NAESS, ARNE
1912 – 2009
O Pensamento pelo futuro tem que ser leal à natureza.
“Pense como uma Montanha”- Aldo Leopold.
O micro-organismo e o homem.
Em c. 1660 o Filósofo ESPINOSA (Holanda, 1632–1677) propôs a sua “Filosofia da Natureza” como uma
“Extensão de Deus”. Abusando da “licença literária”, grosso modo, pode-se dizer
que ele propôs ser o mundo o “corpo físico” de Deus.
Em 1960, o cientista britânico JAMES
LOVELOCK
propôs a sua teoria chamada de “Hipótese
de Gaia”, na qual defende que a
Terra é um “organismo vivo”.
Reutilizando, novamente, a “licença literária” pode-se
imaginar, portanto, que o homem é um micróbio, ou uma micro-vida (semelhante aos milhões que
habitam o seu próprio corpo) que se hospeda no interior do “Corpo de Deus”, ou
no “Organismo Vivo”.
Em suma, o que ambos os estudiosos propuseram é que
a presença do homem no planeta Terra é similar à presença de micro-organismos
nos corpos dos seres vivos.
Assumindo-se que essas teses estejam corretas,
deparamo-nos com um fato aterrador: o
“corpo de Deus”, ou o “organismo vivo”, somente sobreviverá se antes eliminar
os micro-organismos que lhes são prejudiciais.
Prosseguindo com a analogia, é amplamente sabido
que quando os micróbios que habitam o corpo do homem prejudicam a sua saúde e
ameaçam a sua vida, são eliminados através do uso das terapias adequadas. Não
se sabe, porém, se esses micróbios absorvem o remédio que os eliminará de forma
voluntária, ou se apenas por mera ignorância.
Já em relação ao homem, a dúvida se altera, pois
ele sabe perfeitamente que as ações deletérias que comete contra o “organismo
vivo” que o abriga redundará obrigatoriamente em sua própria aniquilação. O que
não se sabe é por que continua a fazê-lo? O porquê de ainda vigorar com tanta
ênfase tamanha ignorância, em plena Era do conhecimento?
Por coincidência, enquanto escrevo este ensaio há
poucos quilômetros da minha mesa acontece uma reunião (Rio + 20) que deveria discutir e encontrar soluções para os
problemas ecológicos que o mundo, ou melhor, que a humanidade enfrenta. Contudo,
antes de seu encerramento uma única conclusão já se faz visível: um
retumbante fracasso!
Por quê?
Se a maioria das pessoas diz concordar sobre a necessidade
de que se façam os ajustes necessários para equilibrar o consumo humano com as
possibilidades da Terra, por que não se chega a um acordo?
Por ganância, arrogância, ignorância? Certamente. E
mais o que?
Seremos atraídos, seduzidos inexoravelmente para o
fim inevitável que a natureza promove quando lhe convém alterar o planeta?
Fomos criados especificamente para essa finalidade? Para sermos o agente destruidor
de que se vale a natura em seus eternos e incognoscíveis ciclos?
Ou haverá alguma esperança nessa luta que Ecologistas,
e/ou apenas cidadãos conscientes desenvolvem com tenacidade?
O Ecologismo
O
Ecologismo ganhou vigor a partir dos bombardeios sofridos por Hiroshima e Nagasaki, que obrigaram o Japão a se render no fim da Segunda Guerra
Mundial.
Pela
primeira vez a humanidade viu o poder que dispunha para exterminar a vida no globo.
Os bíblicos cataclismos deixaram a condição de mera hipótese para tornarem-se
real possibilidade. O “Fim do Mundo” tornou-se palpável.
E
ao medo atômico, não tardou a se juntar a paúra pelo esgotamento dos recursos
naturais oriundo da degradação ambiental e climática.
O
“horror de Malthus*”
foi ressuscitado.
NOTA do AUTOR – O Economista Malthus (Thomas Robert, Grã
Bretanha 1766 – 1834) ficou conhecido pelo pessimismo que impregnava ao seu pensamento
filosófico e foi de sua lavra a trágica equação que previa uma progressão geométrica
(2, 4, 8, 16, 32) da população da Terra e apenas uma progressão aritmética (2,3,
4,5) na produção de alimentos. Ou seja, chegaria o dia em que o Planeta não
conseguiria sustentar a todos os homens. Até agora a profecia foi afastada,
entre outros motivos, pelo avanço tecnológico que permite melhores colheitas e
maior produtividade. Contudo a degradação promovida pela humanidade poderá vir
a ser um fator não previsto por Malthus, mas que acabará auxiliando para que
seu tenebroso vaticínio se cumpra.
E
como o medo e a necessidade geram todas as atitudes, no espaço de poucos anos
alguns conceitos enraizados foram drasticamente soterrados e o padrão a ser
seguido mudou drasticamente. O conceito de Conservacionismo instalou-se
definitivamente entre os homens.
Apesar
de todos os pesares, a consciência de que os recursos naturais são finitos e de que a biodiversidade é imprescindível para
a nossa própria sobrevivência adentrou em mentes e corações, enquanto se invertiam os antigos
paradigmas.
A
partir de então, o caçador que antes
era visto como um sujeito destemido passou a ser visto como um covarde
assassino; o lenhador
tornou-se um ignóbil predador e pecuarista
latifundiário uma praga a ser exterminada.
O
desenvolvimento a qualquer preço tornou-se um anátema. E são esses novos
conceitos, essas novas posturas, em escalas e intensidades variadas, que desenham
o Futuro.
NOTA do AUTOR – recomenda-se a releitura de uma das histórias infantis
mais célebres do Mundo – O Chapeuzinho Vermelho – para medir a extensão
da inversão referida. Ali, os heróis eram o lenhador e o caçador, enquanto que
o vilão era o Lobo. Absolutamente o inverso de hoje.
Alguns
rejeitam os supostos excessos dos ecologistas, principalmente quando seus
interesses são atingidos, como se verifica com a tristemente famosa “bancada ruralista” do Congresso
brasileiro.
Outros
os incentivam e outros, ainda, os praticam. O certo, porém, malgrado as
variações, é que o mundo se tornou ecologista e nesse novo tempo determinadas organizações
e determinados indivíduos tornaram-se destaques pelo fervor de suas convicções
e pelo vigor de suas lutas.
Presidente
do GREENPEACE norueguês.
Dentre
os grandes nomes da Ecologia atual, brilha com merecido destaque o de ARNE NAESS, em cujo
currículo consta, entre outros importantes trabalhos, aquele que ele desenvolveu
enquanto ocupou a presidência do GREENPEACE
em sua Noruega natal, no final da década de 1980.
Reconhecido
como o principal filósofo norueguês do século XX, NAESS foi o mais jovem professor da universidade de Oslo, sendo que aos vinte e sete anos já
lecionava na instituição em que permaneceu até se aposentar em 1970.
Montanhismo
e expedições
Paralelamente
à carreira acadêmica e adepto do montanhismo, NAESS foi o
comandante de uma bem sucedida expedição à Montanha TIRICH MIR, no Paquistão, em 1950 e o responsável por várias
outras incursões ao redor do mundo, sempre com destacada atuação como
organizador e pesquisador.
Em
todas, ele absorveu uma vasta gama de conhecimentos que lhe serviram para ampliar
os dotes intelectuais e culturais e para solidificar o amor e o respeito ao meio-ambiente que ele naturalmente sempre
teve.
Ativismo
Após
se aposentar, NAESS aproveitou o tempo livre para desenvolver seu ativismo
e burilar o seu ideário a favor da ecologia.
Participante
ativo* de várias campanhas e manifestações, o filósofo sempre pregou a necessidade
de se respeitar os limites do planeta, a biodiversidade e a bioesfera, já que a
sobrevivência humana é inteiramente dependente dessas circunstâncias.
NOTA do AUTOR – para seus críticos, o Filósofo era até mesmo radical* em certas ocasiões, como quando chegou a se acorrentar às rochas da “Queda
Mardalfossen”,
na Noruega, para protestar contra a construção de um reservatório.
E
a sua luta em favor da Terra e da humanidade recebeu várias honrarias, como
aconteceu em 2005 quando em reconhecimento pela excelência de sua luta em prol
de uma causa tão nobre, ele recebeu a comenda de “Cavalheiro”.
O ideário – “*Pensar como uma Montanha”
Graças a homenagens como esta, ele ganhou novas tribunas e não hesitou em utilizá-las
para pregar suas ideias, cuja essência pode ser resumida na sentença “*Pensar
como uma Montanha”, ou seja:
1
– Compreender que somos parte e não “Senhores” da Bioesfera.
2
– Entender a nossa responsabilidade em relação aos outros Seres vivos.
3
– Pensar constantemente sobre as necessidades do meio-ambiente como um “todo” e, consequentemente, abandonar
a mesquinhez dos desejos individuais e imediatistas.
*NOTA do AUTOR – a expressão “*Pensar como
uma Montanha” foi criada em 1949, pelo ecologista estadunidense Aldo Leopold, que após balear covardemente
uma loba conscientizou-se de seu crime e passou a atuar em defesa da natureza. A expressão “Pensar como uma
Montanha” se tornou direta e intimamente associada ao conceito de “Ecologia Profunda”, criado por NAESS.
A “Ecologia
Profunda”
Vimos
anteriormente os princípios que regem o pensamento conservacionista de NAESS. De acordo com essas premissas ele consolidou o movimento
chamado de “Ecologia Profunda”,
cujas bandeiras principais podem ser expostas em dois tópicos:
1
– Devemos reconhecer que somos “apenas” parte da Natureza e nunca o seu proprietário
ou senhor. Compreender que não estamos além, acima, ou separados dela. Sem essa
compreensão e aceitação, serão inúteis quaisquer tentativas para salvar a vida
humana no planeta.
2
– somos parte da Biodiversidade e dela necessitamos, pois todas as formas de
vida são interdependentes. Logo, ao exterminarmos uma espécie, é uma parte de
nós mesmos que estamos matando. Portanto, só protegeremos efetivamente o meio-ambiente
e a nós mesmos se adotarmos tal concepção de vida.
NAESS conclamou
o mundo a ver que não estamos apartados da Terra e que urge acharmos o nosso
lugar nessa cadeia de vidas interligadas, reconhecendo em todas elas, o valor
insubstituível de cada uma para a subsistência do Todo.
Também
se deve a NAESS a criação do conceito “Eu Ecológico”; ou seja, o percebimento de “si próprio” como um Ser diretamente ligado a uma “comunidade maior” que abriga
todos os Seres vivos. Desse modo,
ampliamos a nossa identificação com o “Mundo dos lobos, dos insetos, das ervas
e até das Montanhas”.
E
passamos a nos perceber como um Ser
que sabe que o “Mundo Natural” não é aquilo que lutamos para
subjugar, controlar. Ao contrário, é o conjunto de todas as coisas que sustentam
os Seres que compartilham o planeta. É
a soma de tudo que existe, inclusive nós. Seres
com os mesmos direitos e deveres de todos os outros e que, justamente por isso,
não podem extrapolar suas ambições ao ponto de ferir os direitos dos demais.
Seres
que reconhecem o “Mundo Natural” como seu próprio lar e sabem que ao destruir o
mesmo, automaticamente se condenam à extinção.
A Filosofia
Ambiental
A
“Ecologia Profunda” de NAESS influiu vigorosamente na “Filosofia Ambiental” e no
desenvolvimento do ativismo ecológico.
Quase que didaticamente esclareceu e informou como é possível que mesmo os
cidadãos das grandes metrópoles conectem-se com o seu “eu ecológico” e tenham
um contato mais estreito com a causa, exercendo a partir daí atividades
corretas e consistentes em prol de todos.
NAESS reconhece,
todavia, que tal apossamento seja difícil em virtude das pressões do meio urbano,
mas acredita que não seja de todo impossível levantar a bandeira do movimento e
lutar o bom combate se houver firme e convicto desejo do indivíduo, como bem
disse o filósofo e “Mestre Zen” ROBERT AITKEN ROSHI em uma palestra realizada em 1984:
“Quando nós pensamos como uma Montanha, nós também pensamos como um urso
negro, de modo que o mel escorre por nossa pele enquanto tomamos o ônibus para
o trabalho”.
© Registro na BNRJ/EDA sob nº 605.931 – Lv. 1.161 – Fls. 121. Proibida qualquer forma de cópia.
Produção e divulgação de TANIA BITENCOURT, rien limitée, de Florianópolis, no inverno de 2013.
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