Com esse tema Spinoza
encerra a sua obra-prima, Ética (Geométrica). Raramente os
livros despertam tantas lucubrações e discussões como este, tanto no aspecto
positivo, quanto no negativo. Para alguns, a Metafísica que apresenta é
pequena; a Teologia é insatisfatória e a Psicologia é medíocre. No entanto,
para a maioria, é um verdadeiro guia para uma vida virtuosa, da qual resultam a
paz interior e a felicidade efetiva.
Para muitos estudiosos,
a Filosofia de Spinoza, a rigor, é uma tentativa de encontrar os motivos que
justifiquem o seu amor ao mundo, à vida; posto que ele via-se como a encarnação
de seu povo – os judeus – e igualava as perseguições que sofria com as que
vitimaram os hebreus durante o transcorrer de toda a história. Perseguições,
aliás, que ele não conseguia entender, por achar que eram dirigidas a homens e
a povos justos e generosos.
É possível que tais
estudiosos tenham razão, ainda que seja duvidoso reduzir o esplendor de tal Sistema
a uma causa apenas. Porém, ainda que seja o único motivo, esse fato em nada
diminui a magnitude de seu trabalho, inclusive por oferecer supostas contradições
que eliminam qualquer ranço de pretensão doutrinária.
Ademais, o Sistema
filosófico que Spinoza condensou na obra, faz com que ela continue sendo compatível
com qualquer época, inclusive a atual, pois a profundidade dos temas abordados compensam
suas eventuais deficiências e servem como eficaz contraponto à superficialidade
da vida calcada na ignorância e no apego desmedido à matéria.
Exemplo dessa
profundidade é a questão relativa à Imortalidade e a Religiosidade, já que
ambos são assuntos centrais para a vida humana e temas constantes em todos os
esforços para elevar o Pensamento.
Na juventude, em face
da insuficiência de sua religião – o judaísmo
ortodoxo – Spinoza buscou noutras fontes as respostas de que seu espírito necessitava
e, com isso, criou uma alternativa à própria religião, sem, no entanto, desprezá-la
totalmente; chegando mesmo a tirar
do judaísmo as premissas que se adequavam ao seu Racionalismo.
Na maturidade
aumentou-lhe o sentimento religioso e ele chegou à precoce velhice e morte,
mais piedoso do que fora na mocidade. Se antes lhe bastava o ideário que propunha
o mundo como um processo regido por Leis impessoais, fixas e eternas; a partir de certo momento, ele sentiu
a necessidade de transformar esse “Processo frio e impessoal” em algo mais sentimental,
espiritual, passível de ser amado.
Desse modo, ele tentou
juntar a sua carência emocional com a ideologia anterior, vendo-se, cada vez
mais, como parte de um “Todo”; como parte indistinguível da natureza. Em suas
palavras:
“O
maior bem é o conhecimento da união que a mente tem com toda a natureza”.
Sempre fora uma de suas
teses mais caras, o fato de que a separação entre o homem e a natureza é apenas
uma ilusão (uma arrogância antropocêntrica? Na.) já que tudo faz parte da
grande vertente de Causa e Efeito.
O homem, na verdade, é
uma forma fugaz de um Ser (não no sentido
de indivíduo) maior. E, por isso, ainda que o seu
corpo morra, ele se faz eterno. Como se fosse “célula” do “corpo divino”, enquanto
que a sua mente, seria “simples lampejos” da mente divina. Uma panteísta fusão
do indivíduo com o “Todo”, que oferece a perspectiva de que o homem seja tão
imortal quanto o “Absoluto” do qual é parte. Como, aliás, já afirmavam os sadus da Índia, muito antes de sua sabedoria
ter chegado ao Ocidente por intermédio, principalmente, de Sócrates e de Platão.
Helênicas teses que
Spinoza encampou e que se tornaram icônicas de seu Sistema; mas, ainda assim, a
junção que o filósofo propôs na maturidade, acabou recebendo a censura de
vários estudiosos que a consideram mais obscura que o restante de seu pensamento.
Apontaram, inclusive, a
dúvida provocada pelo holandês acerca do tipo de imortalidade a que ele se referia.
Para uns, ele propusera que a eternidade seria em decorrência da reputação
conquistada através da superioridade de suas ideias e de suas obras; para outros,
que a imortalidade estaria associada ao indivíduo mesmo, sendo, portanto, pessoal,
individual, por graça de algum milagre acontecido (sic).
É claro que essa
segunda opção seria uma notória contradição ao cerne da Filosofia de Spinoza,
mas, talvez, nela, eles acreditaram por vê-lo amargurado ante a iminência da
própria morte, como, aliás, sucede a qualquer homem. Imaginaram-no, talvez, carente
de um consolo.
Todavia, é preciso
registrar que o próprio Spinoza nunca concebeu este tipo de imortalidade e
sempre insistiu na diferença existente entre os conceitos de “Eternidade” e de
“Permanência”. Assim ele disse:
“Se
prestarmos atenção à opinião comum dos homens, veremos que eles estão cônscios
da eternidade de sua mente; mas eles confundem eternidade com duração, e a
atribuem à imaginação ou à memória, que acreditam continuar depois da morte”.
Ademais, ele sempre
repetiu a tese de Aristóteles que
nega a sobrevivência da memória pessoal “a
Mente não pode imaginar ou recordar qualquer coias, exceto enquanto estiver no
corpo”. E ainda no tocante à sobrevivência individual, sempre houve de sua
parte a rejeição peremptória da ideia de “castigos” ou “recompensas”
celestiais, como diz na última proposição do livro:
“Bem
aventurança não é recompensa da Virtude, mas a própria Virtude”.
E certamente pensava
igual a respeito da Imortalidade, a qual não seria a recompensa pelo “Pensamento
Claro (conhecedor
da ‘Verdade Primeira’, das essências ou substâncias)”,
já que o prêmio é o próprio “Pensamento Claro” que leva o Passado para o Presente
e adentra o Futuro, vencendo, portanto, as divisões do tempo e captando a
“perspectiva eterna” que subjaz a todas as mudanças. Imortal, pois, é esse
Saber que revela a permanente Criação.
Todavia, a pecha de
obscuridade permaneceu, sem, no entanto, deslustrar a grandiosidade de ideário spinoziano.
Preço que geralmente é pago por todos que pensam superlativamente e que, por
isso, nem sempre podem ser compreendidos.
Por fim, para
encerrarmos as considerações sobre a Ética transcreveremos as palavras
com que o filósofo terminou a sua obra majestosa:
“Completei, assim, tudo que queria mostrar com
relação ao poder da mente sobre as emoções, ou à liberdade da mente. Do que
fica claro o quanto o homem sábio está na frente e como é mais forte do que o
ignorante, que é guiado apenas pela concupiscência. Porque o homem ignorante,
além de ser agitado de muitas maneiras por causas externas, jamais goza de uma
verdadeira satisfação da mente: ele vive, além do mais, quase inconsciente de
si mesmo, de Deus e das coisas, e tão logo deixa de ser passivo, deixa de ser.
Ao contrário, o homem sábio, na medida em que seja considerado como tal,
dificilmente é movido no espírito; é cônscio de si mesmo, de Deus e das coisas
por uma certa necessidade eterna, nunca deixa de ser, e sempre goza da satisfação
da mente. Se a estrada que mostrei que leva a isso for muito difícil, ainda
assim pode ser descoberta. E é evidente que deve ser muito difícil, já que é
muito raro ser encontrada. Pois como seria possível ela ser desprezada
praticamente por todos se a salvação estivesse ao alcance de todos e pudesse
ser encontrada sem dificuldades? Mas todas as coisas excelentes são tão
difíceis quanto raras”.
No próximo bloco,
completaremos as observações acerca do segundo livro, comentando as ideias de Spinoza
sobre as questões políticas.
Produção e divulgação de Pat Tavares, lettré, l´art et la culture, assessoria de Imprensa e de Comunicação com o Público. Rio de Janeiro, inverno de 2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário