quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Pirronismo (Ceticismo), Artigo Filosófico


Doutrina fundada pelo filosofo Pirro de Élida (365/275 a.C. Élida, Grécia) considerado o verdadeiro fundador do “Ceticismo”. Seu ideário é totalmente voltado para o lado prático, material, cotidiano da vida e pode ser resumido da seguinte maneira:



1.não se deve ter, nem emitir, qualquer julgamento (ou juízo) sobre  Coisa alguma. Nada se deve afirmar ou negar sobre quaisquer fatos, Seres, ou objetos, pois o Intelecto Humano é limitado e incapaz de chegar à Verdade sobre qualquer coisa. Essa proposição foi encampada pelos Sofistas (c.470 a.C.) que a batizaram de “Duvida Universal”.



2.Tudo aquilo que o Homem julga como “Verdade” não passa de simples convenção ou acordo, ou apenas hábito. Séculos depois, o filósofo empirista HUME (1711/1776, Escócia) retomou essa tese quando desacreditou em seu “Ceticismo Moderno” da própria Lei da Causalidade (Causa e Efeito), que para ele não podia ser considerada Verdadeira e/ou Válida posto que nada garante que o mesmo “Efeito” de uma “Causa (ou motivo)” ocorra, como já ocorreu. O que se tem é o mero hábito de observar que um Efeito acontece por uma Causa, mas nada assegura que tal se repetirá; por exemplo: durante uma vida de cem anos um Homem vê que a chuva vem depois do relâmpago, mas nada assegura que no dia seguinte ao de sua morte uma chuva aconteça depois de um relâmpago, porém para aquele Homem todo relâmpago precedia uma chuva; e isso acontece em razão do Ser Humano acreditar que "Sempre", "Eterno" é do tamanho de sua vida. Por isso Hume afirmava que: “convêm que substituamos toda certeza pela probabilidade”.



3.Deve-se sempre distinguir (ou diferenciar) os Fenômenos (aquilo que é perceptível através dos Sentidos: tato, visão, audição, paladar, olfato) e as “Causas Incognoscíveis”; isto é, os “motivos” que fazem algo (os fenômenos) acontecer, dos quais nada se sabe sobre tais “Motivos”, pois estão além da capacidade intelectual do Homem. Tome-se o seguinte exemplo: sinto o sabor de uma fruta, mas não consigo compreender o porquê  de ter essa sensação; qual é o relacionamento que existe entre a natureza (o que é, as característica daquela fruta) e a Sensação que meu paladar capta. Deve, pois, o Homem contentar-se em compreender todo possível sobre aquela fruta, mas esquecer o porquê gosto da mesma e o porquê dela existir.



4.Tendo, portanto, o Ser Humano conseguido focalizar seus esforços apenas naquilo que pode compreender e se abstendo de ter e de emitir julgamentos é certo que chegará ao estado de completa Indiferença (ou Ataraxia, em grego; ou Nirvana, no original hindu) em que nada mais o afetará, seja bom ou ruim. Alcançará a “Paz de Espirito”, que para Pirro é a “verdadeira felicidade”.



O Pirronismo, como se viu, é um Doutrina fortemente influenciada pelo Pensamento Hindu e alguns eruditos o classificam apenas como uma Adaptação daquele e não um Sistema Filosófico na literalidade do termo. Contudo, o Pirronismo chegou à Modernidade através do Ceticismo de Hume; e as suas propostas de: buscar a “paz interior (ataraxia), a partir da recusa de emitir, e mesmo de possuir, qualquer juízo ou julgamento (époche) e pela aceitação da incapacidade intelectual de compreender as Essências e as Certezas encontraram eco em nossos dias cuja alienação mental privilegia apenas as Sensações em detrimento da Racionalidade.


Digitado pela Taisinha, no noroeste de São Paulo.

sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Sobretudo

O jazz escorre do Trompete
e desliza pela Quinta
ainda molhada pela
chuva recém finda.

Aretha soluça as mágoas
do amor perdido
e a rudeza
do sonho amanhecido.

Livre, a fumaça
que se perde azul
tece teias no vazio.

E o calor do Bourbon
aquece o choro engasgado.
É hora de vestir o sobretudo
e cinza caminhar.

             Digitado pela Taísinha.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Meninas



A Poeta se enternece
com a ingênua beleza
da poesia de antes.

Enternece-me a sua saudade
e revejo as meninas que também
cantei em versosAna, das mil noites
e Flávia da Roma antiga.

E deixo viajar nesse rio,
a lembrança do tempo
em que tudo se chamava ternura.

De novo, os caracóis que acariciei
fazem-se longos fios dourados
que sugerem a vida a passar
no glorioso movimento
em que tudo é um só momento
e a poesia é puro sentimento.


Para Ana e Flavia, minhas estrelas.

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Sobrevivendo com o Câncer Linfático - FINAL - Capítulos 11, 12, 13 e 14 - DEMO


CAPÍTULO 12
Já no novo ano estive na Unicamp, no dia 07, para o exame de Cintilografia. Nos últimos dias as cólicas foram substituídas por espasmos abdominais dolorosos e irregulares que agudizavam a dor quando eu bocejava, espirrava ou respirava mais fundo.
Chegamos às 13h00 e às 13h30 já estava na maca. A duração do exame prolongou-se até as 16h30 e quando cheguei ao Gastrocentro para fazer o ultrassom encontrei-o fechado. Ficou remarcado para o dia 18, daquele mês.
No dia 18, fui o primeiro a ser atendido. O residente que fazia as imagens localizou um cálculo renal, depois o perdeu e com a chegada de seu supervisor tentou achá-lo novamente, mas não conseguiu. Conversaram tão baixo que mesmo me esforçando, não consegui ouvir nada. Nunca soube o resultado daquela conversa, pois o laudo desse exame nunca foi para o meu prontuário...

Você pode continuar a sua leitura através do exemplar, impresso ou em E-book,  disponível no Link abaixo:

https://www.clubedeautores.com.br/book/136272--Sobrevivendo_com_o_Cancer_Linfatico

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Sobrevivendo com o Câncer Linfático - Capítulos 06 e 07 - DEMO


CAPÍTULO 06
Na manhã de 08 de agosto fui alertado por minha ex-mulher de que o meu travesseiro estava recoberto de cabelos. Já tinha notado, há alguns dias, que estavam opacos, mortos. Sabia que estavam para cair, no entanto, naquele dia iríamos almoçar na casa de um amigo e não seria apropriado chegar à festa completamente careca. Assim, ao lavá-los, o fiz com bastante cuidado. Temia que caíssem justamente naquele dia. Mas só temia para aquele dia.
Na verdade, eu até ansiava pela calvície, pois ela me identificaria como doente e quando voltasse à Unicamp não me sentiria diferente dos outros. Afinal, se tive que abandonar o grupo dos sadios, queria entrar no de doentes. Somos animais sociais, sem dúvida.
No dia seguinte, a alopecia (ok, alopecia = careca) acentuou-se a tal ponto que o vento, quando eu ia para a loja, formava em torno de minha cabeça uma espécie de auréola. Certamente que não era a morte. Eu não passaria à condição de anjo, por motivos óbvios...

