sábado, 30 de agosto de 2014

Odisseia



Odisseia

Não temas o uivo enraivecido de Cila,
pois ei-lo inerte ante o doce canto da Musa.
Nem temas o nefasto vaticínio de Sibila,
pois a maldade inexiste após o despenhadeiro.
Seguiremos outra Odisseia,
após a Troia que vencemos.
Será breve o caminho, que de azul se mostra;
e breve será a chegada ao novo tempo.
Já se ouve o canto dos delfins
e o coro de deuses e de serafins.
Não tarda, deusa rediviva, a luz que desfaz as dúvidas
e tudo se mostra e tudo se revela.
Tomemos os oráculos e decifremos os arcanos.
À mesa nos espera o pão, o azeite e o vinho.
Bebamos o amor que da lira entorna
e voemos ao encontro da Lua que te brilha.
Caminhemos os caminhos que fizermos
e façamos os versos que sonharmos.
A vida caberá em nossa mãos.
Deixemos que nos escorra.


Para a Moça Bonita.

Produção e divulgação de Pri Guilhen, lettré, l´art et la culture, assessora de Comunicação e de Imprensa. Rio de Janeiro, inverno de 2014.

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Basta-me


Agora me basta o trilho aberto,
pois os meus moinhos foram vencidos
e os meus demônios saciaram-se hedônicos.
Agora, só quero a majestade do ipê amarelo
ante a cinza amargura dos dias;
apenas o canto do Céu em que brilha
a estrela retornada e a poesia retomada.
Que sigam em paz os outros homens.
Que acumulem o ouro e o sexo que desejam.
Já não quero o salso e argênteo oceano
das heroicas epopeias e tristes melopeias.
E nem desejo o doce mistério de Cassiopeia.
Que outros revejam o passado
e ditem a nova tendência.
Que outros exijam ética e transparência
e que todos surrem o político sem decência,
mas que se compadeçam dos utópicos
que desconhecem a própria demência.
A mim, ave Bandeira, basta
a rude flor de teu cacto,
por tão poucas palavras regado.
Basta-me o silêncio do livro fechado,
o escuro do palco apagado
e a paz de um poema terminado.


Homenagem pouca ao Poeta Grande, Manuel Bandeira.

Produção e divulgação de Pat Tavares, lettré, l´art et la culture, assessora de Comunicação Social e de Imprensa, Rio de Janeiro, inverno de 2014.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Spinoza e o Panteísmo - Partes XIII e XIV - O Tratado Político e as Considerações Finais




O Tratado Político

Agora, completaremos as considerações sobre o primeiro livro de Spinoza, Tratado sobre a Religião e o Estado (Tractatus Theologico-Politicus), no quesito relativo aos Estados e aos Governos.
Nesse trecho o filósofo revela-se totalmente amadurecido em seus argumentos e conclusões, os quais, ainda hoje, são plenamente válidos e verdadeiros, revelando, assim, o quão pouco o homem progrediu em sua jornada.
Lamentavelmente continuamos a ser apenas uma mera cópia mal feita de um Ser que insistimos em deturpar ao lhe conferir traços antropomórficos e ao utilizá-lo como justificativa para a ganância excessiva e para a violência bestial.
Ler as considerações de Spinoza sobre o tema é um exercício que nos choca pela fidelidade de nosso retrato, mas, também é a oportunidade de saborearmos a profundidade de seu ideário e magnitude de sua inteligência.
O “Tratado” foi escrito quando o autor já tinha certa idade e ficou incompleto devido à morte prematura do filósofo, mas, ainda assim, seu conteúdo é tão pleno de significação, que embasa vários outros Sistemas políticos e filosóficos.
Membro da mesma geração de Hobbes, que não se furtou em exaltar a monarquia absoluta e a execrar a rebelião dos súditos ingleses; de Milton, que, ao contrário, defendeu vigorosamente o povo rebelado e de Jan de Witts, que foi um ardoroso defensor da república e seu amigo dileto, Spinoza concebeu uma “Filosofia Política” de tal porte, que as suas ideias liberais e democráticas serviram de embasamento para o filósofo Jean Jacques Rosseau e para a ideologia da Revolução Francesa, entre outros.
Para ele, toda Filosofia Política deve ser gerada a partir da diferenciação existente entre a Ordem Natural e a Ordem Moral; ou seja, entre a existência primitiva, anterior à formação da Sociedade; e a existência a partir do acordo entre os indivíduos que formou o primeiro agrupamento social. O famoso Contrato Social de Rosseau.
Segundo Spinoza, no inicio dos tempos, os homens viviam isolados, exceto, talvez, pelas presenças do cônjuge, da descendência e de outros membros da família ou do clã. Viviam sem outra lei que não fosse a “do mais forte” e, obviamente, inexistiam conceitos como “Bem”, “Mal”, “Certo”, “Errado”, “Justo”, “Injusto” etc.
O Poder e o Direito constituíam uma coisa apenas, sendo a força física, guerreira, o único lastro para ambos. Nas palavras do filósofo:

“Em um estado natural, nada pode existir que possa ser chamado de bom ou mau* de comum acordo, já que cada homem que está em estado natural consulta apenas a sua vantagem e determina o que é bom ou mau segundo a sua própria imaginação e na medida em que só leva em consideração a sua vantagem e não se acha responsável para com ninguém, exceto para consigo mesmo, perante lei alguma; portanto, o pecado não pode ser concebido em estado natural, mas apenas em um estado civil, onde aquilo que é bom ou mau* é decretado de comum acordo e cada indivíduo é responsável perante o Estado. (...) A lei e os regulamentos da natureza sob os quais todos os homens nascem e na maior parte vivem não proíbem coisa alguma a não ser aquilo que ninguém quer ou pode fazer, e não se opõem à rivalidade, ao ódio, à raiva, à traição ou, de modo geral, a nada que o apetite sugira”.

