre coxas femininas
e garras felinas.

Ousado desejo agreste;
bruto, suave, inconteste.
E depois, plácidos amores
em lençóis de cetim,
com gravuras em Nanquim
e Musas em Latim.

domingo, 16 de maio de 2010

Libris Scripta est

Sereia de certo Atlântico
e Musa de todo Cântico,
espalhe em cada Corrente
tua luz de Sol Nascente
e magia de Lua no Poente.

Caminhe teus versos,
são poemas imersos
nos divinos licores
donde vertem os amores.

Pois tuas são as Palavras,
nessa seara que lavras.
São tuas, as asas libertas
e a brisa que ofertas.

Livre Scripta est,
a Poesia te veste.


Para Inês Dunas

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Dor

Por que esse falso heroísmo
ante a carranca do abismo?
Como seria dormir uma noite,
sem o horror desse açoite?

Que madrasta sorte assassina
impõe-me essa dor que alucina?
Onde estará a alma feminina
que me suavizava essa sina?

Sinto a coragem finda
e há tanta dor ainda ...
Em qual pedaço da vida,
ficou a minha Vida?
Nem tudo passa
nesse tempo de ameaça.

Por onde andarão as Musas que amei,
nos amores que nunca acertei,
nas noites em que senti rei
e nas guerrilhas, em que tolo sonhei?
Agora de quase nada eu sei ...
Só que a bruta dor impera
na ante-sala do que me espera.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Romance

Tão feio o outro lugar.
Tão penoso o andar
daquele que já quis voar ...

Agora, não apague a vela.
Nem tire a rosa da lapela,
talvez haja Lua na janela
e a machadiana flor amarela

(porque é preciso reler a vida*).

Vivamos outro romance,
pois a vida é só um relance
e nem sempre ao nosso alcance.


*Machado de Assis, em "Memórias Póstumas de Brás Cubas".

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Leve

Que tu me venhas,
que tu me tenhas.
Que eu te abrace
e que o tempo não passe.

Que tu me chegues,
que eu te acolha
e que o Destino nos escolha.

Que haja fresta
e que a Lua que resta
ilumine a clara face
desse amor sem disfarce.

Que nada seja faltante
nessa rota sem sextante,
pois a vida é só um instante.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Essência

Porque há no sonho insólita consistência,
em todo gesto, toda impaciência
e no peito essa bruta ardência
eu sei que a saudade transborda de urgência.

Hoje sei, é tua a minha essência
e só por ti acontece a permanência,
talvez insolência,
de viver além da Ciência.

Mas não é tempo de falar da morte,
da lugubre consorte;
que espanto como posso,
pois ainda creio no Tempo nosso.

Haverá em cada carinho
o abrigo de todo ninho.
Em cada abraço
a amplidão do Espaço
e em cada beijo
o signo benfazejo
da vida e do desejo

sábado, 8 de maio de 2010

Mater

- E aquela, atrás do Arcanjo Rafael?

Mulher?

- Anjo. É mãe. Poeta sem lápis e papel.



Às mães e Especialmente para Flavia Assaife.

Beijos, com muito carinho.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Odara

Que tu voltes deusa Odara*,
tropicália ninfa Yara.
Que sempre me sejas cara
e eu, devoto dessa santa tara.
Dessa distante pérola rara,
misto de mel e fruta amara,
qual virgem que já amara
em noites de paixão ignara,
nos becos em que nada se repara.

Que perdure a volúpia,
rubro rubi rúbia.
Mas que cesse a orgia celerada
da utopia deflorada.

Que em tudo inexista logro,
que Prometeu reavive o fogo
e que Pã, fauno e ogro,
afaste o dia do malogro.

Que persista algum carinho
nesse nó redemoinho,
nesse pleno sozinho,
qual quixotesco moinho.

E entao, quando tudo houver,
que eu te saiba minha mulher.





* Da poética de Caetano Veloso e Gilberto Gil.

sábado, 1 de maio de 2010

Cinza Tarde

Sufocante cinza tarde,
qual horror sem alarde.
Ouço o terror que goteja
e a prece de quem verseja.

Na Sé, os monges gregorianos.
Nos bordéis, a nudez de pouco panos.
Homens fazem planos
e mulheres choram danos.

Porque de branco se veste a recusa.
E de preto quem acusa.
E de vermelho quem abusa,
do amor que já não se usa.

Um vivente apaixonado
com métrica e rima
te faz obra-prima.

Conterrâneo
do Mediterrâneo,
que cavalga ondas
em liquidas rondas,
louco Poeta
e pseudo Profeta,
esperança de Pandora
e o amor da bela Flora,
vem comigo, já é hora.
A morte não demora.