CARNAP, Rudolf
1891- 1970
O Círculo de Viena e o Positivismo
Lógico
Rudolf
nasceu no norte da Alemanha, em uma família cuja prosperidade só foi alcançada
na geração de seus pais. Com ela, CARNAP pôde desfrutar de uma educação de
qualidade, a qual se iniciou no Colégio de BARMEN e prosseguiu na Universidade
de JENA (que
abrigou Filósofos como Kant, dentre outros
notáveis) de 1910 a 1914.
Ali,
enquanto escrevia sobre Física, CARNAP estudou cuidadosamente a “Critica da Razão Pura”, de Kant (como se sabe, essa obra investiga
o alcance e os limites do raciocínio Humano),
em um curso ministrado por Bruno Bauch
e a “Lógica Matemática” de Gottlob Frege (1848 – 1925).
Tais
interesses já sinalizavam sua inclinação para o aspecto “prático, concreto” da Filosofia. Já era possível vislumbrar a sua
disposição em ver o papel da Filosofia no Século XX apenas como a tarefa de
fazer a análise lógica e os esclarecimentos dos Conceitos Científicos. Para
ele, vários dos “Problemas Filosóficos
(ou
das questões analisadas pela Filosofia)”
que aparentemente são intrincados e profundos, em verdade, inexistem, pois – de acordo com suas concepções
materialistas – não podem ser comprovados (tampouco refutados) por Experiências
Cientificas. Seriam, com efeito, pseudoproblemas originados apenas por confusões
lógicas advindas da forma equivocada de como a Linguagem é utilizada.
Após
servir ao Exército alemão e lutar na 1ª Guerra Mundial por três anos, CARNAP
obteve permissão para prosseguir seus estudos em Física na Universidade de
BERLIN, entre 1917 e 1918. Nessa ocasião, aliás, foi aluno de Albert Einstein.
Da
capital alemã, o Filósofo transferiu-se para a Universidade de Freiburg onde
escreveu sua Tese em que estabeleceu uma Teoria Axiomática (ie, composta
por Axiomas – as premissas evidentes e aceitas como verdadeiras, sem a
necessidade de comprovação dessa condição)
sobre o Espaço/Tempo.
O
resultado alcançado pela Tese não foi, porém, tão favorável quanto era esperado.
O Departamento de Física julgou-a “muito
filosófica” e Bruno Bauch, do Departamento de Filosofia, considerou-a “pura Física ortodoxa (sem qualquer
acrescimento ao Saber já estabelecido. Sem qualquer ousadia que lançasse novas
luzes sobre o tema)”, que apenas repetia as Teorias de Espaço/Tempo
já conhecidas. Porém, apesar do malogro no meio acadêmico, a obra foi publicada
em 1922.
Antes
dessa publicação, CARNAP travou relações com o Filósofo Bertrand RUSSELL que gentilmente respondeu à sua missiva com um
longo manuscrito em que copiou trechos de sua obra máxima “Principia Mathemática (escrita em parceria com Alfred N. Whitehead)”
e lhe ofereceu como um presente providencial, haja vista que a miséria em que a
Alemanha ficou após a derrota na Guerra não permitia ao Filósofo, nem à
Universidade, comprar os exemplares necessários. E também providencial por lhe
dar alguns subsídios para consolidar seu Ideário em que a Lógica (a
Racionalidade) e Materialismo Positivista tiveram lugar destacado.
Em
1924 e 1925 CARNAP também participou de Seminários com o inglês Edmundo Husserl – o fundador da Fenomenologia – e o contato com esse Mestre reforçou
seu cabedal de conhecimentos e embasou a continuidade de seu trabalho sobre a
Física, olhada sob o ponto de vista
do “Positivismo Lógico”.
NOTA
do AUTOR – o Positivismo
Lógico, como se sabe, é o Sistema Filosófico que rejeita toda visão
Metafísica, Sobrenatural e afirma que só existe efetivamente aquilo que é material,
físico, concreto. E, ainda, que possa ser verificada, comprovada ou refutada.
Todos
os Pensadores que conheceu tiveram decisiva importância em seu Saber, mas foi
em Hans Reichenbach que CARNAP
encontrou seu espírito irmão, com o qual manteve estreita colaboração e
fraternal amizade durante toda vida. Hans, durante uma Conferência em 1923,
apresentou-o a Moritz Schbick que o
convidou para trabalhar em seu departamento na Universidade de Viena. Ali, CARNAP
foi empossado em 1926 e a partir daí reuniu-se aos outros intelectuais que
formaram o famoso “Circulo de Viena”. Liderados
por Schlick, o grupo incluía Hans Hann, Friedrich Waimann, Otho Neurath e Herbert Feigl, além de CARNAP.
