BERTRAND, Russel
1872 – 1970
“O Elogio ao
Ócio”. “O caminho para a Felicidade está na redução organizada do Trabalho”.
“Um dano imenso é causado pela crença de que o Trabalho é virtuoso”. “A Moralidade
do Trabalho é a Moralidade de escravos, e o Mundo Moderno não precisa da escravidão”. A Filosofia Analítica, o Logicismo e o Ecocentrismo.
Não é difícil imaginar o ranger de dentes que opiniões
como as da epigrafe causam nas mentes obscuras de boçais adestrados numa Tabela
de falsos valores religiosos e morais, criada justamente por elites
inescrupulosas que prosperam graças à exploração alheia.
Se hoje, com alguns avanços inegáveis no campo Tecnológico,
com reflexos no terreno da Moralidade, tais opiniões ainda são objetos de
severas censuras, imagine- se quando foram exaradas, há cerca de meio século,
por esse brilhante matemático que se tornou um dos mais influentes Filósofos do
nosso tempo.
Contudo, um estudo despido de pré juízos e de pré
conceitos revela, até aos mais empedernidos censores, a Profundidade, o Alcance
e a Correção do Pensamento desse Pacifista generoso e atuante. Ver-se-á que o
seu, é um caminho que merece ser seguido.
Já em 1905, Max Weber, em sua obra “A Ética Protestante e o Espírito do
Capitalismo” apontava para o fato de que a junção entre crenças religiosas
fundamentalistas (e/ou místicas) e Capital acumulado agia como detonador da
mediocrização da vida, fazendo com que ela fosse considerada apenas em seus aspectos
físicos, materiais e indigentemente religioso. O empobrecimento da Cultura, da
Abstração e da Sublimação já estava além da pressuposição, mas ainda não era
tão ostensivamente visível quanto na atualidade.
Seguiu essa vereda o Pensar de RUSSELL, do qual
faremos primeiramente um brevíssimo resumo na sequência, excetuando
propositalmente a parte em que o mesmo expôs a sua “Lógica”, sua “Filosofia Analítica”
e o seu “Ecocentrismo”, que receberão as merecidas linhas no final do trabalho.
1 – nossas atitudes diante do Trabalho são Irracionais.
2 – por um lado admitidos que qualquer Trabalho seja
bom e tenha valor por si mesmo.
3 – porém, atribuímos valores diferentes para diferentes
trabalhos.
4 – essa contradição entre o nosso hipócrita discurso
que dá importância àquilo que no intimo julgamos Não ter, causa-nos Infelicidade. Também nos torna infelizes
a hierarquização do Trabalho, principalmente se o nosso não é reconhecido como
importante (nem para nós mesmos e, principalmente para os demais) e,
consequentemente, não nos rende boa remuneração, tampouco prestigio. Note-se, ainda que se diga
cinicamente e segundo o “Politicamente
Correto” que é, sim, importante e valoroso.
5 – a opção óbvia para sanar ou minorar a infelicidade
seria escolher dentre as opções que nos agradam, um Trabalho genuinamente
valoroso tanto para nós próprios, quanto para a Sociedade a que pertencemos.
Mas é claro que isso nem sempre é possível e quase nunca depende exclusivamente
da vontade singular do indivíduo. É preciso que uma conjunção de fatores ocorra
(a Economia em desenvolvimento, por exemplo) para que tais oportunidades se
apresentem. Portanto, pelas dificuldades encontradas, o resultado final é o
surgimento da Infelicidade.
6 – todavia, para RUSSELL, independentemente da
maior ou menor satisfação que o Trabalho possa oferecer, o certo seria que
trabalhássemos menos e utilizássemos o tempo livre para exercitar a Criatividade,
a aquisição de Cultura verdadeira e de Saberes que nos acrescentassem enquanto
pessoas.
Bertrand Russel nasceu no País de Gales, na Grã
Bretanha, no seio da Aristocracia. Desde criança inclinou-se para a Matemática
e a estudou na Universidade de Cambridge, onde travou relações com Alfred North Whitehead, seu futuro
parceiro na obra “Principia Mathematica”
que lhe deu a fama de ser um dos maiores Eruditos da Modernidade. Também em
Cambridge, conheceu Ludwig Wittgenstein
a quem influenciou profundamente.
