EURÍPEDES – 495/406 AEC – Salamina
Cenário: a frente do palácio de Admeto, rei da cidade de
Feras, nas Tessália.
Época da ação – idade da Grécia lendária
Local – cidade Feras, Tessália.
A 1ª apresentação – 438 AEC em Atenas.
Personagens:
1. Admeto, rei de “Feras”.
2. Apolo, deus
3. Coro
4. Êumelo, criança, filho de Admeto e Alceste
5. Feres, pai de Admeto.
6. Herácles, semideus e herói grego.
7. Morte, na figura de um ator vestido de preto.
8. Serva de Alceste e Servo
O sentimento preponderante nessa
obra de Eurípides é o Egoísmo, embora disfarçado em sentimentos mais nobres. E
sobre ele falaremos com mais intensidade que nos outros resumos para que uma
crítica mais ácida possa ser feita a enredos e personagens que não primam pela
virtude sincera; com isso deixa-se aberta a porta por onde o leitor pode
observar realidades e sentimentos que não são exclusivos de nossa época.
Sempre
estiveram com o homem e, infelizmente, sempre estarão. É a maneira “civilizada”
de exercer o “instinto de sobrevivência” que noutras criaturas do reino animal
é ostensivo e, talvez, mais honesto.
A história tem inicio com o deus
Apolo vangloriando-se de ter enganado as Parcas (entidades que regulam a vida
dos homens) e como conseguiu convencê-las a poupar Admeto quando a hora de sua
morte chegasse, mas desde que ele encontrasse um substituto voluntário. Agiu
Apolo por gratidão à generosa hospedagem que Admeto lhe deu quando ele foi
banido do Olimpo pelo Pai Zeus, como castigo por ter matado os Ciclopes
(artesões do fogo), em vingança pelo assassinato de seu filho, Asclépio, pelo
próprio Zeus.
O tempo passa e Admeto busca
desesperadamente o substituto que morra em seu lugar, mas nem seu próprio pai,
tampouco sua própria mãe consentem em sacrificar-se pelo filho, apesar de já
terem vivido uma longa vida e estarem mais próximos da morte natural que os
outros consultados. Em todos, note-se, age poderosamente o egoísmo. E cada qual
expõe suas razões, as quais diferem na superfície, mas são idênticas na
essência. De Admeto que reluta em cumprir os desígnios do Destino até os seus
pais, de quem se poderia esperar o “sacrifício extremo” para salvar o filho.
Por fim, quando todos já se
recusaram, deixando às claras seu apego a si próprio, surge uma exceção:
Alceste, a esposa de Admeto, que se propõe a substituí-lo por amor. Essa
nobreza, contudo, não resiste a um exame mais acurado, pois não encerra nenhuma
verdade. Afinal, que amor é esse que a afastará do “Ser Amado”? Se ela temia
esse distanciamento na viuvez, como o aceita agora? Afinal, a “distância” é a
mesma.
Sim, pois essa ausência também estará consigo no Hades, em nada
diferindo da primeira e com um agravante: se na viuvez ela perderia “apenas” o
marido, ao morrer, perderá além dele os seus filhos. Como, então, classificar
seu gesto extremo? Egoísmo, mas agora precedido pelo egocentrismo. Egocêntrica
por desejar ser o “centro das atenções”, das lamúrias e das baixas glorificações
que as almas mais humildes prestam a tal comportamento. Egoísta por não pensar
sequer nos filhos, que deixará crianças, órfãs, dependentes, para atingir seu
objetivo egocêntrico.
A história prossegue com a
chegada de Herácles (Hércules, em latim) sendo hospedado por Admeto que nada
lhe diz sobre o drama que se desenrola em seu Palácio. E Herácles aproveita sua
estadia em lautos banquetes e outros prazeres.
Entrementes, a morte de Alceste
se aproxima e Admeto chora descontroladamente enquanto ela se despede da vida
com um discurso repleto de lamúrias, de autocomiseração, de auto glorificação,
sem se esquecer de pedir a Admeto que ele não se case de novo. Entre outros
exemplos, aparece novamente o seu egoísmo: ao mostrar o medo de que seu
“corajoso sacrifício” perca brilho com o tempo e com as novas alegrias de outro
casamento. Fica claro seu desejo de se tornar um paradigma de “amor conjugal” e
de “desprendimento”.
Morta Alceste, Admeto prepara seu
funeral e entra em cena seu pai, Feres. Admeto o ataca verbalmente com furor,
debitando-lhe a morte da esposa, pois se ele aceitasse morrer em seu lugar, ela
ainda estaria viva. Raciocínio torno, sem dúvida. Feres, revida o ataque
chamando-o, entre outros contra-argumentos, de covarde, pois permitiu que a
própria mulher enfrentasse a dor que era sua. Proibido de assistir ao funeral,
Feres sai de cena e só não é aplaudido por ter resposto as coisas em seus
devidos lugares, pela ligação, já mencionada, que as almas menos capazes
experimentam com os simulacros de coragem e amor.
Na sequencia, Herácles chega à
frente do palácio e após ter sido criticado pelo povo, na voz do Coro, pela sua
alegre estadia na casa de tantos sofrimentos, informa-se do ocorrido e louvando
Admeto pela hospitaleira acolhida mesmo enfrentando tão grave crise, sai de
cena. Só regressa, pouco depois, acompanhado por uma mulher encoberta por
grossas vestimentas. O rei indaga-lhe de quem se trata e o herói, após algum
suspense, descobre o rosto da mulher. É, claro, Alces-te, ressurgida na vida
por ter sido resgatada da morte pelo semideus. Obviamente que esse “gran
finale” é festivo, pois todos estão vivos, o Destino foi ludibriado e o egoísmo
poderá se perpetuar como os dias atuais comprovam.
É uma história muito bem vista
pelas camadas menos instruídas, mas o mesmo não se dá com os mais cultos.
Alguns eruditos chegam mesmo a descaracterizá-la como tragédia, haja vista o
incomum e talvez inconveniente “final feliz”. Pode-se até perguntar: Eurípedes fez conscientemente uma crítica ao egoísmo, ou pretendeu atingir o sucesso imediato junto às massas pouco instruídas, que normalmente reagem com afoiteza à aparência das coisas?
Para muitos, inclusive para esse modesto escrevinhador, essa obra é o arquétipo, ou o modelo das atuais telenovelas,
filmes, alguns livros, folhetins etc., pois as más intenções são secretas
(ou desdenhadas) e todas as situações extremas são resolvidas – mesmo que
impossíveis – com num passe de mágica.
O que importa é dar um “final feliz” a
quem dele necessita.
Rio, 01/02/2011
Produção e divulgação de YARA MONTENEGRO, assessora de RP, desde Ouro Preto, MG, no Verão de 2014.
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