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https://www.clubedeautores.com.br/book/136272--Sobrevivendo_com_o_Cancer_Linfatico

A Atriz

Foi-se uma das tulipas.
Sylvia está morta.
Partiu em busca
doutros brilhos
que reflitam sua
nua independência.

Seguiram-na o desejo
de uma geração
e a liberdade
de uma época.
Seguiram-na uma parte
do que sonhamos.

             Para a atriz Sylvia Kristel, falecida em 17.10.2012, após uma luta de 10 anos contra o câncer.

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Sobrevivendo com o Câncer Linfático - Capítulos 04 e 05 - DEMO


Sobrevivendo com o Câncer Linfático
(Linfoma de Hodgkin)
2ª Edição - 2012


CAPÍTULO 04
Nas primeiras horas do dia 01 de junho fui ao banco receber o pecúlio da Previdência. A gentileza dos funcionários não chegou a me surpreender, pois anteriormente, quando eu tinha dinheiro, também era tratado dessa forma.
Só depois é que vi que o motivo não era esse. Alguém de 42 anos, sem deficiência física aparente e recebendo aquele seguro evidenciava o porte de uma doença muito grave. Foi o meu primeiro vislumbre de que, efetivamente, eu me tornara diferente da maioria.
Porém, após uma longa temporada contando tostões e morrendo de medo dos cheques serem devolvidos tinha em mãos uma quantia razoável. Quitei alguns compromissos mais atrasados e tive a oportunidade de sentar na praça sem me sentir oprimido...

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Sobrevivendo com o Câncer - Capítulos 10 e 11 - DEMO


CAPÍTULO 10
Em 1° de novembro liguei para a Unicamp em busca de uma orientação sobre o problema dos trombosamentos nos braços, mas não pude atender ao pedido para ir até lá, pois eu queria preparar as flores que venderia no dia seguinte, compartilhando a barraca de um florista amigo, na porta do cemitério.
A opção foi procurar o Pronto Socorro do hospital local onde precisei aguardar o médico terminar de ler a sua revista (comigo ali, sentado à sua frente), explicar-lhe que Hodgkin é câncer linfático e sugerir o tratamento que ele deveria me receitar: bolsas de água quente e cobertores... Muito bem, pode continuar... Verdade que ele teve o trabalho (sic) de escrever de próprio punho essa prescrição e de me encaminhar para a sala de engessamento...

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terça-feira, 16 de outubro de 2012

Sobrevivendo com o Câncer Linfático - Capítulos 2 e 3


Sobrevivendo com o Câncer Linfático
(Linfoma de Hodgkin)
2ª Edição - 2012

CAPÍTULO 02
Meu pai foi um “comunista de carteirinha”. Em casa havia sessões de espiritismo e concomitantemente seguíamos os dogmas da igreja católica. Com direito a crisma, batizados, procissões e tudo mais. Cresci entre o racionalismo de Karl Marx, o humanismo religioso e o simbolismo supersticioso do esoterismo. Da junção, então, do racionalismo com o místico formei minha identidade religiosa. Acreditava em Deus, mas sempre o achei muito distante de minha capacidade de compreendê-lo e afastava a tentação de humanizá-lo. Racionalmente eu pensava que Ele estava em uma esfera e eu em outra. Se eu o chamasse Ele não me ouviria e em contrapartida eu não deveria incomodá-lo, posto que Ele já houvesse me dado todas as condições para que eu existisse. Sua tarefa teria se encerrado aí.
Entretanto, nunca me conformei que a vida pudesse estar contida apenas na matéria e, todavia, não me convenciam os apelos religiosos habituais. Não!Eu tinha certeza (ou a petulância) de crer que nasci para dominar o pior dos elementos: eu próprio. Para isso teria que travar uma luta diária contra as facilidades do comodismo, da subserviência, da falsa humildade e do gosto pelas coisas que julgava corriqueiras e que fazem à alegria da maioria.
Teria que ser o “Super Homem” que Nietzsche propôs um dia. Ao ler, pela primeira vez, “Assim falava Zaratustra” encontrei o meu modelo. A força da vontade imperando contra o obscurantismo da mediocridade humana. A apropriação do destino.
Busquei viver essa teoria e exigia de mim um detalhismo tão perfeccionista quanto pernóstico. Não podia admitir a fraqueza, o interesse tacanho e principalmente a servilidade. Valores abstratos e talvez ultrapassados, tais como a vergonha de falhar, de fraquejar, foram objetos de culto em toda a minha vida. Agora, no entanto, posso ver que essa soberba, muito menos que pelo niilismo, foi originada pelo excesso de situações humilhantes que já houvera passado na vida.
Jurei que tão logo pudesse, não seria mais ofendido. E assim que pude, coloquei meu recalque em evidência e me recusava a pedir. A herdar. Odiava ter que solicitar favores. Vacilava até mesmo em exigir direitos. Eu deveria pairar acima dos comuns! E vivi essa fantasia até o fatídico “02 de abril”.
Falido financeiramente, em vias de perder meu filho e sob a ameaça de ter câncer, a quem recorrer? Nietzsche que me desculpasse, mas Deus era mais reconfortante. Primeiro, fui tomar “passes” em um “Centro Espírita”. Reconhecia a boa vontade de quem me levou e de quem os ministrou. Porém, o que eu queria era algo mais íntimo. Sem intermediários. Na igreja católica escolhia o horário em que estivesse mais vazia e me postava por longas horas. Buscava me lembrar das orações que havia aprendido na infância e tentava recitá-las, mas o formalismo dos versos prontos ainda impedia o contacto que eu queria, até que em certo dia, uma moça sentou-se ao meu lado e sem nada falar me sorriu. Trazia consigo um despojamento que me encorajou a tirar a fantasia de “Super Homem” e consegui chorar. Nunca mais a vi depois desse dia, pois certamente ela voltou para a sua outra vida.
Daí em diante o diálogo com Ele ficou muito mais fácil. Sem que eu lhe pedisse, Ele ofereceu o que eu mais buscava. Guardei com carinho a serenidade ofertada e me preparei para enfrentar o que estivesse por vir.
Ainda não era íntimo de Mr. Hodgkin, mas compreendi o motivo de sua visita quando entendi que ele me devolveu à condição de humano e o direito de fraquejar. Que fosse, então, bem-vindo!