Um de seus objetivos era popularizar a Filosofia.
Que ela atingisse ao cidadão médio. E foi essa aproximação com o Povo que o
levou ao Ativismo Social, ao Pacifismo e ao bom combate a favor da Educação de
qualidade e do Ateísmo (no sentido de laicizar o Estado e exterminar as
crendices e superstições religiosas que levam à exploração dos mais humildes). Também lutou vigorosamente contra o Armamento
Nuclear e produziu numerosas obras populares de Filosofia, num sério e belíssimo
trabalho de conscientização da população. Morreu aos 97 anos, por complicações
de uma gripe, deixando uma herança intelectual difícil de ser igualada.
Pelo inicio desse Ensaio, pode-se imaginar que RUSSELL
não fosse produtivo, mas, em verdade, o trabalho duro não lhe foi estranho.
Escreveu sólidas e copiosas obras que reúnem em suas milhares de páginas um
Sistema de Pensamento que prima pela Racionalidade (sua Lógica tornou-se um
paradigma) e Correção. Foi, e ainda é, um dos autores que mais influenciou o
nosso modo de Pensar, contribuindo decisivamente para a criação de uma Corrente
Filosófica a que se deu o nome de “Filosofia
Analítica”. E, como se disse, exerceu um Ativismo Sócio e Pacifista intenso
e bem orientado.
Isso posto pode-se perguntar por que ele, um dos Pensadores
mais produtivos, tanto insistiu para que o Trabalho fosse reduzido?
Em seu Ensaio “Elogio
ao Ócio”, de 1932, época da Grande Depressão,
que parecia tratar de um tema extremamente inadequado ao momento, pois a apologia
ao ócio quando o desemprego atingia um terço da população ativa em alguns
lugares do Mundo não seria condizente com um Pensamento retilíneo, ao qual, o
Mundo se habituara, ele responde parcialmente essa questão.
Para ele, o próprio caos econômico e social que se
vivia era, precisamente, o resultado de um conjunto de atitudes motivadas por
antigas e equivocadas noções que endeusavam o Trabalho. E que foi, justamente,
por conta desse endeusamento e da consequente e contínua ampliação do Trabalho
irracional que a crise aconteceu. A falta de tempo para Criar, Estudar,
Analisar, Racionalizar as questões econômicas, não permitiu que se evitasse o
desastre. O Trabalho, executado sem o menor questionamento sobre seus limites,
objetivos e fundamentos levou ao seu autoextermínio.
O que é o
Trabalho
Para RUSSELL a definição de que é o Trabalho pode
ser dividida em duas classificações:
1 – o Trabalho que busca alterar a posição de uma
matéria (ou de transformá-la) na superfície da Terra, em relação à outra
matéria. Esse seria o tipo mais básico, fundamental: o “Trabalho Braçal”.
2 – o segundo tipo é “Dizer às outras pessoas para alterarem a posição de uma matéria em
relação à outra matéria”. Sendo esse tipo, passível de ser subdividido
indefinidamente.
Em resumo, o Trabalho que faz e o Trabalho de quem
manda outrem fazer.
É possível ter pessoas empregadas para Supervisionar*
pessoas que movem a matéria. Ou empregar outras pessoas para supervisionarem os
Supervisores. Outras para fiscalizarem esses últimos e assim sucessivamente.
Ou, pessoas para dar Conselhos sobre como empregar pessoas. Ou, ainda, como
empregar pessoas para gerir aqueles que dão Conselhos e, novamente, assim
indefinidamente.
NOTA do AUTOR - Supervisionar* - com esse verbo
pretende-se representar todo um processo de treinamento, cobrança, punição,
premiação, normatizações etc.
O primeiro tipo de Trabalho, segundo RUSSELL, tende
a ser pesado, penoso, desagradável, mal remunerado e pouco ou nada atrativo. Já
o segundo, tende a ser mais suave, prazeroso, bem remunerado, atraente etc.
