ÉSQUILO – 525(4)/456 AEC. - Elêusis
Cenário – região desolada na Citia, atual Sibéria.
Época da ação – primórdios da Humanidade
A 1ª Apresentação – em 458 AEC. em Atenas.
Personagens:
1. Coro – representando as Oceânidas
2. Hefesto – o deus do fogo.
3. Hermes – deus, arauto e mensageiro de Zeus.
4. Ío, filha do rei Ínaco, amada por Zeus e perseguida
por Hera, a ciumenta esposa do “Pai dos Deuses”.
5. Poder e Força – divindades auxiliares de Zeus.
6. Prometeu, um dos titãs, filho de Urano (o Céu, também
chamado de jápeto) e Gaia, ou de Urano e Têmis.
Prefácio
Num banquete servido aos
Homens e aos Deuses, Prometeu encarregou-se de fazer a partilha de um boi
assado. Ludibriando Zeus fê-lo escolher a parte onde colocara apenas ossos,
camuflados por uma gordura branca. O “Pai do Deus” ao ver-se vitima do ardil
encolerizou-se contra Prometeu e contra os mortais (que ficariam com as partes
nobres da carne) e para castigá-los escondeu-lhes o fogo, o último elemento que
faltava para que eles atingissem a civilização. O titã voou até o Olimpo,
acendeu um ramo nas brasas do Sol (ou nas fornalhas de Hefestos, segundo uma
variante da lenda) e deu aos Homens aquela chama. Zeus, duplamente enganado,
puniu os Homens mandando à Terra a deusa Pandora e a Prometeu castigou mandando
acorrentá-lo num rochedo.
A tragédia de Ésquilo começa
a partir desse ponto, mas achamos oportuno recuarmos um pouco no tempo para
facilitar a compreensão da peça. Também, com esse espírito, discorreremos
brevemente sobre Pandora, que apesar de não estar diretamente mencionada na
obra de Ésquilo ocupa um papel de destaque no encadeamento da lenda.
É bem conhecida a fábula de
Pandora que ao abrir sua caixa libertou todas as maldades no Mundo. Também é
comum que se creia que nem só de Maldades estava cheia a caixa, pois nela havia
uma exceção benéfica: a esperança. Todavia é um erro supor que a “Esperança”
fosse algo benéfico, pois ela é apenas mais uma das maldades. É a “Esperança”
que ilude o Homem fazendo-o crer que seu Futuro será diferente. Que ele poderá
dominar esse Futuro. É claro que mudanças superficiais ele poderá realizar, mas
o intimo, a essência, está nas mãos do Destino, das circunstâncias que lhe
cercam e cercarão. É a “Esperança” que obriga a Humanidade a perseverar como se
fosse o mitológico Sísifo, cuja pena no Hades consistia em empurrar uma pesada
rocha montanha acima e ao chegar ao cume, ver que a pedra rolava para seu ponto
inicial, fazendo-o erguê-la novamente. Lendo a fábula de Pandora com a alma
desarmada de clichês, nota-se a semelhança do Homem e Sísifo. Ambos fazem um
inútil trabalho contínuo (ou uma vida de trabalho, cuja satisfação é sempre
momentânea; e logo substituída por nova ambição) sem saber o motivo de tanta
dor e sofrimento.
Encenação
A representação teatral
inicia com a chegada do “Poder”, da “Força”, de Hefestos e do prisioneiro
Prometeu a um rochedo na distante e congelada Citia. Hefestos deixa escapar sua
tristeza por ver um deus, um irmão seu naquela situação e logo é advertido pelo
“Poder” para a necessidade de cumprir a ordem do Pai Zeus. Lembra-lhe que
todos, inclusive os deuses estão presos às cordas do Destino e que tudo é
inútil na tentativa de modificá-lo. Tudo é predeterminado.
Note-se que essa negação do “Livre
Arbítrio” e da meritocracia para alcançar “A Salvação” voltaria à cena milênios
depois nas vozes de Religiosos Protestantes. Calvino e Lutero, dentre outros,
pregavam a “Graça Divina”; ou seja, seriam “Salvos” aqueles que fossem
escolhidos (sic) por Deus, independentemente dos seus atos.
Preso por grossas cadeias,
Prometeu experimenta a solidão com a partida de seus carcereiros e dá inicio as
suas lamúrias e queixumes (alguns estudiosos veem nessa cena o original da cena
da Crucificação de Jesus: um Ser Divino, protetor dos Homens, é castigado por
tê-los favorecido.) até que ouve um barulho que lhe indica a chegada de alguém.
São as Oceânidas que lhe trazem sua amizade e sua solidariedade. Prometeu,
repete-lhes suas queixas e lhes ouve dizer que Zeus é um “Novo Rei” ainda em
fase de consolidação do poder e inexperiente em seus mandos e desmandos.
Esse fato se repete a
sorrelfa em várias oportunidades na História do Homem, principalmente quando as
revoltas, justas ou injustas, chegam ao Poder e a agitação social, inclusive
com violência, faz-se presente até que haja uma acomodação de todos os agentes
deslocados por aquela convulsão.
Através do Coro, as Ninfas
contestam Prometeu que julga ser motivo de escárnio doutros deuses. Ponderam
que ninguém poderia ficar satisfeito com aquela situação. Nesse ponto, Prometeu
cita pela primeira vez a hipótese de Zeus vir a ser derrubado por outro deus.
Cita, então, um segredo (que se desposasse Tétis, o filho que gerassem o
destronaria. Por isso, o Senhor dos Deuses fez com que ela se casasse com o
mortal Peleu, a quem deu o filho chamado Aquiles, o maior guerreiro grego) que
sabe e que interessa diretamente a Zeus, pois nele está o nome de quem o
substituirá no trono. Prossegue afirmando que tal trunfo lhe é valioso e que
por isso não será revelado mesmo que lhes sejam ditas doces palavras, ou lhes
sejam aplicadas cruéis torturas.
Ante o medo que as Ninfas
externam, dizendo que o coração de Zeus é tão duro quanto um diamante, Prometeu
as consola retrucando que chegará o tempo que ele, o soberano Pai dos Deus,
será curvado pelas circunstâncias e será obrigado a vir humildemente pedir-lhe
socorro. Na sequencia, Prometeu responde ao Corifeu (representando a líder das
Ninfas) contando o que fez para receber aquele castigo. Contou-lhe primeiro que
foi decisivo como aliado de Zeus contra os titãs, pois usou além da força bruta
a sutil inteligência; e se queixa da ingratidão de Zeus, nesse assunto.
Prosseguindo sua narrativa,
contra-argumenta com o Coro, dizendo-lhe ser fácil criticar, mas de tudo que
fez de nada se arrepende, pois como tinha o dom da adivinhação sabia de antemão
o que teria que enfrentar, embora não esperasse que em condições tão duras. E
tudo por amor aos homens...
Volta à questão do egocentrismo. Por
amor ao Homem, ou por desejo de se opor a Zeus? Por ciúme do poder adquirido
pelo irmão? A segunda opção tem mais probabilidade de ser a verdadeira.
Nesse momento chega o titã
Oceano que presta juras de amizade enquanto censura Prometeu por não ter se
submetido ao poder de Zeus. Primeiro ele recebe as criticas com polidez, mas
depois usa de sarcasmo e diz que os covardes, como Oceano, não devem dar
motivos para censuras dos poderosos do momento e que, portanto, ele deve partir
sem vagar. Assumindo sua paúra, Oceano parte célere, amedrontado de ter
contrariado o novo Senhor.
Nesse trecho é oportuno
observar uma característica bem humana: qualquer sentimento mais nobre, a
amizade, por exemplo, não resiste a um eventual risco. Tanto há milênios,
quanto nos dias atuais. Há, aqui, todo um desnudamento profundo do caráter
humano. Chega-se ao mais intimo do Ser, graças à genialidade de Sófocles. No outro extremo, o da
nobreza dos sentimentos, as Oceânidas permanecem junto a Prometeu
suavizando-lhe a solidão a que foi condenado.
Na sequencia o titã relata os
benefícios que concedeu aos homens, narrando desde os primórdios da Humanidade:
1. A arte de construir
casas, livrando-o das cavernas, onde vivia então.
2. O uso do raciocínio e a
partir daí o conhecimento astronômico básico.
3. As ciências matemáticas e
a escrita.
4. A doma e o uso dos
animais de carga
5. Os navios à vela.
E após essa enumeração,
queixa-se por não saber como se livrar da terrível condição em que ele próprio
agora está. O Corifeu o compara a um médico talentoso, mas que desconhece o
remédio que o curaria de sua enfermidade. Prometeu enumera mais algumas dádivas
que deu aos Homens:
1. Os remédios e as ervas
medicinais. Os alimentos funcionais.
2. As artes divinatórias.
Como interpretar as estranhas de um animal sacrificado, ou o vento dos pássaros
etc.
3. A metalurgia.
O Corifeu lhe pede, então,
que não mais exagere no amor aos mortais. E que, se um dia libertar-se dessas
correntes, leve uma vida harmoniosa com os outros deuses, especialmente com
Zeus.