Atualmente, esse “Estado de Natureza” pode nos parecer muito remoto, distante e superado; mas, um olhar mais atento nos revela que ele ainda vigora fortemente em nossos dias, embora já não seja praticado pelos indivíduos e, sim, pelas Nações ou Estados.
Nações que agem sem qualquer outra motivação que não seja o seu interesse próprio, direto e imediato, o qual, geralmente, refere-se ao aumento de riquezas, de terras, de recursos minerais e/ou energéticos etc. Aumento de seu Poder, em resumo. Aliás, a esse respeito, tornou-se célebre a sentença do marechal e presidente alemão Bismarck: “Não existe altruísmo entre as nações”.
E com a devida licença do amável leitor (a), eu acrescento: nem decência!
Com efeito, entre os países só existe rivalidade, inveja, preconceito e rancor, do que não resulta um número proporcional de guerras, apenas pelo medo da autodestruição, pois o mesmo instinto de autopreservação que há em todos os seres vivos, também se faz presente em todos os outros organismos ou organizações.
É certo que existem casos de auxilio, bem como se tem alguns órgãos supranacionais, como a ONU, que tentam exercer algum tipo de governança, mas, em essência, a relação entre os países é marcada por disputas e hostilidades, declaradas ou escamoteadas, que reproduzem fielmente a primitiva ordem natural onde o único critério é a força bruta.
E isso acontece porque só é possível existirem a Lei e a Moralidade se também existir uma autoridade que tenha poder efetivo para implantá-las e mantê-las. E como se sabe, essa autoridade mundial inexiste.
Os chamados “Direitos de Estado” são, em verdade, “Poderes (econômico, bélico etc.)”, sendo que quanto maior forem esses últimos, maiores serão aqueles primeiros.
Um comportamento muito próximo, aliás, daquele que se verifica entre os animais, pois como entre as espécies não há qualquer organização, Lei ou regras morais, cada uma se impõe às outras na proporção direta de sua força. Faz, portanto, o que quer, dentro de suas possibilidades.
Em relação aos indivíduos, como se sabe, em certo momento o homem viu que precisava unir-se aos outros para conseguir sobreviver e prosperar em um mundo tão hostil. Dessa sorte, a ordem natural foi substituída pela ordem moral e com isso o poder natural foi sufocado, mas não extinto totalmente; e é por essa razão que o homem continua a agir de acordo com o mesmo, enquanto não é impedido pelas Leis ou até que lhe seja impossível manter o disfarce sob o qual vinha agindo, pois é muito mais comum que o indivíduo dê vazão aos seus instintos primitivos de forma dissimulada e sob uma capa de moralidade, do que enfrentar diretamente as proibições, já que isso poderia causar-lhe efeitos deletérios.
Exceto em casos raríssimos, os homens não são, por natureza, dotados de solidariedade, bondade etc. Embora as manifestações dessas características sejam relativamente comuns, a verdade é que o seu real motivo é apenas a hipocrisia, a covardia e/ou o desejo de manipular outrem ou todo o grupo social.
É uma fraude tão corriqueira que se tornou inconsciente; e de tão comum, acaba sendo esperada e, às vezes, até considerada genuína. Espera-se que aparentando bondade, honestidade, coragem etc. a recíproca seja verdadeira e que tais qualidades possam ser cobradas dos demais.
Mas, ainda que não seja naturalmente talhado para a convivência social, o homem se vê obrigado a tolerá-la, pois depende de outrem para sobreviver. E já que essa imposição é inelutável, o indivíduo é adestrado pela família, pela escola e pela sociedade para dissimular seus reais sentimentos e com isso parecer “amistoso”, “agradável” e tornar-se “querido” pelo agrupamento social. Nas palavras de Spinoza: “o homem não nasceu para a cidadania, mas deve ser preparado para ela”.
Esse preparo, segundo o filósofo, tem inicio tão logo a criança demonstre possuir um mínimo de capacidade de compreensão e prossegue por toda a vida do sujeito, sendo variável apenas o tipo de coerção que o obriga a sufocar seus instintos básicos.
Porém, inobstante, a presença constante desses freios, a maioria da população é constituída por rebeldes contra a Lei e/ou contra o subproduto das mesmas: os “Costumes”.
É uma situação quase irreversível por uma questão de antiguidade e de enraizamento na mente humana, haja vista que os Instintos surgiram muito antes que a capacidade de racionalização, de compreensão das convenções sociais, como, aliás, se pode ver em toda criança que nasce, pois antes de poder compreender qualquer coisa, o bebê age movido apenas pelos instintos.
Assim sendo, ao contrário do que acreditava Jean Jacques Rosseau, seus adeptos e outros, o homem não é “bom por natureza”.
Contudo, a união com outros homens possibilita o surgimento de alguns sentimentos mais brandos, decodificados como “senso de família”, de “clã” etc., pois, segundo Spinoza, o homem desenvolve a capacidade de gostar daquilo que se parece consigo1 e, dessa forma, surge o que ele chamou de “imitação de emoções” e, até, alguma estima verdadeira.
Processo que auxilia a continuidade do estado de “Ordem Moral”, da qual resulta o “Poder Legal e Moral” da sociedade, já que parte da soberania individual é transferida para a Comunidade em troca do auxilio e da defesa que ela pode oferecer. O indivíduo abdica, por exemplo, do “poder” ou do “direito” de surrar quem lhe incomoda, para ter a “garantia (ou a sua presunção)” de que não será surrado por quem ele incomoda.
O “Poder (a capacidade de influenciar, de interferir, de comandar etc.)” ainda continua sendo o lastro do Direito, mas o Poder do “Todo”, da Sociedade, limita o do indivíduo, do homem físico; ao contrário do que acontece entre as Nações, como se disse anteriormente. Essa visão ácida que Spinoza faz do homem parece destoar de sua proverbial docilidade, mas é importante conservar em evidência a natureza belicosa do Ser humano, a qual, per si, justifica a sua tese de que é imprescindível que a Sociedade viva sob o império das Leis, para que os instintos sejam mantidos em níveis toleráveis.
Conforme o seu ideário, a Lei tem para com os indivíduos uma relação semelhante a da Razão para com as paixões; ou seja, é a governança que evita a ruína da Sociedade e, por consequência, a do próprio indivíduo, vez que, sozinho, ele não terá meios para sobreviver.
Na Metafísica a Razão é o percebimento, ou a percepção, da Lei que cuida do ordenamento das coisas; na Ética é o estabelecimento da ordem entre os desejos e na Política é o estabelecimento da organização entre os indivíduos. Mas, se a Lei da Metafísica é perfeita, o mesmo não acontece com a que regula a Política e a Ética, pois o que ela disciplina são valores relativos, mutáveis e transitórios; ao contrário da Lei que atua na Metafísica, onde os valores são absolutos, eternos e inalteráveis, como, por exemplo, os da matemática (2+2=4 é uma ordem eterna e invariável, sejam lá quais forem as circunstâncias em que se dê a equação).
Sendo, então, imprecisas, as Leis que regulam a convivência entre os homens deverão ser constantemente aperfeiçoadas, para que no futuro o Estado atinja o seu ponto ideal; isto é, limitando os poderes individuais só até o ponto em que eles possam comprometer a liberdade de outrem3, o Estado se torna um agente eficaz para o desenvolvimento físico e espiritual dos cidadãos. Nas palavras do filósofo:
“O objetivo supremo do Estado não é (ou não deveria ser – na.) dominar os homens nem contê-los pelo medo, é, isso sim, livrar cada um deles do medo, permitindo-lhe viver e agir em plena segurança e sem prejuízo para si ou seu vizinho. O objetivo do Estado, repito, não é transformar seres racionais em feras e máquinas. É fazer com que seus corpos e suas mentes funcionem em segurança. É levar os homens a viver segundo uma razão livre e a exercitá-la; para que não desperdicem suas forças com o ódio, a raiva e a perfídia, nem atuem uns com os outros de maneira injusta. Assim, o objetivo do Estado é, realmente, a liberdade”.
Mas, e se o Estado sufocar a liberdade e o desenvolvimento do indivíduo? O que deverá fazer o cidadão se o Estado, com a intenção de se fortalecer para se perpetuar, tornar-se uma fonte de opressão? O homem deverá sujeitar-se e obedecer a leis injustas, infames?
Para Spinoza, sim.
Mas, desde que sejam permitidos protestos e discussões razoáveis e se houver liberdade de expressão para assegurar uma mudança pacífica. Nos casos em que tais aberturas inexistirem, ele deixa subentendida a inevitabilidade da sedição. Segundo ele:

