terça-feira, 12 de outubro de 2010

Adaptação de "OS LUSÍADAS" ao Português Atual - Canto II

Notas à Edição

A obra está registrada na Biblioteca Nacional sob número
233.894 Livro 413 Folha 54
Proibida qualquer forma de cópia ou alteração.

1. Correções ortográficas foram feitas apenas nas Estrofes Adaptadas por motivos óbvios. Essa adaptação não é uma tradução, até porque o idioma é único. Destarte, o leitor mais atento notará que as estrofes adaptadas não brilham pela perfeição da métrica ou do sistema rimático. E se tal não se dá o motivo é simples: é impossível copiar a genialidade do bardo, sendo, pois, a proposta dessa obra a de ser mero instrumento para auxiliar a compreensão do Épico de Camões.

2. No texto original, provavelmente escrito em 1556 e publicado pela primeira vez em 1572 (pouco depois do descobrimento do Brasil), Camões emite conceitos e Juízos (ou Julgamentos) que eram apropriados à sua época, mas que atualmente são considerados ofensivos. Por fidelidade ao texto, o autor da Adaptação conta com a compreensão dos (as) leitores (as) por ter transposto alguns desses Conceitos, os quais não são, obviamente, endossados pelo mesmo.

3. Os deuses gregos são chamados pelos seus nomes em latim. Embora incorreto, o autor da adaptação optou por tal modo em vista de estarem mais popularizados dessa maneira.

4. Sugere-se que a Estrofe Adaptada seja lida em primeiro lugar, para que ao se ler a Estrofe Original toda a genialidade de Camões possa ser desfrutada integralmente, quer no tocante ao esquema rimático, quer à perfeição de sua métrica e a todos os outros elementos que o bardo expôs com maestria singular.

5. Por último, o autor dessa Adaptação coloca-se ao inteiro dispor para fazer eventuais e fundamentadas correções, acréscimos ou subtrações, pois o Monumento erguido por Camões merece cuidados que nunca serão excessivos.

Dedicado aos Poetas Portugueses

Inês Dupas e Giraldoff

Já neste tempo o lúcido Planeta

Que as horas vai do dia distinguindo,

Chegava à desejada e lenta meta,

A luz celeste às gentes encobrindo;

E da casa marítima secreta he estava o Deus

Nocturno a porta abrindo,

Quando as infidas gentes se chegaram

Às naus, que pouco havia que ancoraram.



1o Neste momento o lúcido Planeta (1)
Que o dia e a noite vai distinguindo,
Lentamente alcançava a sua meta,
E lá no Palácio Secreto, o deus
Noturno as portas ia abrindo.
A luz das estrelas a tudo ia encobrindo,
E foi então que os infiéis chegaram
Nas naus, que há pouco tempo ancoraram.

1- Lúcido Planeta: a Lua, que na época de Camões era considerada um planeta, conforme o Sistema de Ptolomeu
2- Nocturno: o deus Érebo, que presidia a noite.


Dantre eles um, que traz encomendado

O mortífero engano, assi dizia:

«Capitão valeroso, que cortado

Tens de Neptuno o reino e salsa via,

O Rei que manda esta Ilha, alvoraçado

Da vinda tua, tem tanta alegria

Que não deseja mais que agasalhar-te,

Ver-te e do necessário reformar-te.



2o Dentre eles, um que traz encomendado

A mortífera cilada, assim dizia:

- Ó valoroso capitão, que tem singrado

O reino de Netuno e sua salgada via,

O rei que governa esta ilha está alvoroçado

Com a tua chegada e sente tanta alegria

Que terá imenso prazer em abrigar-te,

E prover-lhe do necessário para restaurar-te.

«E porque está em extremo desejoso

De te ver, como cousa nomeada,

Te roga que, de nada receoso,

Entres a barra, tu com toda armada;

E porque do caminho trabalhoso

Trarás a gente débil e cansada,

Diz que na terra podes reformá-la,

Que a natureza obriga a desejá-la.



3o E porque está extremamente ansioso

Por ver-te, pois já é pessoa respeitada,

Roga-te que de nada sejas receoso

E entre no porto junto com a tua armada.

E como do caminho trabalhoso,

A tua tripulação está cansada e debilitada,

Ele avisa-lhe que na terra pode repousá-la,

Pois a natureza pede repouso e se deve respeitá-la.



«E se buscando vás mercadoria

Que produze o aurífero levante,

Canela, cravo, ardente especiaria

Ou droga salutífera e prestante;

Ou se queres luzente pedraria,

O rubi fino, o rígido diamante,

Daqui levarás tudo tão sobejo

Com que faças o fim a teu desejo.»



4o E se estás buscando as mercadorias

Que são produzidas no dourado Oriente,

A canela, o cravo, a picante especiaria,

Ou os remédios salutares e fortificantes;

Ou então, se queres a reluzente pedraria,

O fino rubi, o rígido diamante,

Daqui tu os levarás de modo tão sobejo

Que certamente saciará o teu desejo.





Ao mensageiro o Capitão responde, ‘

As palavras do Rei agradecendo,

E diz que, porque o Sol no mar se esconde,

Não entra pera dentro, obedecendo;

Porém que, como a luz mostrar por onde

Vá sem perigo a frota, não temendo,

Cumprirá sem receio seu mandado,

Que a mais por tal senhor está obrigado.



5o Ao mensageiro o capitão responde,

E às palavras do rei vai agradecendo,

E diz que como o sol no mar já se esconde,

Não entra pela barra ao convite atendendo;

Mas ao nascer o Sol e a luz mostrar por onde

Possa navegar sem perigo temendo,

Atenderá sem receio ao seu comunicado,

Ao qual, desde já se sente obrigado.





Pergunta-lhe despois se estão na terra

Cristãos, como o piloto lhe dizia;

O mensageiro astuto, que não erra,

Lhe diz que a mais da gente em Cristo cria.

Desta sorte do peito lhe desterra

Toda a suspeita e cauta fantasia;

Por onde o Capitão seguramente

Se fia da infiel e falsa gente.



6o Depois lhe pergunta se vivem na terra

Os cristãos, como o piloto lhe dizia;

O ardiloso mensageiro não erra

E diz que os cristãos eram a maioria.

Desse modo o capitão encerra

Parte da suspeita que ainda nutria;

E passa a confiar parcialmente

Naquela infiel e falsa gente.



E de alguns que trazia, condenados

Por culpas e por feitos vergonhosos,

Por que pudessem ser aventurados

Em casos desta sorte duvidosos,

Manda dous mais sagazes, ensaiados,

Por que notem dos Mouros enganosos

A cidade e poder, e por que vejam

Os Cristãos, que só tanto ver desejam.



7o Escolhe dois marujos, presos e condenados

Por terem praticado atos vergonhosos,

E que utilizava para os casos mais arriscados,

Cujos resultados eram incertos e duvidosos.