CAPÍTULO 03
Até meados de maio acrescentei à minha rotina diária uma novidade. Mais que um lugar, um hábito. Deixava meu filho no colégio, minha ex-mulher no consultório e rumava para a igreja. Quase sempre das 7h às 9h ficava refletindo, dando asas à imaginação e tentando entender o porquê de toda aquela situação estar acontecendo comigo.
Afora minha prepotência, minha vaidade, meu retraimento e tantos outros defeitos, julgava não ser merecedor daquela situação. Sempre trabalhei muito e honestamente, nunca me envolvi em fatos duvidosos, ajudava a todos sempre que possível e necessário e tinha, sim, até algumas qualidades. Os erros que cometi foram por ter tentado e nunca por omissão e eu sentia que a vida tinha me traído.
 Tanta miséria eu já tinha passado, tantas dificuldades e agora mais essa. Por quê? 
Da igreja seguia para a loja e para novamente me frustrar com o resultado do dia anterior, fazer e refazer mil contas e ver que o dinheiro disponível era insuficiente para as necessidades. Todos os dias a mesma rotina. A mesma aflição.
Em 15 de maio – aliás, uma data que eu sempre associara a algum evento perdido em minha memória – estive no consultório da hematologista. O tempo que tive que aguardar para conseguir essa consulta e a quantidade de pessoas na sala de espera já sugeria a sua fama. Durante a consulta a sua objetividade e gentileza me fascinaram. Alguns dias depois seriam a sua honestidade e o desprendimento.
Procedendo ao exame clínico, constatou os gânglios enfartados e indicou a necessidade de biópsia. Chamou seu marido, cujo consultório é vizinho ao seu e juntos demarcaram o local a ser operado. Acertamos a operação para a terça-feira seguinte, em regime ambulatorial e sem anestesia geral. Disse-me, ainda, ser inútil declinar algum prognóstico antes da biopsia, mas que estaria torcendo por um bom resultado.
Novamente os problemas de acne que tive no passado me ajudaram a não temer o procedimento, pois uma incisão como aquela seria igual a tantas outras que eu já fizera. O final de semana repetiu os últimos e novamente busquei o isolamento quase total. Sem sucesso, é verdade. Aproveitava as folgas que as brincadeiras de meu filho me permitiam ou, então, os intervalos das visitas de amigos para remoer minhas dúvidas, aflições e ressentimentos.
Mas também para começar a encarar a morte. O condicionamento da educação e da natureza previa a vida, mas as dificuldades e mágoas de agora começavam a sutilmente sugerir que talvez aquela fosse uma saída. Diriam os puritanos, uma fuga. Que fosse!
Ainda que não assumisse, já sentia certo prazer com a pior hipótese. A traição, que eu julgava a vida estar me aprontando, resultava nessa indiferença pela mesma. Já não era importante viver.
Na segunda-feira fui contatado pela secretária da médica avisando-me de uma mudança nos planos. Eu deveria me internar naquela noite e seria operado na manhã seguinte com anestesia geral. Segundo ela, para efeito de maior conforto. Apenas por isso (sic).
Durante o dia vendi o único bem que me restara e com o carro se foi a minha mobilidade e a perspectiva de voltar logo a viajar para atender os meus clientes. Com o produto da venda paguei os vencimentos mais urgentes e à noite me internei. Na manhã do dia seguinte, antes de adormecer completamente por efeito da anestesia ainda vi, de relance, o rosto do anestesista com quem eu tivera oportunidade de conviver nas festas nos bons tempos.
Por volta das 15h00 acordei muito bem disposto. O incômodo do soro e uma leve dor no corte não conseguiam fazer frente ao benefício do sono. Após vários dias eu tinha conseguido uma trégua. Eu tinha dormido!
Senti fome, vontade de levantar, de viver. Fui contente, na cadeira de rodas, até o setor de radiologia para ser submetido a uma ultrassonografia do abdômen, a qual, segundo o médico, indicava uma lesão no fígado, mas que poderia ser apenas um sinal de nascença. No laudo, entretanto aventou a hipótese de ser um hemangioma ou um “TU hepático”.
Naquela noite dormi novamente e no dia seguinte recebi alta e, novamente, uma resposta vaga do médico: Todos nós, Sr. Fábio, estamos torcendo para não ser câncer. O fato é que eu não morrera e como o corte estava cicatrizando tão bem era evidente que eu não tinha nada maligno (novamente usava uma teoria que havia lido não sei onde) e acreditei que ele poderia ter razão em sua confiança.
A falta do carro começou a prejudicar a vida da família, pois morávamos em uma casa distante de tudo e tínhamos que vencer um longo caminho andando. Além de dinheiro, começou também a faltar tempo. Fui a uma concessionária, fizemos um novo financiamento e só não compramos o novo carro por resistência de minha ex-mulher. Não entendi o motivo dessa resistência, em vista da necessidade que estávamos passando e da, ainda, possibilidade de pagar as prestações. Mais tarde iria compreendê-la.
Os dias passando e cada vez mais a tensão crescendo. O dinheiro da venda do carro não foi o bastante para suavizar as contas, as vendas em declínio e o ambiente em casa se deteriorando. Eu próprio estava deteriorando. Foram momentos de tanto pavor, ressentimento e mágoas que passei a encarar a morte como uma desejada amante. Tudo o que eu escutava, o que eu pensava e o que tinha visto indicavam que eu me tornara apenas “O INCÔMODO”.
Via a vida em sua pior feição e não mais a queria. Estava cansado. Muito cansado.
O câncer teria vindo a calhar. Seria o suicídio perfeito. Com álibi e sem culpa. Ali estava a desculpa para os meus fracassos. Todos veriam que não consegui ganhar bastante dinheiro, porque quando iria começar, a maldita doença interrompeu esta fase. O meu verdadeiro potencial nunca poderia ser conhecido. Todas as responsabilidades cessariam. Tudo seria perdoado. Não sei se Freud explicaria. Contudo, o vírus me justificaria.
Assim, no dia 27 voltei à hematologista em busca do resultado da biópsia quase ansiando para que fosse positivo. – Ainda não chegou Sr. Fabio. Deve estar no laboratório, no andar de baixo.
Desci dois andares e a recepcionista me pediu para aguardar, ao contrário dos demais pacientes para quem ela entregava os envelopes. Após alguns minutos fui convidado a entrar na sala do médico responsável. O convite me significou, de imediato, que algo de anormal havia e a desarrumação do ambiente – na verdade um laboratório com uma mesa e uma cadeira – indicava que esses convites eram raros, o que reforçava minha suposição.
O patologista me pareceu inseguro, quase amedrontado. Tanto quanto a outra médica presente. Alegou que o resultado não estava pronto em vista da dificuldade de fechar o diagnóstico e me pediu que voltasse no dia seguinte. A singularidade da situação me deu a certeza: deve ser câncer.
Voltei conforme o combinado e imediatamente fui conduzido à sua sala. Fez-me sentar e teve que permanecer em pé. Mais por nervosismo que pelo fato de haver apenas uma cadeira. Seu constrangimento (?) superava o do dia anterior. Parecia temer comunicar a doença e ter que se deparar com uma reação passional de minha parte. Citou três hipóteses para o meu mal e os nomes científicos que mencionou pouco me esclareceram. Perguntei então qual das três seria câncer e ele me respondeu que todas. Sugeriu outro exame, a ser feito na Universidade de Botucatu, para determinar com precisão qual das hipóteses seria a verdadeira. Ante meu consentimento, fez rapidamente o pedido para o convênio médico e fui buscar a autorização. Devia aparentar tensão no rosto, o que derrubou qualquer barreira burocrática que pudesse existir ali.
