ULRICA
Neste Conto, Borges narra
o encontro com Ulrica, mulher de quem nunca soube o sobrenome e tampouco outras
particularidades. Tão passageira quanto o encontro. Tão marcante, quanto o amor
que despertou.
Encontro casual
ocorrido no Museu da Cidade de York, Inglaterra, logo após ela ter recusado uma
taça que lhe fora oferecida. À recusa, acrescentou, com certa jocosidade, ser
feminista e que por isso se recusava a imitar os Homens e os seus hábitos de fumar
e de beber.
Frase que ao
protagonista não pareceu original. Ao contrário, mas que serviu para iniciarem
um diálogo formal, recoberto de alguma cerimônia.
Ao primeiro olhar ela
pareceu-se com uma das personagens de William Blake que são “moças de prata suave, ou de ouro furioso
(atente-se
para a beleza poética da frase de Blake e da propriedade com que Borges a
utilizou)”.
Leve e alta, traços
afilados e olhos cinza. Linda. Mas não foi a beleza que mais o impressionou e
sim o encanto que se desprendia de seu ar tranquilo e misterioso. O distanciamento
que havia em seu sorriso.
E nesse enlevo, após
serem apresentados, ele responde-lhe automaticamente que “ser colombiano” é “um ato de
fé”. Como ser norueguesa, replica a bela.
NOTA DO AUTOR – observe-se aqui a genial
abstração que Borges faz do que nos é supérfluo, superficial, como a nacionalidade.
Fatores que teoricamente nos separariam, passam a ser “ato de fé”, remetendo-nos
àquilo que nos faz iguais, o existir. Em essência.
Prossegue o
protagonista dizendo nada mais se lembrar daquela noite. Na manhã seguinte, sob
a neve, o planalto se perdia. Ulrica o convidou para sua mesa e lhe disse que caminharia
sozinha em seguida. Ele responde com uma brincadeira de Schopenhauer dizendo
que também prefere caminhar só e que, por isso, ambos deveriam seguir juntos.
Assim caminham e ele
lhe propõe irem para uma Pousada em Thorgate, algumas milhas ao sul, já se
sabendo apaixonado por ela.
Ao longe um lobo uivou,
mas nada perturbou Ulrica, imersa em suas reflexões sobre a comoção que lhe despertaram
as simples espadas que ela vira no Museu, na noite anterior.
O caminho de ambos se
cruzara por acaso. Ele, a caminho de Edimburgo. Ela, de Londres. Porém, o beijo
trocado já não se pode creditar ao acaso, mas ao Sentimento que lhes chegava
com a urgência do inesperado. Ele, cita Quincey,
dizendo que “procurará por Ana em Oxford
Street”. Ela responde que ele, talvez, já a tenha encontrado.
Contudo, ao tentar um
segundo beijo, ela o rejeita dizendo que será sua, mas só quando chegarem à
Pousada. No seu momento presente, não há espaço para outrem no seu Mundo de
momento.
Resignado, ele aceita a
promessa de amor futuro, embora saiba que será apenas mais uma aventura. Talvez
a sua última.
De mãos dadas seguem em
silêncio até que ela lhe diz que está para morrer e ele, atônito, aflige-se na
urgência de chegar e no imenso desejo de poder congelar aquele momento para que
a magia não se desfizesse, quer pelo adeus, quer pela morte, que é a soma de
todas as partidas.
Ulrica censura seu
desejo e enfatiza a impossibilidade de permanência pelo Homem. E para
enfatizar, ou suavizar sua critica pede-lhe brincando que repita seu nome – Javier
Otárola - e tenta inutilmente pronunciá-lo corretamente. Por fim, apelida-o de
“Sigurd”. Em resposta, Javier a apelida de Brynhild e mencionado a Saga onde é
personagem, diz-lhe: “Brynhild* você
caminha como se desejasse que entre nós houvesse uma espada na cama”.
Por fim chegam à
Pousada e as paredes em vermelho vivo, com figuras de pássaros e de frutas
entrelaçadas assistem ao amor que a cama de mogno acolhe. Não havia espada entre eles.
São
Paulo, 07 de Maio de 2012.
*
referência
à castidade que foi comum na literatura medieval, como também pode ser visto em
Tristão e Isolda.
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