Manda que eles, os mais sagazes e capacitados,

Entrem na cidade e vejam os mouros enganosos,

Reparem na cidade, no seu poderio e que vejam

Se ali vivem os cristãos, como todos desejam.





E por estes ao Rei presentes manda,

Por que a boa vontade que mostrava

Tenha firme, segura, limpa e branda,

A qual bem ao contrário em tudo estava.

Já a companhia pérfida e nefanda

Das naus se despedia e o mar cortava:

Foram com gestos ledos e fingidos

Os dous da frota em terra recebidos.



8o Com eles, ao rei, uns ricos presentes manda,

Para que vissem a boa intenção que demonstrava,

A que era firme, segura, límpida e branda,

A qual, por parte do rei, ao contrário estava.

Nisto, a companhia dos mouros, pérfida e nefanda,

Já se despedia das naus e o mar cortava.

Com semblantes amistosos, mas fingidos,

Os dois marujos portugueses foram recebidos.





E despois que ao Rei apresentaram

Co recado os presentes que traziam,

A cidade correram, e notaram

Muito menos daquilo que queriam;

Que os Mouros cautelosos se guardaram

De lhe mostrarem tudo o que pediam;

Que onde reina a malícia, está o receio

Que a faz imaginar no peito alheio.



9o Depois que ao rei se apresentaram

O recado de Vasco e os presentes lhe ofertaram.

Percorreram a cidade, mas observaram

Muito menos do que gostariam;

Pois os mouros cautelosos sonegaram

Grande parte das informações que pediam.

Pois onde vigora a malícia sempre há o receio

De que ela também vigore no coração alheio.

Mas aquele que sempre a mocidade

Tem no rosto perpétua, e foi nascido

De duas mães, que urdia a falsidade

Por ver o navegante destruído,

Estava nüa casa da cidade,

Com rosto humano e hábito fingido,

Mostrando-se Cristão, e fabricava

Um altar sumptuoso que adorava.



10o Mas, Baco (1), que sempre tem a mocidade

No rosto e de quem se diz que havia nascido

De duas mães, planejava outra falsidade,

Com o intuito de ver o luso ser destruído;

Estava numa casa da cidade,

Com o rosto humano e um hábito fingido,

E simulando ser cristão, fabricava

Suntuoso altar, que hipocritamente venerava.



1- Baco ou o Tebano: o deus Baco, filho de Zeus e de Sêmele. Quando Baco estava para nascer a sua mãe pediu a Zeus que lhe mostrasse todo o seu esplendor e o deus a atendeu. Mas, Sêmele não suportou o espetáculo daquela visão e tombou fulminada. Zeus apressou-se em retirar a criança de seu ventre e a introduziu na sua própria perna até que terminasse o prazo de gestação. Desse modo, Baco nasceu forte e saudável e por isso que é chamado de filho de duas mães. Baco era sempre representado como um jovem.



Ali tinha em retrato afigurada

Do alto e Santo Espírito a pintura,

A cândida Pombinha, debuxada

Sobre a única Fénix, virgem pura;

A companhia santa está pintada,

Dos doze, tão torvados na figura

Como os que, só das línguas que caíram

De fogo, várias línguas referiram.



11o Ali, ele tinha a figura retratada

Do sublime Espírito Santo e a pintura

Da cândida pombinha (1) estava desenhada

Sobre a verdadeira Fênix (2), a Virgem Pura.

A Santa Companhia dos Apóstolos está pintada,

Mas se mostram tão perturbados naquela figura

Como quando as línguas de fogo lhes caíram

E eles em vários idiomas “A Verdade” proferiram.



1- Pombinha: é a ave que simboliza a pureza e por isso os cristãos a consideram com a representação do Espírito Santo.

2- Fênix: ave mitológica que renascia de suas próprias cinzas. Uma alusão ao caráter eterno de Nossa Senhora, mãe de Jesus.



Aqui os dous companheiros, conduzidos

Onde com este engano Baco estava,

Põem em terra os giolhos, e os sentidos

Naquele Deus que o Mundo governava.

Os cheiros excelentes, produzidos

Na Pancaia odorífera, queimava

O Tioneu, e assi por derradeiro

O falso Deus adora o verdadeiro.



12o Os dois portugueses foram conduzidos

Para onde, com esta simulação, Baco estava;

Ao vê-la, dobram os joelhos e comovidos,

Oram para o Deus que o mundo governava.

Os excelentes incensos que são produzidos

Na aromática Pancaia (1) ali se queimava

E se via o malévolo Tioneu (2), por derradeiro,

Hipocritamente adorar ao Deus verdadeiro.



1-Pancaia: região lendária, normalmente citada como se estivesse na Arábia e que era famosa pelos perfumes e incensos.

2- Tioneu: codinome de Baco, ou Dionísio



Aqui foram de noite agasalhados,

Com todo o bom e honesto tratamento

Os dous Cristãos, não vendo que enganados

Os tinha o falso e santo fingimento

Mas, assi como os raios espalhados

Do Sol foram no mundo, e num momento

Apareceu no rúbido Horizonte

Na moça de Titão a roxa fronte,

13o Naquela noite, ali foram abrigados,

Recebendo um honesto e digno tratamento,

E não perceberam que eram enganados

Por aquele santo, mas falso fingimento.

Assim, quando os raios de sol espalhados

Pelo mundo já surgem, no mesmo momento

Em que aparece no rubro horizonte

A moça de Tritão (1) com a rubra fronte,



1- Tritão: herói do ciclo troiano, irmão do rei Príamo e por quem a Aurora era apaixonada. Neste contexto Camões alude ao dia que nasce no mesmo instante em que surge a Aurora.



Tornam da terra os Mouros co recado

Do Rei pera que entrassem, e consigo

Os dous que o Capitão tinha mandado,

A quem se o Rei mostrou sincero amigo;

E sendo o Português certificado

De não haver receio de perigo

E que gente de Cristo em terra havia,

Dentro no salso rio entrar queria.



14o Os mouros retornaram às naus com o recado

De seu rei para que todos entrassem. Com eles,

Trazem os dois marujos que o capitão tinha enviado,

Para quem o rei tinha se mostrado um sincero amigo;

E Vasco da Gama, sendo informado,

Que não havia nenhum perigo

E que cristãos, de fato, havia,

Manda aportar dentro da salgada via.



Dizem-lhe os que mandou que em terra viram

Sacras aras e sacerdote santo;

Que ali se agasalharam e dormiram

Enquanto a luz cobriu o escuro manto;

E que no Rei e gentes não sentiram

Senão contentamento e gosto tanto

Que não podia certo haver suspeita

Nüa mostra tão clara e tão perfeita.



15o Os marujos mandados a terra dizem-lhe que viram

Altares sagrados e um sacerdote santo;

Que ali, naquele templo, se abrigaram e dormiram,

Enquanto o sol esteve encoberto pelo noturno manto;

E que no rei e na população não sentiram

Nada além de contentamento e tanto

Prazer que não podia, certamente, haver suspeita

Naquela demonstração tão clara e perfeita.