Na volta para seu laboratório comecei a sentir o irrealismo que o câncer causa. O patologista já estava menos tenso, pois viu que os arroubos emocionais não combinavam com o meu estilo e já então se permitiu sentar na beirada da mesa. Depois, rimos nervosamente quando ele me sugeriu que enquanto demorasse o novo resultado eu trabalhasse e vivesse normalmente. Ou então que eu não precisaria me preocupar, pois o caso não era sério (sic). Eu deveria ter sido acalmado e não acalmá-lo. Cômico, para não ser trágico.
Do seu laboratório voltei para o consultório da hematologista, que não estava. Fui atendido por seu marido e ouvi seus bons prognósticos para a doença e o pedido para que regressasse na segunda feira seguinte para consultar e esclarecer as dúvidas com a sua mulher.
Do consultório fui para o Clube, onde me encontraria com minha ex-mulher e com sua irmã para tratarmos da separação. Durante a caminhada repetia silenciosamente e de modo tão contínuo “estou com câncer” que parecia recitar um mantra indiano. Os carros, as ruas, as pessoas e até a própria caminhada não existiam fisicamente. Apenas me rodeavam.
Já no Clube e pelo alambrado do campo de futebol avistei o meu filho que no auge de seus onze anos jogava futebol com os amigos. Por muito tempo fiquei admirando-o. Como estava ficando alto... Como era bonito!
O impacto do diagnóstico me confundia, mas uma serena resignação se contrapunha. Sabia que a doença é grave, que o otimismo dos médicos poderia ser uma mera gentileza ou talvez a tentativa de evitar um escândalo de minha parte, que o tratamento seria terrível e tudo o mais que cerca a situação. Mesmo assim o entorpecimento persistia. Ou melhor, durou até que eu visse o menino.
Meu Deus, o meu menino! Senti o mesmo cheiro que ele tinha quando era bebê e só dormia em meu colo. Revi-o aos dois ou três anos uniformizado como um jogador da seleção (era tão magrinho e tinha um chute tão forte que o orgulho que eu sentia nessas ocasiões eliminava o cansaço das madrugadas de futebol). Ouvi novamente as suas perguntas sobre “moral e cívica”. Assinei de novo o seu primeiro boletim da escola e fiz todos os carinhos “arrepiantes, né, pai?” que o cansaço por vezes me impediu.
Pai... Era possível que ele deixasse de ter. Senti tristeza e a primeira dor do câncer.
Prever que ele seria obrigado a viver com quem não queria, a conviver com a mediocridade, talvez sofrer agressões de um eventual padrasto, ter a sua grandeza tolhida e tantas outras questões me fizeram sentir a segunda. A Morte que até há pouco me fora tão atraente, perdeu o encanto.
A reunião no Clube que serviria para acertamos os detalhes do divórcio acabou sendo esvaziada. Algumas horas antes, enquanto aguardava ser atendido pelo médico, eu mentira por telefone para minha mulher ao lhe responder sobre o resultado da biópsia. Compartilhando o mesmo sofá com mais quatro pessoas, achei ruim falar em alta voz que estava com câncer. Agora, e após ter recebido um abraço e as felicitações de minha cunhada, constrangidamente tive que contar a verdade. Entretanto, ambas já sabiam o resultado, pois enquanto eu estava sendo operado para a biópsia, a hematologista já lhes confidenciara o resultado. A confirmação foi encarada com serenidade pelas duas.
A doença existia de fato, mas a vida precisava continuar e passamos a discutir a nossa separação, mesmo sem definirmos com clareza as datas. Para ela o divorcio seria oportuno, tanto por questões econômicas, no sentido de que minha falência deixaria de atingi-la, quanto por questões pessoais.
Também eu me interessava pelo rompimento no sentido de me livrar da culpa de ter atingido o seu patrimônio e pelo fato de a doença ser uma ameaça constante. Conforme já me referi anteriormente, as eventuais deformidades, dores e outras complicações me assustavam. Que eu as tivesse longe dos olhos de meu filho.
Contudo, segundo ela, seria desumano me abandonar naquele estado. Eu já tinha descoberto que me tornara um “incômodo” e, agora, que necessitaria de piedade.
O que de mim restou foi despido da fantasia, das ilusões, dos ideais. Da alegria. Restei tão nu quanto nua ficou a vida. Crua e, talvez, breve.
De chofre, tomei consciência da inutilidade daquilo tudo que antes me fora tão caro. E que ainda era para os outros. Foi como descer de um carrossel e passar a apenas observá-lo de longe. Da vida normal já não participaria mais. Tão somente coexistiria ao seu lado.
A chegada do amigo Orlando, que tanto sabia do divórcio quanto da doença, e para quem comuniquei o resultado da biópsia quando me telefonou no Clube cortou o estupor que sentia e tentei não demonstrar a confusão que sentia. Ouvir e fingir que acreditava na argumentação (podemos morrer antes que você; o que para eles era uma hipótese, para mim se tornara um fato) sobre os “avanços da medicina”, as curas milagrosas, as ervas miraculosas e todo o restante do arsenal, foi uma tarefa complicada.
 O mantra indiano “eu estou com câncer” insistia em martelar minha mente enquanto rodopiava o pavor de perder o meu filho. Escutei e fingi acreditar apenas e somente por educação. Pude ver, então, o quão forte é o nosso condicionamento. Meu formalismo ainda estava intacto.
A insônia daquela sexta feira foi diferente das anteriores. Os fantasmas da falência, da miséria e da falta de perspectivas continuaram a povoar cada segundo, mas agora vinham acompanhados daqueles relativos ao medo do tratamento, das dores e das deformidades. Eram tão reais que quase podia tocá-los. Pensei em dar nomes a cada um, afinal já convivia com os primeiros há tanto tempo que me sentia íntimo dos mesmos. Certamente o mesmo aconteceria com os segundos. O fato, contudo, é que essa insônia inaugurou uma série que perdura até hoje.
Sábado foi o dia de contar aos funcionários, vizinhos da loja e amigos o resultado. A decisão de contar foi tomada para evitar que o eventual agravamento das minhas condições de saúde e a agudização da crise financeira não lhes causasse surpresas. Também serviria para minorar a minha culpa em relação à segunda.
- Sim, eu tenho câncer!
À incredulidade de suas feições somava-se um mal disfarçado sentimento de pena, alguns de repulsa (há quem considere contagioso) e a catilinária habitual sobre “os avanços da ciência”, “o poder da fé...” etc.
 Domingo foi o dia de deixar minha cunhada colocar um “composto fitoterápico milagroso” e reviver os fantasmas, os quais, como amigos íntimos que eram já não se contentavam em vir com hora marcada.
O isolamento a que me submeti era apenas o reflexo da solidão que sentia. Da imensa solidão que o desconhecido e a anormalidade nos impõem. Como conviver com quem não estava fadado a morrer? Como explicar a angústia, o medo?
