segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Vazio - (Poesia Selecionada)

Na beira do edificio
o passarinho desdenha a queda.
Não lhe existe o vazio.

Reina no meu impossível,
reduzindo o quê me pensei
e fazendo o que eu só sonhei.

Desliza caminhos
em espaços só seus.
Passeia sua independência
e cala minha insolência.

Preso ao chão
rastejo multidão.
Longe do Rei,
que um dia me achei.

Poesia Selecionada para a Antologia III da Editora Corpos - Porto - Portugal.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

Face

Doce Serão seria
se a cama não fosse vazia
e se à mesa não faltasse
a Musa de branca face.

Doce seria o Serão
se a brisa trouxesse,
como eco de prece,
a Musa que anoitece.

Serão que me assiste
na luta contra o vazio,
contra a palavra que não vem
e contra o amor que não se tem.

Serão das toalhas de Açores,
Serão de Volpi, de tantas cores.
Serão da inútil ceia posta,
pois só ausência é a reposta.

                                                       Para Fabi K.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Intruso

Intruso vento frio,
arrepia-me a face e a pele
e o desejo que nada repele.

E a bruta saudade
do que nos acontecia
faz-se suave companhia,
como fêmea sorrateira
que se deixa por inteira.

Frio vento de pré Outono,
de tantas vias já andado,
diz-me da esperança doutro lado
e da bonança doutro fado.

Fale-me da mulher amada,
da sorte lançada
e da vida pós julgada.
Depois, leve consigo
essa vontade de abrigo.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Megido

Leva a mulher
uma flor inválida.
A rosa de Vinicius*,
a rosa de Hiroshima.
É o Armagedon que se aproxima.

Louca criança demente
desembrulha o não Presente.
Gargalha Sancho Pança,
no último banquete
cantado em falsete.

Transpira o Homem
o pão que não se come
na mostra que o Diabo gosta.
Viver é aposta.

Miguel Arcanjo guerreiro
comanda branca legião,
mas os Cavaleiros já galopam
semeando o branco Fim.
E ainda se briga pelo butim.
A vida toda foi assim...


* da poética de Vinicius de Morais.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Gregas Tragédias - EDIPO REI -05

Sófocles – 496/406 – Colono

Cenário – diante do Palácio Real, em Tebas, com altares junto às portas.

A 1ª apresentação em – 430 em Atenas

Personagens:

1. Coro, representando os anciãos de Tebas.

2. Creonte, irmão de Jocasta

3. Édipo, rei de Tebas.

4. Jocasta, rainha de Tebas

5. Suplicantes, as

6. Tirésias, o famoso adivinho cego

7. Guardas, Servidores do Palácio, Sacerdote, Emissário de Corinto, Pastor da casa de Laios, Arauto do Palácio Real; Aia, acompanhante de Jocasta; Menino, guia do cego Tirésias.

A roda do ano reprisa a dor de sempre? ... Édipo não sabia que tinha o “complexo de Édipo”... (Keneth Tynam - crítico teatral)

A representação inicia com Édipo dirigindo-se a um grupo de cidadãos de Tebas, reunidos à frente do palácio real. Ali, pede que um dos anciãos, um venerável Sacerdote, diga o que deseja o grupo, embora já saiba o que pedirão, pois vê em toda Tebas sinais que se vive em estado de lamentação e súplicas.

Responde-lhe o velho que o povo, de crianças a idosos, sofre com a peste que assola a cidade e o campo tebano, dizimando tudo que atinge: plantações, gado, pessoas. E que Édipo, o melhor dos mortais, é a última esperança de todos. Foi ele quem matou a esfinge (1), que antes aterrorizava a cidade exigindo pesado tributo de todos que passavam, e realizou uma série de melhorias à cidade e à população. Contam com ele, pois nem bem conhecendo a cidade já lhe prestara tantos favores. Agora, com mais motivos, esperam que use sua inteligência ou da graça de um deus para encontrar a solução para tão grave problema.

1 – Esfinge – normalmente o nome “Esfinge” nos remete ao monumento egípcio situado ao lado da grande Pirâmide. É claro, porém, que aqui se refere a outro Ser Mitológico. Também chamada de “inexorável cantadeira”, tinha cabeça de mulher e corpo de animal e atraia os passantes com seu canto, propondo-lhes enigmas e devorando os que não os adivinhassem. No encontro com o Édipo o enigma indagava: que animal tem quatro pés de manhã, dois ao meio-dia e três à tarde? Édipo respondeu que era o homem, que na primeira infância engatinha, depois anda com dois pés e na velhice além dos dois pés apóia-se numa bengala formando, pois, um tripé. Graças ao seu acerto, o herói livrou a cidade daquela desgraça, pois a Esfinge precipitou-se num abismo e morreu.

Na seqüência, o Sacerdote apela para a vaidade de Édipo ao aludir o quão grande será sua glória por ter salvado a cidade novamente. Serás, diz, visto como o herói de Tebas, aquele que a salvou de duas calamidades terríveis.

Note-se uma característica humana que sobrevive ao passar do tempo: a necessidade de delegar a outrem a responsabilidade pelo próprio bem-estar. Ainda hoje, lideres são buscados (e como esses e outros heróis são inexistentes, busca-se em Deus essa figura que garante a felicidade de cada um que o invoca) e aceitos com subserviência. No mínimo para lhes debitar o fracasso pessoal, haja vista que sempre é mais fácil atribuir a terceiros as próprias derrotas. E no máximo para usufruir o que foi conquistado sem a necessidade de penosos sacrifícios e trabalhos. A contrapartida a isto, o ganho de que assume o papel de “Salvador”, situa-se no espaço do egocentrismo. Na necessidade de ser o centro das atenções, de ser amado, querido etc.

Responde-lhe Édipo que está ciente da hecatombe que se abateu sobre a “Tebas das Sete Portas” e que seu sofrimento é maior que o deles, pois enquanto cada um sofre por si, ele sofre por todos. Diz-lhe que mandou Creonte, seu cunhado, ao Santuário do deus Apolo, em Delfos, para receber instruções de como fazer para cessar o flagelo e que tão logo ele volte tudo fará para vencer esse inimigo.

Creonte entra em cena portando boas novas, como crê. Embora difícil, a exigência poderá ser cumprida já que consiste em achar e extirpar um “mal” nascido em Tebas e nela residente. Respondendo às ansiosas dúvidas de Édipo sobre o que seria tal “mal”, Creonte lhe diz que deverá ser localizado e banido, ou justiçado, o assassino do rei Laios. Édipo sabe que seu antecessor foi assassinado e embora não o tenha conhecido, concorda que seu sangue seja vingado, como exige Apolo. Que o assassino seja severamente punido, seja ele quem for, conforme as instruções do deus.