“Quanto mais um governo se esforça por limitar a liberdade de expressão, mais obstinada é a resistência a ele; não, de fato, por parte dos avarentos (de inteligência, os incultos) (...), mas por parte daqueles a quem a boa educação, a moralidade íntegra e a virtude tornaram mais livres. Os homens, de maneira geral, são constituídos de tal forma, que não há nada que suportem com tão pouca paciência do que o fato de os pontos de vista que acreditam ser verdadeiros serem considerados crimes contra a legislação. (...) Nessas circunstâncias, não acham vergonho, mas, sim, muitíssimo honrado, repudiar as leis e não deixar de agir contra o governo. (...) As leis que podem ser burladas sem nenhum dano para o vizinho são consideradas apenas motivo de galhofa; e essas leis, longe de restringirem os apetites e a concupiscência da humanidade, só fazem aumentá-los.”.

Spinoza reconhece a importância do Estado, porém não confia no mesmo, pois tem consciência de que o “Poder” corrompe a todos os homens. Além disso, ele não via equilíbrio entre o tamanho da autoridade conferida ao Governo e a “alma” do homem.
E nesse desequilíbrio é que ele buscou os motivos para discordar de que a Educação fosse uma prerrogativa do Estado, mormente nas universidades, por acreditar que o controle governamental restringe os dons naturais do homem, ao invés de estimulá-los. Para ele, a Educação deve ser entregue a particulares4 como já ocorria na Grécia Clássica com Sócrates, Platão e Aristóteles e, até, com os Sofistas.
Em relação à forma de governo, Spinoza não faz uma declaração aberta de sua afeição à Republica, mas deixa sinalizada a sua preferência por regimes liberais, constitucionais. Para ele, qualquer forma de Política pode ser constituída “de modo a que todo homem (...) passe a preferir o “Direito Público” à “vantagens particulares; esta é a tarefa do legislador”.
Nesse ponto, aliás, ele descreveu magnificamente as vantagens do Regime que permite a liberdade, mesmo que nele existam conflitos. Em seus termos:

“Supõe-se que a experiência ensine que é bom para a paz e concórdia atribuir toda a autoridade a um só homem. Porque nenhum domínio ficou tanto tempo sem qualquer alteração significativa a não ser o dos turcos; e, por outro lado, nunca houve um que durasse tão pouco como aqueles que eram populares ou democráticos, nem qualquer outro em que houvesse tantas sedições. No entanto, se a escravidão, o barbarismo e a desolação devem ser chamados de paz, o homem não poderia ter infortúnio pior. Não há dúvida de que, de modo geral, há discussões mais frequentes e mais violentas entre pais e filhos do que entre senhores e escravos; no entanto, não representa um avanço da arte da administração domestica a transformação do direito de um pai em um direito de propriedade, e considerar os filhos simples escravos. A escravidão, então, e não a paz, é a favorecida com a atribuição de toda a autoridade a um só homem”.