Claro que os dois tipos definem os dois tipos de
Trabalhadores – operários e supervisores (ou burocrata) – e estes se relacionam
a duas Classes Sociais
distintas (e mais ou menos antagônicas, conforme a conjuntura do lugar e da
época): a “Classe Operária” e a “Classe
Média”. A elas, o filósofo acrescentou mais uma: a do “Proprietário Ocioso”
(reminiscências
de sua Aristocracia natal?), que evita
qualquer Trabalho e que depende do Trabalho dos outros para manter sua
ociosidade.
NOTA do AUTOR – observe-se que RUSSELL não faz
alusão ao Trabalho desenvolvido por Intelectuais e por Artistas. Seu foco
concentrava-se no Trabalho assalariado, cuja efervescia da época jogava para o
Centro da Ribalta, dando-lhe a exclusividade do nome “Trabalho”. Essa
observação, aliás, talvez explique a contradição, já citada, sobre a sua
apologia à redução do Trabalho e a sua vigorosa produção, na medida em que ele,
como maioria de seus contemporâneos, colocava o labor intelectual em outro
nicho de atividade.
A História, segundo RUSSELL, está repleta de exemplos
de pessoas que apesar de trabalhar duro por toda a vida, recebem em
contrapartida apenas o mínimo necessário à sua própria sobrevivência e à de sua
família. Enquanto isso, qualquer excedente que produzem é expropriado por Guerreiros, pelo Clero ou pelas Classes
Dominantes. Ou pelos três em conjunto. Ou, ainda, pelos dois primeiros a
mando do terceiro, ou pelos segundos em conluio com a Elite.
E também nos mostra a História que são esses espoliadores
que sempre costumam exaltar “a virtude do
trabalho honesto”, num cínico, mas bem sucedido exercício de “lavagem cerebral” das categorias
obreiras. Falseiam a exploração que cometem, revestindo-a de uma aura de
dignidade. Lustram com ares de respeitabilidade um sistema injusto e cruel,
demonstrando a falácia da retórica que arengam quando exaltam o trabalho
degradante, penoso, mal remunerado e mal visto.
É, pois, o fato de termos consciência desse cinismo,
dessa hipocrisia, dessa demagogia que nos deve estimular a combatê-lo numa luta
sem tréguas. E, indo além, exigir uma reavaliação da “Ética do Trabalho”, porque ao aceitarmos o soez discurso sobre a “labuta honesta” o que fazemos, na realidade,
é legitimar
(haja vista que legalizada já foi
por obra de espúrios conchavos políticos) a nossa própria opressão. A opressão
que todos sofrem, exceto, claro, os herdeiros das Elites e os larápios que a
ela acendem.
NOTA do AUTOR – ressalte-se, nesse trecho, a
grandeza de espírito de RUSSELL que ao criticar as Elites, não hesita em atacar
a sua própria origem e condição social. Uma autocrítica tão rara, quanto
carateres como o dele.
Ao (a) leitor (a) certamente não passou despercebido
que na análise que o Filósofo faz da Sociedade, principalmente na questão sobre
a “Luta de Classes”, existe uma
variedade de teses pinçadas do Ideário de Karl Marx. Ainda que RUSSELL não
abraçasse o Marxismo em sua totalidade, as teses comunistas encontraram eco em
seus anseios por uma Sociedade mais racional e justa. Mas a sua censura aos Regimes Capitalistas é idêntica às que
fez aos Regimes Socialistas, pois via
em ambos tenazes que prendiam o Sujeito a um Sistema que lhe era brutalmente imposto.
A outra influência que o marcou sobremaneira, como
já se disse, veio do estudo da obra de Max Weber, “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, de 1905. Nela, o
trecho que trata da “Base Moral” que
fundamenta nossas atitudes em relação ao Trabalho também não escapou da acidez
de sua critica, pois para ele, as “Bases
Morais” ali assentadas são caducas e malévolas por conterem os mesmos
vícios que ele já denunciara. Lá, encontram-se, por exemplo, afirmativas do
tipo: “o Trabalho é um Dever e uma Obrigação” e quetais.
Mas, ora, quem disse isso? O Deus bíblico
judaico-cristão, ao expulsar Adão do Paraíso? Mas que legitimidade pode ter um
“Ser” mitológico, criado e perpetuado pela carência e pela fantasia humana,
para impor tal condição que sempre descamba para a exploração do Homem pelo
Homem? Ademais se esse “Ser” só existe para quem foi adestrado em lhe
acreditar, com que Direito se pretende transformar a fé de um grupo (ainda que
numerosíssimo) em regra Universal?