Na seqüência, Édipo e Creonte conversam sobre as dificuldades de se esclarecer crime tão antigo, mas sendo necessário que se comece imediatamente. O espaço geográfico da busca é pequeno: a cidade e o campo adjacente de Tebas, já que o assassino ali reside. Também o espaço cronológico é sinalizado pela frase de Creonte “a ameaça da esfinge nos forçava a por de lado as coisas duvidosas e a só pensar em nosso dia-a-dia”; isto é, pouco antes da chegada de Édipo à cidade. Com essas premissas, o rei inicia sua investigação imaginando que ela também o favorecerá pessoalmente, pois se já mataram um rei, é possível que queiram matar o sucessor e ao liquidar o assassino estará se livrando de um inimigo oculto e desconhecido.

Iniciando o inquérito, Édipo conclama ao assassino prometendo-lhe que nenhuma violência sofrerá, bastando que aceite ser banido pelo resto da vida. Aos outros cidadãos promete régia recompensa a quem delatar o culpado. Por outro lado, ameaça o culpado de se tornar um pária, de todos recebendo ofensas e desprezo e, até, agressões físicas e enxotamentos. Também amaldiçoa o facínora para que sua vida seja de eterna desgraça. Essas mesmas ameaças ele dirige aos demais compatriotas, aos seus parentes e aos cortesãos que habitam seu palácio e lhes são íntimos.

O Corifeu toma a palavra e após falar de sua inocência, sugere que Tirésias, o famoso adivinho, seja chamado, pois ele tem os mesmos poderes que qualquer outro Oráculo e poderá elucidar a autoria do crime. Édipo responde-lhe que por sugestão de Creonte já tomara essa iniciativa e estava aguardando-o para breve. O Corifeu cita alguns boatos que sugerem ter sido alguns viajantes o matador de Laios e Édipo diz ter ouvido semelhante versão, mas são informações truncadas, inconclusivas.

Nisso, Tirésias chega e Édipo saúda respeitosamente a sua sabedoria, a sua capacidade de adivinhação e lhe pede que o ajude a desvendar o crime e, assim, salvar a cidade. O velho profeta maldiz seu dom, já prenunciando uma resposta amarga e inesperada. Ciente da gravidade do que já sabe por intuição, pede a Édipo que não o obrigue a dizer o que sabe. Pede, também, que o levem de volta à sua casa. Preocupado com esse comportamento, o rei insiste para que o adivinho conte o que sabe. Implora-lhe a verdade, mas Tirésias mantém sua recusa e com isso aumenta o desespero de Édipo, que passa a vê-lo como um inimigo. Tomado pela raiva, acusa o adivinho de ter sido o assassino, ou o mandante do crime; replica o profeta que é ele, Édipo, a desgraça que está arruinando a cidade e pede que não mais lhe dirija a palavra, enquanto se queda em profundo silêncio.

Édipo, indignado pela acusação de Tirésias, ameaça punir-lhe, mas o velho não se amedronta e diz que a verdade que está consigo o protegerá como sempre protegeu. Porém, não obstante sua relutância cede aos apelos – agora patéticos – de Édipo e com clareza torna a dizer que ele é o assassino de Laios e como o rei obriga-o a repetir, ele o faz sem qualquer temor. Diz ainda que o casamento de Édipo e Jocasta (mesmo que ambos nada saibam) levou o rei a mais sórdida das situações, embora ele nem perceba aquele horror. E ante as novas ameaças de Édipo, insiste em dizer que aquilo é a pura verdade. Na réplica, o rei o chama de farsante, embusteiro; e lhe acusa de ter-se vendido a Creonte, que arquiteta sua queda para herdar o trono. Alega que ele e o cunhado estão em espúrio conluio visando à tomada do Poder e a auferição de riquezas. Mas ao ouvir de Tirésias que seu fim se aproxima, que o Destino não lhe tarda pelas mãos de Apolo, Édipo demonstra alguma insegurança e pergunta se aquela afirmativa é pura invencionice dele, ou de Creonte? E discursa sobre o poder da inveja que sentem do seu poder, prestigio e fortuna. Inveja que faz de Creonte, que antes julgava leal amigo, um reles intrigante. E enquanto repete as acusações de falsidade e charlatanismo, questiona Tirésias sobre o porquê ele, tão poderoso em decifrar mistérios, não decifrava os enigmas da esfinge? Por que foi preciso esperar que um simples viajante, como ele, assim o fizesse e com isso salvasse Tebas?

Nesse ponto intervém o Corifeu argumentando que os insultos trocados foram originados pela raiva e que eram inúteis já que em nada contribuíam para solucionar o terror que toma a cidade. Contudo, Tirésias volta à carga e afirma que se Édipo zombou de sua cegueira, em breve saberá que seus dois olhos pouco ou nenhuma serventia tiveram para lhe mostrar a sujidade de seus atos, a sordidez de matar o próprio pai e deitar-se com a própria mãe. Diz, ainda, que as desgraças de Édipo não cessarão nele, mas atingirão sua “funesta prole”. Irritado, Édipo já não contra-argumenta e se limita a expulsar o velho profeta, que na partida, vaticina a sua cegueira, sua ruína, a desgraça com seus filhos, o seu banimento e todos os sofrimentos que enfrentará por ter sido o marido da própria mãe e homicida do próprio pai.

Note-se o tom acusador de Tirésias. Mesmo sendo ignorante sobre seus atos, Édipo é apontado como uma facínora. Essa tendência se coaduna com a ideologia da antiga Grécia que via naquele que praticasse atos contrários à moral, mesmo que à revelia, um homem marcado pelo Destino e, portanto, culpado de alguma forma. Os hindus, e mais recentemente algumas seitas que lhes seguem os ensinamentos, acreditam no “Karma”, ou seja, que um erro cometido no Passado é cobrado no Presente. Pode-se fazer alguma analogia entre essas duas visões, lembrando sempre, que a grega é discípula da hindu.

O povo que ouvira a acusação de Tirésias, nesse primeiro momento mantém a crença na inocência de Édipo, mas um germe de dúvida começa a se instalar entre todos e a cizânia se principia quando Creonte sabe do que Édipo o acusara e se dirige ao povo para externar sua indignação pela maldosa alusão que Édipo fez, colocando-o junto com Tirésias num sinistro plano para herdar o poder e a fortuna do cunhado. Na seqüência, Creonte é confrontado por Édipo, que torna a lhe acusar de tramar sua queda e aponta-lhe algumas evidencias (segundo ele as vê) que confirmariam sua tese. Creonte contra argumenta e entre outras posições cita a de que seria uma estupidez imensa trocar a sua suntuosa vida de agora pelas agruras que permeiam a vida de quem governa. Sim, pois em sua posição ele tem os mesmos privilégios que Édipo, mas não tem os mesmos encargos. A discussão prossegue estéril até que a rainha Jocasta surge e põe fim a mesma criticando a ambos por estarem focados apenas em problemas particulares e não na solução dos graves problemas que a coletividade enfrenta.

Note-se que é a segunda vez que alguém critica Édipo por esse motivo: preocupar-se consigo e esquecer o coletivo. Mais não é preciso para deixar claro seu egocentrismo, igual à de tantos outros protagonistas das Tragédias.

Também o povo apóia Creonte e pede que antes de acusá-lo Édipo faça um inquérito válido cujas provas não deixem duvidas de suas eventuais más intenções. Todavia, Édipo aferra-se em sua posição.

E tamanho é o seu apego a essa tese, sem qualquer comprovação objetiva, que se pode deduzir que inconscientemente ele já estaria em processo de fuga. Seria uma desesperada maneira de afastar o horror que Tirésias escancarou, mas que ele reluta aceitar. Como admitir que deseje a própria mãe e odeie o pai ao ponto de matá-lo? Esse conflito entre uma possibilidade, uma tendência, e o asco que causa, é a origem de tantos males emocionais? Para Freud e seguidores, sim.

Já no palácio, com Jocasta, Édipo não se aquieta com a desconfiança que ela tem de oráculos, adivinhos e quetais. Diz-lhe que ela mesma teve provas que adivinhos, profetas, místicos são falhos, ou malévolos. Cita o exemplo da profecia que versava sobre a morte de Laios. Até onde se sabe, o rei foi morto por salteadores, e não pelo filho, no cruzamento de três grandes estradas.

Observe-se que a morte do filho não a abalou como seria de se esperar de uma mãe. Ao invés de se rebelar contra o marido assassino, acomodou-se ao luxo que ele lhe proporcionava. Característica da pessoa, ou da época? Da pessoa, certamente! Vê-se, ao contrário dela, o sofrimento indizível de outras mães, suas contemporâneas, com a perda dos filhos.

Porém, ao ouvir o local onde ocorreu o assassinato, Édipo se sobressalta, pois foi ali que ele matou o homem que lhe impedia a passagem. Com a informação da data em que ocorreu o episodio, similar à do seu entrevero, a sua angústia aumenta e com a informação sobre a aparência do rei falecido, uma terrível suspeita toma-lhe o coração. Pressente que Tirésias estava certo. E quando Jocasta lhe conta que Laios viajava com uma pequena escolta e que ia num carro; e que a noticia chegou a Tebas através de um servo, o único sobrevivente (que ao saber de sua união com Jocasta pediu a esta que o mandasse para o campo, sem jamais voltar à cidade) a suspeita transforma-se em certeza. Já não tem mais dúvidas. Era ele o assassino de Laios.

Tomado de terror, pede a Jocasta que chame o servo e até que ele chegue conta-lhe o sucedido em sua pseudo terra natal, Corinto: em certo banquete, um comensal embriagado disse que ele era adotado. Embora seus pais adotivos, Polibio e Mérope negassem com veemência, uma dúvida ficou em seu coração. Para dirimi-la foi ao Oráculo, em Delfos, mas veio-lhe uma resposta confusa, recheada de dor, sofrimento, lutas etc. Estudando-a com mais vagar viu a trágica profecia de que mataria o pai, deitar-se-ia com a mãe e com ela geraria uma prole destinada a grandes sofrimentos. Foi para evitar esses horrores é que decidiu sair de Corinto e vagou pelo Mundo até que num entroncamento de três grandes vias, matou um homem...

Preso de profundo desgosto, conta a Jocasta como matou aquele estranho, que agora, pressente ser Laios. E, pior, casou-se com a viúva do mesmo.

Talvez se não fosse o calor dos acontecimentos, que geralmente prejudica o raciocínio, ambos teriam visto que tantas coincidências não poderiam ser explicadas. Inconscientemente ou não, tem-se aqui novo exemplo do poder das circunstâncias sobre o Homem. O irracional, o destino, assume o espaço que deveria ser do raciocínio.

Jocasta prossegue em sua tentativa de acalmá-lo dizendo que segundo o sobrevivente, os assassinos de Laios eram vários bandidos e não um só homem. Agarrado nessa esperança, Édipo aguarda a chegada do homem enquanto escuta Jocasta maldizer os oráculos, taxando-os de incorretos, frágeis e talvez manipulados.

Note-se que Jocasta desacreditava dos oráculos, mas não dos deuses, os quais, nessa obra e em várias outras, são tidos como reais (materiais, concretos). A vida na Grécia antiga era efetivamente regulada por essas entidades, que participes do cotidiano, interferiam das menores questões até os grandes problemas. Deuses e Deusas que emanavam as “Leis Superiores”, as quais regiam desde os hábitos mais arraigados até as questões mais importantes (aquelas inalteráveis com o correr do tempo e/ou com as disposições dos legisladores humanos). De certo modo é o que se vê em algumas religiões contemporâneas, onde os fiéis pedem desde um suculento almoço, até a cura do câncer.

Passado algum tempo, e após pedir a intercessão de Apolo para que acalme seu inconsolável marido (e filho), Jocasta recebe a visita de um emissário de Corinto que relata o desejo de seus compatriotas de ter Édipo como rei, haja vista que o velho Polibio morreu. Mais que o trono, a noticia alegra o casal pelo fato daquela morte ter-se dado sem a participação de Édipo. Exultam com a fabilidade do Oráculo, pois como Édipo poderia matar um pai que morreu naturalmente. Doutro perigo, o de deitar-se com mãe, Édipo desdenha. Nesse ponto, Jocasta diz a frase que ficou célebre graças ao Dr. Freud: - não tenhas medo da cama de tua mãe, quantas vezes, em sonho, um homem dorme com a mãe!”

Édipo, porém, reafirma seu medo de sucumbir a essa fraqueza, pois é uma maldição lançada por um Oráculo. O emissário, então, ao saber dos motivos de Édipo para se auto-exilar, conta-lhe que ele é filho adotivo de Mérope, dado por ele mesmo ao rei e à rainha de Corinto como presente e para suprir a falta de filhos do casal. Também lhe conta que o recebeu de outro pastor, da casa de Laios, numa várzea e que tratou de seus tornozelos (Édipo em tradução literal significa: “o de pés inchados”) machucado pelos grampos que o prendia, conforme Laios ordenara.

Édipo insiste nos pormenores, pois quer saber em detalhes a sua origem verdadeira, enquanto Jocasta tenta dissuadi-lo, mas sem êxito. Por fim, ela se afasta dizendo as últimas palavras ao Édipo: - pobre de ti... Que nunca descubra quem é... Desgraçado!

Adivinhando o final, Jocasta acovarda-se e tenta interromper o processo. Vencida, porém, pela persistência do marido – a quem já pressente como filho – adentra o palácio. Nada mais dizendo sobre ela, Sófocles abre espaço para que o leitor ou espectador imagine o cataclismo em sua alma. Talvez remorso pelo co-assassinato do filho, ou horror por ter-lhe como homem, ou medo pelo que virá no Futuro etc.

Édipo ainda se ilude que o pior sobre sua origem seja relacionado com a miséria, ao baixo nível social, mas como se acha um eterno bafejado pela boa sorte, sente-se feliz por seu Destino. O povo compartilha de seu entusiasmo, pensando que o herói seria filho de algum dos deuses e, por isso, divina seria a sua origem.

Nesse momento chega o pastor, que é reconhecido pelo povo e pelo emissário de Corinto, como aquele que lhe entregou Édipo para que fosse criado como filho. O pastor, após alguma indecisão pelo tempo transcorrido, lembra-se afinal e se põe a praguejar contra o emissário e só depois de ameaçado por Édipo é que confirma ter entregado o filho enjeitado de Laios. Criança que lhe fora dada pela própria mãe, Jocasta, para ser morto. Contudo, por compaixão, ele não cumpriu a ordem recebida dando o garoto ao pastor que agora é emissário de Corinto.

Esse trecho confirma a culpa de Jocasta que não titubeou em mandar matar o próprio filho para continuar usufruindo das vantagens em ser a rainha. E que no Presente não vacila em tentar impedir a pesquisa de Édipo, pois abafando o caso manterá seus privilégios.

- Horror! Horror! Horror! Grita Édipo, sacudido por tal revelação. Confirmou-se que ele matara o pai e cometera incesto com a mãe. Em seu desespero, pragueja contra sua sina terrível e diz que não suporta mais a luz do Sol (ou da verdade).

O Coro entoa seus lúgubres cantos e desencantos, citando a volatilidade da vida humana que a despeito da intenção e dos atos, vai aos píncaros da glória, da fortuna e noutro momento desce à mais sórdida corrupção e miséria. Note-se que milênios após, essa oscilação é tão presente quanto foi desde os primórdios.

Entra em cena o Arauto que anuncia ao povo o relato que fará sobre a sujidade que existe no Palácio Real. Tanto aquela cometida sem dolo, quanto as premeditadas malevolamente. Prossegue anunciando a morte de Jocasta que cometeu suicídio enforcando-se após duro suplicio emocional. E que ao ver a rainha morta, Édipo tomou os alfinetes que lhe prendiam a túnica e feriu seus próprios olhos dizendo: - olhos meus, não vereis mais esta culpa, esta vergonha; nunca mais vereis o que não deveríeis ter visto nunca...

Insano, Édipo manda que os portões sejam abertos e ordena aos súditos que entrem para verem o maior horror possível. Depois, exige ser banido de Tebas e segue vacilante, sem ninguém para guiá-lo. O povo, não obstante o incesto e o parricídio, ainda se condói da desgraça de seu Rei, que vaga entre os impropérios que lança à própria sina. A esse mesmo povo que o critica por ter vazado os olhos, Édipo responde que o fez a mando do deus Apolo e suplica que o levem dali com urgência enquanto pragueja contra o pastor que o salvou da morte em criança, mas lhe deu uma vida cheia de terror.

E prosseguindo suas lamentações, explica o porquê da auto-mutilação e não o suicídio, valendo-se da crença na época de que no Hades o corpo físico continuava a desempenhar as mesmas funções e seus olhos, então, veriam os genitores, cobrindo-o de vergonha.

Note-se que Édipo age com a culpa de quem cometeu os crimes premeditadamente. Seu Consciente recrimina os atos e intenções do Inconsciente, disso resultando o conflito interior que, tempos depois, transformou-se na pedra angular dos estudos de Freud. Porém, fica dúvida: seu Inconsciente procurou essas situações, ou elas foram armadas por simples acaso? Mas o “acaso” existe por si? Não seria apenas o cenário composto pelas inclinações inconscientes?

Observe-se, ainda, que se para Édipo havia motivos para tantas lamentações por ter percorrido a via que o Destino lhe impôs; hoje, essa motivação não seria tão verdadeira, pois o conceito de deus ou deuses já não tem o mesmo rigor de antes e, no entanto, tais conflitos se repetem. A culpa continua existindo sem estar vinculada diretamente a uma figura divina.

Nesse momento chega Creonte, motivo de mais angústia para Édipo que se arrepende por tê-lo acusado injustamente. Contudo, Creonte mostra-se magnânimo e diante da súplica que Édipo lhe faz para que o expulse, responde que esse é seu desejo pessoal, mas só o fará após ter consultado, pela segunda vez, o deus Apolo. Édipo pede-lhe que dê um enterro digno a Jocasta e que cuide de suas filhas, pois se os filhos – Polinice e Eteócles - já são independentes, elas não. E são elas que adentram à cena, autorizadas por Creonte, para a despedida do pai que lamenta a sorte de ambas. Insultos, ofensas e rejeições farão parte de seus cotidianos tristes e solitários, pois a solteirice lhes é certa, já que ninguém irá querer casar-se com quem descende de toda aquela sordidez.

Creonte põe fim àquela triste despedida e convida a todos para adentrarem ao Palácio aonde a resposta do deus chegará selando o destino de Édipo. Porém, antes do deus e ante a insistência de Édipo para ser banido, autoriza seu exílio, mas retém suas filhas. Parte Édipo tão sozinho, quanto sozinho um dia chegou à Tebas das Sete Portas.

E com essas certezas estabelecidas encerra-se a peça. Porem, tais certezas não escapam de um segundo julgamento e nesse, a sua inexorabilidade começa a cair. Inicialmente vamos recuar um pouco no tempo para localizar a origem da maldição de Édipo. Segundo os eruditos, decorre do fato de Laios ter seduzido o jovem Crisipo e com isso ter “inaugurado o amor homossexual”. Mas, numa época em que tais amores eram vistos com bons olhos, como admitir esse “pecado original” como motivo de maldição? Com essa primeira dúvida, chegam outras, conforme abaixo:

1. O Emissário e o Pastor seriam absolutamente idôneos? Ou teriam sido corrompidos por Creonte?

2. Tudo não seria um golpe arquitetado por Creonte para usurpar o Poder? Sua arenga sobre as vantagens de usufruir as benesses, mas não o encargo da realeza colide diretamente com a natureza humana que busca, sempre, o ponto mais alto de qualquer escala. Seria, pois, verdadeira?

3. Jocasta sabia desse plano do irmão, mas não quis delatá-lo? Foi por isso que insistiu para Édipo esquecer o assunto e aceitou ficar com ele, pois sabia que ele não era seu filho?

Questões que Sófocles não responde; e que raras vezes são formuladas. Talvez por isso as teses embasadas nessas histórias não encontrem o unânime apoio que pretendiam. De todo modo, olhando o trabalho apenas pelo seu lado literário, a magia é perene. Ainda hoje emociona a todos que tem o privilégio de conhecer-lhe.

O nome de Édipo tornou-se popular graças à tese do já citado Freud, a qual, se considerada válida, revela que a peça teatral, infelizmente, não teve a mesma popularidade. É de se lamentar, pois Sófocles desvendou a alma humana de forma magistral. Se atualmente o Inconsciente já não é tão atrelado aos deuses, como já se disse, pouco importa, pois continua a querer tudo que lhe é proibido pelo Consciente, a individuação das restrições sociais. Paradoxalmente o Homem busca a proteção da tribo, mas continua sonhar, a desejar o que a tribo lhe nega. Esse, ao cabo, é o conflito: o Homem contra a tribo, da qual depende. O Homem contra seus desejos mais íntimos. O Homem contra ele mesmo.

São Paulo, 21/02/2011









Economia

A vida sem sentido
termina com triste balido.
O homem está caído,
como trigo não colhido.

O tempo lhe passou,
a vida lhe escapou
e o amor não veio,
barrado por tanto receio.

E agora Jose?*, diria o poeta.
A cova está aberta
e a seara foi deserta.

Tanto medo. Tanta economia.
Tanta ausência de boemia...
Morreu quem nunca viveu.
Aquele, que nunca se deu.





* do poema "E agora José", de Carlos Drumond de Andrade.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Hélade

Nasceu das penas primeiras
o canto dos Homens.
Grega canção
que ressoa em todo Coro
e desliza em cada choro.

Trágica tragédia,
de Heróis corrompidos,
de ídolos caídos
e de sonhos despidos.

Trágico drama
de ignorada chama,
agora leve teu Canto
a um futuro encanto,
pois nesses nossos dias
sucumbiram as fantasias.

Leve tuas quimeras
à esperança de Novas Eras.
Talvez lá longe
renasça a cultura:
e o texto, a pintura
e a pedra vestida de escultura
sejam sempre
o inicio de nova procura.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Games

Moderna guilhotina
que uniformiza
corpos e almas cortadas
por insanas lâminas ajustadas.

Virtudes virtuais
são teias irreais,
conjunto de elementos
em que vidas são fragmentos.

Entre a promessa do decote
e o lusco fusco do archote,
assoma a triste e rude verdade
da fantasia ser impossibilidade.

Verdugos são todos,
entre os espíritos assassinados
e os demônios atormentados.
Nada mais afeta o coiote,
pois o estalo do chicote
só chega ao corpo torto
do homem natimorto.

Desejos são perdidos
em labirintos urdidos
na Bagdá dos possuídos.
E tudo se faz,
por uma morte a mais.

Febe

O escuro da noite
é minha angústia insone.
Madrugo acordado.
Já quase escuto o clarim do soldado
e o inexistente tropel do cavalo alado.

Mas como em cavalo dado
não se olha os dentes,
fantasio as tristezas
com planos lenientes
de fadas urgentes.

Quanto custaria dormir?

Logo o Sol estará a pino,
o tarô adivinhará um destino
e como se eu voltasse menino
pensarei que há um prumo
nessa falta de rumo.

Mas quando Febe voltar
de suas outras noites,
sentirei, só comigo,
o horror do desabrigo
e a solitária solidão
dessa imensa imensidão.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Gárgula

Uma gárgula me reflete,
fantasmas me seguem
e demônios me habitam.
É tempo das bruxas
e de suas faces esdrúxulas.

Será vã a Epopéia do Bardo,
só leio o urro do Leopardo.
Fera atiçada
nessa noite de "São Nada".

Junto meu delírio à luz do Poste,
mas não há Lua que se mostre.
Blasfemo contra a Divindade
e proclamo a Luxúria na Cidade.

Mas, no fundo, temo a Maldade.
Fecho olhos e janela
e o terror me invade.

Eu queria novo Tempo de Bondade...
Durmo a metade
e sonho saudade

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Jaz

JAZ

Se houvesse um epitáfio
alguém escreveria:
morreu de beleza.
Da sofrida certeza
de apagar
ao luar.

E pensar que a tantos abrigou,
que a tantos alegrou...
Vi-lhe há pouco:
saco de miséria,
de desgosto.
Senti-a há pouco:
abandono de choro rouco,
engasgado.

E pensar que queriam sua boca,
que desejavam seu corpo,
seu sorriso meio torto...
Que antes seus quereres não
duravam instantes. Que tudo era seu,
que o Mundo era seu.

tão triste meu Deus...

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Gregas Tragédias - Prometeu Acorrentado - Resumo Comentado

Ésquilo – 525(4)/456 aC. - Elêusis

Cenário – região desolada na Citia, atual Sibéria.

Época da ação – primórdios da Humanidade

A 1ª Apresentação – em 458 aC. em Atenas.

Personagens:

1. Coro – representando as Oceânidas

2. Hefesto – o deus do fogo.

3. Hermes – deus, arauto e mensageiro de Zeus.

4. Ío, filha do rei Ínaco, amada por Zeus e perseguida por Hera, a ciumenta esposa do “Pai do Deuses”.

5. Poder e Força – divindades auxiliares de Zeus.

6. Prometeu, um dos titãs, filho de Urano (o Céu, também chamado de jápeto) e Gaia, ou de Urano e Têmis.

Resumo

Num banquete servido aos Homens e aos Deuses, Prometeu encarregou-se de fazer a partilha de um boi assado. Ludibriando Zeus fê-lo escolher a parte onde colocara apenas ossos camuflados por uma branca gordura. O “Pai do Deus” ao ver-se vitima do ardil encolerizou-se contra Prometeu e contra os mortais (que ficariam com as partes nobres da carne) e para castigá-los escondeu-lhes o fogo, o último elemento que faltava para que eles atingissem a civilização. O titã voou até o Olimpo, acendeu um ramo nas brasas do Sol (ou nas fornalhas de Hefestos, segundo uma variante da lenda) e deu aos Homens aquela chama. Zeus, duplamente enganado, puniu os Homens mandando à Terra a deusa Pandora e a Prometeu castigou mandando acorrentá-lo num rochedo.

A tragédia de Ésquilo começa a partir desse ponto, mas achamos oportuno recuarmos um pouco no tempo para facilitar a compreensão da peça. Também, com esse espírito, discorreremos brevemente sobre Pandora, que apesar de não estar diretamente mencionada na obra de Ésquilo ocupa um papel de destaque no encadeamento da lenda.

É bem conhecida a fábula de Pandora que ao abrir sua caixa libertou todas as maldades no Mundo. Também é comum que se creia que nem só de Maldades estava cheia a caixa, pois nela havia uma exceção benéfica: a esperança. Todavia é um erro supor que a “Esperança” fosse algo benéfico, pois ela é apenas mais uma das maldades. É a “Esperança” que ilude o Homem fazendo-o crer que seu Futuro será diferente. Que ele poderá dominar esse Futuro. É claro que mudanças superficiais ele poderá realizar, mas o intimo, a essência, está nas mãos do Destino, das circunstâncias que lhe cercam e cercarão. É a “Esperança” que obriga a Humanidade a perseverar como se fosse o mitológico Sísifo, cuja pena no Hades consistia em empurrar uma pesada rocha montanha acima e ao chegar ao cume, ver que a pedra rolava para seu ponto inicial, fazendo-o erguê-la novamente. Lendo a fábula de Pandora com a alma desarmada de clichês, nota-se a semelhança do Homem e Sísifo. Ambos fazem um inútil trabalho contínuo (ou uma vida de trabalho, cuja satisfação é sempre momentânea; e logo substituída por nova ambição) sem saber o motivo de tanta dor e sofrimento.

A representação teatral inicia com a chegada do “Poder”, da “Força”, de Hefestos e do prisioneiro Prometeu a um rochedo na distante e congelada Citia. Hefestos deixa escapar sua tristeza por ver um deus, um irmão seu naquela situação e logo é advertido pelo “Poder” para a necessidade de cumprir a ordem do Pai Zeus. Lembra-lhe que todos, inclusive os deuses estão presos às cordas do Destino e que tudo é inútil na tentativa de modificá-lo. Tudo é pré-determinado.

Note-se que essa negação do “Livre Arbítrio” e da meritocracia para alcançar “A Salvação” voltaria à cena milênios depois nas vozes de Religiosos Protestantes. Calvino e Lutero, dentre outros, pregavam a “Graça Divina”; ou seja, seriam “Salvos” aqueles que fossem escolhidos (sic) por Deus, independentemente dos seus atos.

Preso por grossas cadeias, Prometeu experimenta a solidão com a partida de seus carcereiros e dá inicio as suas lamúrias e queixumes (alguns estudiosos veem nessa cena o original da cena da Crucificação de Jesus. É certo que há alguma semelhança na essência, embora os detalhes mudem: um Ser Divino, protetor dos Homens, é castigado por tê-los favorecido.) até que ouve um barulho que lhe indica a chegada de alguém. São as Oceânidas que lhe trazem sua amizade e sua solidariedade. Prometeu, repete-lhes suas queixas e lhes ouve dizer que Zeus é um “Novo Rei” ainda em fase de consolidação do poder e inexperiente em seus mandos e desmandos.

Esse fato se repete a sorrelfa em várias oportunidades na História do Homem, principalmente quando as revoltas, justas ou injustas, chegam ao Poder e a agitação social, inclusive com violência, faz-se presente até que haja uma acomodação de todos os agentes deslocados por aquela convulsão.

Através do Coro, as Ninfas contestam Prometeu que julga ser motivo de escárnio doutros deuses. Ponderam que ninguém poderia ficar satisfeito com aquela situação. Nesse ponto, Prometeu cita pela primeira vez a hipótese de Zeus vir a ser derrubado por outro deus. Cita, então, um segredo (que se desposasse Tétis, o filho que gerassem o destronaria. Por isso, o Senhor dos Deuses fez com que ela se casasse com o mortal Peleu, a quem deu o filho chamado Aquiles, o maior guerreiro grego) que sabe e que interessa diretamente a Zeus, pois nele está o nome de quem o substituirá no trono. Prossegue afirmando que tal trunfo lhe é valioso e que por isso não será revelado mesmo que lhes sejam ditas doces palavras, ou lhes sejam aplicadas cruéis torturas.

Ante o medo que as Ninfas externam, dizendo que o coração de Zeus é tão duro quanto um diamante, Prometeu as consola retrucando que chegará o tempo que ele, o soberano Pai dos Deus, será curvado pelas circunstâncias e será obrigado a vir humildemente pedir-lhe socorro. Na seqüência, Prometeu responde ao Corifeu (representando a líder das Ninfas) contando o que fez para receber aquele castigo. Contou-lhe primeiro que foi decisivo como aliado de Zeus contra os titãs, pois usou além da força bruta a sutil inteligência; e se queixa da ingratidão de Zeus, nesse assunto.

Prosseguindo sua narrativa, contra-argumenta com o Coro, dizendo-lhe ser fácil criticar, mas de tudo que fez, de nada se arrepende, pois como tinha o dom da adivinhação sabia de antemão o que teria que enfrentar, embora não esperasse que em condições tão duras. E tudo por amor aos Homens...

Volta a questão do egocentrismo. Por amor ao Homem, ou por desejo de se opor a Zeus? Por ciúme do poder adquirido pelo irmão? A segunda opção tem mais probabilidade de ser a verdadeira.

Nesse momento chega o titã Oceano que presta juras de amizade, mas censura Prometeu por não ter se submetido ao poder de Zeus. Primeiro ele recebe as criticas com polidez, mas depois usa de sarcasmo e diz que os covardes, como Oceano, não devem dar motivos para censuras dos poderosos do momento e que, portanto, ele deve partir sem vagar. Assumindo sua paúra, Oceano parte célere, amedrontado de ter contrariado o novo Senhor.

Nesse trecho é oportuno observar uma característica bem humana: qualquer sentimento mais nobre, a amizade, por exemplo, não resiste a um eventual risco. Tanto há milênios, quanto nos dias atuais. Há, aqui, todo um desnudamento profundo do caráter humano. Chega-se ao mais intimo do Ser, graças à genialidade de Sófocles.

No outro extremo, o da nobreza dos sentimentos, as Oceânidas permanecem junto a Prometeu suavizando-lhe a solidão a que foi condenado.

Na seqüência o titã relata os benefícios que concedeu aos Homens, narrando desde os primórdios da Humanidade:

1. A arte de construir casas, livrando-o das cavernas, onde vivia então.

2. O uso do raciocínio e a partir daí o conhecimento astronômico básico.

3. As ciências matemáticas e a escrita.

4. A doma e o uso dos animais de carga

5. Os navios à vela.

E após essa enumeração, queixa-se por não saber como se livrar da terrível condição em que ele próprio agora está. O Corifeu o compara a um médico talentoso, mas que desconhece o remédio que o curaria de sua enfermidade. Prometeu enumera mais algumas dádivas que deu aos Homens:

1. Os remédios e as ervas medicinais. Os alimentos funcionais.

2. As artes divinatórias. Como interpretar as estranhas de um animal sacrificado, ou o vento dos pássaros etc.

3. A metalurgia.

O Corifeu lhe pede, então, que não mais exagere no amor aos mortais. E que, se um dia libertar-se dessas correntes, leve uma vida harmoniosa com os outros deuses, especialmente com Zeus.

Responde-lhe Prometeu que ainda não é hora para a reconciliação. O Destino já fixou essa hora, bem como as dores que ainda sofrerá. E essas determinações são inflexíveis. Não podem ser alteradas. E o Corifeu faz a pergunta esperada: e quem controla o Destino (ou a Deus)?

Responde-lhe o filho de Jápeto, que o Destino é controlado pelas três Parcas e pelas três Fúrias, que não esquecem jamais qualquer erro. Sendo o próprio Zeus sujeito a isso.

No hinduísmo há essa concepção de Deus. Acima da TRIMURTI (Vishnu, Brahma, Shiva) está o “Deus Maior”, chamado de BRAHMAN. No catolicismo, algumas correntes já admitem que exista um “Deus” acima do demiurgo que construiu o Universo.

Na seqüência, a questão do controle de Zeus (ou de Deus, na modernidade e na contemporaneidade) é retomada pelo Corifeu, mas Prometeu se recusa ao assunto, alegando que ainda não é o Tempo certo para a revelação de tal segredo.

O Corifeu continua questionando e pergunta a Prometeu o porquê de seu amor aos Homens? Que benefícios isso lhe traz? Mas antes que o titã responda, chega à cena a beleza jovem de ÍO que atormentada pelo moscardo (a mosca da madeira) enfeitiçado, corre por todas as direções enquanto pergunta às Oceânidas sobre o prisioneiro atado à rocha, em meio aos seus próprios queixumes.

Prometeu diz conhecê-la, bem como ao seu fardo. De amada de Zeus, passou a ser a perseguida pela ciumenta Hera. Retruca a jovem pedindo-lhe que revele as futuras torturas que ainda passará. Diz que lhe revelará o seu futuro, de forma clara e objetiva. Porém, antes que comece, o Corifeu pede a ÍO que ela própria conte seu males e ela, envergonhada, conta dos sonhos freqüentes que a induziram a receber Zeus em seu corpo; de como seu pai a expulsou de casa, pensando que desse modo agradava aos deuses. E como seu físico e sua mente foram modificados para que ela ficasse parecida com uma novilha; também fala como o moscardo começou a torturar-lhe diuturnamente, impedindo qualquer repouso ou refeição. E mais contaria, mas achou melhor voltar a pedir o vaticínio de Prometeu.

Prometeu inicia seu vaticínio indicando-lhe o caminho a seguir, no qual encontrará e deverá evitar vários povos hostis, exceto o das Amazonas que a tratarão como amiga e lhes darão um breve repouso na dura e longa caminhada, até sair da Europa e adentrar na Ásia. Prometeu compara seu sofrimento com o da jovem e não a persuade de desistir do suicídio. Apenas lamenta o fato de ser imortal, proibido do descanso que a morte promete. Diz-lhe que só terá paz com a queda de Zeus, perspectiva que também alegra ÍO, pois ela entende que foi ele o causador de seus males. O titã lhe conta, então, que Zeus caiará tombado por um filho de sua estirpe, mas não será o filho de ÍO, posto que ele só há de vir após terem se passado treze gerações. Também lhe diz do longo caminho que deverá percorrer em solo asiático e dos perigos que enfrentará até que no território do atual Egito ela funde uma Colônia.

O Corifeu volta a lhe perguntar: quem destronará Zeus? Em resposta o titã diz que na Colônia, ÍO recuperará a forma humana e a sua paz interior. Ali gerará um filho negro, EPAFO, que cultivará a região banhada pelo Nilo criando as bases de uma linhagem real. Dessa linhagem virá o seu libertador, mas não entra em detalhes alegando que seria necessário um longo tempo para chegar ao término da narrativa, o que seria improdutivo para a jovem.

O nobre descendente de ÍO, através da linhagem de Epafo, é Herácles (Hercules, em latim) que efetivamente libertou Prometeu.

Entrementes, novamente aguilhoada pelo moscardo, ÍO chora seus sofrimentos e em desabalada carreira sai de cena.

Note-se a importância dada nos textos antigos aos males causados pelos insetos. Na Bíblia judaico-cristã um dos terrores mais comuns é associado à picada dos escorpiões, ou à praga dos gafanhotos, de moscas etc. Se na atualidade tais ameaças deixaram de ser tão decisivas foi graças ao uso dos inseticidas, mas esses, por sua vez, afetam os ecossistemas. Esses dois aspectos dão força aos argumentos dos que chamam os insetos de piores inimigos da Humanidade. Tanto direta, quanto indiretamente.

Enquanto o Coro relata o erro de ÍO que, como muitos, casou-se deslumbrada pelo dinheiro e pelo poder de Zeus, Prometeu retoma seu discurso sobre a queda de Zeus e se gaba de ser o único que sabe do segredo de Zeus e como minorá-lo. As Oceânidas questionam-lhe se ele não estaria confundindo seus desejos com a real previsão do Futuro, hipótese que o titã rechaça e quando vai contra-argumentar, adentra à cena o deus Hermes, especialmente detestado por Prometeu que não lhe perdoa a servilidade, a covardia perante Zeus. Um Homem que se sujeita a ser um mero “menino de recados”.

Com esse ódio no peito, Prometeu o recebe com escárnio, acentuando sua covardia e sua servil condição de mensageiro. Hermes responde-lhe os insultos chamando-o de “Sofista”, ou seja, enganador, manipulador por meio de discurso vazio, mas convincente pela bela forma. Também lhe chama de “ladrão”, pelo “fogo” dado aos Homens. E entre ataques e contra-ataques, Hermes transmite-lhe a pergunta de Zeus sobre que casamento lhe arruinará? Ordena Zeus que Prometeu esclareça essa profecia, mas como seria de se esperar, o titã se nega a dizer quem o derrubará enquanto continua seu feroz ataque ao mensageiro, insultando-o pela sua mediocridade, sua baixa estima e sua ingenuidade de achar que tanto ele quanto Zeus, serão eternos nos postos que ora ocupam. Ele mesmo, diz Prometeu, já assistiu à queda de dois “Pais dos Deuses”. Primeiro Urano e depois Cronos, avô e pai de Zeus.

Furioso, antes de voltar ao Olimpo, Hermes ameaça Prometeu com novos castigos: o primeiro será o “cão alado” que estraçalhará seu corpo; o segundo será a “branca águia real” que comerá seu fígado diariamente, ou na medida em que ele se regenere. O Corifeu tenta intervir na briga pedindo que Prometeu abrande sua fúria e se submeta ao novo “Rei dos Deuses”. Mas é em vão tal apelo, pois o titã reafirma sua posição e diz nada temer dos novos castigos que Zeus lhe infligirá. É acompanhado nessa determinação pelas leais Oceânidas que se recusam a abandonar o filho de Jápeto. Com isso repelem o conselho de Hermes para se afastarem e não serem feridas pelos raios de Zeus.

E firmes em sua convicção e em seu propósito, Prometeu e as Ninfas são colhidos pela imensa tempestade que se abate sobre eles, cuja fúria pressupõe o extermínio de todos. É o fim da apresentação teatral.

O leitor ou espectador observa que nessa Tragédia o sentimento dominante é a ira e o desejo de vingança contra uma suposta ou real injustiça. Num primeiro momento exalta-se a justeza do caráter de Prometeu. Num segundo instante, essa admiração chega às Oceânidas, cuja lealdade é voluntária. E talvez mais digna de louvor justamente por isso e pelo fato de não terem a mesma imortalidade de Prometeu, tampouco sua proteção como ente divino.

Ao fechar o livro, ou ir para casa após o teatro, o conceito do espectador ou do leitor sobre a firmeza, vai sendo substituído pela dúvida sobre os reais motivos de Prometeu. O que ele fez foi mesmo por “amor aos Homens”? Ou terá sido apenas uma maneira de afrontar alguém (Zeus) que teria usurpado um trono que deveria ser seu? Foram os Homens apenas “massa de manobra”, tola e ingênua? É quase certo que a sua resposta será “Sim”. Pois olhando em retrospectiva, vê-se que o “fogo (a luz, a sabedoria)” dado pelo titã serviu para iluminar um Pensador como Platão; mas, com muito mais ocorrência, serviu para armar os Homens que se matam entre si, por conceitos absurdos. O que adiantou para a Humanidade a “civilização” que o deus lhe ofertou? Só a opressão de uns contra outros, sem que através dela se criasse efetivas melhorias para todos. Tudo que foi dado, e NÃO conquistado, veio com a maldição de todas as heranças: a criação de uma geração de incapazes, inescrupulosos, vadios e fúteis.

Todas essas questões perpassam os Juízos de todos que têm contato com a obra de Ésquilo, cada qual analisando de uma maneira própria. Mas é certo que todos - independentemente do juízo que faça das personagens - concordam que se saboreou um texto de beleza superlativa. Uma das grandezas de Ésquilo, cuja sutileza permite, a quem dele se aproxima, viajar pelos meandros das almas humanas e divinas.

Rio, 12/02/2011




Jardins

O verso caído
de um amor ressequido,
segue a folha de Outono
na trilha do abandono.

Uma lágrima caída
fertiliza a dor sofrida,
pois amores acabados
são jardins violados.

Suspira-se o fim dos delírios
a chegada de velhos martírios
e a falta do canteiro de lírios.

Agora,
após a nossa Aurora,
nuvens apagam o Sol
e só resta tua ausência no lençol.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Licores

Amores escondidos
Mostram-se atrevidos,
Nos caminhos percorridos
Pelos corpos proibidos.

Luzes e Sombras,
Flores e bombas,
Formam-lhe o cenário
De Paraíso e Calvário.

Amores indevidos,
(E por isso mais sentidos),
Desnudam a hipocrisia
Da moralista melancolia.

Amores proibidos
São sonhos vividos.
Licores escolhidos
na adega dos convertidos.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Viço

O branco perfume
da flor de laranjeira
espalha-se liberto
do vaso que o continha
e da rotina que o sustinha.

Flor recém chegada,
trazes consigo
o bálsamo amigo
para o sofrer antigo.

Alvo alívio,
a qual deusa agradeço
por haver em teu viço
todo esplendor
de uma vida nascida,
ante a morte morrida?

Flor sozinha
na curta sacada,
de teu parto
outros nascimentos chegaram,
como se outra Musa existisse
e novo poema surgisse.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Personalidade do Ano de 2010 - Produção Literária

Extremamente honrado pela láurea que me foi concedida, deixo um sincero agradecimento à Comendadora Isabelle Valladares, à Drª Dyandréia Valverde e aos Contrades e Confreiras de Academia de Artes de Cabo Frio - Rio de Janeiro

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Casa

Triste de ver,
a máquina do Homem
derrubar a velha casa
e soterrar as memórias
que lá viviam.

Ali, um choro.
Aqui, um riso;
no quarto, um desejo,
na mesa, um gosto
e no espelho,
o que foi um rosto.
Na sala, uma festa.
Na janela, uma fresta.
Na porta, um adeus,
uma partida à revelia;
uma dura agonia
e uma ou outra fantasia...

Telhas caídas
sobre vidas esquecidas.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Vento

Chuva fina
molhando o cinza
na janela.

Tarde de pré Outono,
indecisa entre um frio
sorrateiro
e um calor
passageiro.

Um ipê se atreve
a florir antes
do que deve.
São confusos os ares
que voam nos ventos.
Toda cor se recusa
à paleta do pintor
e brancos quadros
adornam paredes
que nada guardam.

Breve chegará o Minuano.
Sopro gelado
que arrepia tua pele nua.
Quem te fará amor?
Quem te trará a próxima dor?

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Escarlate

Escuto as vozes
e os suspiros atrozes
da gente que procura
o que não perdura.

Cores escuras
tingem as molduras
dos soturnos retratos
que se postam como duros fatos.
Os sentimentos já não são fartos,
pois ficaram nos caminhos
que antes eram torvelinhos
de névoas escarlates,
mosaicos de todas as partes.

Épocas e tempos de antes,
de fugidos instantes
que se perderam nas brumas
e nas brancas espumas.

Restei apenas e só.
De posse nada tenho
e nem sei donde venho.
Mas sigo a estrada
até que a Parca irada
corte-me o pavio
dessa vida por um fio.

Nada me disse Delfos,
ou outro oráculo qualquer.
Sigo de encontro ao que vier,
esperando a paz de uma mulher

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Noite

Nada deveria ser dito
nessa madrugada.
Esse céu estrelado
exige reverência.

É preciso renegar a ciência,
a saudade não se mensura.
É chaga sem cura.

Que todos se calem
e só as Estrelas falem.
Ouçamos velhos amores em murmúrios
e as novas promessas em perjúrios.

É preciso vestir a fantasia
e sonhar antes do dia.
É preciso esquecer
que logo se volta a viver.