Sobrevivendo com o Câncer Linfático
(Linfoma de Hodgkin)
2ª Edição - 2012
Dedicado
ao amigo Edison Garcia, que foi o meu anjo da guarda em todo o processo.
Dedicado às queridas Lucia Agulhari e
Maísa Mota.
Agradecimentos
sinceros e muito carinho aos amigos Amaury, Marlene, Neide, Geraldo e
tantos outros.
Sincera
gratidão à Dra. Ana Amélia Pulz a aos Médicos (as), Residentes,
Enfermeiros (as) e a todos os outros profissionais da Unicamp.
Para Joana Vice Villela
e
Para Thyago M. Villela, meu motivo.
Ficha Técnica da
1ª Edição.
Coordenação:
Marlene Dal Pietro
Texto:
Fábio Renato Villela
Revisão do Texto: Mara Figueiredo
Direção de Arte: Edison A. Garcia
Computação Gráfica e Tratamento de Imagem:
Edison
A. Garcia Filho
Serviços Gráficos:
Reflexo
Fotolito Ltda.
www.reflexofotolito.com.br
Tel.:
11 - 279 8044
Instituto de Difusão Espírita www.ide.org.br
Tel.: 0xx19 - 541 0077
Ficha Técnica da 2ª Edição
Revisão
Gramatical – Tereza Manuela Arcângelo
Diagramação – Equipe “Nada Ltda.” – RJ.
Divulgação – Taís Albuquerque
Processamento – Clube de Autores e Agbook.
Notas a ambas as Edições
Não viso lucro financeiro
com essa obra e por isso optei por receber como “Direitos Autorais” um valor meramente simbólico para que o preço
final ficasse o menor possível. Assim, solicito aos que puderem que façam uma
contribuição às Entidades de Apoio ao Paciente Oncológico, escolhendo aquela
que melhor lhes parecer.
Esse material pode ser
reproduzido livremente, sem qualquer ônus, desde que citada à fonte.
Contatos com o autor poderão
ser feitos através dos canais abaixo:
E-mail
– villela.fabiorenato@gmail.com
(Blog
oficial com o Portfólio de minhas obras, prêmios, citações e outros dados
relativos à minha carreira).
(Blog
em que posto poesias, artigos, crônicas, ensaios etc.).
Caro (a) leitor (a)
Desde a primeira infância que enfrento o Câncer. Aos
quatro ou cinco anos tive um tumor na omoplata direita que exigiu uma cirurgia
para extirpá-lo e que me acarretou perda de massa muscular e desvio de postura.
Consequências pequenas, pois em contrapartida consegui viver normalmente até
abril de 1999, quando uma recidiva severa me acometeu.
O Câncer é uma doença terrível e de difícil convivência,
tanto para o paciente quanto para aqueles que convivem com o mesmo. Somam-se angústias,
dores, solidão e medo; e a esse
conjunto cruel acrescenta-se a desinformação.
É quase inútil buscar informações com os médicos, pois
na maioria dos casos o próprio linguajar dos mesmos é incompreensível e sempre
resta aos pacientes ou familiares à dúvida se o (a) médico (a) não estaria “escondendo alguma coisa”.
Também é difícil conversar com aqueles que não sofrem
da doença, pois a mesma envolve tantos aspectos (alguns até positivos) que não
se pode explicar e tampouco compreender com a facilidade desejada a rotina que
a enfermidade impõe.
Por isso decidi escrever a minha história de maneira
bem realista, sem falsa pieguice, mas dando ênfase na esperança, que é a única a
ponte que nos liga ao futuro.
Tomara que os enfermos possam se enxergar nessas
linhas e saber que os horrores que enfrentam não lhes são exclusivos. Que
milhões os compartilham e podem entender toda a angústia que o sofrimento lhes causa.
E que os familiares e acompanhantes possam melhor
compreender as agruras de quem convive com uma morte que deixou de ser apenas
uma possibilidade, para se tornar uma ameaça muito próxima. Que possam entender
as inquietações, as tristezas, os desânimos e, com isso, prestar a ajuda que
nos é tão necessária.
Assim, espero que a leitura dessa modesta obra possa
ser útil e do agrado de todos.
São Paulo, 10 de Outubro de 2012.
CAPÍTULO 01
Em dois de abril de 1.999, por volta das 10 horas estava
em Campinas, SP, a negócios. Tinha, nessa ocasião, um pequeno comércio e revendia
a um grupo de clientes já contumazes, artigos para suas lojas e bazares.