O Regime, pois, que permite ao indivíduo a maior liberdade de expressão e de pensamento é a melhor forma de governo, pois nele os indivíduos submetem ao controle social apenas as suas ações e não as suas ideologias. Racionalmente o cidadão controla os seus atos segundo os preceitos da Lei, mas conserva a liberdade de pensar, de estudar, de aprender, de divagar, de sonhar.
Esse Regime deve ter forças capazes de defendê-lo contra os inimigos externos e, principalmente, contra os adversários internos; ou seja, contra as classes de lumpens sociais (herdeiros, agiotas, sonegadores, aproveitadores, vagabundos, manipuladores da fé, do desespero etc.) que por serem adeptas da exploração de outrem para manterem seus privilégios espúrios, necessitam de que a ignorância da população seja ampla, para exercerem o seu jugo com mais facilidade. E para tanto, o “Serviço Militar” deve ser universal; isto é, obrigatório para todos, independentemente de classes sociais, origens, gênero, etnia etc.; sem qualquer tipo de favorecimento.
Em relação aos tributos, Spinoza propõe que haja um imposto único, originário do pagamento que o cidadão faz a titulo de aluguel da casa onde reside e do campo onde trabalha, posto que todas as casas e solos sejam de propriedade estatal5.
Aqui chegados, o leitor (a) já percebeu que o ideário spinoziano possui uma faceta voltada para o liberalismo, mas, também, que não comunga inteiramente com a Democracia Capitalista que vigora em nossa época.
E, de fato, para ele a Democracia é um Regime muito suscetível, frágil, haja vista que, via de regra, é tomada por medíocres, obtusos ou mal carateres. Essa preocupação, diga-se, não lhe foi original, pois Platão já a expressara em “A República”. Posteriormente, ela voltou à baila por obra do filósofo Toquecville (Alexis de, França, 1805/1859) em sua obra “Da Democracia na América”.
Segundo Spinoza e outros (inclusive esse escrevinhador), o homem medíocre, mas ardiloso, após assumir algum cargo representativo, torna-se corrupto, exceto, claro, as raras exceções. Em consequência, as suas ações limitam-se a serem desonestas e/ou equivocadas em prejuízo do “Todo”.
Por isso, para o filósofo, seria imperioso fazer-se uma seleção rigorosa dos postulantes a membros do governo, mas essa seleção esbarra no principio de que aqueles que fazem tal julgamento – via eleições – são semelhantes aos candidatos em termos de ignorância (não necessariamente em termos de desonestidade) e sem a necessária capacidade racional para uma escolha de tamanha importância. Geralmente optam movidos por sentimentalismos, por simpatias superficiais etc. Não é raro que se deixem seduzir por hediondas manipulações, por promessas fantasiosas, por discursos apelativos e quejandos.
Para nós, brasileiros (as), não é difícil concordar com a visão de Spinoza, pois vivenciamos essa nefasta situação em praticamente toda a nossa história; porém, é preciso reconhecer que esse problema aflige a todos os países, mesmo aqueles que se gabam de ter uma população de melhor nível cultural. Também é preciso reconhecer que a Democracia, apesar dos pesares, ainda é a melhor forma de regência que um grupo social pode ter.
No entanto, em razão das dificuldades ocasionadas pela mediocridade e desonestidade que terminam por contaminá-lo, o regime democrático acaba sendo questionado pelos “homens sábios” que, em certo momento, rebelam-se ou se desinteressam pelo processo político e pela coletividade. É quando se observa, por exemplo, o afastamento dos intelectuais.
Então, segundo o filósofo:

“Por isso é que eu penso que as democracias se transformam em aristocracias e, estas, em monarquias (absolutistas, ou hodiernas tiranias - NA.)”.

O populacho, a se ver sem orientação, acaba optando pela Tirania, a qual prefere em relação ao caos. A Ditadura, ademais, traz-lhe o conforto de não ter que pensar (sic). De poder delegar a outrem a responsabilidade pela própria felicidade ou desventura e desfrutar da condição de “pobre vitima” do regime (sic).
Assim sendo, resta aos homens de bem pagar o preço de se lutar contínua e tenazmente para minimizar a mediocridade e a desonestidade associadas à Democracia e rogar aos deuses que as luzes de gênios como Spinoza espalhem-se e iluminem as consciências, já que é sempre preciso selecionar os melhores homens e mulheres que se disponham a governar os demais.
Por fim, deve-se dizer que as ideias de Spinoza foram, posteriormente, consideradas antagônicas já que sugeriam alguma forma de Comunismo e de Democracia simultaneamente. Mas essa opinião crítica carece de valor, haja vista ser resultante de mentes boçais predispostas apenas à dicotomia rasteira. Em seu espírito superior, Spinoza via conceitos como Democracia e Comunismo como se fossem complementares e nunca divergentes, pois ambos visam o mesmo: a felicidade do homem.
Infelizmente ele não pôde explicitar essa síntese porque a morte prematura o alcançou antes de terminar o seu trabalho. Com ele morreu, talvez, a solução do impasse.
No próximo capitulo teceremos as considerações finais sobre o gênio holandês. 
Nota do Autor 1 - essa capacidade de gostar do semelhante seria a explicação para o maior apego que sentimos pelos mamíferos do que pelas serpentes, por exemplo?

Nota do Autor 2 – mau*, mantida a grafia original.

Nota do Autor 3 – posteriormente esse princípio chegou ao grande público através da seguinte sentença: “o seu Direito termina, onde começa o meu”.

Nota do Autor 4 – observe-se a extensão do pensamento de Spinoza, que em uma época na qual sequer se cogitava em “Livre Iniciativa”, ele já a propunha. Pode-se concordar ou discordar de seus argumentos, mas não há como deixar de admirar a sua presciência.

Nota do Autor 5 – observe-se, aqui, a origem do preceito de Karl Marx e da prática comunista que ainda persiste em algumas sociedades, como a cubana, por exemplo.

As Considerações Finais.

