GADAMER, Hans Georg
1900 – 2002
A História não nos pertence: nós pertencemos a ela.
Hermenêutica: a arte de interpretar.
No
inicio do século XIX o Filósofo alemão Friedrich
Schleiermacher publicou seu estudos que se tornaram a base da Hermenêutica, que como se sabe é a
arte, ou a capacidade de interpretar o Sentido, ou o Significado das Palavras,
ou das Leis, ou dos chamados Textos
Sagrados.
Com
o correr do Tempo, outros Pensadores abordaram o tema da interpretação. Em
1890, Wilhelm Dilthey escreveu sobre
o assunto, e mais especificamente sobre o Circulo
da Hermenêutica (logo adiante voltaremos a esse termo). Depois, em 1927, Martin Heidegger elevou a arte da hermenêutica a um de seus níveis
mais elevados ao interpretar o “Ser”
ou o “Existir”, em sua célebre obra “Ser e Tempo”. Na atualidade, a
abordagem hermenêutica foi utilizada por Richard
RORTY em seu livro “A Filosofia e o
Espelho da Natureza” para interpretar a capacidade que temos de narrar a
representação que fazemos do Tempo. Ou seja, usou a arte de interpretar para
decifrar a forma como “Sentimos” a
passagem do Tempo. Jean Paul Sartre repetiu
o tema para examinar em sua obra “Tempo e Narrativa” a nossa habilidade para relatar o nosso “Sentimento de Tempo”; ie, como é que nós sentimos a
existência de “algo abstrato e talvez
inexistente em si mesmo”.
Vê-se,
pois, pelos Filósofos citados a importância da Hermenêutica para a Filosofia e
foi essa relevância que atraiu o Pensador Georg Hans GADAMER para tema, o qual,
aliás, tornou-se sua marca registrada. Com efeito, foi GADAMER quem mais se
ligou a essa forma de estudo, a “Filosofia
Hermenêutica” ou o “Estudo sobre as
formas que os Seres Humanos usam para interpretar o Mundo, a Vida e a Si mesmo”,
dentre tantos outros Filósofos.
GADAMER
nasceu em MARLBURG e foi criado em BRESLAU, cidade que atualmente deixou de ser
alemã, tendo sido incorporada à Polônia, com o nome de WOCLAW.
Seus
estudos de Filosofia tiveram inicio em sua cidade natal e prosseguiram na de
criação, onde ele escreveu uma segunda tese de Doutorado, sob a orientação de Martin Heidegger que a partir daí,
tornou-se uma influência constante em seu Ideário.
Em
MARLBURG, GADAMER tornou-se Professor Associado iniciando sua longa carreira acadêmica
que culminou, entre outros êxitos, com a sucessão do Filósofo Karl Jaspers na emérita posição de
Professor de Filosofia em Heidelberg, em 1949.
Paralelamente
à sua carreira de Educador, GADAMER foi um escritor profícuo e sua obra prima “Verdade e Método” – publicada quando ele já tinha 60 anos – é
vista como um precioso legado ao Pensamento Contemporâneo. Nela, o Filósofo
tece criticas vigorosas contra a concepção atual de que apenas as Ciências são
capazes de oferecer um caminho seguro para a Verdade. Ou seja, para ele, também
a Filosofia, entre outras disciplinas, é capaz de oferecer uma versão
absolutamente condizente com a verdadeira natureza de uma Coisa, de um Ser, de
um fato etc.
Mas
a par da firmeza com que defendeu suas opiniões e suas teses, a sua afabilidade
e inteligência renderam-lhe admiradores, amigos, prestigio e conforto material
até o final de longa e proveitosa vida.
Para
GADAMER:
1
– Compreendemos o Mundo por meio da Interpretação.
2
– A interpretação que fazemos é sempre referente a uma determinada época
histórica mesmo que imaginemos estar fazendo uma “interpretação geral e total”,
haja vista que o Mundo está sempre contido em uma “época história”, por mais
longa e abrangente que ela seja. Mesmo que abarque desde o nascimento até o fim
do Mundo será uma “época histórica determinada”, com principio e fim. Um
intervalo de tempo que pode ser medido. Assim sendo, independente da extensão
do período interpretado, dele obtemos os nossos preconceitos e as nossas
predisposições.
3
– Não podemos entender os Seres, as Coisas, os Fatos fora desses preconceitos e
predisposições. Nossa capacidade intelectual não nos permite compreender nada
que não se ajuste a esses pré julgamentos, ou pré conceitos, ou pré
disposições.
4
– Por isso, a História não nos pertence, pois somos nós que pertencemos a ela
na medida em que a investigação feita sobre a mesma é que modela o que pensamos
e como agimos. Modela o que somos. Ao interpretarmos um fato de tal maneira,
agiremos de modo a lhe dar uma resposta à altura. Reagimos ao que no Passado se
fez e em cima disso é que criamos as nossas concepções sobre a vida.
NOTA
do AUTOR - O racismo, por exemplo, subsiste em larga medida
por causa de no Passado ter-se atribuído às pessoas negras qualidades negativas.