Responde-lhe Prometeu que
ainda não é hora para a reconciliação. O Destino já fixou essa hora, bem como
as dores que ainda sofrerá. E essas determinações são inflexíveis. Não podem
ser alteradas. E o Corifeu faz a pergunta esperada: e quem controla o Destino
(ou a Deus)?
O filho de Jápeto pondera, então,
que o Destino é controlado pelas três Parcas e pelas três Fúrias, que não
esquecem jamais qualquer erro. Sendo o próprio Zeus sujeito a isso.
No hinduísmo há essa concepção de Deus.
Acima da TRIMURTI (Vishnu, Brahma, Shiva) está o “Deus Maior”, chamado de
BRAHMAN. No catolicismo, algumas correntes já admitem que exista um “Deus”
acima do demiurgo que construiu o Universo.
Na sequencia, a questão do
controle de Zeus (ou de Deus, na modernidade e na contemporaneidade) é retomada
pelo Corifeu, mas Prometeu se recusa ao assunto, alegando que ainda não é o
Tempo certo para a revelação de tal segredo.
O Corifeu continua questionando
e pergunta a Prometeu o porquê de seu amor aos Homens? Que benefícios isso lhe
traz? Mas antes que o titã responda, chega à cena a beleza jovem de ÍO que
atormentada pelo moscardo (a mosca da madeira) enfeitiçado, corre por todas as
direções enquanto pergunta às Oceânidas sobre o prisioneiro atado à rocha, em
meio aos seus próprios queixumes.
Prometeu diz conhecê-la, bem
como ao seu fardo. De amada de Zeus, passou a ser a perseguida pela ciumenta
esposa do “Pai dos Deuses”, Hera. Retruca a jovem pedindo-lhe que revele as
futuras torturas que ainda passará. E Prometeu lhe diz que revelará o seu
futuro, de forma clara e objetiva. Porém, antes que comece, o Corifeu pede a ÍO
que ela própria conte seus males e ela, envergonhada, conta dos sonhos frequentes
que a induziram a receber Zeus em seu corpo; de como seu pai a expulsou de
casa, pensando que desse modo agradava aos deuses. E como seu físico e sua
mente foram modificados para que ela ficasse parecida com uma novilha; também
fala como o moscardo começou a torturar-lhe diuturnamente, impedindo qualquer
repouso ou refeição. E mais contaria, mas acha melhor voltar a pedir o
vaticínio de Prometeu.
Prometeu inicia seu
vaticínio indicando-lhe o caminho a seguir. Nele, encontrará e deverá evitar
vários povos hostis, exceto o das Amazonas que a tratarão como amiga e lhes
darão um breve repouso, na dura e longa caminhada que fará até sair da Europa e
adentrar a Ásia. Simultaneamente, compara seu sofrimento com o da jovem e não a
persuade de desistir do suicídio. Apenas lamenta o fato de ser imortal, de lhe
ser proibido o descanso que a morte promete, e lhe diz que só terá paz com a
queda de Zeus; perspectiva que também alegra ÍO, pois ela entende que foi ele o
causador de seus males. O titã lhe conta, então, que Zeus caiará tombado por um
filho de sua estirpe; mas não será um filho seu, posto que ele só venha após
serem passadas treze gerações. Também lhe diz do longo caminho que deverá
percorrer já em solo asiático e dos perigos que enfrentará até que no
território do atual Egito funde uma Colônia.
O Corifeu volta a lhe
perguntar: quem destronará Zeus? Em resposta o titã diz que na Colônia, ÍO
recuperará a forma humana e a sua paz interior. Ali gerará um filho negro,
EPAFO, que cultivará a região banhada pelo Nilo criando as bases de uma
linhagem real. Dessa linhagem virá o seu libertador, mas não entra em detalhes
alegando que seria necessário um longo tempo para chegar ao término da
narrativa, o que seria improdutivo para a jovem.
O nobre descendente de ÍO, através da
linhagem de Epafo, é Herácles (Hércules, em latim) que efetivamente libertou
Prometeu.
Entrementes, novamente
aguilhoada pelo moscardo, ÍO chora seus sofrimentos e em desabalada carreira
sai de cena.