Spinoza influenciou diretamente aos mais importantes Pensadores que lhe sucederam e apenas essa constatação já é suficiente para demonstrar claramente a importância de seu ideário para o desenvolvimento do pensamento humano. Segundo Will Durant, ele não fundou nenhuma seita nem qualquer Escola filosófica e, ainda assim, toda a Filosofia posterior partiu de sua ideologia.
Contudo, como é de praxe, durante a sua vida o brilho de sua inteligência não recebeu a mesma consideração que nos tempos posteriores. Figuras importantes questionaram suas ideias, sendo que até o grande filósofo Hume considerou a sua sistemática como uma “teoria hedionda”.
A reabilitação só teve inicio quando o célebre crítico Leasing (Gotthold Ephraim – 1729/1781 – Al.) declarou-se, em 1780, um “spinozista durante toda a sua vida madura” porque “não existe outra Filosofia que não a de Spinoza”. Algum tempo depois, Herder (Johann Gottfried Von – 1744/1803 – Al.) chamou a atenção dos teólogos liberais para a “Ética”, através de sua obra “Einige Ges Prache Uber Spinoza´s System”; e o poeta católico Novalis (pseudônimo de Georg Philipp Friedrich Von Hardenberg – 1772/1801 – Al.), chamou-o de “o homem bêbado de Deus”; ou seja, embriagado pelo poder divino. Simultaneamente, Jacobi (Carl Gustav Jakob Jacobi – 1804/1851 – Al.) apresentou a obra de Spinoza para o grande escritor, poeta e pensador Goethe (Johann Wolfgang Von – 1749/1832 – Al.) que logo na primeira leitura de “A Ética” tornou-se admirador do filosofo holandês e passou a fazer constantes referências às ideias do mesmo, em seu trabalho.
Posteriormente, Fichte, Schelling e Hegel combinaram a Filosofia spinoziana e a kantiana e da fusão retiraram as suas versões panteísticas. Em seguida, Schopenhauer retirou do spinoziano “esforço de preservar a si mesmo” a sua teoria sobre a “Vontade (de viver)” e Nietzsche idem, com sua tese sobre a “Vontade (de poder)”. Mas adiante, foi à vez de Bérgson utilizar a doutrina de Spinoza para embasar o seu “elã vital”.
Nos países de língua inglesa, a influência de Spinoza surgiu com o movimento revolucionário de jovens intelectuais rebeldes como os poetas românticos Coleridge (Samuel Taylor – 1772/1834 – GB.) e Wordsworth (Willian – 1770/1850 – GB.), Shelley (Percy Bysse – 1792/1822 – GB.), Byron (George Gordon – 1788/1824 – GB) que passaram a citá-lo nas próprias obras. Posteriormente George Eliot (pseudônimo da romancista Mary Ann Evans – 1819/1880 – GB) chegou a traduzir “A Ética”, mas não publicou o seu trabalho; e o jornalista, político e socialista Belfort Bax (Ernest – 1854/1926 – GB) disse: “Não existem, nos dias de hoje, homens proeminentes que não declarem que em Spinoza está a plenitude da ciência moderna.”.
Com efeito, deve-se a Spinoza o mérito de ter resgatado e atualizado a ancestral sabedoria hindu, filtrada por Platão, e, com isso, ter dado ao homem um valiosíssimo instrumento para combater o bom combate contra a obscuridade religiosa e política que campeou por toda a Idade Média e que, ainda hoje, em pleno século XXI, nega-se a perecer no lixo da história.
Nada mais justo, portanto, que as palavras que disse o filósofo e historiador Ernest Renan (Joseph – 1823/1892 – Fr.) em 1822, na inauguração de uma estátua de Spinoza em Haia, Holanda:

“(...) Pobre daquele que, ao passar, lançasse um insulto a essa cabeça delicada e pensativa. Seria punido, como são punidas todas as almas vulgares, pela vulgaridade e pela incapacidade de conceber o que é divino. Este homem, de seu pedestal de granito, apontará a todos os homens o caminho da bem-aventurança que ele encontrou; e, daqui a gerações, o viajante culto, ao passar por este local, dirá em seu coração: ‘a mais verdadeira visão de Deus que já se teve talvez tenha acontecido aqui’.

Assim, encerramos o capitulo relativo à Spinoza. No próximo, discorreremos sobre o grande Voltaire e o Iluminismo Francês.

Produção e divulgação de Pat Tavares, lettré, l´art et la culture, assessoria de Imprensa e de Comunicação com o Público. Rio de Janeiro, inverno de 2014.

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Mestre Vitalino


Então, o homem-deus-demiúrgo
(talvez o verdadeiro)
junta água e chão
e faz o milagre primeiro.
E do barro, faz o segundo:

eis o homem!

(à sua imagem e semelhança...)

Homem do barro,
curtido de sol,
curtido de miséria
e doído de esquecimento.
De seu nada tem,
só os olhos de perdão.

Então, o homem-deus-demiúrgo
do fole do peito tira um suspiro;
e no sopro vai a certeza
de que alma do barro chegará,
assim que a noite descer do céu.
Homenagem pouca a Mestre Vitalino (Pereira dos Santos, 1909/1963).

Produção e divulgação de Pri Guilhen, lettré, l´art et la culture, assessora de Imprensa e de Comunicação. Rio de Janeiro, inverno de 2014.




sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Spinoza e o Panteísmo - Parte XII - A Imortalidade e a Religião



Com esse tema Spinoza encerra a sua obra-prima, Ética (Geométrica). Raramente os livros despertam tantas lucubrações e discussões como este, tanto no aspecto positivo, quanto no negativo. Para alguns, a Metafísica que apresenta é pequena; a Teologia é insatisfatória e a Psicologia é medíocre. No entanto, para a maioria, é um verdadeiro guia para uma vida virtuosa, da qual resultam a paz interior e a felicidade efetiva.
Para muitos estudiosos, a Filosofia de Spinoza, a rigor, é uma tentativa de encontrar os motivos que justifiquem o seu amor ao mundo, à vida; posto que ele via-se como a encarnação de seu povo – os judeus – e igualava as perseguições que sofria com as que vitimaram os hebreus durante o transcorrer de toda a história. Perseguições, aliás, que ele não conseguia entender, por achar que eram dirigidas a homens e a povos justos e generosos.
É possível que tais estudiosos tenham razão, ainda que seja duvidoso reduzir o esplendor de tal Sistema a uma causa apenas. Porém, ainda que seja o único motivo, esse fato em nada diminui a magnitude de seu trabalho, inclusive por oferecer supostas contradições que eliminam qualquer ranço de pretensão doutrinária.
Ademais, o Sistema filosófico que Spinoza condensou na obra, faz com que ela continue sendo compatível com qualquer época, inclusive a atual, pois a profundidade dos temas abordados compensam suas eventuais deficiências e servem como eficaz contraponto à superficialidade da vida calcada na ignorância e no apego desmedido à matéria.
Exemplo dessa profundidade é a questão relativa à Imortalidade e a Religiosidade, já que ambos são assuntos centrais para a vida humana e temas constantes em todos os esforços para elevar o Pensamento.
Na juventude, em face da insuficiência de sua religião – o judaísmo ortodoxo – Spinoza buscou noutras fontes as respostas de que seu espírito necessitava e, com isso, criou uma alternativa à própria religião, sem, no entanto, desprezá-la totalmente; chegando mesmo a tirar do judaísmo as premissas que se adequavam ao seu Racionalismo.
Na maturidade aumentou-lhe o sentimento religioso e ele chegou à precoce velhice e morte, mais piedoso do que fora na mocidade. Se antes lhe bastava o ideário que propunha o mundo como um processo regido por Leis impessoais, fixas e eternas; a partir de certo momento, ele sentiu a necessidade de transformar esse “Processo frio e impessoal” em algo mais sentimental, espiritual, passível de ser amado.
Desse modo, ele tentou juntar a sua carência emocional com a ideologia anterior, vendo-se, cada vez mais, como parte de um “Todo”; como parte indistinguível da natureza. Em suas palavras:

“O maior bem é o conhecimento da união que a mente tem com toda a natureza”.

Sempre fora uma de suas teses mais caras, o fato de que a separação entre o homem e a natureza é apenas uma ilusão (uma arrogância antropocêntrica? Na.) já que tudo faz parte da grande vertente de Causa e Efeito.
O homem, na verdade, é uma forma fugaz de um Ser (não no sentido de indivíduo) maior. E, por isso, ainda que o seu corpo morra, ele se faz eterno. Como se fosse “célula” do “corpo divino”, enquanto que a sua mente, seria “simples lampejos” da mente divina. Uma panteísta fusão do indivíduo com o “Todo”, que oferece a perspectiva de que o homem seja tão imortal quanto o “Absoluto” do qual é parte. Como, aliás, já afirmavam os sadus da Índia, muito antes de sua sabedoria ter chegado ao Ocidente por intermédio, principalmente, de Sócrates e de Platão.
Helênicas teses que Spinoza encampou e que se tornaram icônicas de seu Sistema; mas, ainda assim, a junção que o filósofo propôs na maturidade, acabou recebendo a censura de vários estudiosos que a consideram mais obscura que o restante de seu pensamento.
Apontaram, inclusive, a dúvida provocada pelo holandês acerca do tipo de imortalidade a que ele se referia. Para uns, ele propusera que a eternidade seria em decorrência da reputação conquistada através da superioridade de suas ideias e de suas obras; para outros, que a imortalidade estaria associada ao indivíduo mesmo, sendo, portanto, pessoal, individual, por graça de algum milagre acontecido (sic).
É claro que essa segunda opção seria uma notória contradição ao cerne da Filosofia de Spinoza, mas, talvez, nela, eles acreditaram por vê-lo amargurado ante a iminência da própria morte, como, aliás, sucede a qualquer homem. Imaginaram-no, talvez, carente de um consolo.
Todavia, é preciso registrar que o próprio Spinoza nunca concebeu este tipo de imortalidade e sempre insistiu na diferença existente entre os conceitos de “Eternidade” e de “Permanência”. Assim ele disse:

“Se prestarmos atenção à opinião comum dos homens, veremos que eles estão cônscios da eternidade de sua mente; mas eles confundem eternidade com duração, e a atribuem à imaginação ou à memória, que acreditam continuar depois da morte”.

Ademais, ele sempre repetiu a tese de Aristóteles que nega a sobrevivência da memória pessoal “a Mente não pode imaginar ou recordar qualquer coias, exceto enquanto estiver no corpo”. E ainda no tocante à sobrevivência individual, sempre houve de sua parte a rejeição peremptória da ideia de “castigos” ou “recompensas” celestiais, como diz na última proposição do livro:
“Bem aventurança não é recompensa da Virtude, mas a própria Virtude”.
E certamente pensava igual a respeito da Imortalidade, a qual não seria a recompensa pelo “Pensamento Claro (conhecedor da ‘Verdade Primeira’, das essências ou substâncias)”, já que o prêmio é o próprio “Pensamento Claro” que leva o Passado para o Presente e adentra o Futuro, vencendo, portanto, as divisões do tempo e captando a “perspectiva eterna” que subjaz a todas as mudanças. Imortal, pois, é esse Saber que revela a permanente Criação.
Todavia, a pecha de obscuridade permaneceu, sem, no entanto, deslustrar a grandiosidade de ideário spinoziano. Preço que geralmente é pago por todos que pensam superlativamente e que, por isso, nem sempre podem ser compreendidos.
Por fim, para encerrarmos as considerações sobre a Ética transcreveremos as palavras com que o filósofo terminou a sua obra majestosa:

“Completei, assim, tudo que queria mostrar com relação ao poder da mente sobre as emoções, ou à liberdade da mente. Do que fica claro o quanto o homem sábio está na frente e como é mais forte do que o ignorante, que é guiado apenas pela concupiscência. Porque o homem ignorante, além de ser agitado de muitas maneiras por causas externas, jamais goza de uma verdadeira satisfação da mente: ele vive, além do mais, quase inconsciente de si mesmo, de Deus e das coisas, e tão logo deixa de ser passivo, deixa de ser. Ao contrário, o homem sábio, na medida em que seja considerado como tal, dificilmente é movido no espírito; é cônscio de si mesmo, de Deus e das coisas por uma certa necessidade eterna, nunca deixa de ser, e sempre goza da satisfação da mente. Se a estrada que mostrei que leva a isso for muito difícil, ainda assim pode ser descoberta. E é evidente que deve ser muito difícil, já que é muito raro ser encontrada. Pois como seria possível ela ser desprezada praticamente por todos se a salvação estivesse ao alcance de todos e pudesse ser encontrada sem dificuldades? Mas todas as coisas excelentes são tão difíceis quanto raras”.

No próximo bloco, completaremos as observações acerca do segundo livro, comentando as ideias de Spinoza sobre as questões políticas.