Co isto o nobre Gama recebia

Alegremente os Mouros que subiam

Que levemente um ânimo se fia

De mostras que tão certas pareciam.

A nau da gente pérfida se enchia,

Deixando a bordo os barcos que traziam.

Alegres vinham todos porque crêm

Que a presa desejada certa têm.



16o Com isto, o nobre Gama recebia

Alegremente, os mouros que nas naus subiam;

Pois ainda que levemente ele confia

Naquelas amostras que tão certas pareciam.

A nau, da pérfida gente se enchia,

Deixando a bordo os barcos que os traziam.

Todos vinham alegres porque creem

Que a desejada presa, na certa, já tem.



Na terra cautamente aparelhavam

Armas e munições, que, como vissem

Que no rio os navios ancoravam,

Neles ousadamente se subissem;

E nesta treïção determinavam

Que os de Luso de todo destruíssem,

E que, incautos, pagassem deste jeito

O mal que em Moçambique tinham feito.



17o Na terra, cautelosamente, preparavam

As armas e as munições, para que quando vissem

Que no canal os navios lusos ancoravam,

Neles, ousadamente, subissem;

E com esta traição esperavam

Que aos lusos destruíssem,

E que eles pagassem desse jeito,

O mal que em Moçambique tinham feito.



As âncoras tenaces vão levando,

Com a náutica grita costumada;

Da proa as velas sós ao vento dando,

Inclinam pera a barra abalizada.

Mas a linda Ericina, que guardando

Andava sempre a gente assinalada,

Vendo a cilada grande e tão secreta,

Voa do Céu ao mar como üa seta.



18o A âncora tenaz, os lusos vão levantando,

Com a gritaria que a gente do mar está acostumada;

Içam as velas da proa, no vento as soltando,

E rumam para a barra sinalizada.

Mas a linda Vênus Ericina (1), que guardando

Sempre estava a sua gente amada,

Vendo que cairão na cilada, grande e secreta,

Voa do céu para o mar, veloz como uma seta.



1- Vênus Ericina: epíteto de Vênus, por ter um templo no monte Érix, na Sicília.



Convoca as alvas filhas de Nereu,

Com toda a mais cerúlea companhia,

Que, porque no salgado mar nasceu,

Das águas o poder lhe obedecia;

E, propondo-lhe a causa a que deceu,

Com todos juntamente se partia

Pera estorvar que a armada não chegasse

Aonde pera sempre se acabasse.



19o E convoca as alvas filhas de Nereu (1),

E toda a marítima companhia,

Pois ela no salgado mar nasceu,

E o poder das águas também lhe pertencia.

Explicou-lhes a causa por que desceu,

E junto com todos logo partia

Para impedir que a armada chegasse

Aonde para sempre se acabasse.



1) As filhas de Nereu: as Nereidas, ninfas do mar. Filhas de Nereu e de Doris.



Já na água erguendo vão, com grande pressa,

Com as argênteas caudas branca escuma;

Cloto co peito corta e atravessa

Com mais furor o mar do que costuma;

Salta Nise, Nerine se arremessa

Por cima da água crespa em força suma;

Abrem caminho as ondas encurvadas,

De temor das Nereidas apressadas.



20o Logo já vão pela água, com muita pressa

Deixam prateados rastros de brancas espumas;

Cloto (1), com o peito, corta e atravessa

O mar com mais furor do que costuma.

Nise (2) salta, Nerine (3) se arremessa

Por cima da água, com força suma.

As ondas abrem caminhos, encurvadas,

Por temerem as Nereidas apressadas.



1- Cloto: Camões a cita como se fosse uma das Nereidas, mas, na verdade, é uma das Parcas. Segundo o estudioso Epifânio da Silva Dias, Camões confundiu Cloto com Doto, que é realmente uma das Nereidas.

2- Nise: uma das Nereidas cujo nome foi criado por Camões.

3- Nerine: idem.



Nos ombros de um Tritão, com gesto aceso,

Vai a linda Dione furiosa;

Não sente quem a leva o doce peso,

De soberbo com carga tão fermosa.

Já chegam perto donde o vento teso

Enche as velas da frota belicosa;

Repartem-se e rodeiam nesse instante

As naus ligeiras, que iam por diante.





21o Sobre Tritão (1), com o semblante aceso,

Vai a linda deusa Dione (2) furiosa;

Quem a leva não sente o suave peso,

De tão orgulhoso por essa carga preciosa.

Logo elas chegam perto de onde o vento teso

Infla as velas da frota poderosa;

Dividem-se e rodeiam, nesse instante,

As ligeiras naus que iam adiante.



1- Tritão: deus marinho, filho de Netuno e de Anfitrite. Em seus ombros carregava Vênus.

2- Dione: ninfa, filha de Urano e da Terra ou, para outros, do Oceano e de Tétis. Para Camões parece ser a própria Vênus.



Põe-se a Deusa com outras em direito

Da proa capitaina, e ali fechando

O caminho da barra, estão de jeito

Que em vão assopra o vento, a vela inchando:

Põem no madeiro duro o brando peito

Pera detrás a forte nau forçando;

Outras em derredor levando-a estavam

E da barra inimiga a desviavam.



22o A deusa e as ninfas ficam no lado direito

Da proa da nau capitânia e ali vão fechando

O caminho para a barra de tal jeito,

Que inutilmente o vento sopra à vela inflando.

Antepõe-se à dura madeira com o suave peito,

E para trás as fortes naus vão forçando;

As outras ninfas, em redor, levando-as estavam

E do mouro porto inimigo as desviavam.



Quais pera a cova as próvidas formigas,

Levando o peso grande acomodado

As forças exercitam, de inimigas

Do inimigo Inverno congelado;

Ali são seus trabalhos e fadigas,

Ali mostram vigor nunca esperado:

Tais andavam as Ninfas estorvando

À gente Portuguesa o fim nefando.



23o Igual quando as previdentes formigas,

Vão levando grande peso bem acomodado,

E todas as suas forças exercitam, pois são inimigas

Do duro e inimigo Inverno congelado;

Ali estão as suas dificuldades e suas fadigas,

E ali é que demonstram vigor inesperado:

Assim estavam as ninfas, salvando

A gente portuguesa de um fim nefando.





Torna pera detrás a nau, forçada,

Apesar dos que leva, que, gritando,

Mareiam velas; ferve a gente irada,

O leme a um bordo e a outro atravessando;

O mestre astuto em vão da popa brada,

Vendo como diante ameaçando

Os estava um marítimo penedo,

Que de quebrar-lhe a nau lhe mete medo.



24o Empurram a nau para trás, que vai forçada,

Apesar dos esforços da tripulação que vai gritando,

Manejando as velas e as cordas, rude e inflamada;

O leme, de um lado ao outro vai girando

O astuto mestre que inutilmente da popa brada,

Vendo tudo que lhes está ameaçando.

Avisa sobre o risco de um marítimo rochedo,

E teme a nau naufragada, rendendo-se ao medo.



A celeuma medonha se alevanta

No rudo marinheiro que trabalha;

O grande estrondo a Maura gente espanta,

Como se vissem hórrida batalha;

Não sabem a razão de fúria tanta,

Não sabem nesta pressa quem lhe valha:

Cuidam que seus enganos são sabidos

E que hão-de ser por isso aqui punidos.



25o Um tumulto medonho se levanta

Entre a rude tripulação que, feroz, trabalha;

O grande estrondo à gente moura espanta,

Como se presenciassem a uma horrível batalha.

Desconhecem a razão para fúria tanta

E não sabem a quem recorrer ou quem lhes valha;

Pensam que os maus intentos foram conhecidos

E que por isso serão severamente punidos.



Ei-los subitamente se lançavam

A seus batéis veloces que traziam;

Outros em cima o mar alevantavam

Saltando n'água, a nado se acolhiam;

De um bordo e doutro súbito saltavam,

Que o medo os compelia do que viam;

Que antes querem ao mar aventurar-se

Que nas mãos inimigas entregar-se.



26o Aterrorizados, de súbito, se lançavam

Aos velozes botes que os traziam;

Outros, para cima as águas levantavam

Quando saltavam no mar e nadando fugiam;

De um lado ao outro no oceano pulavam,

Pois temiam o duro castigo que pressentiam;

E antes preferem no mar se aventurar,

Que ao luso inimigo se entregar.

Assi como em selvática alagoa

As rãs, no tempo antigo Lícia gente,

Se sentem porventura vir pessoa,

Estando fora da água incautamente,

Daqui e dali saltando (o charco soa),

Por fugir do perigo que se sente,

E, acolhendo-se ao couto que conhecem,

Sós as cabeças na água lhe aparecem:



27o Igual quando na selvagem lagoa

As rãs, que já foram a Licia (1) gente,

Ao sentirem que chega alguma pessoa,

E estando fora da água, despreocupadamente,

Daqui e dali vão saltando (a várzea até ecoa),

Para fugirem do perigo que se pressente,

E, refugiando-se nas tocas que bem conhecem,

Só as suas cabeças na água aparecem:



1- Licia gente: Leto ou Latona, mãe de Apolo e de Diana, era perseguida pela enciumada esposa de Zeus, com quem gerara Apolo. De todos os lugares era expulsa e num certo dia deteve-se a beira de um poço, mas alguns camponeses Licios que ali estavam a escorraçaram brutalmente e foram inúteis as suas súplicas para que a deixassem saciara sede de seus filhinhos, pois eles sujaram a água. Latona, possuída por uma imensa fúria ergueu as mãos e disse-lhes: - pois bem, ficareis para sempre nos poços. Os Licios foram, então, transformados em rãs e desde então vivem na lama. A par da Mitologia, sabe-se que os licios eram os naturais da Licia, na Ásia Menor.



Assi fogem os Mouros; e o piloto,

Que ao perigo grande as naus guiara,

Crendo que seu engano estava noto,

Também foge, saltando na água amara

Mas, por não darem no penedo imoto,

Onde percam a vida doce e cara,

A âncora solta logo a capitaina,

Qualquer das outras junto dela amaina.



28o Dessa maneira os mouros fogem; e o guia,

Que ao grande perigo as naus conduziu,

Crendo que de sua falsidade o luso já sabia,

Também foge saltando na água, onde sumiu.

Para não baterem no rochedo que o mestre via,

Onde perderiam a vida conforme se deduziu,

Soltam rapidamente a âncora da Capitânia nau,

As outras a imitam antes do choque fatal.



Vendo o Gama, atentado, a estranheza

Dos Mouros, não cuidada, e juntamente

O piloto fugir-lhe com presteza,

Entende o que ordenava a bruta gente,

E vendo, sem contraste e sem braveza

Dos ventos ou das águas sem corrente.

Que a nau passar avante não podia,

Havendo-o por milagre, assi dizia:



29o Quando o atordoado Gama viu a ligeireza

Com que os mouros fugiram, juntamente

Com o piloto, que também fugiu com presteza,

Entendeu o que planejava aquela feroz gente;

E vendo que não havia mais correnteza,

Ou fúria nos ventos, que sopravam mansamente,

E que a nau, seguir adiante não podia,

Compreendeu o milagre e assim dizia:



«Ó caso grande, estranho e não cuidado!

Ó milagre claríssimo e evidente,

Ó descoberto engano inopinado,

Ó pérfida, inimiga e falsa gente!

Quem poderá do mal aparelhado

Livrar-se sem perigo, sàbiamente,

Se lá de cima a Guarda Soberana

Não acudir à fraca força humana?



30o - Oh! Que grande fato, nunca imaginado,

Oh! Que milagre claríssimo e evidente!

Oh! Agora vejo o engano inesperado,

Oh! Pérfida, inimiga e falsa gente!

Quem poderá, do mal que lhe é preparado,

Livrar-se sem perigo e sabiamente,

Se lá de cima a Guarda Soberana

Não socorrer à fraca força humana?



«Bem nos mostra a Divina Providência

Destes portos a pouca segurança,

Bem claro temos visto na aparência

Que era enganada a nossa confiança;

Mas pois saber humano nem prudência

Enganos tão fingidos não alcança,

Ó tu, Guarda Divina, tem cuidado

De quem sem ti não pode ser guardado!



31o Bem nos mostra a Divina Providência

Que nestes portos há muita insegurança;

Claramente temos visto que a falsa aparência

Engana a nossa crédula confiança.

Mas nem o saber humano ou a prudência,

A estes tão fingidos enganos alcança;

Oh! Guarda Divina, sempre nos dê teu cuidado,

Pois sem ti, nada pode ser guardado!



«E, se te move tanto a piedade

Desta mísera gente peregrina,

Que, só por tua altíssima bondade,

Da gente a salvas pérfida e malina,

Nalgum porto seguro de verdade

Conduzir-nos já agora determina,

Ou nos amostra a terra que buscamos,

Pois só por teu serviço navegamos.»



32o E se a tanto te move a piedade

Por nós, uma pobre gente peregrina,

Que apenas por tua imensa bondade,

Salva-se da gente sórdida e maligna,

Para algum porto seguro de verdade

Conduza-nos agora, pois é nossa sina.

Ou nos mostre a terra que buscamos,

Pois em teu nome e glória navegamos.



Ouviu-lhe estas palavras piadosas

A fermosa Dione e, comovida,

Dantre as Ninfas se vai, que saüdosas

Ficaram desta súbita partida.

Ja penetra as Estrelas luminosas,

Já na terceira Esfera recebida

Avante passa, e lá no sexto Céu,

Pera onde estava o Padre, se moveu.



33o Ouviu-lhes estas palavras lamuriosas

A formosa Dione (1) e, comovida,

Separa-se das ninfas, deixando-as saudosas

Com esta rápida e inesperada partida.

Logo penetra nas estrelas (2) luminosas,

Acima da terceira Esfera que lhe foi concedida,

E segue adiante e para o Sexto Céu,

Onde estava o Pai Júpiter, se moveu.



1- Dione: ninfa, filha de Urano e da Terra ou, para outros, do Oceano e de Tétis. Para Camões parece ser a própria Vênus

2- Estrelas luminosas: o firmamento. O céu.

3- Esfera: a terceira esfera é o planeta Vênus, segundo sistema ptolomaico.

4- Sexto Céu: o céu do planeta Júpiter, segundo o sistema ptolomaico.



E, como ia afrontada do caminho,

Tão fermosa no gesto se mostrava

Que as Estrelas e o Céu e o Ar vizinho

E tudo quanto a via, namorava.

Dos olhos, onde faz seu filho o ninho,

Uns espíritos vivos inspirava,

Com que os Pólos gelados acendia,

E tornava do Fogo a Esfera, fria.



34o E como ia irada pelo longo caminho,

Tão bela no rosto se mostrava

Que as Estrelas, o Céu e o Ar vizinho,

E o que a enxergava, dela se enamorava.

Dos seus olhos, onde o Cupido (1) faz ninho,

Acesos e desejosos ânimos inspirava

Com os quais até os gelados Pólos acendia

Tornando a Esfera do Fogo (2) morna e fria.



1- Cupido: o deus do amor, filho de Vênus (Afrodite)

2- A Esfera do Fogo: o planeta Marte, segundo o sistema ptolomaico.



E, por mais namorar o soberano

Padre, de quem foi sempre amada e cara,

Se lh'apresenta assi como ao Troiano,

Na selva Ideia, já se apresentara.

Se a vira o caçador que o vulto humano

Perdeu, vendo Diana na água clara,

Nunca os famintos galgos o mataram,

Que primeiro desejos o acabaram.



35o E para melhor seduzir o soberano

Júpiter (1), por quem era amada e mui cara,

Se lhe apresenta como ao Troiano (2),

Na floresta Idéia (3), já se apresentara.

Se a visse o caçador (4), que o corpo humano

Perdeu quando a viu banhar-se na água clara,

Não seriam os ferozes cães que o matariam,

Pois antes, os seus desejos o consumiriam.



1- Júpiter: o pai e senhor dos deuses.

2- Troiano: o natural de Tróia. Neste ponto, Camões refere-se a Páris, que nos bosques do Monte Ida teve que decidir qual das três deusas ( Vênus, Juno e Minerva) era a mais bela. A sua escolhida foi Vênus. Em recompensa, ela fez com que Helena o amasse, fato que precipitou a lendária guerra de Tróia.

3- A floresta Idéia: ou a “Selva Idéia”, são os bosques do Monte Ida, situados nas proximidades de Tróia.

4- Referência a Acteon, o caçador que surpreendeu Diana no banho e foi por ela transformado num cervo. Os seus próprios cães o devoraram então.



Os crespos fios d'ouro se esparziam

Pelo colo que a neve escurecia;

Andando, as lácteas tetas lhe tremiam,

Com quem Amor brincava e não se via;

Da alva petrina flamas lhe saíam,

Onde o Minino as almas acendia.

Polas lisas colunas lhe trepavam

Desejos, que como hera se enrolavam.



36o Os seus dourados cabelos se esparziam (1)

Por seu colo, tão branco que até a neve escurecia;

Andando, os lindos seios lhe tremiam,

Neles, o Amor (2) brincava, mas não se via.

Do branquíssimo peito chamas lhe saiam,

Com as quais Eros as almas acendia.

Suas lindas pernas, ardentes desejos inspiravam,

Os quais, como plantas, nelas se enrolavam.



1- Esparziam: espalhavam.

2- Amor ou o Deus do amor: o Cupido, filho de Vênus e também conhecido como Amor ou o Menino.



Cum delgado cendal as partes cobre

De quem vergonha é natural reparo;

Porém nem tudo esconde nem descobre

O véu, dos roxos lírios pouco avaro;

Mas, pera que o desejo acenda e dobre,

L'he põe diante aquele objecto raro.

Já se sentem no Céu, por toda a parte,

Ciúmes em Vulcano, amor em Marte.



37o Com um fino cendal (1) recobre

As partes do corpo de mais reparo;

Nem tudo esconde e nem tudo descobre

O véu de rubras flores, que é pouco avaro;

E para que o deseja acenda e dobre,

Deixa que se vislumbre aquele corpo raro.

Já se sentem nos céus e em toda parte,

Os ciúmes de Vulcano (2) e o amor de Marte (3).



1- Cendal: véu para o rosto ou para o corpo todo, feito com um tecido fino e transparente.

2- Vulcano: o deus do fogo e marido de Vênus que o traiu com Marte.

3- Marte: o deus da guerra.



E mostrando no angélico sembrante

Co riso üa tristeza misturada,

Como dama que foi do incauto amante

Em brincos amorosos mal tratada,

Que se aqueixa e se ri num mesmo instante

E se torna entre alegre, magoada,

Destarte a Deusa a quem nenhüa iguala,

Mais mimosa que triste ao Padre fala:



38o E mostrava no angelical semblante

Que a alegria à tristeza estava misturada,

Como a dama, que pelo imprudente amante

Nos jogos do amor foi maltratada,

Que ri e chora no mesmo instante

E oscila por estar alegre ou magoada.

A deusa, a quem nenhuma outra se iguala,

Mais graciosa do que triste, a Júpiter fala:



«Sempre eu cuidei, ó Padre poderoso,

Que, pera as cousas que eu do peito amasse,

Te achasse brando, afábil e amoroso,

Posto que a algum contrairo lhe pesasse;

Mas, pois que contra mi te vejo iroso,

Sem que to merecesse nem te errasse,

Faça-se como Baco determina;

Assentarei, enfim, que fui mofina.



39o Eu sempre cuidei, ó Júpiter poderoso,

Para que as coisas que de coração eu amasse,

Tivesse de ti um tratamento brando e amoroso,

Mesmo que algum adversário lhes restasse;

Mas, contra mim te vejo raivoso,

Sem que eu merecesse ou que errasse,

Pois então que seja como Baco determina;

Aceitarei, enfim, minha triste sina.



«Este povo, que é meu, por quem derramo.

As lágrimas que em vão caídas vejo,

Que assaz de mal lhe quero, pois que o amo,

Sendo tu tanto contra meu desejo;

Por ele a ti rogando, choro e bramo,

E contra minha dita enfim pelejo.

Ora pois, porque o amo é mal tratado;

Quero-lhe querer mal, será guardado.



40o Este povo que é meu, por quem derramo

As inúteis lágrimas a que caídas vejo,

Será maltratado por mim, que tanto o amo,

Pois vejo que tu és contra o meu desejo;

Por ele, a ti eu vivo rogando, choro e clamo,

Mas é contra a minha felicidade que pelejo.