NOTA
do AUTOR – Veja nessa série de Ensaios, aquele dedicado a
esse agrupamento de Pensadores.
Além
das ações em conjunto com esse grupo, CARNAP manteve proveitoso contato com Wittgenstein. Em parceria com Hans e
com Neurath escreveu, em 1929, o importante “Manifesto
do Círculo de Viena”; e com
Reichenbach fundou a Revista “Erkenntnis” que até hoje é
considerada como um dos principais periódicos filosóficos.
Ainda
no campo da produção literária, não se pode deixar de citar dois importantes
livros que o Filósofo publicou em 1928 – AUFBAU,
A Estrutura Lógica do Mundo e Pseudoproblemas em Filosofia – que resumem
suas concepções filosóficas. Adiante voltaremos aos mesmos.
Em
fevereiro de 1930, CARNAP visitou Varsóvia e ali desenvolveu seus conhecimentos
sobre a abordagem da Semântica, a partir da Teoria de “Filosofia de Modelos” do célebre Pensador Tarski. Em
1931, foi nomeado Professor na Universidade de Praga (onde se falava alemão) e
ali escreveu sua “Sintaxe Lógica da
Linguagem”, publicado em 1934, que o tornou o “Positivista Lógico” mais aclamado à época. Em 1933, o Filósofo Quine o visitou e a “Sintaxe” serviu
como centro da conversa entre ambos e como ponto de inicio para a admiração que
Quine passou a ter por CARNAP. Admiração e respeito mútuo, diga-se, ainda que houvesse
divergências pontuais sobre as conclusões filosóficas de Rudolf.
No
campo da Política, CARNAP perdeu todas as ilusões com o avanço do Nazismo. E
como o seu Pacifismo e a sua inclinação ao Socialismo tornaram-no um alvo para os
asseclas de Hitler, emigrou para os EUA em 1935 e em 1941 naturalizou-se estadunidense.
Na
nova pátria, de 1936 a 1942 lecionou na Universidade de Chicago onde fez dupla
com Charles W. Morris em defesa da
primazia a ser dada à Ciência e à Lógica. Defesa, aliás, que não trouxe muita
simpatia à dupla, mas que não impediu que sua produção fosse profícua e
importante. Seus escritos sobre Semântica
e Lógica Modal permanecem válidos
ainda hoje e muito próximos da abordagem hodierna sobre a “Semântica dos Mundos Possíveis” e das Fundações (ou Bases) da Probabilidade e Indução.
CARNAP
também trabalhou por um curto tempo no “Instituto
para o Estudo Avançado” de Princeton. Em 1954 ele se juntou ao Depto de
Filosofia da Universidade da Califórnia (ULCA) em Los Angeles.
NOTA
do AUTOR – Essa adesão, aliás, só aconteceu após um segundo
convite, já que ele recusara o primeiro, por este estar condicionado à exigência
de que fizesse uma “declaração de lealdade”, aos moldes do Movimento
“Mccarthysta”; que, como é sabido,
foi um Movimento de extrema-direita que vigorou no Congresso e na Sociedade
estadunidense e se propunha “a defender a democracia (sic)” perseguindo com
selvageria todos os Intelectuais e Artistas que fossem suspeitos de qualquer
ligação com os Movimentos de Esquerda.
Na
ULCA, o Filósofo escreveu sobre Conhecimentos
Científicos, sobre a Dicotomia entre
o Analítico e o Sintético e sobre o Principio
da Verificação. Temas afins ao seu Ideário, no qual o Progresso Científico
é o objetivo e o condutor dos Homens.
Na
sequência abordaremos suas duas obras fundamentais, onde ele detalha sua
concepção em defesa da Lógica, do Positivismo, do rigor no emprego da Linguagem e a sua contestação à Metafísica.
Estrutura Lógica do Mundo “AUFBAU” – nessa obra, CARNAP reflete sobre o Empirismo*, afirmando
que todos os Termos Científicos são análogos
aos termos que nomeiam os Fenômenos (lembrando que Fenômenos são os fatos, as coisas que
captamos através dos nossos Sentidos [tato, visão, audição, paladar e olfato]).