O desencontro com um deles me proporcionou o tempo
necessário para fazer uma visita às sobrinhas cuja boutique ficava nas
proximidades. Eram quase uma rotina essas visitas, pois fomos criados juntos e
as considero como irmãs ou como filhas.
Ao ritual bem humorado de nossos encontros, naquele,
entretanto, juntou-se a observação de uma delas sobre o inchaço em meu pescoço.
De fato, há cerca de uns dez dias o local se apresentava inchado e avermelhado.
Nada, todavia, que pudesse me preocupar, pois certamente seria apenas o reflexo
de um gânglio sebáceo que havia irrompido e supurado há alguns dias deixando
aquela sequela.
Essas erupções cutâneas me atormentavam desde a
pré-adolescência e eu já estava acostumado à rotina de inchaços, dores e febres
que causavam.
Verdade que essa inflamação ocorreu depois de quase um
ano da penúltima e me pegou de surpresa, já que após ter feito um tratamento com
uma dermatologista de minha cidade, julguei que estivesse livre do problema. Tratamento,
aliás, que me causou um grande, mas esperado, aumento na taxa de Colesterol e
uma enorme, e inesperada, perda de peso, a qual chegou a me preocupar.
Foi também mais dolorosa que a de costume (talvez pela falta da habitualidade anterior,
supus) e chegou a me impedir de trabalhar por alguns dias.
Contudo, naquele dia, não sentindo qualquer outro sintoma,
(febre intermitente, fadiga e
indisposição), ou melhor, sentindo-os e os debitando erroneamente ao
problema anterior da acne, não dei tanta importância ao fato. Trabalhei
normalmente o restante do dia e ao voltar para casa comentei, de passagem, com
minha ex-mulher sobre a visita e o inchaço observado.
Também ela estava acostumada a esses inconvenientes e
tanto como eu, nada notara antes. Porém, uma observação mais atenta e, tendo em
vista que a supuração tinha ocorrido há aproximadamente quinze dias ficou
estranha à permanência do edema. Mais estranho ainda era um tumor que coroava o
inchaço, embora também pudesse ser uma “segunda
loja” que havia remanescido conforme já houvera precedentes.
De qualquer forma, aquele inchaço deixou de ser notado
naquela noite. Como de hábito, antes do jantar tomei meu uísque rotineiro,
comentei com o amigo Orlando que viera nos visitar sobre as dificuldades que o
comércio estava enfrentando, curiosidades das minhas viagens diárias em busca
de clientes e outros assuntos banais. Tinha coisas mais sérias com que me
preocupar. Dinheiro, principalmente.
Em julho de 1.997, após estarmos morando há três anos
em Araras, SP, e julgando ser o momento adequado pedi demissão de meu emprego e
realizei um sonho antigo: montar meu próprio negócio. Iniciei revendendo apenas
para lojistas produtos e/ou embalagens específicas para os seus comércios.
Porém, com a explosão de consumo ocorrida no Plano Real e o sucesso que as lojas de
preço único (R$ 1,99) faziam (disso era testemunha, pois eram os meus principais
clientes) decidi aproveitar o ponto onde estava estabelecido para também
inaugurar a minha.
Abri o varejo em 1.998 e até o final daquele ano o aquecimento
econômico garantiu um bom movimento. Todavia, já em janeiro de 1.999, a
retração era visível e tanto no varejo quanto no atacado as vendas despencaram.
Na mesma proporção, mas em sentido inverso, as dividas se acumularam. Em
decorrência dessa situação complicada, eu passei a enfrentar sérios problemas
no casamento, tanto advindos da crise nas finanças quanto do fato de minha mãe
estar morando conosco.
Minha mãe, de fato, é uma pessoa difícil, contudo eu
não poderia simplesmente abandoná-la e em face das dificuldades, nem poderia
alugar um apartamento para instalá-la. A situação chegou a um ponto tão extremo
que no dia primeiro de janeiro daquele ano cheguei a propor à minha ex-mulher a
nossa separação. Algo que nunca havia imaginado, aliás, pois sempre nos déramos
bem e a eventual separação de meu filho era algo em que eu não podia nem pensar.
Contudo, esse conjunto de problemas vinha, há alguns
meses, roubando meu sono e a insônia multiplicava a angústia. Nunca havia
passado por situação como aquela, pois embora desde menino estivesse acostumado
à miséria e às dificuldades, não tinha que me preocupar com outras pessoas.
Agora não. O fantasma da falência, de imaginar o meu
filho passando o que eu já passara;
a vergonha que sentia de minha ex-mulher por ter lhe ocasionado esses problemas
e de minha mãe por não poder lhe dar um teto; o medo que a desarmonia entre ambas redundasse em uma deflagração
aberta - conforme eu vivera na infância e sabia o que representaria para o meu
filho - e o constrangimento que sentia de mim mesmo por ter falhado já eram angústias
suficientes para que eu acrescentasse uma nova. Por que então me preocupar com
aquele sintoma que já me era conhecido?
Ledo engano! Sem eu saber e ainda desconhecido, Mr.
Hodgkin já havia entrado em minha vida.
O ilustre desconhecido foi um cientista que em 1.832
descreveu pela primeira vez um grupo de casos daquela enfermidade, a qual, em
1.865 foi batizada com seu nome “Doença
de Hodgkin” e que segundo o Aurélio
em sua página 605 (segunda edição) significa:
“Doença maligna dos nodos linfáticos e tecido
linfático extra nodal, que se manifesta com o aumento indolor e progressivo dos
nodos linfáticos, o qual, muitas vezes, se inicia no pescoço e também com o
aumento de baço e doutras formações linfoides. Sinônimo de linfogranuloma
maligno, linfogranulomatose”.
SIM, EU ERA PORTADOR DE CÂNCER LINFÁTICO!
Dois dias depois, que se passaram sem que eu voltasse
a atentar para o edema, levei meu filho à dermatologista para extrair umas
pequenas verrugas. Coisa rotineira em crianças de sua idade (10 anos), segundo
a própria. Era a mesma médica que anteriormente havia tratado de minhas acnes.
E desse contacto restou um relacionamento muito amistoso entre nós. Também ela
tinha vindo de São Paulo e também sentia as mesmas dificuldades para adaptar-se
aos modos peculiares de uma cidade pequena como Araras. Além disso, a sua
competência nos tornou clientes fiéis e a relação de toda minha família com a
mesma superou em muito o simples contacto médico/paciente.
Provavelmente foi essa a razão para que ela esquecesse
as verrugas do garoto e dirigisse toda atenção ao meu pescoço. A urgência que
demonstrou ao encaminhar-me ao otorrinolaringologista, ainda que eu a tivesse
avisado da infecção anterior do gânglio sebáceo acendeu o meu sistema de alerta.
Ainda sem imaginar o quanto, pressentia que o problema poderia, sim, ser mais
grave.
Talvez uma infecção de garganta? Irritação pelo
cigarro? Há tempos pensava em abandonar o vício e me arrependi de não ter
conseguido. Agora eu alegava que não o fazia em decorrência da crise que estava
atravessando e antes eu usara a tola justificativa de que “bobagem, o cigarro não faz mal” e todas as outras que usamos para
acobertar a nossa falta de vontade.
Saindo de seu consultório, fomos ao do otorrino.
Também ele é um profissional conhecido, tanto por cuidar de meu filho quanto
pelo relacionamento profissional com minha ex-mulher que é fonoaudióloga. Esse
conhecimento facilitou o encaixe em sua agenda e no final do expediente fui
atendido. Antes, porém, tive a precaução de deixar o filho na sala de espera,
pois temia que um eventual mau prognóstico fosse ouvido por ele.
A eventualidade de ser Câncer já perpassava levemente
em minha cabeça, provavelmente pelo fato de ter perdido há aproximadamente
cinco meses um primo, também portador de um tumor no pescoço.
Seguindo a praxe, o médico fez o exame clínico e
constatou o enfartamento dos gânglios. Em seguida fez o pedido para o
indefectível hemograma e uma ultrassonografia da região. Ao lhe pedir um diagnóstico,
ele foi vago em sua resposta alegando a necessidade de exames complementares.
No dia seguinte colhi o sangue e no posterior fiz o ultrassom. Em relação ao
primeiro exame, desconheço se apontou alguma anomalia, porém, o segundo foi confirmou
- pelo médico que o executava - o ingurgitamento. Ante a pergunta de minha ex-mulher
sobre as causas do mesmo, também ele foi inconclusivo. Idem, se eu deveria
tomar antibióticos. Pergunta essa, que hoje eu vejo, era mais um desejo que propriamente
uma indagação. Ainda não admitíamos a hipótese de malignidade e, veladamente,
torcíamos para que a ingestação dos antibióticos fosse o bastante. Porém, a
dúvida estava instalada.
Retornando ao otorrino com os resultados dos exames
fui submetido a uma laringoscopia, que consiste em introduzir pelo nariz, um
tubo espelhado dentro da garganta e vislumbrar o interior da mesma. A sisudez
do médico, tanto quanto o meu receio de perguntar e ouvir o que não queria,
inibiu maiores questionamentos. Assim, no dia 08 de abril recebi o diagnóstico
de laringite crônica (irritativa) e vibrei
com o resultado. Eu sabia! Não era algo tão grave como cheguei a temer.
Deixaria de fumar, tomaria a medicação e tudo se resolveria.
Imagine que eu cheguei a pensar em câncer? Ora essa!
Eu que sempre tive um processo super-rápido de cicatrização das úlceras
cutâneas (tinha lido em algum lugar que
isso era um precioso indicativo de minha imunidade à doença). Eu, que no mês
anterior tinha feito um Chek-Up (antes
que o Convênio Médico tivesse que ser reduzido por falta de recursos para pagá-lo)
e tive um resultado excelente nas funções cardíacas e respiratórias. Como pude
ter pensado nisso...? Talvez o
estresse que estava vivendo tenha contribuído para esse pessimismo.
Durante uma quinzena tomei o antibiótico receitado e
como não tinha nada de grave continuei a enfrentar apenas os velhos problemas.
Minto, tinha mais um: pagar pelos
antibióticos. Comecei a sentir ali a impropriedade dos preços daquele produto
que ninguém, salvo os hipocondríacos, consome porque quer.
De resto, trabalhava normalmente, tentava vender,
cobrir os cheques pré-datados, cumprir os compromissos e apaziguar os ânimos em
casa. Sempre tendo escapado por muito pouco de protestos, cheques devolvidos e
um confronto real em casa.
Por natureza, eu não consigo exteriorizar sentimentos,
e me sentia dentro de uma jaula dominando - ou tentando - domar as feras,
apenas com a intenção. Com o olhar.
A generalização, todavia, das dificuldades para todos
os segmentos da economia, enquanto me redimia (afinal, não era só minha culpa), alimentava a minha esperança de
que venceria mais essa crise. Aos 43 anos já tinha vivido a crise da hiperinflação,
da recessão, da outra inflação e todas as outras que assolam o País. Essa seria
apenas mais uma.
Mesmo sem ter um centavo investido em Bolsas de Valores eu acompanhava todos
os telejornais em busca de uma boa notícia que embasasse a minha esperança.
Acompanhava os pregões como se deles dependesse a minha ressurreição. Mas essa
boa nova nunca vinha.
Quanto ao inchaço, este permanecia imutável, apesar
dos antibióticos de última geração, segundo o otorrino. Porém não o sentia. Não
doía. Não incomodava. Às perguntas e à preocupação dos amigos, respondia que o
tratamento iria resolver... De fato,
acreditava nisso.
Finda a medicação, voltei ao médico. Ainda evasivamente,
característica de sua origem oriental (?), e constatando a ineficácia do
tratamento ele fez o meu encaminhamento para uma hematologista de sua confiança.
Segundo ele, como especialista na área, ela poderia dar uma resposta conclusiva
sobre o problema. Mais evasiva que sua argumentação, contudo, foi a minha percepção
que não atinou de pronto sobre a gravidade que o caso estava tomando.
Antes da hemato voltei à dermatologista para extrair
algumas manchas que tinha nas costas - e que eu temia que se transformassem em
câncer em um futuro remoto (santa ingenuidade).
Novamente os problemas da cútis ficaram em segundo plano e sua atenção
restringiu-se à minha cervical. A sua preocupação era evidente. Chegou a
questionar o otorrino por não ter feito a punção do gânglio e se dispôs a fazer
ela própria o pedido para este procedimento. Tentou me falar algo (possivelmente já tinha o diagnóstico),
mas se calou. Fez a extirpação das manchas e só se mostrou mais calma ante a
expectativa de minha ida à especialista nos próximos dias.
A sua relativa calma, entretanto, anulou a minha.
Comecei a admitir que, sim, eu poderia estar com algo mais grave que uma laringite crônica. A confiança que eu sentira
até então se esvaiu, assim como a minha coragem e a fé de que poderia resolver
a situação que estávamos vivendo.
Pela primeira vez na vida senti que agora já não
dependia só de mim. Eu já não podia tudo. Era apenas um joguete das
circunstâncias. Tanto das presentes quanto das que o futuro delineasse. Sabia
que o câncer pode ser tratado. Que existem casos de longa sobrevida (tive uma tia que conviveu com a doença por
muito tempo), que surgem novos tratamentos todos os dias, etc. Mas aquela
era uma hora muito imprópria para ficar doente (como se existisse uma hora apropriada...).
Justo agora, com tantos problemas, tantas vicissitudes
negativas? Ao contrário da maioria dos pacientes da patologia, não me
perguntava por que eu? Mas sim, por que agora?
Há dois anos estava empregado, com um salário muito
acima da média, patrimônio, liquidez de dinheiro aplicado e tudo mais que
consegui juntar em conjunto com minha ex-mulher. Se fosse possível escolher,
aquela teria sido a hora certa. Pelo menos eu poderia me preocupar “apenas” com
a doença. E agora? Eu não teria nem o direito de sofrer, em paz, a enfermidade.
Por tudo que havia feito e passado na vida, me revoltei.
Não era justo. Não agora.
Dias depois, aproveitei uma viagem até Itupeva e levei
minha mãe para passar alguns dias na residência de meu irmão. Já preparava a
minha saída de casa. Não apenas pela iminência do divórcio, mas também pelo
fato de que se o câncer fosse confirmado eu iria embora de qualquer maneira. Repugnava-me
a ideia de expor as deformidades que a moléstia me causaria (tinha visto o estado em que ficou meu
primo) e sentia pavor de pensar que essa seria a imagem que meu filho
guardaria de mim. Tinha medo das dores e por elas causar incômodos.
Queria ter um canto. Um recanto. Na verdade, eu queria
fugir. Da doença. Da situação. Da crise. Daquilo em que eu me transformara.
Um amigo muito especial, o Bino, para quem relatei os problemas que estava vivendo chegou até
mesmo a alugar um quarto em uma casa de família, numa cidade vizinha.
Novamente, eu teria que recomeçar a vida e, como
sempre, não do zero. Mas, pior, em débito. Só que antes a autoconfiança me
impulsionava e agora a incerteza me paralisava. Não era como das outras vezes.
O tempo que me restara seria de que tamanho? Do que eu viveria? Como
sustentaria meu filho? Temia muito mais a conjunção desses fatores que a doença
em si.
O trabalho já não rendia. A ameaça acompanhava cada segundo.
A espada sempre suspensa por um fio, sobre a cabeça. A cada decisão ou
planejamento o “SE” tornou-se
imperativo. Se não for câncer
farei isso... Se
não for câncer farei aquilo... E se
for câncer, o que farei? Meu Deus!
Mesmo tentando acreditar nos amigos que insistiam que
não seria nada. Que tudo se ajeitaria e todas as demais frases que se julga
adequadas à situação, manter o otimismo foi dificílimo. Eu precisava mentir.
Para eles e para mim. Achava de “bom tom”.
Relutava em perder o que julgava ser boa educação. O câncer ainda não tinha me
despido dos formalismos.
Em momentos de alta dosagem alcoólica conseguia
entorpecer o pessimismo (ou o realismo?) e acreditava que o susto que estava
tomando naqueles momentos seria motivo de risadas em um futuro próximo. Por
isso, talvez, mantive, e ainda a mantenho, uma garrafa de vinho do Porto para
comemorar o resultado negativo que certamente viria. Agora, talvez, para
brindar uma eventual cura.
Mas o fato é que a situação financeira, também já em
decorrência da ameaça da doença, estava se agravando cada vez mais e por consequência,
a familiar. A vinda de minha cunhada para uma visita de alguns dias e que antes
teria me dado tanto prazer, agora me indicava apenas a iminência da separação e
o afastamento do meu filho.
Fatos que antes me passariam despercebidos agora me
sensibilizavam. Como o encontro casual que tive com uma prima, na terrinha
natal. Quando ela me perguntou sobre o problema em meu pescoço, eu vi que a notícia
já tinha chegado até lá (aliás, nada mais
inapropriado que aquele encontro. Tanto para mim quanto para ela. Se a sua dor
estava contida no passado próximo, pois era irmã daquele que morrera há alguns
meses, a minha estava acontecendo agora. Ainda estava para acontecer). Ou,
então, a justificativa de um cliente ao se recusar a comprar novamente de mim, por
medo da interrupção no fluxo de mercadorias que fatalmente aconteceria. Ou,
então, ter dado um auxílio a uma moça no portão de casa e ter recebido em troca
um folheto com o Salmo de Davi. No
verso, constava:
“A associação dos pacientes de Câncer agradece
a sua colaboração“.
NOTA do AUTOR - os próximos capítulos serão ofertados no modo "DEMO". Você pode continuar a sua leitura, por intermédio de exemplar impresso ou em E-book, através do Link abaixo postado. Agradeço a compreensão.
https://www.clubedeautores.com.br/book/136272--Sobrevivendo_com_o_Cancer_Linfatico
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