Produção e divulgação de Pat Tavares, lettré, l´art et la culture, assessoria de Imprensa e de Comunicação com o Público. Rio de Janeiro, inverno de 2014.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Vagos


Homens vagos perambulam autômatos
e repetem as ladainhas que ouviram
enquanto sonham com a porta do Paraíso
e com as coxas das mulheres abertas.

Vagas mulheres esperam caladas
e embalam ilusões mal paridas.
Uma vez sorriram,
mas não se lembram quando.

Só restaram algumas sombras,
alguns ecos e pedaços de utopia.
Rudes muros foram plantados
e a fantasia sujou-se de realidade.


Produção e divulgação de Pat Tavares, lettré, l´art et la culture, assessora de Comunicação e de Imprensa, Rio de Janeiro, inverno de 2014.



quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Spinoza e o Panteísmo - Parte XI A Ética baseada na Sabedoria


Nesse capítulo, Spinoza volta a tratar das questões morais e o inicia inventariando os tipos mais comuns de ordem ética que são adotados pela humanidade. A saber:

1) O Sistema calcado nas virtudes budistas ou cristãs, que alguns chamam de “virtudes femininas”; ou seja;
1.1 – todos os homens são iguais.
1.2 – o Mal será combatido apenas com a utilização do Bem.
1.3 – “Amor” é sinônimo de “Virtude”.
1.4 – a Democracia ilimitada é a forma de governo apropriada.

2) O Sistema baseado nas teses de Filósofos como Maquiavel, Nietzsche e outros:
2.1 – exaltação às chamadas “virtudes masculinas” como o arrojo, a ousadia, a disposição para o combate etc.
2.2 – aceitação do fato de haver desigualdade entre os indivíduos.
2.3 – admissão e enaltecimento dos riscos inerentes ao combate, à conquista e ao domínio.
2.4 – identificação de “Poder” e “Virtude”.
2.5 – exaltação do continuísmo aristocrático como forma de governo.

3) O Sistema proposto pelos Filósofos gregos clássicos, Sócrates, Platão e Aristóteles, que contém:
3.1 – a negação de que os sistemas anteriores sirvam para todas as circunstâncias.
3.2 – a afirmação de que apenas a Mente (a Sabedoria amadurecida) pode julgar quando se deve agir segundo as “virtudes femininas” ou de acordo com as “virtudes masculinas”.
3.3 – a afirmação de que a “Virtude verdadeira” é a Inteligência, a sabedoria e não a humildade ou o arrojo.
3.4 – defesa de uma mescla entre Democracia e Aristocracia como forma de governo ideal.

A partir desse inventário, Spinoza partiu em busca da melhor forma de harmonizar essas posições divergentes e com isso criou uma síntese que ainda hoje é considerada a ideal.
Ele propõe de inicio que a “Felicidade” deva ser o objetivo da conduta humana, sendo a “felicidade” definida como “a presença do prazer e a ausência do sofrimento”.
Porém, como o “Prazer e a Dor” são conceitos relativos e passageiros e não estados absolutos ou definitivos, ele propõe que sejam considerados apenas como “transições”; assim, o “prazer” é a transição de uma situação negativa para outra positiva e a dor, obviamente, o inverso.
E porque, então, todas as paixões humanas são transitórias e as emoções são apenas movimentos em direção à realização (ou inteireza) do homem enquanto Ser; o homem ético, escorado na Sabedoria, saberá o momento oportuno de agir com a humildade adequada e/ou com o arrojo necessário.
Nesse equilíbrio é que está a “Virtude Verdadeira” e por isso, Spinoza não advoga que o homem se sacrifique em prol de outrem, até porque, para ele, o egoísmo é uma necessidade ditada pelo instinto de autopreservaçao. Em suas palavras:

“Já que a Razão não exige coisa alguma contra a natureza, ela admite que cada homem deva amar a si mesmo e procurar aquilo que lhe for útil, e desejar aquilo que o leve verdadeiramente a um maior estado de perfeição: e que deva esforçar-se para preservar o seu ser até o ponto que lhe compete”.

Respeitando, portanto, a natureza das coisas e dos homens, Spinoza constrói o seu ideário com base nas exigências da natura e não sobre um suposto altruísmo que foi tão caro e precioso para os Filósofos utópicos. Tampouco se apoia no egocentrismo nefasto que propõe ir além das necessidades naturais, como propuseram os pensadores “Cínicos”, entre outros.

Em linhas gerais, pode-se dizer que a sua sistemática nega:

1) Qualquer valor para a fraqueza, para a subserviência, para a humildade; pois elas seriam, na verdade, sórdidas enganações de manipuladores ou manifestações de fraqueza e covardia.

2) Qualquer validade para a soberba, para o orgulho que não se justifique por méritos reais. A presunção, diz, torna o presunçoso um incômodo para os demais.

São traços bem definidos e posições dotadas de uma rigidez que, em principio, parece destoar da suavidade que caracteriza o filósofo. E, realmente, no desenrolar de seus pensamentos, ele se reaproxima de sua faceta mais branda e, talvez, mais ingênua, como quando, por exemplo, mostra-se horrorizado com toda a maldade humana, com a inveja existente entre os que se dizem amigos e com o desprezo que cada qual devota a quem julga ser-lhe inferior. Uma ingenuidade, aliás, que se torna mais evidente quando ele propõe acabar com os males humanos através da simples eliminação das emoções e intenções negativas, já que para ele seria “simples” mostrar a todos os homens que o “ódio pode ser vencido pelo amor graças à proximidade entre ambos (sic)”. Em seus termos:

“Aquele que acredita ser amado por quem ele odeia torna-se presa de conflitantes emoções de ódio e amor, uma vez que amor tende a gerar amor; de modo que o seu ódio se desintegra e perde a força. Odiar é reconhecer a nossa inferioridade e nosso medo; não odiamos um inimigo que acreditamos convictamente podermos vencer”.