*Empirismo – o Sistema
Filosófico que defende a tese de que o Conhecimento que adquirimos nos chega exclusivamente
através do que os nossos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato)
conseguem captar, para só depois serem Racionalizados.
O
Sistema que ele utilizou para montar, ou estruturar seu Livro escora-se no
critério único de que um Elemento é semelhante ao outro. Ou seja, um termo, ou
um nome científico é análogo ao seu correspondente fenomênico.
Ora,
se os termos científicos são naturalmente Lógicos, os termos que definem os
fenômenos também o serão, portanto a Estrutura, ou o Formato do Mundo, formado
pelos Fenômenos, só pode ser Lógica.
Sua obra foi fortemente influenciada pelo trabalho de Russerl, “Principia Mathemática”, contudo, com o correr do tempo, ele se afastou dos Conceitos que ali defendera e chegou até a proibir a tradução da obra para o inglês até 1967.
Pseudoproblemas em Filosofia – nesse livro, CARNAP defendeu seu ponto de vista
de que muitas questões filosóficas não tem qualquer significado, haja vista que
aquilo que as sustem é apenas erro de Linguagem. Aliás, foi por isso que ele, e
inúmeros outros Pensadores contemporâneos, rejeitou peremptoriamente toda Metafísica, alegando que nada que seja Sobrenatural pode ser comprovado.
Essa
rejeição foi o tema que mais lhe deu fama, mas não necessariamente prestigio,
pois, além daqueles que viam (e veem) essa posição como uma ótica medíocre*,
alguns Filósofos importantes, como Willard
Quine e Karl Popper,
argumentaram que seus padrões sobre o que seria “Significativo, ou Importante” eram tão rígidos que se tornaram meras
Idealizações, ao contrário do que se verifica na prática das Ciências.
*NOTA do AUTOR - afinal, como se pode ter a
petulância de negar alguma coisa pelo simples fato de não se ter a capacidade
para percebê-la através dos Sentidos (tato, visão, audição, paladar e olfato)? Seria como negar a existência de um homem desconhecido
que resida na China, apenas por não ser possível tocar-lhe, escutar-lhe, vê-lo
etc. Por não poder estudar seu peso, sua altura e suas outras características
físicas.
O
imponderável deve sempre ser aceito, ao menos como possibilidade, pois como
afirmava Popper em sua “Teoria da
Falsificabilidade”, nenhuma quantidade de comprovações positivas pode, ou
deve assegurar que uma Teoria é verdadeira, já que bastará um único resultado
negativo para demonstrar a sua incorreção.
Logo,
afirmar a completa inexistência do Sobrenatural,
ou Metafísico e reduzir a importância
e a função da Filosofia (ao decretar que
seu único papel, em virtude do sucesso e da hegemonia das Ciências, é a Análise
Racional ou Lógica e o esclarecimento dos Conceitos Científicos) configura um grave erro na medida em que suprime do
Homem o arcabouço mental que o diferencia das outras criaturas. Será torná-lo
um mero “Ser” ocupado com a monótona burocracia dos Conceitos estipulados e
prisioneiro dos estreitos liames do Materialismo.
Sobre
esse aspecto, outra censura se juntou à dos Filósofos citados. Foi proferida
pelo Erudito Thomas Kuhn que na
década de 1960 – tanto quanto outros Pensadores da época – iniciou seus estudos
sobre as implicações impostas à Sociedade pelo Progresso Científico (poluição,
aquecimento global etc.). Esse questionamento iniciou a desconstrução do “totem” em louvor ao “Avanço das Ciências” que fora erigido
nos anos anteriores. Com isso, teve inicio a rejeição ao Materialismo que embasa o Positivismo
Lógico, a arena em que CARNAP brilhara.
Todavia,
antes de encerrarmos será justo vermos em seu Ideário – bem como nos Sistemas
similares – um luta honesta, embora incorreta, contra o “excesso” de Metafísica
que, seguramente, é tão pernicioso quanto a sua supressão total. Afinal, foi em
razão desse excesso que prosperaram as Crenças religiosas e as crendices
místicas que manipularam a Humanidade ao longo dos séculos, com funestas
consequências.
Outro
ponto a lhe ser creditado é o que se refere à sua importante contribuição ao
Pensamento Ocidental ao pregar o necessário cuidado no uso da Linguagem para se
evitar ambiguidades ao se falar sobre as Ciências; e o aparecimento de falsos problemas a serem resolvidos pela
Filosofia.
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