Na manhã de segunda-feira fui ao consultório da hematologista. Enquanto aguardava, minha ex-mulher juntou-se a mim contra a minha vontade. Aquele momento deveria ser apenas meu. O casamento, a cumplicidade já não existia mais, então porque reparti-lo? Ora... Fiquei alegre quando ela respondeu com alguma rispidez à minha mulher que lhe indagara sobre leituras sobre o tema: “para leigos, não!” Senti-me vingado. Bem feito, quem mandou se intrometer onde não devia?
Fui chamado e encontrei uma médica sorridente, amável. Senti confiança. Antes de ser atendido, listara mentalmente as perguntas que faria. Como seria o desenrolar da doença? Quando começariam as dores? E as deformações? E, principalmente, quando eu morreria?
Queria um parâmetro. Uma previsão. Programar-me para o evento. Entretanto, tão logo começamos a conversar, sufoquei as perguntas. Imaginei que seria mal educado tomar-lhe tempo. Ainda o formalismo. O respeito quase medieval àquela que tinha o poder sobre a vida e a morte. Nada perguntei, apenas ouvi o seu prognóstico... O tratamento reduziria o tumor até extingui-lo. Não poderia prever o tempo de sobrevida. Citou o exemplo de sua primeira paciente na cidade que já completara cinco anos. Que o tratamento era, de fato, severo. Que não era contagioso e nem hereditário, etc... E falou que havia tomado à liberdade de fazer o meu encaminhamento para a Unicamp. Conhecia casos em que o paciente abandonava o tratamento em função das dificuldades locais, e então solicitara a terapêutica naquela Universidade.
Adorei a sua iniciativa, pois ao saber que estava com câncer eu já havia decidido fazer o tratamento naquela Universidade, pois conhecia a excelência de seus resultados e, agora, aquele encaminhamento me livraria de qualquer restrição que pudesse haver.
Aquele desprendimento, aquela grandeza me emocionou. A imagem eu que fazia dos médicos em geral era a mesma que a maioria da população faz: mercenários. Já tinha visto tantos erros, tanta incompetência, tanta ganância, tanta insensibilidade que era difícil mudar esse conceito. Na verdade, eu culpava muito mais a banalização da profissão, por conta da disseminação dos cursos, que os indivíduos em si. Quando era criança a figura do médico carregava uma aura de sacerdócio. Conheciam todas as nossas doenças e as curavam. Inexistia o aperfeiçoamento tão detalhado como agora. Era mais simples. Sem a batelada atual dos exames pedidos e as seguidas idas e vindas. Consultório, remédios e cura. Ou morte.
E mesmo assim, com resultados mais pobres que os atuais, o médico era quase um semideus. Talvez, também, a pouca concorrência e, conseqüentes ganhos maiores evitavam que demonstrasse tanta ganância. Infelizmente, o que não ocorre hoje.
Ou, ocorre? Antes a dermatologista e, agora, a hematologista tinha acabado de provar que sim! Poderiam ter chamado o meu tratamento a si e ter obtido rendimentos com ele. No entanto, preferiram serem fiéis à nobreza de sua profissão.
Na tarde desse dia, encontrei o amigo Orlando na porta de um banco e aproveitei uma carona para ir a uma agencia da Previdência Social, onde há muito tempo atrás eu tinha feito um seguro que nunca tinha usado. Fui verificar se tinha direito a algum tipo de pecúlio, pois, embora tivesse contribuído durante 33 anos seguidos, havia quase dois que eu não recolhia a contribuição. Enquanto aguardávamos o atendimento, o meu celular tocou e recebi uma encomenda de um cliente de Poços de Caldas. Era um conjunto de embalagens que restara e estava em casa. O pedido coincidia com o estoque, tanto em formato quanto em quantidade, de forma tão precisa que ficou difícil acreditar em mera coincidência. Essa venda poderia me dar uma sobrevida financeira para alguns dias e comemorei a entrada do dinheiro como se tivesse ganhado na loteria. Até as minhas ilusões estavam diminuindo.
Naquela tarde o atendimento na Previdência não foi possível e foi remarcado para a manhã seguinte. Se a amabilidade da primeira pessoa foi ofuscada pelo seu embaraço, a moça, no dia seguinte, foi de uma sensibilidade, competência e amabilidade que me deixaram atônito e tal qual havia acontecido com a classe dos médicos, outra má imagem que eu tinha, começou a ruir.
Sim, eu ainda tinha direito a receber um auxílio mensal. Fez os papéis e me encaminhou para a médica perita que comprovou a moléstia e me cobriu de gentilezas e votos de boa sorte. Ante a minha pergunta sobre a gravidade do quadro me disse para “confiar em Deus”. Pouco científico, é verdade, mas cheia de sensibilidade.
Bem diferente, aliás, do ocorrido com outra Seguradora na qual eu mantinha outro seguro e que em face da solicitação de pagamento negou-se peremptoriamente, alegando pré-existência da doença (de fato, para nós, leigos, é muito fácil diagnosticar esse tipo de doença...).
No dia seguinte fui para Poços de Caldas levar a encomenda junto com o meu amigo Edison (com i, por favor). Era bom rever a minha cidade natal. Fizemos à entrega, os passeios habituais e ainda pude, para inveja do amigo que estava dirigindo, saborear uma cachaça de lei. Tudo tão gostoso. Tão bom. Pena que o cansaço extremo que sentia não me deixasse esquecer que tinha câncer.
No dia 20 de maio voltei ao prédio onde fica o consultório da hematologista. Mas, dessa vez, fui com minha ex-mulher visitar outra “doutora”, em outro escritório. O de uma advogada que conhecíamos e que é mãe de um amigo de meu filho. Fomos tratar das formalidades do divórcio.
Pela primeira vez em minha vida tive que confessar os meus fracassos a terceiros. Sentia tanta vergonha que concordava automaticamente com todas as suas propostas de divisão de bens (como se houvesse), pensão alimentícia, visitas ao filho, etc. Eu só pensava em conseguir sair dali o mais rápido possível. A proposta do divórcio, aliás, era absurdamente estranha. Estávamos casados há doze anos e mais os quatro de namoro e noivado. Durante todo esse tempo nunca houve qualquer tipo de desentendimento, brigas ou simples discussões. Sempre nos demos bem e, em outras ocasiões, tínhamos até mesmo sido feliz.
Mas, como eu já disse, a crise financeira foi minando o convívio e a hospedagem de minha mãe foi uma agravante importante e, assim, acabei ficando entre o dilema de abandonar a mãe ou a mulher; e como essa última era plena de condições de sobrevivência e eu agora só estaria atrapalhando a sua vida, a escolha recaiu sobre o elo mais frágil.
Demasiado humano, diria Nietzsche. Seria verdade, se tivesse sido possível. Mas naquele momento nem isso eu pude fazer.
Quando descemos do prédio os termos da advogada ainda nos soavam estranhos. Era como se tivessem sido dirigidos a outras pessoas. Estaríamos apenas observando. Nunca, creio que posso falar também por minha ex-mulher, nos imagináramos naquela situação. Agora não a aceitávamos.
No dia trinta, a falta de dinheiro tinha chegado ao limite extremo. No café da manhã, em companhia de meu filho, liguei para a Previdência para saber do andamento do meu processo e fui agradavelmente surpreendido pela informação de que estava pronto e o dinheiro estaria disponível no dia seguinte. A escuridão me pareceu, então, menos intensa. Junto com o medo da miséria total, o impacto do divórcio foi sendo dissolvido.


