Eu
não deveria ter dificuldade para descrevê-la, pois tanto já se disse sobre ela
que são tantas. E eu sei que preciso escrever sobre ela. Talvez seja o único
registro de sua passagem invisível por esse Mundo de meu Deus...
Parece que combinamos
milimetricamente o espaço e o tempo. De Segunda a Sexta-Feira
quando estou no 3º degrau para a fila do Caixa, exatamente as 12h45, ela assoma
o hall do restaurante.
Nem preciso lhe ver
para saber o traje do dia: nos
pares, uma bermuda marrom e uma blusa florida, com quatro botões. Nos ímpares,
a bermuda é preta e a camisa é de malha azul.
Imutáveis, apenas as
sandálias grossas que abrigam os seus grossos pés relaxados e a companhia do homem
cinquentão que se sabe traído pela esposa, mas que continua com a esposa por
causa das crianças, entende? E que tem como principal característica o fato de
usar no bolso dianteiro, no lado direito da calça de tergal azul marinho, um
chaveiro que se articula em duas partes:
a que escorre para o interior do bolso, prende as chaves. A que fica para fora,
a guisa de enfeite, ostenta a medalha com o logotipo da imobiliária em que
ambos trabalham.
Eu acho que ele também
se chama igual, mas com a devida desinência de gênero; logo, Macabeu. Macabeu envelhecido.
Macabéa e Macabeu
envelhecidos atrás das escrivaninhas que ocupam na Imobiliária do Dr. Sarmento
desde que saíram do que ainda chamam de “Grupo
Escolar”.
Dr. Sarmento, patrão de
Macabeu e Macabéa, advogado cadeeiro, alcoólatra e putanheiro. Dr. Sarmento,
jogador nos cavalos, nos carteados e no galinheiro. Dr. Sarmento, o demo primeiro.
E como desgraça pouca é
bobagem, Dr. Sarmento é pai de Sarmentinho que em certo dia, após saciar a larica,
desenhou um grande e estilizado “IS” e de sua criação se fez o logotipo que usa
Macabeu que pensa que o usa.
Logotipo da Imobiliária
que em suas mãos, prevê Macabéa, ira para o “beleléu”,
pois o moleque é um maconheiro sem vergonha que não respeita ninguém e vive
atrás das raparigas que acham que Farol de Xênon fica feio em carros populares,
pois isso ele as ensina quando ao alugar-lhes a Kit net troca a exigência de avalista por uma rapidinha.
As nobres damas
concordam, pois se sabe como são as pessoas que não gostam de Faróis de Xênon
em carros populares, enquanto pessoas e a
nível de...
E
“La Nave Va”. Dia após dia. Dias após dias.
Então, a face de Macabéa
já não demonstra a severidade que pretendia na juventude.
Restou apenas um misto
de amarga resignação enquanto secam os açudes dos olhos que já nem vertem as
lágrimas devidas ao moço da telenovela que descobriu sofrer de câncer. Aliás, a
nem a qualquer outro câncer, outro moço bonito e outra telenovela. Secou, como
o Sertão de 1915.
Amarga resignação de
sexo masturbado, de carinho feito apenas pelas manchas senis das mãos maternas,
que são fortes e rijas já perto dos noventa. Resignação pela mesmice de Natais
repetidos na chácara em que dança o sobrinho efeminado e que a todos chama de “Tato”. Amarga resignação pelos dias de
noites ausentes e pelos poemas que não chegaram. Pelas dívidas irresponsáveis
que nunca foram feitas, pelo porre que não se tomou, pela cama onde não se amou
e, principalmente, pelo sonho que não se sonhou.
E
La Nave Va... Dia após dia...
E eu não deveria ter
dificuldade para lhe retratar, mas a cada dia está mais difícil olhar para o
espelho.
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