Enquanto o Coro relata o
erro de ÍO, que se “casou” apenas por estar deslumbrada pelo poder e fortuna de
Zeus, Prometeu retoma seu discurso sobre a queda de Zeus e se gaba de ser o
único que sabe o segredo de sua queda e como minorá-lo. As Oceânidas
questionam-lhe se ele não estaria confundindo seus desejos com a real previsão
do Futuro, hipótese que o titã rechaça e quando vai contra-argumentar, adentra
à cena o deus Hermes, especialmente detestado por Prometeu que não lhe perdoa a
servilidade, a covardia perante Zeus. Um Homem que se sujeita a ser um mero
“menino de recados”.
Com esse ódio no peito,
Prometeu o recebe com escárnio, acentuando sua covardia e sua servil condição
de mensageiro. Hermes responde-lhe os insultos chamando-o de “Sofista”, ou
seja, enganador, manipulador por meio de discurso vazio, mas convincente pela
bela forma. Também lhe chama de “ladrão”, pelo “fogo” dado aos Homens. E entre
ataques e contra-ataques, Hermes transmite-lhe a pergunta de Zeus sobre que
casamento lhe arruinará? Ordena Zeus que Prometeu esclareça essa profecia, mas
como seria de se esperar, o titã se nega a dizer quem o derrubará, enquanto
continua seu feroz ataque ao mensageiro, insultando-o pela sua mediocridade,
sua baixa estima e sua ingenuidade de achar que tanto ele quanto Zeus, serão
eternos nos postos que ora ocupam. Ele mesmo, diz Prometeu, já assistiu à queda
de dois “Pais dos Deuses”. Primeiro Urano e depois Cronos, avô e pai de Zeus.
Furioso, antes de voltar ao
Olimpo, Hermes ameaça Prometeu com novos castigos: o primeiro será o “cão
alado” que estraçalhará seu corpo; o segundo será a “branca águia real” que comerá
seu fígado diariamente, ou na medida em que ele se regenere. O Corifeu tenta
intervir na briga pedindo que Prometeu abrande sua fúria e se submeta ao novo
“Rei dos Deuses”. Mas é em vão tal apelo, pois o titã reafirma sua posição e
diz nada temer dos novos castigos que Zeus lhe infligirá. É acompanhado nessa
determinação pelas leais Oceânidas que se recusam a abandonar o filho de
Jápeto. Com isso repelem o conselho de Hermes para se afastarem e não serem
feridas pelos raios de Zeus.
E firmes em sua convicção e
em seu propósito, Prometeu e as Ninfas são colhidos pela imensa tempestade que
se abate sobre eles, cuja fúria pressupõe o extermínio de todos. É o fim da
apresentação teatral.
Epílogo
O leitor ou espectador
observa que nessa Tragédia o sentimento dominante é a ira e o desejo de
vingança contra uma suposta ou real injustiça. Num primeiro momento exalta-se a
justeza do caráter de Prometeu. Num segundo instante, essa admiração chega às
Oceânidas, cuja lealdade é voluntária. E talvez mais digna de louvor justamente
por isso e pelo fato de não terem a mesma imortalidade de Prometeu, tampouco
sua proteção como ente divino.
Ao fechar o livro, ou ir
para casa após o teatro, o conceito de firmeza vai sendo substituído pela
dúvida sobre os reais motivos de Prometeu. O que ele fez, foi mesmo por “amor
aos Homens”? Ou terá sido apenas uma maneira de afrontar alguém (Zeus) que
teria usurpado um trono que deveria ser seu? Foram os Homens apenas “massa de
manobra”, tola e ingênua? É quase certo que a sua resposta será “Sim”. Pois
olhando em retrospectiva, vê-se que o “fogo (a luz, a sabedoria)” dado pelo
titã serviu para iluminar um Pensador como Platão; mas, com muito mais
ocorrência, serviu para armar os Homens que se matam entre si, por conceitos
absurdos. O que adiantou para a Humanidade a “civilização” que o deus lhe
ofertou? Só a opressão de uns contra outros, sem que através dela se criasse
efetivas melhorias para todos. Tudo que foi dado, e NÃO conquistado, veio com a
maldição de todas as heranças: a criação de uma geração de incapazes,
inescrupulosos, vadios e fúteis.
Todas essas questões
perpassam os Juízos de todos que têm contato com a obra de Ésquilo, cada qual
analisando de uma maneira própria. Mas é certo que todos - independentemente do
juízo que faça das personagens - concordam que se saboreou um texto de beleza
superlativa. Uma das grandezas de Ésquilo, cuja sutileza permite a quem dele se
aproxima, viajar pelos meandros das almas humanas e divinas.
Rio de Janeiro, 12/02/2011.
Produção e divulgação de YARA MONTENEGRO, assessoria de RP., desde Ouro Preto, MG, no Verão de 2014.
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