Pois sendo amado por mim é tão maltratado,

Que passarei a odiá-lo para que por ti seja guardado.





«Mas moura enfim nas mãos das brutas gentes,

Que pois eu fui.» E nisto, de mimosa,

O rosto banha em lágrimas ardentes,

Como co orvalho fica a fresca rosa.

Calada um pouco, como se entre os dentes

Lhe impedira a fala piedosa,

Torna a segui-la; e indo por diante,

Lhe atalha o poderoso e grão Tonante.



41o Mas pelos mouros, ou outras ferozes gentes,

Pois eu fui. . . – E nisto, muito graciosa,

Banha o rosto em lágrimas ardentes,

Igual, com o orvalho, fica a fresca rosa.

Cala-se por algum tempo, como se entre os dentes

Faltasse-lhe a palavra piedosa,

Depois retoma a fala e segue adiante,

Quando lhe interrompe o grande Tonante (1).



1-Tonante: adjetivo de Júpiter em função dos raios e trovões que lançava.



E destas brandas mostras comovido,

Que moveram de um tigre o peito duro,

Co vulto alegre, qual, do Céu subido,

Torna sereno e claro o ar escuro,

As lágrimas lhe alimpa e, acendido,

Na face a beija e abraça o colo puro;

De modo que dali, se só se achara,

Outro novo Cupido se gerara



42o Que com esta suave melancolia fica comovido,

A qual sensibilizaria até o tigre de coração duro,

Com o rosto alegre, como se ao céu fosse erguido,

Clareia e serena o ambiente que estava escuro;

Enxuga-lhe as lágrimas e enternecido,

Beija-a na face e abraça-lhe o colo puro;

E com tal amor que se sozinhos estivessem,

Certamente, um novo Cupido eles fizessem.



E, co seu apertando o rosto amado,

Que os saluços e lágrimas aumenta,

Como minino da ama castigado,

Que quem no afaga o choro lhe acrecenta,

Por lhe pôr em sossego o peito irado,

Muitos casos futuros lhe apresenta.

Dos Fados as entranhas revolvendo,

Desta maneira enfim lhe está dizendo:



43o E apertando a sua face no rosto amado,

Onde o soluço cresce e a lágrima aumenta,

Igual ao menino que pela ama foi castigado,

E ao ser acariciado mais vigor ao choro acrescenta.

Júpiter, para acalmar-lhe o coração irado,

Muitos acontecimentos futuros lhe apresenta.

Do Destino, as páginas relendo.

Carinhosamente vai lhe dizendo:



- «Fermosa filha minha, não temais

Perigo algum nos vossos Lusitanos,

Nem que ninguém comigo possa mais

Que esses chorosos olhos soberanos;

Que eu vos prometo, filha, que vejais

Esquecerem-se Gregos e Romanos,

Pelos ilustres feitos que esta gente

Há-de fazer nas partes do Oriente.





44o - Formosa filha minha, não temais

Perigo algum para os vossos lusitanos,

Inexiste alguém que comigo possa mais

Que esses teus chorosos olhos soberanos.

Pois eu vos prometo, filha, que vejais

Esquecerem-se dos Gregos e dos Romanos (1),

Em razão dos ilustres feitos que a tua gente

Há de fazer nas terras do Oriente.



1- Referência às proezas dos heróis gregos e romanos.



«Que, se o facundo Ulisses escapou

De ser na Ogígia Ilha eterno escravo,

E se Antenor os seios penetrou

Ilíricos e a fonte de Timavo,

E se o piadoso Eneias navegou

De Cila e de Caríbdis o mar bravo,

Os vossos, mores cousas atentando,

Novos mundos ao mundo irão mostrando.



45o Pois se o eloqüente Ulisses (1) escapou

De ser na ilha Ogígia (2) um eterno escravo,

Se Antenor (3) o valente peito penetrou

Nos Ilíricos (4) e na nascente do Timavo (5),

E se o poderoso Enéas (6) navegou

No Estreito de Cila e de Caríbdis (7) e no mar bravo,

Os vossos lusitanos, maiores desafios enfrentando,

Novas terras ao mundo irão mostrando.



1- Ulisses: lendário rei de Itaca, filho de Laerte, marido de Penélope, pai de Telêmaco e um dos heróis da guerra de Tróia, onde se distinguiu pela prudência, astúcia e eloqüência. Foi quem idealizou o célebre “Cavalo de Tróia”. O protagonista da “Odisséia” de Homero.

2- Ilha Ogígia: a ilha da ninfa Calipso. Nela, Ulisses ficou retido por sete anos quando voltava da guerra de Tróia.

3- Antenor: o nobre troiano que escondeu Ulisses, traindo a sua própria pátria. Depois, atravessando a Trácia e a Iliria chegou ao Adriático e aos Montes Ilírios. Posteriormente foi o fundador da cidade de Pádua.

4) Ilíricos: montes situados na iliria, região da costa oriental do mar Adriático, que corresponde, aproximadamente, a ex Iugoslávia Soviética.

5-Timavo: rio situado na Istria.

6- Enéas: príncipe troiano, filho de Vênus e de Anquises. É o herói da “Eneida” de Virgílio, obra que inspirou Camões.

7- Cila e Caríbdis: monstros que foram transformados, por Júpiter, em sorvedouros no Estreito de Messina. Simbolizam os perigos que os navios enfrentam nos mares.





«Fortalezas, cidades e altos muros

Por eles vereis, filha, edificados;

Os Turcos belacíssimos e duros

Deles sempre vereis desbaratados;

Os Reis da Índia, livres e seguros,

Vereis ao Rei potente sojugados,

E por eles, de tudo enfim senhores,

Serão dadas na terra leis milhores.



46o Fortalezas, cidades e altos muros,

Por eles, filha, tu verás serem edificados;

Os Turcos (1), ferocíssimos e duros,

Por eles, vereis serem desbaratados.

Os reis da Índia, agora livres e seguros,

Vereis que também serão subjugados,

E verá que eles, de tudo serão os senhores,

E darão à Terra leis mais justas e melhores.



1- Turcos: neste contexto, os mouros.



«Vereis este que agora, pressuroso,

Por tantos medos o Indo vai buscando,

Tremer dele Neptuno de medroso,

Sem vento suas águas encrespando.

Ó caso nunca visto e milagroso,

Que trema e ferva o mar, em calma estando!

Ó gente forte e de altos pensamentos,

Que também dela hão medo os Elementos!





47o Vereis este Capitão, que agora, tão valoroso,

Enfrenta os perigos enquanto a Índia vai buscando,

Fazer tais proezas que até Netuno ficará temeroso,

E mesmo sem vento, suas águas irão encrespando.

Oh! Um acontecimento inédito e milagroso,

O mar a tremer e ferver, em calmaria estando!

Oh! Gente poderosa e de sublimes sentimentos,

Que amedronta até aos quatro Elementos (1).



1- Elementos: o ar, a água, a terra e o fogo.