Digitado por Taisinha, Primavera em Goias Velho.

ACADEMIA NACIONAL DE LETRAS DO PORTAL DO POETA BRASILEIRO - Eleição


Extremamente honrado pelo Convite, convido aos (as) amigos (as) para compartilharem de minha felicidade pela eleição. Agradeço sinceramente à Presidência da Nobilíssima Instituição, na pessoa da admirável Aline Romariz.

Sobrevivendo com o Câncer Linfático - Capítulo I e Apresentação


Sobrevivendo com o Câncer Linfático
(Linfoma de Hodgkin)
2ª Edição - 2012


Dedicado ao amigo Edison Garcia, que foi o meu anjo da guarda em todo o processo.
Dedicado às queridas Lucia Agulhari e
Maísa Mota.

Agradecimentos sinceros e muito carinho aos amigos Amaury, Marlene, Neide, Geraldo e tantos outros.

Sincera gratidão à Dra. Ana Amélia Pulz a aos Médicos (as), Residentes, Enfermeiros (as) e a todos os outros profissionais da Unicamp.


Para Joana Vice Villela
                    e
Para Thyago M. Villela, meu motivo.

                                                             Ficha Técnica da 1ª Edição.
Coordenação: Marlene Dal Pietro
Texto: Fábio Renato Villela
Revisão do Texto: Mara Figueiredo
Direção de Arte: Edison A. Garcia
Computação Gráfica e Tratamento de Imagem:
Edison A. Garcia Filho
Serviços Gráficos:
Reflexo Fotolito Ltda.
www.reflexofotolito.com.br
Tel.: 11 - 279 8044
Instituto de Difusão Espírita www.ide.org.br Tel.: 0xx19 - 541 0077

                                                           Ficha Técnica da 2ª Edição
Revisão Gramatical – Tereza Manuela Arcângelo
Diagramação – Equipe “Nada Ltda.” – RJ.
Divulgação – Taís Albuquerque
Processamento – Clube de Autores e Agbook.

                                                       Notas a ambas as Edições

Não viso lucro financeiro com essa obra e por isso optei por receber como “Direitos Autorais” um valor meramente simbólico para que o preço final ficasse o menor possível. Assim, solicito aos que puderem que façam uma contribuição às Entidades de Apoio ao Paciente Oncológico, escolhendo aquela que melhor lhes parecer.

Esse material pode ser reproduzido livremente, sem qualquer ônus, desde que citada à fonte.

Contatos com o autor poderão ser feitos através dos canais abaixo:

E-mail – villela.fabiorenato@gmail.com


(Blog oficial com o Portfólio de minhas obras, prêmios, citações e outros dados relativos à minha carreira).


(Blog em que posto poesias, artigos, crônicas, ensaios etc.).

Caro (a) leitor (a)
Desde a primeira infância que enfrento o Câncer. Aos quatro ou cinco anos tive um tumor na omoplata direita que exigiu uma cirurgia para extirpá-lo e que me acarretou perda de massa muscular e desvio de postura. Consequências pequenas, pois em contrapartida consegui viver normalmente até abril de 1999, quando uma recidiva severa me acometeu.
O Câncer é uma doença terrível e de difícil convivência, tanto para o paciente quanto para aqueles que convivem com o mesmo. Somam-se angústias, dores, solidão e medo; e a esse conjunto cruel acrescenta-se a desinformação.
É quase inútil buscar informações com os médicos, pois na maioria dos casos o próprio linguajar dos mesmos é incompreensível e sempre resta aos pacientes ou familiares à dúvida se o (a) médico (a) não estaria “escondendo alguma coisa”.
Também é difícil conversar com aqueles que não sofrem da doença, pois a mesma envolve tantos aspectos (alguns até positivos) que não se pode explicar e tampouco compreender com a facilidade desejada a rotina que a enfermidade impõe.
Por isso decidi escrever a minha história de maneira bem realista, sem falsa pieguice, mas dando ênfase na esperança, que é a única a ponte que nos liga ao futuro.
Tomara que os enfermos possam se enxergar nessas linhas e saber que os horrores que enfrentam não lhes são exclusivos. Que milhões os compartilham e podem entender toda a angústia que o sofrimento lhes causa.
E que os familiares e acompanhantes possam melhor compreender as agruras de quem convive com uma morte que deixou de ser apenas uma possibilidade, para se tornar uma ameaça muito próxima. Que possam entender as inquietações, as tristezas, os desânimos e, com isso, prestar a ajuda que nos é tão necessária.
Assim, espero que a leitura dessa modesta obra possa ser útil e do agrado de todos.

São Paulo, 10 de Outubro de 2012.