Outro ponto que mereceu suas criticas azedas foi a
nossa tendência de equipararmos Trabalho e Virtude. E daí não hesitarmos em
classificar como desprovido de Virtude aquele que se rebela contra a “Moral de Rebanho” e se recusa a fazer o
que lhe desagrada apenas para ser aceito pelo grupo ao qual pertence.
O conjunto das nossas noções sobre o Trabalho,
segundo RUSSELL, leva-nos a crer que as nossas atitudes em relação ao mesmo são
complexas e incoerentes. A partir desse ponto, estabelece-se a pergunta: o que se pode fazer para
solucionarmos o impasse?
Nada muito misterioso, conforme o Filósofo. Basta
que passemos a olhar o Trabalho por aquilo que ele realmente é; ou seja, tão somente aquilo que contribui
para que tenhamos uma vida material dotada de segurança e conforto. Que
esqueçamos as antigas e tolas superstições sobre “a dignidade do trabalho”; “que
o trabalho enobrece o Homem” e quejandos. Que suprimamos qualquer conotação
superior indevida.
NOTA do AUTOR – deixemos de lado as ideias de
“Realização Pessoal” para o que realmente importa: a produção e o exercício de atitudes e obras que satisfaçam a
nossa vaidade, nosso ego e que, com alguma sorte, possa beneficiar outrem. Que
os “felizardos” que encontram essa satisfação no trabalho cotidiano e remunerado
gozem desse privilégio, mas que não se esqueçam de que são maiores e mais
importantes que qualquer trabalho que executem; e que não deixem de sempre submetê-lo a um rigoroso exame que o
isente das contaminações por modismos superficiais, ou por objetivos menores.
Quando fazemos tal exame é difícil evitar a conclusão
de que devemos, de fato, trabalhar menos, pois o trabalho excessivo, na maioria
dos casos, não gera benefícios efetivos a quem o realiza. Quase sempre a sua
miséria (se não a material, mas certamente a criativa, emocional, intelectual)
é do mesmo tamanho que a daquele que trabalha menos. Ademais o desgaste físico
e emocional/intelectual acaba
produzindo tantos males que um eventual excedente na renda acaba sendo
consumido com cuidados para minorar o mal causado. Além, é claro, dos problemas
que o afastamento das Artes, da Cultura em geral, acarreta ao trabalhador em
sua condição de pessoa. Condição, aliás, que definha continuamente, tornando-o
uma mera besta de carga, bitolada
pelo seu indigente cotidiano laboral. A inútil busca por mais e mais bens
materiais, subtrai-lhe o Sublime, o
Abstrato e o remete à vala comum dos insumos descartáveis.
A Importância da
Recreação
Atualmente
é patente entre os especialistas que o ato de brincar é para as crianças muito
mais que uma atitude prazerosa. Na verdade é uma forma eficientíssima de se
desenvolver o Raciocínio, a Imaginação, a Criatividade e os outros elementos
mentais que a farão ser mais, ou menos, inteligente.
Para RUSSELL, processo semelhante se verifica em
todas as fases da vida. A recreação (preferencialmente recheada com Arte e Cultura de
conteúdos superiores e não os meros entretenimentos que pupulam entre os meios
de comunicação em massa) continua
fundamental para que o exercício das habilidades mentais do indivíduo não seja
ensombrecido pela monotemática conversa acerca do trabalho. Pela repetitiva
narração de suas realizações, dificuldades, conquistas etc. Assuntos típicos
dos indivíduos que desconhecem outras variantes da vida e se agarram à sua
pseudoimportância num escritório qualquer, para impor sua malquerida companhia.
Segundo o Filósofo: “mover a matéria, não é absolutamente
um dos propósitos da vida humana”.
Ao permitirmos que o Trabalho ocupe todo nosso
tempo, não viveremos plenamente, já que estaremos condenados a viver apenas na
dimensão do concreto, do material. Para RUSSELL, o lazer é necessário para
repor à vida o que ela tem de significado efetivo.