GADAMER
ao se referir ao Tempo diz que ao vermos objetos históricos não devemos
considerar esse mesmo Tempo como um abismo a transpor, mas como um intervalo preenchido
por Saberes que ao serem interpretados iluminam a nossa compreensão atual.
Por
isso, para ele a Hermenêutica (do grego “Hermeneuo” = interpretação) é o mais completo e efetivo instrumento à disposição
dos Seres Humanos para interpretarem o Mundo.
GADAMER,
como já se disse, estudou parte da Filosofia sob a orientação de Heidegger que
em certa ocasião proclamou que “o dever
da Filosofia é interpretar o Mundo”. Essa linha de trabalho implica
considerar que a interpretação é sempre um processo de aprofundamento da
nossa compreensão a partir do conhecimento inicial que já detemos.
É
um procedimento análogo ao modo de se interpretar, por exemplo, um poema.
Inicia-se com a leitura cuidadosa do mesmo, usando-se o Saber que já temos
naquele momento. Se nos deparamos com um verso, ou com uma estrofe que nos
surpreende pela singularidade ou pela estranheza, torna-se necessário atingir
um nível mais profundo de entendimento, o que exige estudos, pesquisas em
léxicos, em biografias, em efemérides etc. Ou seja, exige um trabalho
intelectual baseado no depósito de informações que outros, no Passado ou na
História, legaram ao Mundo. De posse, então, dessas novas luzes habilitamo-nos
ao exercício da interpretação, a qual, prosseguindo ocasiona a mudança em nosso
modo de ver, de sentir, de captar o texto.
E
quando o sentido do Poema como um todo muda, vemos que também é possível a
mudança no Sentido, ou no significado, de cada verso. Essas mudanças parciais
e a mudança no Todo é o chamado Círculo Hermenêutico.
Heidegger
abordava a Filosofia dessa maneira “circular”
e, fiel ao Mestre, GADAMER seguiu-lhe os passos, como se vê em sua obra “Verdade e Método”, de 1960.
Contudo,
o discípulo foi além para mostrar que a nossa Compreensão parte sempre do ponto de vista de um determinado
acontecimento histórico (a Revolução Francesa, por exemplo). Essa forma de compreender o Mundo leva ao fato de
que os nossos Conceitos, pré conceitos, Juízos (ou Julgamentos), crenças, as
perguntas que julgamos oportunas e as respostas que nos satisfariam etc. são
sempre produtos da História. E como não há modo de ficarmos fora da História,
sob a pena de não conseguirmos entender a vida, encontramos a seguinte consequência: somos impedidos de alcançar uma perspectiva
inteiramente subjetiva; ie, um ponto de vista que seja apenas e
exclusivamente nosso, pessoal, pois os elementos que citamos acima (Juízos [ou Julgamentos],
conceitos, crenças etc.) estão “contaminados” pela perspectiva de quem
nos precedeu.
Mais
tais preconceitos, tais ideias, ou crenças preconcebidas, segundo GADAMER, não
devem ser vistos negativamente, pois é preciso que tenhamos a consciência
de que são “Pontos de Partida” para
as nossas conclusões vindouras.
Nossa
compreensão sobre os significados atuais de um fato, de um Ser, de um objeto
etc. baseiam-se nas concepções anteriores, no Saber já existente. Por isso, esse
não deve ser olhado de forma negativa, pois foi sobre tais bases que pudemos
refletir e trabalhar mentalmente para chegarmos ao conceito que melhor se nos
adeque.
Ademais,
mesmo que fosse possível livrarmo-nos de todos os conceitos anteriores, nós não
teríamos mais clareza sobre as Coisas, até porque nos faltaria uma base de comparação
e um ponto inicial para as nossas reflexões. Sem um Sistema que nos permita interpretar
determinada coisa, nós não somos capazes de traduzir ou decifrar nada.
GADAMER
prega que o processo de interpretar, de compreender o Mundo e a nossa própria vida
(o nosso “eu”) é similar a “uma conversa com a História”.
Quando
lemos textos históricos que existem há séculos, as tradições e os
posicionamentos neles contidos mostram-nos as nossas próprias normas, Leis,
regras culturais, predisposições, preconceitos, crenças etc. Ou, ao menos, a
base, a fundamentação desses nossos elementos.
E
isto nos permite ampliar e aprofundar a compreensão sobre a nossa vida
presente. Assim, por exemplo, quando leio Platão posso descobrir que estou
aprofundando meu entendimento sobre ele, mas, também, sobre mim mesmo. Sobre meus
pensamentos, sentimentos e atitudes, os quais, ao se clarearem poderão até ensejar
modificações que os melhore. Posso, ainda, entender que não apenas leio Platão,
mas que também sou lido por ele, na medida em que o comportamento que ele
descreve é justamente o que sigo.
Através
desse “diálogo”, ou “Fusão de Horizontes”, nas palavras de GADAMER,
a minha compreensão do Mundo alcança um nível mais rico e profundo a cada
palavra que “trocamos” com o outro. Entendemos
que:
Como uma experiência está dentro da
totalidade da vida, essa mesma totalidade da vida, também está presente em cada
experiência.
São Paulo, 27 de Junho de 2012.
Precioso texto! um abraço!
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