 CAPÍTULO 01
Em dois de abril de 1.999, por volta das 10 horas estava em Campinas, SP, a negócios. Tinha, nessa ocasião, um pequeno comércio e revendia a um grupo de clientes já contumazes, artigos para suas lojas e bazares.
O desencontro com um deles me proporcionou o tempo necessário para fazer uma visita às sobrinhas cuja boutique ficava nas proximidades. Eram quase uma rotina essas visitas, pois fomos criados juntos e as considero como irmãs ou como filhas.
Ao ritual bem humorado de nossos encontros, naquele, entretanto, juntou-se a observação de uma delas sobre o inchaço em meu pescoço. De fato, há cerca de uns dez dias o local se apresentava inchado e avermelhado. Nada, todavia, que pudesse me preocupar, pois certamente seria apenas o reflexo de um gânglio sebáceo que havia irrompido e supurado há alguns dias deixando aquela sequela.
Essas erupções cutâneas me atormentavam desde a pré-adolescência e eu já estava acostumado à rotina de inchaços, dores e febres que causavam.
Verdade que essa inflamação ocorreu depois de quase um ano da penúltima e me pegou de surpresa, já que após ter feito um tratamento com uma dermatologista de minha cidade, julguei que estivesse livre do problema. Tratamento, aliás, que me causou um grande, mas esperado, aumento na taxa de Colesterol e uma enorme, e inesperada, perda de peso, a qual chegou a me preocupar.
Foi também mais dolorosa que a de costume (talvez pela falta da habitualidade anterior, supus) e chegou a me impedir de trabalhar por alguns dias.
Contudo, naquele dia, não sentindo qualquer outro sintoma, (febre intermitente, fadiga e indisposição), ou melhor, sentindo-os e os debitando erroneamente ao problema anterior da acne, não dei tanta importância ao fato. Trabalhei normalmente o restante do dia e ao voltar para casa comentei, de passagem, com minha ex-mulher sobre a visita e o inchaço observado.
Também ela estava acostumada a esses inconvenientes e tanto como eu, nada notara antes. Porém, uma observação mais atenta e, tendo em vista que a supuração tinha ocorrido há aproximadamente quinze dias ficou estranha à permanência do edema. Mais estranho ainda era um tumor que coroava o inchaço, embora também pudesse ser uma “segunda loja” que havia remanescido conforme já houvera precedentes.
De qualquer forma, aquele inchaço deixou de ser notado naquela noite. Como de hábito, antes do jantar tomei meu uísque rotineiro, comentei com o amigo Orlando que viera nos visitar sobre as dificuldades que o comércio estava enfrentando, curiosidades das minhas viagens diárias em busca de clientes e outros assuntos banais. Tinha coisas mais sérias com que me preocupar. Dinheiro, principalmente.
Em julho de 1.997, após estarmos morando há três anos em Araras, SP, e julgando ser o momento adequado pedi demissão de meu emprego e realizei um sonho antigo: montar meu próprio negócio. Iniciei revendendo apenas para lojistas produtos e/ou embalagens específicas para os seus comércios.
Porém, com a explosão de consumo ocorrida no Plano Real e o sucesso que as lojas de preço único (R$ 1,99) faziam (disso era testemunha, pois eram os meus principais clientes) decidi aproveitar o ponto onde estava estabelecido para também inaugurar a minha.
Abri o varejo em 1.998 e até o final daquele ano o aquecimento econômico garantiu um bom movimento. Todavia, já em janeiro de 1.999, a retração era visível e tanto no varejo quanto no atacado as vendas despencaram. Na mesma proporção, mas em sentido inverso, as dividas se acumularam. Em decorrência dessa situação complicada, eu passei a enfrentar sérios problemas no casamento, tanto advindos da crise nas finanças quanto do fato de minha mãe estar morando conosco.
Minha mãe, de fato, é uma pessoa difícil, contudo eu não poderia simplesmente abandoná-la e em face das dificuldades, nem poderia alugar um apartamento para instalá-la. A situação chegou a um ponto tão extremo que no dia primeiro de janeiro daquele ano cheguei a propor à minha ex-mulher a nossa separação. Algo que nunca havia imaginado, aliás, pois sempre nos déramos bem e a eventual separação de meu filho era algo em que eu não podia nem pensar.
Contudo, esse conjunto de problemas vinha, há alguns meses, roubando meu sono e a insônia multiplicava a angústia. Nunca havia passado por situação como aquela, pois embora desde menino estivesse acostumado à miséria e às dificuldades, não tinha que me preocupar com outras pessoas.
Agora não. O fantasma da falência, de imaginar o meu filho passando o que eu já passara; a vergonha que sentia de minha ex-mulher por ter lhe ocasionado esses problemas e de minha mãe por não poder lhe dar um teto; o medo que a desarmonia entre ambas redundasse em uma deflagração aberta - conforme eu vivera na infância e sabia o que representaria para o meu filho - e o constrangimento que sentia de mim mesmo por ter falhado já eram angústias suficientes para que eu acrescentasse uma nova. Por que então me preocupar com aquele sintoma que já me era conhecido?
Ledo engano! Sem eu saber e ainda desconhecido, Mr. Hodgkin já havia entrado em minha vida.
O ilustre desconhecido foi um cientista que em 1.832 descreveu pela primeira vez um grupo de casos daquela enfermidade, a qual, em 1.865 foi batizada com seu nome “Doença de Hodgkin” e que segundo o Aurélio em sua página 605 (segunda edição) significa:
 “Doença maligna dos nodos linfáticos e tecido linfático extra nodal, que se manifesta com o aumento indolor e progressivo dos nodos linfáticos, o qual, muitas vezes, se inicia no pescoço e também com o aumento de baço e doutras formações linfoides. Sinônimo de linfogranuloma maligno, linfogranulomatose”.
SIM, EU ERA PORTADOR DE CÂNCER LINFÁTICO!
Dois dias depois, que se passaram sem que eu voltasse a atentar para o edema, levei meu filho à dermatologista para extrair umas pequenas verrugas. Coisa rotineira em crianças de sua idade (10 anos), segundo a própria. Era a mesma médica que anteriormente havia tratado de minhas acnes. E desse contacto restou um relacionamento muito amistoso entre nós. Também ela tinha vindo de São Paulo e também sentia as mesmas dificuldades para adaptar-se aos modos peculiares de uma cidade pequena como Araras. Além disso, a sua competência nos tornou clientes fiéis e a relação de toda minha família com a mesma superou em muito o simples contacto médico/paciente.
Provavelmente foi essa a razão para que ela esquecesse as verrugas do garoto e dirigisse toda atenção ao meu pescoço. A urgência que demonstrou ao encaminhar-me ao otorrinolaringologista, ainda que eu a tivesse avisado da infecção anterior do gânglio sebáceo acendeu o meu sistema de alerta. Ainda sem imaginar o quanto, pressentia que o problema poderia, sim, ser mais grave.
Talvez uma infecção de garganta? Irritação pelo cigarro? Há tempos pensava em abandonar o vício e me arrependi de não ter conseguido. Agora eu alegava que não o fazia em decorrência da crise que estava atravessando e antes eu usara a tola justificativa de que “bobagem, o cigarro não faz mal” e todas as outras que usamos para acobertar a nossa falta de vontade.
Saindo de seu consultório, fomos ao do otorrino. Também ele é um profissional conhecido, tanto por cuidar de meu filho quanto pelo relacionamento profissional com minha ex-mulher que é fonoaudióloga. Esse conhecimento facilitou o encaixe em sua agenda e no final do expediente fui atendido. Antes, porém, tive a precaução de deixar o filho na sala de espera, pois temia que um eventual mau prognóstico fosse ouvido por ele.
A eventualidade de ser Câncer já perpassava levemente em minha cabeça, provavelmente pelo fato de ter perdido há aproximadamente cinco meses um primo, também portador de um tumor no pescoço.
Seguindo a praxe, o médico fez o exame clínico e constatou o enfartamento dos gânglios. Em seguida fez o pedido para o indefectível hemograma e uma ultrassonografia da região. Ao lhe pedir um diagnóstico, ele foi vago em sua resposta alegando a necessidade de exames complementares. No dia seguinte colhi o sangue e no posterior fiz o ultrassom. Em relação ao primeiro exame, desconheço se apontou alguma anomalia, porém, o segundo foi confirmou - pelo médico que o executava - o ingurgitamento. Ante a pergunta de minha ex-mulher sobre as causas do mesmo, também ele foi inconclusivo. Idem, se eu deveria tomar antibióticos. Pergunta essa, que hoje eu vejo, era mais um desejo que propriamente uma indagação. Ainda não admitíamos a hipótese de malignidade e, veladamente, torcíamos para que a ingestação dos antibióticos fosse o bastante. Porém, a dúvida estava instalada.
Retornando ao otorrino com os resultados dos exames fui submetido a uma laringoscopia, que consiste em introduzir pelo nariz, um tubo espelhado dentro da garganta e vislumbrar o interior da mesma. A sisudez do médico, tanto quanto o meu receio de perguntar e ouvir o que não queria, inibiu maiores questionamentos. Assim, no dia 08 de abril recebi o diagnóstico de laringite crônica (irritativa) e vibrei com o resultado. Eu sabia! Não era algo tão grave como cheguei a temer. Deixaria de fumar, tomaria a medicação e tudo se resolveria.
Imagine que eu cheguei a pensar em câncer? Ora essa! Eu que sempre tive um processo super-rápido de cicatrização das úlceras cutâneas (tinha lido em algum lugar que isso era um precioso indicativo de minha imunidade à doença). Eu, que no mês anterior tinha feito um Chek-Up (antes que o Convênio Médico tivesse que ser reduzido por falta de recursos para pagá-lo) e tive um resultado excelente nas funções cardíacas e respiratórias. Como pude ter pensado nisso...? Talvez o estresse que estava vivendo tenha contribuído para esse pessimismo.
Durante uma quinzena tomei o antibiótico receitado e como não tinha nada de grave continuei a enfrentar apenas os velhos problemas. Minto, tinha mais um: pagar pelos antibióticos. Comecei a sentir ali a impropriedade dos preços daquele produto que ninguém, salvo os hipocondríacos, consome porque quer.
De resto, trabalhava normalmente, tentava vender, cobrir os cheques pré-datados, cumprir os compromissos e apaziguar os ânimos em casa. Sempre tendo escapado por muito pouco de protestos, cheques devolvidos e um confronto real em casa.
Por natureza, eu não consigo exteriorizar sentimentos, e me sentia dentro de uma jaula dominando - ou tentando - domar as feras, apenas com a intenção. Com o olhar.
A generalização, todavia, das dificuldades para todos os segmentos da economia, enquanto me redimia (afinal, não era só minha culpa), alimentava a minha esperança de que venceria mais essa crise. Aos 43 anos já tinha vivido a crise da hiperinflação, da recessão, da outra inflação e todas as outras que assolam o País. Essa seria apenas mais uma.
Mesmo sem ter um centavo investido em Bolsas de Valores eu acompanhava todos os telejornais em busca de uma boa notícia que embasasse a minha esperança. Acompanhava os pregões como se deles dependesse a minha ressurreição. Mas essa boa nova nunca vinha.
Quanto ao inchaço, este permanecia imutável, apesar dos antibióticos de última geração, segundo o otorrino. Porém não o sentia. Não doía. Não incomodava. Às perguntas e à preocupação dos amigos, respondia que o tratamento iria resolver... De fato, acreditava nisso.
Finda a medicação, voltei ao médico. Ainda evasivamente, característica de sua origem oriental (?), e constatando a ineficácia do tratamento ele fez o meu encaminhamento para uma hematologista de sua confiança. Segundo ele, como especialista na área, ela poderia dar uma resposta conclusiva sobre o problema. Mais evasiva que sua argumentação, contudo, foi a minha percepção que não atinou de pronto sobre a gravidade que o caso estava tomando.
Antes da hemato voltei à dermatologista para extrair algumas manchas que tinha nas costas - e que eu temia que se transformassem em câncer em um futuro remoto (santa ingenuidade). Novamente os problemas da cútis ficaram em segundo plano e sua atenção restringiu-se à minha cervical. A sua preocupação era evidente. Chegou a questionar o otorrino por não ter feito a punção do gânglio e se dispôs a fazer ela própria o pedido para este procedimento. Tentou me falar algo (possivelmente já tinha o diagnóstico), mas se calou. Fez a extirpação das manchas e só se mostrou mais calma ante a expectativa de minha ida à especialista nos próximos dias. 
A sua relativa calma, entretanto, anulou a minha. Comecei a admitir que, sim, eu poderia estar com algo mais grave que uma laringite crônica. A confiança que eu sentira até então se esvaiu, assim como a minha coragem e a fé de que poderia resolver a situação que estávamos vivendo.
Pela primeira vez na vida senti que agora já não dependia só de mim. Eu já não podia tudo. Era apenas um joguete das circunstâncias. Tanto das presentes quanto das que o futuro delineasse. Sabia que o câncer pode ser tratado. Que existem casos de longa sobrevida (tive uma tia que conviveu com a doença por muito tempo), que surgem novos tratamentos todos os dias, etc. Mas aquela era uma hora muito imprópria para ficar doente (como se existisse uma hora apropriada...).
Justo agora, com tantos problemas, tantas vicissitudes negativas? Ao contrário da maioria dos pacientes da patologia, não me perguntava por que eu? Mas sim, por que agora?
Há dois anos estava empregado, com um salário muito acima da média, patrimônio, liquidez de dinheiro aplicado e tudo mais que consegui juntar em conjunto com minha ex-mulher. Se fosse possível escolher, aquela teria sido a hora certa. Pelo menos eu poderia me preocupar “apenas” com a doença. E agora? Eu não teria nem o direito de sofrer, em paz, a enfermidade.
Por tudo que havia feito e passado na vida, me revoltei. Não era justo. Não agora.
Dias depois, aproveitei uma viagem até Itupeva e levei minha mãe para passar alguns dias na residência de meu irmão. Já preparava a minha saída de casa. Não apenas pela iminência do divórcio, mas também pelo fato de que se o câncer fosse confirmado eu iria embora de qualquer maneira. Repugnava-me a ideia de expor as deformidades que a moléstia me causaria (tinha visto o estado em que ficou meu primo) e sentia pavor de pensar que essa seria a imagem que meu filho guardaria de mim. Tinha medo das dores e por elas causar incômodos.
Queria ter um canto. Um recanto. Na verdade, eu queria fugir. Da doença. Da situação. Da crise. Daquilo em que eu me transformara.
Um amigo muito especial, o Bino, para quem relatei os problemas que estava vivendo chegou até mesmo a alugar um quarto em uma casa de família, numa cidade vizinha.
Novamente, eu teria que recomeçar a vida e, como sempre, não do zero. Mas, pior, em débito. Só que antes a autoconfiança me impulsionava e agora a incerteza me paralisava. Não era como das outras vezes. O tempo que me restara seria de que tamanho? Do que eu viveria? Como sustentaria meu filho? Temia muito mais a conjunção desses fatores que a doença em si.
O trabalho já não rendia. A ameaça acompanhava cada segundo. A espada sempre suspensa por um fio, sobre a cabeça. A cada decisão ou planejamento o SE tornou-se imperativo. Se não for câncer farei isso...  Se não for câncer farei aquilo... E se for câncer, o que farei? Meu Deus!
Mesmo tentando acreditar nos amigos que insistiam que não seria nada. Que tudo se ajeitaria e todas as demais frases que se julga adequadas à situação, manter o otimismo foi dificílimo. Eu precisava mentir. Para eles e para mim. Achava de “bom tom”. Relutava em perder o que julgava ser boa educação. O câncer ainda não tinha me despido dos formalismos.
Em momentos de alta dosagem alcoólica conseguia entorpecer o pessimismo (ou o realismo?) e acreditava que o susto que estava tomando naqueles momentos seria motivo de risadas em um futuro próximo. Por isso, talvez, mantive, e ainda a mantenho, uma garrafa de vinho do Porto para comemorar o resultado negativo que certamente viria. Agora, talvez, para brindar uma eventual cura.
Mas o fato é que a situação financeira, também já em decorrência da ameaça da doença, estava se agravando cada vez mais e por consequência, a familiar. A vinda de minha cunhada para uma visita de alguns dias e que antes teria me dado tanto prazer, agora me indicava apenas a iminência da separação e o afastamento do meu filho.
Fatos que antes me passariam despercebidos agora me sensibilizavam. Como o encontro casual que tive com uma prima, na terrinha natal. Quando ela me perguntou sobre o problema em meu pescoço, eu vi que a notícia já tinha chegado até lá (aliás, nada mais inapropriado que aquele encontro. Tanto para mim quanto para ela. Se a sua dor estava contida no passado próximo, pois era irmã daquele que morrera há alguns meses, a minha estava acontecendo agora. Ainda estava para acontecer). Ou, então, a justificativa de um cliente ao se recusar a comprar novamente de mim, por medo da interrupção no fluxo de mercadorias que fatalmente aconteceria. Ou, então, ter dado um auxílio a uma moça no portão de casa e ter recebido em troca um folheto com o Salmo de Davi. No verso, constava:
 “A associação dos pacientes de Câncer agradece a sua colaboração“.

A sombra do câncer multiplicava a angústia. Foram dias difíceis! Muito difíceis!


NOTA do AUTOR - os próximos capítulos serão ofertados no modo "DEMO". Você pode continuar a sua leitura, por intermédio de exemplar impresso ou em E-book, através do Link abaixo postado. Agradeço a compreensão.

https://www.clubedeautores.com.br/book/136272--Sobrevivendo_com_o_Cancer_Linfatico