O pensamento de RUSSELL, como não poderia deixar de
acontecer, encontra sérios adversários, sendo que os une o argumento falacioso
de que “não saberíamos o que fazer com o
tempo livre”. Ora, mas é justamente por isso que precisamos tê-lo, para
iniciarmos o processo de desconstrução desse modelo perverso, injusto e pouco
inteligente que foi implantado nas mentes mais humildes a custa de ameaças
terrenas e celestes, e de quinquilharias como prêmios. E a partir daí,
reaprendermos a exercitar a Criatividade, a capacidade de Sentir, de Abstrair,
de Sublimar. Reaprender a sermos pessoas e não apenas peças de uma sórdida
engrenagem.
Para o Filósofo foi lamentável termos perdido essa
condição, essa grandeza humana. E para ele seria preocupante se o Homem não
conseguisse preencher o tempo com atividades que lhe acrescentasse como pessoa.
“É uma condenação de nossa Civilização”
à medida que sinalizaria que a nossa capacidade para o Superior fora
completamente abatida pelo insano “culto
à Produção”. E, pior, indicaria que a nossa condição ficou reduzida à
condição de uma simples máquina. Que nos tornamos apenas “quem produz”, ao invés de “quem
vive”.
RUSSELL acreditava que uma Sociedade que considerasse
o lazer com seriedade estaria, na realidade, apta em formar um agrupamento que também
levaria a educação de qualidade (e não o
mero adestramento para produzir) a sério, produzindo dessa forma indivíduos
capazes de fazer e/ou apreciar Arte, Cultura e outras sutilezas do espírito, o
que elevaria o Homem, do atual rés do chão, ao nicho que lhe cabe. Produziria,
pois, Artistas de fatos e não os tristes arremedos atuais. E, com eles, espectadores,
leitores, apreciadores de gosto cada vez mais refinado e inteligente. Bem ao
contrário da simplória massa que faz sua catarse aos urros nos entretenimentos
em que é admitida. Ter-se-ia, pois, uma Sociedade atenta e predisposta a promover
o prazer em formas mais elevadas, completas e duradouras.
Seria enfim, segundo o Pensador, uma Sociedade que
perderia o gosto pela brutalidade, pela escravidão, pela violência. Que
perderia o gosto pela guerra, por ter adquirido a sabedoria de que o debate
racional é capaz de solucionar todas as pendências que surjam.
Mesmo que para isso tivesse que suportar o ônus de
ser classificada como elitista e de colocarem seus pressupostos em cheque,
alegando que ninguém, nem mesmo RUSSELL, pode ditar o que é o Bom, o Belo etc.
A Vida
Equilibrada
Para muitos, as Ideias de Russell são utópicas. Pensam
estar longe um consenso de que seja possível reduzir a carga horária de
Trabalho para quatro horas diárias e, também, o modo como que essa diminuição
levaria à revolução nos hábitos e na própria dinâmica econômica.
Alarmistas de plantão e maus carateres por natureza
anunciam que tal modificação trará o caos social e financeiro, além da
dissolução dos “bons costumes (leia-se: trabalhar em beneficio das Elites
predatórias)”
com o aumento na “vagabundagem mundial”. A esse rosário de boçalidades, muitas
outras se juntam, tal como ocorreu quando a carga horária foi reduzida de doze
(12) para oito (8) diárias, por pressão dos Sindicatos e doutros setores da
Sociedade Civil.
NOTA do AUTOR – aqui no Brasil, por exemplo, o
Conde Francisco Matarazzo, dono das Empresas epônimas, não titubeou em afirmar
que essa redução significava o fim do País (sic).
Outros mais equilibrados apostam que o Tempo se
encarregará de ajustar as arestas. Porém, mesmos estes se juntam a vários
outros Pensadores sérios para discordarem da tese de RUSSELL que afirma ser o
processo de industrialização o fator que nos libertará do “Trabalho Braçal”. Argumentam que os insumos (as matérias primas) sempre precisarão vir de algum outro lugar e
que, portanto, será preciso “mudar a
matéria, ou alterar a sua posição”. Será sempre necessário extrair, refinar
e preparar a matéria a ser industrializada, ou seja, será sempre necessário o “Trabalho Braçal”.
Assim, apesar das oposições que lhe são feitas, o
Ideário de RUSSELL encontra inúmeros defensores, cujo peso intelectual e moral
corroboram a correção da proposta de se reconsiderar as Ideias, que por força
de perniciosa indução, acabam nos parecendo naturais e definitivas. Revalidar a
necessidade de reexaminarmos não só nossa vida profissional, mas a existência
como um Todo, e aceitarmos o fato de que há, sim, virtude em parar, relaxar,
divagar, criar, pensar. Cuidar do nosso lado afetivo, intelectual, espiritual.
Reassumirmos nossa condição de agente da vida e abandonarmos de uma vez por
todas a noção de sermos apenas um penduricalho descartável. Ou, nas palavras do
Filósofo: “até agora continuamos a ser tão enérgicos (sérios,
introspectivos, melancólicos – ainda que disfarcemos) quanto éramos
antes que existissem as máquinas; em
relação a isso temos sido tolos, mas não há razão ou motivo para que essa
tolice continue para sempre”.
Logicismo,
Filosofia Analítica e Ecocentrismo.
Como já mencionado, RUSSELL elaborou algumas das
teses filosóficas mais influentes do século XX e com elas ajudou a fomentar uma
das mais ricas tradições do Pensamento Filosófico, a chamada “Filosofia Analítica”. Abordaremos
brevemente os seguintes tópicos:
A “Filosofia
Analítica”, como se sabe, tem como objetivo o esclarecimento de
Conceitos, Afirmações, Métodos, Argumentos e Teorias, dando a cada qual o
melhor de sua análise e cuidados. Dentre outros, RUSSELL estudou profundamente
o Logicismo, ou a Lógica Simbólica (de
fundamentação ou embasamento da Matemática),
no qual afirma que todas as “Verdades
Matemáticas (2+2=4; ab=ba)” –
e não só as “Verdades Aritméticas”,
como propusera o filósofo Gottlab Frege
– podem ser deduzidas (ou supostas racionalmente) a partir de algumas poucas “Verdades Lógicas”; e
todos os Conceitos Matemáticos podem ser reduzidos ou simplificados a uns
poucos Conceitos Lógicos Primitivos.
Essa tese surgiu em 1901, com a descoberta feita por
RUSSELL da solução de um paradoxo (o qual, por isso recebeu o seu nome) no Sistema de Lógica do filósofo Frege. Para
resolvê-lo, RUSSELL propôs a “Teoria
dos Tipos (Teoria Simples dos Tipos e, depois, Teoria
Ramificada dos Tipos)” cujo cerne
era impor certas restrições à suposição de que qualquer Propriedade ou Característica
de uma Entidade (de um Tipo [ou formato] Lógico) pudesse ser também, uma característica de outra
Entidade (do
mesmo, ou de outro Tipo Lógico).
Segundo ele, o Tipo (ou formato)
de uma Propriedade deve ser mais elevado, superior, ao formato ou Tipo da
Entidade ao qual corresponde e, por isso, só a essa mesma entidade é que pode
ser atrelado.
Outro pilar dessa tese é a “Teoria das Descrições Definidas (em oposição, aliás, às suas ideias
anteriores)”.
Para o Filósofo, a “Análise Lógica”
precisa de frases declarativas que contenham descrições bem definidas,
objetivas, como, por exemplo: “o
número primo par”; “o atual rei da
França” etc. Pois, frases assim NÃO
exprimem apenas coisas individuais, singulares, mas, ao contrário, expressam as
chamadas “proposições russelinas” que
são Conceitos ou Proposições gerais.
Segundo essa tese, a Teoria das “Descrições
Definidas” não associa a tais “descrições”
um significado, tampouco uma demonstração, haja vista que trata de noções
gerais e não individuais.
Vejamos o exemplo na frase abaixo:
“O número primo
par é maior que um (1)”.
Na ótica de RUSSELL, embora aparente representar uma
afirmativa singular, a frase representa
uma afirmativa, ou uma proposição geral,
pois ele faria a seguinte leitura:
“Existe pelo
menos um número primo par e, também, existe no máximo um número primo
par. E, ainda, esse número primo par é maior que um (1)”.
