Considerações finais
sobre o Pensamento de Kant
Iniciaremos nossos
comentários com o seguinte questionamento: será realmente o Espaço apenas uma
“Forma de Sensibilidade” desprovida de qualquer realidade concreta, objetiva,
independente da mente que o percebe?
Por um lado, pode-se
dizer que sim, já que é um conceito vazio até que seja preenchido por coisas, Seres etc., que são percebidos ou
captados através dos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato)
e entregues à mente para serem classificados e organizados de acordo com a
posição de cada um em relação aos demais. A mente não tem a capacidade de
percebê-lo fora de si mesma. É indispensável que ele “a adentre” nesse
processo. Por isso, é certo que o Espaço seja visto como uma “forma necessária”
do sentido interno.
Porém, é indubitável
que existem “fatos espaciais” que independem de qualquer percepção para existirem
efetivamente, como, por exemplo, o circuito anual que a Terra efetua ao redor
do Sol em forma elíptica.
Tampouco o Tempo é
apenas uma construção mental feita através da coordenação de Sensações. Se nós
captamos o Espaço através da percepção simultânea
de objetos diferentes e de vários pontos; de modo análogo captamos o Tempo, mas
aqui a simultaneidade é substituída pela sucessão,
de modo que ele nos chega como uma Sensação de “antes” e de “depois” ou como
uma medida* do movimento. O certo é que a sua efetiva existência independe de
ser captada pela mente, como, aliás, pode ser observado no ciclo de nascimento,
duração da vida e morte de uma árvore, de um homem etc.
Nota
do Autor – aos interessados na questão do Tempo enquanto
conceito, recomendamos o Ensaio, “O Tempo, segundo os Filósofos”, de nossa
autoria, publicado em: www.fabiorenatovillela.com.
Feitas essas
colocações, pode-se especular o motivo de Kant ter colocado o Tempo e o Espaço
como simples “elementos para organizar as Sensações recebidas”.
Alguns estudiosos sustentam
que a sua intenção ao afirmar essa subjetividade, essa abstração foi a de se
opor ao Materialismo que então predominava o cenário. E, paralelamente, opor-se
à ideia de um tipo de Deus, tão objetivo quanto o Espaço e o Tempo, que pudesse
ser conhecido racionalmente, como propunham o clero e os demais adeptos da
“Teologia Racional”.
Para outros, porém, a
sua insistência levou-o ao erro, pois já seria mais que suficiente a sua afirmativa
sobre o “Idealismo Critico” que nos ensinou que toda realidade (física,
concreta) só nos é revelada através das idealizações que
fazemos da mesma, após tê-la captado ou percebido pelos Sentidos (tato, visão,
audição, paladar e olfato), pelas Sensações.
Outro ponto que lhe é
contestado diz respeito à “Verdade Cientifica” e a sua obsessão pela “Verdade
Absoluta”, pois a própria Ciência, inclusive a Matemática, sabe-se relativa em
suas verdades e se contenta com um alto grau de probabilidade. Não são poucos
os eruditos que se perguntam se o conhecimento “necessário” será, de fato,
necessário?
Porém, não obstante
essa argumentação contrária é inquestionável o valor da contribuição kantiana
ao saber humano. Principalmente por ter demonstrado em definitivo que o mundo
externo, as coisas que nos rodeiam, só é conhecido por nós como uma Sensação
resultante da captação feita pelos sentidos.
E, também, por ter
comprovado que a mente humana não é uma “cera passiva”, uma “tabula rasa”
sujeita aos ditames das Sensações, como afirmou Hume e outros Filósofos empiristas. Ao contrário, a mente é um
“agente ativo” que seleciona e reconstrói a experiência que lhe chega. Um
agente que pode, inclusive, fazer subtrações naquilo que os Sentidos (tato, visão,
audição, paladar e olfato) captaram e lhe carrearam sem
eliminar a sua grandeza.
E a ele também se deve
o questionamento acerca do conceito “Categorias”, que desde Aristóteles reinou
sem qualquer investigação mais atenta. Serão as Categorias ou “formas
interpretativas de pensamento” anteriores às Sensações e às experiências? Ou
serão adquiridas pela memória da espécie e repassadas ao individuo? Ou serão
como “sulcos” de pensamento onde se encaixam as Sensações chegadas? Ou, então,
hábitos de percepção e concepção que são provocados pelas Sensações, as quais
se organizam nos mesmos em um primeiro momento para serem, depois,
reorganizadas pela memória, segundo parâmetros mais refinados, até serem
transformadas em ideias efetivas?
E mais outros elementos
poderiam ser citados, mas seria desnecessário, pois mesmo a discordância de
alguns acerca da unidade* da mente é incapaz de lhe empanar o brilho.
Nota
do Autor – Kant julgava que a unidade da mente seria nativa
(a “transcendental unidade de percepção”) enquanto outros sábios julgam-na adquirida,
haja vista a possibilidade dela deixar de existir a partir de um distúrbio
qualquer, como a amnésia, por exemplo.