Todavia, a suposta ingenuidade do filósofo logo é superada e na sequência ele retoma a sua convicção acerca do Saber enquanto sinônimo de comportamento ético.
Embora as suas palavras pareçam repetir a ideologia cristã, a rigor, trata-se de uma falsa impressão, haja vista que o cerne de seu Sistema Ético é mais influenciado pelos gregos do que pelos hebreus, como se pode inferir dessa outra afirmação:

“O esforço para compreender é a primeira e única base da Virtude”.

E graças a essas raízes helênicas é que Spinoza pôde, inclusive, ir além das tradições socrática e estoica no quesito relativo à distinção entre Razão (raciocínio lógico) e a Paixão (instintos, desejos).
Ciente de que a Paixão é “cega” e de que a Razão sem passionalidade é “morta”, ele não opôs* uma à outra, mas seguiu uma nova trilha, na qual o contraste fica entre as Paixões Irracionais contra as Paixões coordenadas pela Razão, as quais resultam do fato de o indivíduo ter uma perspectiva total sobre a situação.
Afinal, segundo sua ótica, todos os apetites só são paixões quando resultam de ideias inadequadas (ou da falta de ideias – na.), pois se surgirem de ideias adequadas serão consideradas virtudes.
A Ética de Spinoza acompanha as suas teses sobre a Metafísica, onde a “Verdade Primeira” é encontrada a partir do percebimento de que existe uma Lei que regula o fluxo caótico das coisas e dos eventos. Na Ética o mesmo se dá, posto que a “Virtude Real” está na aceitação de que há uma Lei que governa o fluxo dos desejos, das vontades.
Contudo, se na Metafísica é suficiente “ver ou perceber” essa Lei, na Ética é necessário “agir”, “viver” conforme os ditames dessa regulamentação. Fazer com que a percepção desse regulatório e a ação pensada e realizada estejam sob o prisma do “Todo”.
O pensamento ajuda o homem a ter essa “visão maior, total” graças à imaginação, pois é ela que apresenta à consciência os efeitos futuros das ações praticadas no Presente. Porém, um obstáculo a esse “vislumbre geral ou inteligente ou sábio” aparece com frequência em decorrência de haver maior nitidez das situações presentes, quando comparadas com as imagens projetadas para o Futuro.
Por isso, não é raro a ocorrência de atos negativos, mesmo que o homem tenha vislumbres sombrios do Futuro. E isso acontece devido à incapacidade humana de resistir aos impulsos dos instintos, disfarçados de desejos.
Todavia, aqueles Sábios que conseguem resistir, tornam-se criadores do próprio Futuro e libertam-se das paixões descoordenadas, do individualismo dos instintos e da escravidão contida no Passado. Conseguem, pois, a única liberdade possível ao Ser humano, já que em todo o restante ele continuará a ser cativo dos Processos e das Leis Naturais.
E ainda que seja parcial, a Liberdade que o Sábio conquistou é mais nobre e abrangente que o chamado “livre-arbítrio”, porque a vontade humana nunca é livre em função de sua perpétua subordinação aos “Desejos”. Embora o homem possa optar entre este ou aquele “Desejo”, ele será, sempre, obrigado a obedecer ao escolhido.
No entanto, ao se situar acima e além dos “Desejos”, ele se livra de seu domínio e passa a obedecer apenas à Lei do Determinismo que a tudo rege.
E porque é o Determinismo que dita as regras, todos os homens – inclusive os Sábios – são responsáveis pelo próprio comportamento** e pela estruturação da Sociedade, vez que inexiste o “Bedel Divino” que corrige e/ou premia os comportamentos que garantem a continuidade do agrupamento; o qual, segundo o filósofo, deve enquadrar os seus membros desde a infância por intermédio da Educação, pois toda forma de educar pressupõe certo Determinismo e desse modo é possível deixar nas jovens mentes uma série de proibições que visam conter os impulsos exageradamente egoístas.
As palavras do filósofo sobre essa questão do controle social:

“O mal que resulta de más ações não deve, portanto, ser menos temido porque vem da necessidade; nossas ações podem ser livres ou não, mas os nossos motivos continuam sendo a esperança e o medo. Portanto, é falsa a afirmação de que eu não deixaria espaço para os preceitos (legais) e controles (sociais)”.

Prosseguindo nessa vereda, o filósofo volta a declinar elogios ao Determinismo que em sua visão tem a sua maior validade no fato de preparar o individuo para suportar as variadas nuances da sorte, vez que o ensina a ver as circunstâncias que lhe atingem sob a ótica de sua inexorabilidade e de sua sujeição a um contexto geral. O homem passa, então, a compreender que aquela vicissitude é “parte” de um “Todo” e que acontece por força das Leis Gerais, não se tratando de uma “vingança”, de um “castigo” imposto por um “Ditador Celestial”.
E ao conquistar esse nível de compreensão, o homem deixa de temer aquele suposto e imaginário Ser colérico, vingativo, carente de adoração constante; e com isso passa a admirar a grandiosidade das Leis Naturais, da Ordem do universo etc. Nesse ponto, começa a sentir o “Amor Intelectual (racional, lógico, despido de misticismo e superstição)” a Deus.
É o momento em que o homem se eleva da intermitência dos prazeres e desprazeres vulgares, para a serenidade de contemplar o “Todo”, no qual se insere. Eleva-se ao ponto de não temer sequer a morte, pois como bem disse o filósofo Nietzsche:

“Aquilo que é necessário***, não me ofende”.

Na sequência abordaremos os argumentos de Spinoza sobre a Religião e a Imortalidade.

Nota do Autor* – não endossou essa oposição tradicional, por saber que esse embate geralmente é vencido pelo elemento mais enraizado na psique: a paixão, o instinto; mesmo com os inevitáveis prejuízos ao indivíduo, haja vista que a ação irracional, normalmente, tem efeitos negativos.

Nota do autor** – aqui o leitor (a) percebe uma tese que no futuro voltaria à cena filosófica através do Existencialismo.

Nota do Autor*** - necessário, no sentido filosófico; ou seja, ser de tal forma, não podendo ser doutra maneira.

Produção e divulgação de Pat Tavares, lettré, l´art et la culture, assessoria de Imprensa e de Comunicação com o Público. Rio de Janeiro, inverno de 2014.