Observe-se, ademais, que esse tipo de análise demonstra
que as “Descrições Definidas” também
funcionam logicamente como quantificadores.
Para RUSSELL, tais expressões desempenham, também,
um papel semântico diferente, que é o de mostrar através dos símbolos (as letras, por
exemplo) quando o objeto
descrito pela “Descrição Definidora”
existe concretamente naquele momento e naquele espaço.
Por outro lado, as expressões que se referem diretamente
a um Objeto Individual,
singular, são classificadas como “Nomes
sem Sentido Lógico”, pois um nome prescinde de lógica para existir. O nome “Fabio”, por exemplo, pode perfeitamente
existir mesmo sendo ilógico.
O Filósofo foi além e estendeu a sua “Análise das Frases que contenham Descrições
Definidas” para as “frases contendo
Nomes Próprios comuns”, os quais, segundo ele, são abreviações das “Descrições
Definidoras” que se tem em Mente. Assim, por exemplo, quando eu uso o nome “Aristóteles” estou, na verdade,
abreviando a seguinte descrição:
o mais célebre
discípulo de Platão.
Conhecimento
Em estreita harmonia com as “teses lógicas semânticas” que vimos acima, RUSSELL elaborou algumas
Teorias sobre o Conhecimento (tanto o processo de aquisição de Saber, quanto a
Sabedoria já adquirida), enfatizando em
seus estudos a diferença entre o “Conhecimento
Direto” e o “Conhecimento por Descrição”.
Assim, por exemplo, o Conhecimento que se tem sobre
a existência de uma “mancha vermelha na
parede” pode, segundo RUSSELL, ser expresso numa frase como essa:
Isto é vermelho; ou seja, tem-se o “Conhecimento Direto”.
Por outro lado, o Conhecimento que se tem acerca dos
números e de suas relações (por exemplo: o
2 é maior que o1) envolveria “Conceitos
Lógicos” e não o Conhecimento
direto dos números; ou seja, tem-se, então, o “Conhecimento por Descrição”.
RUSSELL formulou a relação existente entre essas
duas formas de Saber no seguinte Princípio:
Todo
Conhecimento ou Saber implica que existe a “Relação Direta” do Sujeito que sabe
(o sujeito cognoscente) com o Objeto sabido, ou conhecido. Relação que pode ser
estabelecida a partir do Conhecimento Direto, ou do Conhecimento por Descrição.
Ecocentrismo
A Ética Ecocêntrica (isto é, a Ecologia como ponto central) coloca a Natureza física, concreta (as plantas, os
rios, os bichos etc.) no centro das atenções,
enfatizando o fato do Homem ser apenas um mero participante ou componente desse
contexto, ao invés de ser seu dono, ou Senhor, como se pensava até pouco tempo
atrás.
É uma noção que se contrapõe diretamente à visão
anterior, particularmente à adotada pela Civilização europeia em especial e
pela Ocidental como um todo. Ao contrário, aliás, da Civilização hindu, africana
e nativa americana que se acomodava na Natura sem a pretensão de comandá-la e
submetê-la aos seus caprichos e interesses.
A visão Ecocêntrica parte de dois Princípios:
1 – Considera que todos os Seres, tanto quanto os
Humanos, têm direito à vida e à dignidade da mesma.
2 – Que é impossível a sobrevivência do Homem se a
Natureza for destruída.
Ademais, a Ética Ecocêntrica responsabiliza o Homem
pela salvação de todos os Seres (a lenda de Noé e de sua Arca extrapola a mitologia
bíblica?), pois ele é o único
que tem consciência do que está acontecendo e os meios para reverter o problema,
mesmo que seja atualmente quem mais degrada o meio ambiente.
Essa Teoria de RUSSELL encontra cada vez mais
adeptos, não obstante alguns Cientistas sérios e capazes duvidarem da
responsabilidade exclusiva do Homem como agente motivador das alterações que já
se nota no clima e noutras condições do Planeta.
É um debate em que todas as apostas são válidas e
possíveis, mas é inquestionável que aos Seres Humanos compete agir com a
responsabilidade e sensibilidade que a sua condição impõe.
São Paulo, 19 de Maio de 2012.
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