Tampouco diminui a sua
grandeza, o rude tratamento que foi dado à sua Ética no século XIX. Os homens
de letras da época rejeitaram peremptoriamente a sua ideia de que o Senso Moral
seria inato, a priori, absoluto, pois se vivia o auge da concepção
Evolucionista que proclamava ser o Senso Moral uma espécie de “depósito social”
instalado em cada indivíduo, o qual até poderia ter uma inata propensão a viver
em comunidade, embora isso não o tornasse uma “Criação Divina” dotado automaticamente
da sabedoria sobre o “certo” e o “errado”, até porque esses conceitos já eram
vistos acertadamente como relativos e alteráveis conforme as condições concretas
ou objetivas de cada situação. Para aqueles sábios e muitos outros, inclusive
da atualidade, nenhuma ação é boa apenas por si mesma, como propunha Kant.
Contudo, para atenuar o
equivoco do filósofo, deve-se considerar a criação que Kant recebeu e que foi
fortemente influenciada pelo “Pietismo” da mãe e, também, a sua vida marcada
pela fragilidade física e pela estreita observância dos deveres em detrimento
dos prazeres ou do simples bem estar físico. Um comportamento, diga-se, diretamente
associado ao “espírito alemão”.
Todavia, mesmo nesse
ponto, vemos que após um longo período de liberalismo, importantes segmentos
sociais dão mostras de que anseiam por essa rigidez de costumes, de
comportamento, de observação extrema de certos parâmetros e de cumprimento de
deveres, ainda que a custa de sacrifícios pessoais. Para muitos, esse
“chamamento kantiano ao dever” não está equivocado.
Por outro lado, mudando
o prisma de nossas considerações, deparamo-nos com um dos pontos altos do
Sistema kantiano ao observarmos a sua maravilhosa guinada em direção das ideias
religiosas que ocorre na segunda Crítica, a da Razão Prática.
Ideias sobre “Deus, liberdade e imortalidade” que o
leitor apressado julgou enterradas na primeira Critica, a da Razão Pura, aqui
ressurgem como se o filosofo fosse um mágico que tira coisas de uma cartola
vazia. Vê-se, maravilhado, Kant tirar do conceito de “Dever” as ideias acima.
A esse respeito, o
filósofo Schopenhauer disse acreditar que Kant continuava, na realidade, tão cético
quanto antes, mas que hesitava em destruir a fé popular por temer as consequências
dessa falta de um poderoso freio moral. Alguns outros, pseudo Filósofos na
maioria, entenderam o posicionamento de Schopenhauer de maneira errada ou má
intencionada e não tardaram em debitar a Kant tentativas de “racionalizar Deus”
e outras sandices do gênero. Porém, o que Kant tinha em mente, ainda segundo a
visão de Schopenhauer, era derrubar os antigos erros, mas tomando o cuidado de
manter em pé, através de sua “Teologia Moral” alguns suportes temporários para
que esses sustentassem o homem enquanto ele não atingisse a idade em que se
veria desnecessitado das superstições religiosas.
De todo modo, essas
observações adversas de inimigos menores não merecem muita consideração, pois a
magnitude do Ensaio “A Religião dentro
dos Limites da Razão Pura” não deixa dúvidas sobre a sinceridade de
propósitos de Kant, que ao transformar a base da Religião de “crença” em “conduta”
fez com que a mesma se tornasse uma manifestação legitima de transcendência e
Metafísica.
Mas é claro que um
Sistema como o de Kant, cuja grandeza permite até aparentes contradições, não
poderia passar incólume pela inveja de muitos, pelas bem intencionadas censuras
de outros e, também, pelas evidências advindas do progresso cientifico.
Nada, porém, foi capaz
de abalar a sua importância, a qual, aliás, tornou-o um referencial para todo o
pensamento filosófico do Século XIX. Depois dele, a Europa em geral e a
Alemanha em particular, passaram a falar amiúde sobre a Metafísica, a
Transcendência, o Númeno ou “coisa-em-si” etc.
Redescobriu-se o “Mundo
das Ideias” de Platão. Schiler e Goethe estudaram-no atentamente. Beethoven homenageou-o e Fichte, Schelling, Hegel e Schopenhauer produziram em rápida
sucessão grandes Sistemas de Pensamentos erguidos sobre a base comum do
Idealismo Kantiano.
Enquanto isso a sua
crítica à Razão e a sua exaltação ao Sentimento, à Intuição prepararam o
terreno para o “Voluntarismo” do já citado Schopenhauer e o de Nietzsche e para o “Intucionismo” de Bérgson, cabendo à sua afirmativa sobre
a igualdade entre as Leis do Pensamento e as Leis da Realidade servir como
alicerce para o Sistema de Hegel. Ademais,
deve-se citar, ainda, o hodierno movimento “Neo
Kantista” que busca a aplicação de seus enunciados na realidade contemporânea.
Por fim, pode-se dizer
que apesar do apego do homem atual ao Materialismo e de sua crença no poder
quase místico das Ciências, graças a Kant o Idealismo permanece tão vigoroso
quanto antes. E se nada mais tivéssemos a agradecer-lhe, a conservação dessa
janela por onde escapamos dos estreitos limites do Físico, já seria um justo
motivo para o nosso eterno reconhecimento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário