Preâmbulo
Antes de iniciarmos o
capitulo sobre Schopenhauer será justo fazer algumas observações sobre a suposta
desvalia de seus estudos, imputada por seus detratores que não hesitam em
afirmar que a sua Filosofia é uma reles adaptação, ou mesmo um plágio descarado,
do Hinduísmo e de suas continuações,
como o Budismo, o Jainismo e assemelhados. É indubitável que
o pensamento schopenhauriano foi fortemente influenciado por essas filosofias,
mas, longe de ocultar tal fato, ele sempre o enalteceu.
Por isso, o leitor livre
de pré-conceitos encontrará em seu ideário muito mais que uma simples réplica,
pois ao longo de seus estudos a marca de sua genialidade é patente; assim como
a coragem de vestir sem falsos pudores a toga do chamado “Pessimismo Filosófico”
que à época revestia-se de ares acintosos para o status quo, já que se
contrapunha ao Idealismo enigmático e otimista de Hegel, cujo predomínio no cenário erudito era absoluto.
Veremos no correr deste
Ensaio que Schopenhauer foi um jovem de temperamento difícil, em permanente
conflito contra as ideias predominantes, contra a família em geral e
especialmente contra a mãe, uma romancista bem sucedida, e, talvez, até consigo
próprio.
Essa personalidade melancólica,
irritadiça, contestatória e até paranoica em alguma medida, não sofreu grandes transformações
com o avanço da idade, porém, a partir de seu encontro com as doutrinas
orientais – sugerido por amigos de refinada cultura – ele pôde canalizar as suas
iras e frustrações para a produção das obras que ainda hoje lhe asseguram um destacado
lugar no panteão da cultura alemã.
Schopenhauer e a origem
do Pessimismo.
Quantas pessoas haviam
morrido em busca do sonho republicano? Quantas viveram pela crença que Napoleão
Bonaparte suscitara? E o que restara das lutas e das esperanças?
Um nobre da dinastia
dos Bourbon voltara ao trono da França; a monarquia revigorada pela vitória em
Waterloo mostrou-se mais sólida que antes e todas as riquezas que antes existiam
viraram cinzas, consumidas pelos bombardeios. Foi isto o que restou.
E não apenas isso, pois
também restaram milhões de homens mortos, lavouras destroçadas, desemprego em
massa graças à crescente mecanização e, como corolário, a mais negra miséria,
seguida por suas filhas inseparáveis: a fome, a doença e a violência generalizada.
Restara, em suma, uma Europa
devastada.
E foi esse quadro
sombrio que produziu o “Pessimismo”, enquanto estilo e estética, nas Artes e na
Cultura em geral.
Viu-se, então, naquela
funesta primeira metade do século XIX o aparecimento de poetas como Byron, na Grã Bretanha; De Musset, na França; Heine, na Alemanha; Leopardi, na Itália; Pushkin e Lermontof, na Rússia, cujos versos cantavam, sobretudo, o
desencanto, a desesperança, a tristeza. Idem no campo da música com Schubert, Schumann, Chopin e até Beethoven em sua última fase, que
compuseram obras eivadas de melancolia. E no terreno da Filosofia, o movimento
pessimista se fez mais aparente e, dentre outros, nesse quesito, sobressaiu-se Schopenhauer, cuja pena expôs sem contemplação
a mediocridade, a bestialidade e a desimportância que o homem intui possuir,
mas que se nega a admitir, buscando desesperadamente ocultar através de
falaciosas composições filosóficas, artísticas e religiosas essa realidade
tenebrosa.
E naquela cena de
completa devastação material e degeneração moral, coube à Filosofia de Schopenhauer
o encargo de espelhar a destruição e tentar ser um guia que pudesse auxiliar o
homem a se enxergar completamente desnudo de suas máscaras e atavios, para que através
desse despojamento ele percebesse a insanidade de suas escalas de valores, ambições
e condutas. É certo que tal meta pecava pela pretensão, já que milênios de
fantasiosas teorias religiosas e filosóficas inculcaram-lhe uma descabida arrogância;
porém, é justo considerar que a partir de seu advento a Filosofia abandonou a
sua pernóstica incompreensibilidade, tornando-se mais palatável para os leigos
e permitindo com isso que o homem comum passasse a pensar em si próprio sem as
quimeras de outrora.
Se os despossuídos de
dinheiro e de inteligência ainda encontravam consolo nas linhas da Religião,
aqueles outros que viviam em patamares intelectuais mais elevados já tinham
abandonado qualquer fé mística e só enxergavam as ruínas que constituíam o seu
mundo em 1818.
Era, portanto, inevitável
que esses mesmos homens comuns se perguntassem: por que?
Cada túmulo, cada execução
por dividas, cada bancarrota era uma pergunta. Seria um castigo de Deus, que
assim punia aqueles que ousaram, a partir de Voltaire, a pensar? Seria o reino de Lúcifer em pleno gozo com o sofrimento
de quem acreditara nas Luzes do Iluminismo, da Razão e rejeitara a crença
supersticiosa?
Alguns acharam que sim
e a exemplo do poeta Novalis, do
escritor Gogol e doutros, não hesitaram
em voltar para a irracionalidade da religião.
Outros, porém,
recusaram-se a caminhar para o retrocesso e a exemplo de Schopenhauer, Byron, Leopardi, Lermontof etc. reafirmaram o seu ateísmo, a sua descrença em um
Deus que havia permitido todas aquelas mazelas, e enfrentaram com a coragem que
a verdade exige o dilema que tangencia a humanidade: o vislumbre da santidade
contra a bestialidade de nosso cotidiano.
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