«Vereis a terra que a água lhe tolhia,

Que inda há-de ser um porto mui decente,

Em que vão descansar da longa via

As naus que navegarem do Ocidente

Toda esta costa, enfim, que agora urdia

O mortífero engano, obediente

Lhe pagará tributos, conhecendo

Não poder resistir ao Luso horrendo.





48o Verá que onde se recusou a água que ali corria,

Transformar-se em um porto muito decente,

No qual irão repousar da longa via,

As naus que chegarem do Ocidente.

E verá toda esta Costa, que lhes urdia

Terríveis ciladas ser-lhes obediente

E lhes pagar tributos, reconhecendo

Nos lusos a força de um poder tremendo.





«E vereis o Mar Roxo, tão famoso,

Tornar-se-lhe amarelo, de enfiado;

Vereis de Ormuz o Reino poderoso

Duas vezes tomado e sojugado.

Ali vereis o Mouro furioso

De suas mesmas setas traspassado;

Que quem vai contra os vossos, claro veja

Que, se resiste, contra si peleja.



49o E verás o Mar Vermelho, tão famoso,

Tornar-se amarelo de tão amedrontado;

Verás Ormuz (1), um reino poderoso,

Ser tomado duas vezes e subjugado.

Ali, verás que o mouro furioso

Por suas próprias flechas é abatido;

Pois quem luta contra os lusos que veja

Que contra si e outros deuses é que peleja.



1- Ormuz: ilha e cidade na entrada do golfo pérsico.









«Vereis a inexpugnábil Dio forte

Que dous cercos terá, dos vossos sendo;

Ali se mostrará seu preço e sorte,

Feitos de armas grandíssimos fazendo.

Envejoso vereis o grão Mavorte

Do peito Lusitano, fero e horrendo;

Do Mouro ali verão que a voz extrema

do falso Mahamede ao Céu blasfema.



50o Vereis a inexpugnável Dio (1), tão forte,

Sofrer dois cercos e dos lusos acabar sendo.

Ali, mostrarão seu valor e sua boa sorte

Quando as imensas proezas forem fazendo.

Arderá de inveja o grande Mavorte (2),

Vendo a lusa coragem e seu poder tremendo.

Ali ouvirás mouras vozes em aflição extrema,

É o falso Mahamede (3) que contra o Céu blasfema.



1- Dio: cidade da Índia, no golfo de Omã, península de Guzarate. Era uma fortaleza portuguesa e sofreu dois cercos, em 1538 e 1547.

2- Mavorte: o outro nome do deus Marte, da guerra.

3- Mahamede: o seguidor de Maomé, maometano. Os mouros.



Goa vereis aos Mouros ser tomada,

O qual virá despois a ser senhora

De todo o Oriente, e sublimada

Cos triunfos da gente vencedora.

Ali, soberba, altiva e exalçada,

Ao Gentio que os Ídolos adora

Duro freio porá, e a toda a terra

Que cuidar de fazer aos vossos guerra.



51o Verás Goa (1) dos mouros ser tomada,

Cidade que posteriormente será a senhora

De todo o Oriente; e que será celebrada

Com os triunfos da lusa gente vencedora.

Que ali, soberba, altiva e exaltada,

Aos pagãos que a ídolos adora,

Castigará duramente; e a toda terra

Que ousar fazer-lhes a guerra.



1- Goa: cidade da Índia tomada pela primeira vez por Afonso de Albuquerque em 1510. Depois de várias vicissitudes tornou-se a sede da ocupação portuguesa.



«Vereis a fortaleza sustentar-se

De Cananor, com pouca força e gente;

E vereis Calecu desbaratar-se,

Cidade populosa e tão potente;

E vereis em Cochim assinalar-se

Tanto um peito soberbo e insolente

Que cítara jamais cantou vitória

Que assi mereça eterno nome e glória.



52o Verás a fortaleza de Cananor (1) sustentar-se

Bravamente, com poucas armas e com pouca gente;

E verá Calecu (2) desbaratar-se,

Mesmo sendo tão populosa e tão potente;

E vereis em Cochim (3) glorificar-se

Um coração soberbo e valente,

Como jamais existiu; e uma vitória

Maior qualquer outra, em fama e em glória.



1- Cananor: cidade indiana.

2- Calecu: cidade na costa ocidental da Índia. A primeira em que Vasco da Gama desembarcou em 20 de Maio de 1498.

3- Cochim: cidade indiana na costa da província de Malabar.



«Nunca com Marte instruto e furioso

Se viu ferver Leucate, quando Augusto

Nas civis Áctias guerras, animoso,

O Capitão venceu Romano injusto,

Que dos povos de Aurora e do famoso

Nilo e do Bactra Cítico e robusto

A vitória trazia e presa rica,

Preso da Egípcia linda e não pudica,



53o Nunca, nem quando Marte estava furioso,

Tanto ferveu o Leucate (1), quando Augusto (2)

Nas guerras civis romanas, período raivoso,

Comandou a vitória sobre o romano (3) injusto;

Aquele que venceu os povos do Oriente; e o famoso

Povo do Nilo (4) e o Citico (5) da Bactra, tão robusto.

Marco Antonio, que trazia uma presa grande e rica,

Mas era prisioneiro do amor à Egípcia (6) linda e impudica.



1- Leucate: promontório na ilha de Epiro, a oeste da Grécia, junto do qual se travou a batalha naval entre Marco Antonio e Otávio Augusto.

2- Augusto: imperador romano, sobrinho e herdeiro de César.

3- Marco Antonio, triúnviro romano e amante de Cleópatra.

4- Referência a conquista do Egito. O povo do rio Nilo.

5- Citico da Bactra: natural da Bactriana, no atual Afeganistão.

6- Referência a Cleópatra, a grega rainha do Egito, célebre pela inteligência e beleza. Foi amante de César e de Marco Antonio.



«Como vereis o mar fervendo aceso

Cos incêndios dos vossos, pelejando,

Levando o Idololatra e o Mouro preso,

De nações diferentes triunfando;

E, sujeita a rica Áurea Quersoneso,

Até o longico China navegando

E as Ilhas mais remotas do Oriente,

Ser-lhe-á todo o Oceano obediente.



54o Como vereis o mar fervendo, aceso

Pelos incêndios que os lusos vão alastrando.

E enquanto levam o pagão e o mouro preso,

Sobre várias nações vão triunfando.

E verás que dominam a Áurea Quersoneso (1),

E que até na longínqua China irão navegando,

Assim como às ilhas mais distantes do Oriente,

Fazendo todo Oceano ser-lhe obediente.



1- Áurea Quersoneso: o nome antigo da península de Malaca. Quersoneso é sinônimo de península, portanto, leia-se: “Península de Ouro” em alusão à abundância dessa riqueza na região.



«De modo, filha minha, que de jeito

Amostrarão esforço mais que humano,

Que nunca se verá tão forte peito,

Do Gangético mar ao Gaditano,

Nem das Boreais ondas ao Estreito

Que mostrou o agravado Lusitano,

Posto que em todo o mundo, de afrontados,

Re[s]sucitassem todos os passados.»



55o De modo, minha filha, com tal jeito

Mostrarão um valor sobre-humano,

A tudo superior, graças ao valoroso peito.

Desde o Gangético Mar (1) até o mar Gaditano (2);

E mesmo nas ondas Boreais (3) do Estreito

O valor que mostrou o celebrado lusitano

Supera os Heróis do Passado, se ressuscitados

Eles fossem, por terem sido afrontados,



1- Gangético Mar: o mar que banha a Índia, onde fica o rio Ganges.

2- Mar Gaditano: é o Oceano Atlântico que banha a cidade Cádiz, na Espanha, e que antigamente era chamada de Gades.

3- Boreais: as ondas do Mar do Norte.



Como isto disse, manda o consagrado

Filho de Maia à Terra, por que tenha

Um pacífico porto e sossegado,

Pera onde sem receio a frota venha;

E, pera que em Mombaça, aventurado,

O forte Capitão se não detenha,

Lhe manda mais que em sonhos lhe mostrasse

A terra onde quieto repousasse.



56o Terminando, Zeus manda o consagrado

Filho de Maia (1) à Terra, para que o luso tenha

Encontre um porto pacífico e sossegado,

Para onde, sem receio, a frota venha;

E para que em Mombaça, onde foi atraiçoado,

O valoroso capitão não se detenha,

Manda que Mercúrio, em sonhos, lhe mostrasse

A terra em que a frota, em paz repousasse.



1- Filho de Maia: Mercúrio, filho de Maia e neto de Atlante. O mensageiro dos deuses.



Já pelo ar o Cileneu voava;

Com as asas nos pés à Terra dece;

Sua vara fatal na mão levava,

Com que os olhos cansados adormece;

Com esta, as tristes almas revocava

Do Inferno, e o vento lhe obedece;

Na cabeça o galero costumado;

E destarte a Melinde foi chegado.



57o Veloz o Cileneu (1) voava;

E com as asas nos pés à Terra desce;

Seu mágico bastão na mão levava:

Com ele, os olhos cansados adormece;

E ao Hades, as tristes almas encaminhava

E por tanto poder, até o vento lhe obedece.

Na cabeça trazia o galero costumado

E assim, logo a Melinde havia chegado.

1- Cileneu: nome dado a Mercúrio que nasceu no Monte Cilene, na Arcádia. Aqui, Camões o apresenta com os atributos que lhe são peculiares: as asas nos pés; o caduceu (a vara) com que tangia as almas dos mortos e fechava os olhos dos moribundos e o capacete (galero).



Consigo a Fama leva, por que diga

Do Lusitano o preço grande e raro,

Que o nome ilustre a um certo amor obriga,

E faz, a quem o tem, amado e caro.

Destarte vai fazendo a gente, amiga,

Co rumor famosíssimo e perclaro.

Já Melinde em desejos arde todo

De ver da gente forte o gesto e modo.



58o Consigo a deusa Fama (1) ia, para que ela diga

As proezas do lusitano e do seu valor grande e raro,

E que ao seu ilustre nome um sincero respeito se obriga,

Tornando quem o tenha, por eles, amado e caro.

Desse modo a gente de Melinde vai se tornando amiga

Dos lusos, pois ouviu seu discurso formoso e preclaro.

Logo a cidade e a Nação Melinde (2) e seu povo todo,

Quer conhecer a forte gente, o seu jeito e o seu modo.



1- Fama: uma das deusas. Ovídio a descreve vivendo nos confins da Terra, do Céu e do Mar, num palácio com mil janelas, onde penetram todos os rumores. Desse palácio feito em bronze, saem amplificadas todas as palavras que nele entram. Existe outra versão da lenda que diz ser a deusa uma companheira constante de Mercúrio, por ser ela, também, uma mensageira de Júpiter. Possuía muitas bocas e orelhas, que lhe permitiam ouvir e transmitir qualquer noticia.

2- Melinde: cidade e reino na África Oriental.



Dali pera Mombaça logo parte,

Aonde as naus estavam temerosas,

Pera que à gente mande que se aparte

Da barra imiga e terras suspeitosas;

Porque mui pouco val esforço e arte

Contra infernais vontades enganosas;

Pouco val coração, astúcia e siso,

Se lá dos Céus não vem celeste aviso.



59o De Melinde para Mombaça logo parte,

Lá as naus estavam numa situação perigosa,

E ele vai para que a gente lusa se afaste,

Daquele porto inimigo e terra belicosa;

Porque muito pouco vale o esforço e a arte

Contra essas infernais gentes rancorosas;

Pouco vale a coragem, a astúcia e o siso,

Se do céu não chegar um divino aviso.



Meio caminho a noite tinha andado,

E as Estrelas no Céu, co a luz alheia,

Tinham largo Mundo alumiado,

E só co sono a gente se recreia.

O Capitão ilustre, já cansado

De vigiar a noite que arreceia,

Breve repouso antão aos olhos dava,

A outra gente a quartos vigiava;



60o Meio caminho a noite já tinha andado,

E as estrelas no céu, com a luz alheia,

Tinham o vasto mundo iluminado;

E apenas com o sono, toda a gente se recreia.

O ilustre Capitão, muito cansado

De tanto vigiar a noite que receia,

Um curto repouso aos olhos, então, dava,

Enquanto outros tripulantes a frota vigiava.



Quando Mercúrio em sonhos lhe aparece,

Dizendo: - «fuge, fuge, Lusitano,

Da cilada que o Rei malvado tece,

Por te trazer ao fim e extremo dano!

Fuge, que o vento e o Céu te favorece;

Sereno o tempo tens e o Oceano,

E outro Rei mais amigo, noutra parte,

Onde podes seguro agasalhar-te!



61o Então Mercúrio, em sonho, lhe aparece,

Dizendo-lhe: - Foge, foge lusitano,

Da cilada que este malvado rei lhe tece,

Para trazer-te o mortal dano.

Foge, pois o vento e o céu te favorece,

Tens o clima sereno e calmo está o Oceano,

E há outro rei mais amigo, noutra parte,

Onde com segurança poderás abrigar-te.



«Não tens aqui senão aparelhado

O hospício que o cru Diomedes dava,

Fazendo ser manjar acostumado

De cavalos a gente que hospedava;

As aras de Busíris infamado,

Onde os hóspedes tristes imolava,

Terás certas aqui, se muito esperas:

Fuge das gentes pérfidas e feras!



62o Aqui, nesse lugar, só existe preparado

O abrigo que o cruel Diomedes (1) dava,

Quando fazia comida, hábito amaldiçoado,

Para os seus cavalos a quem hospedava;

Ou os altares de Busíris (2), mal afamado,

Que os seus infelizes hóspedes imolava.

Nessa terra é só isso o que te espera.

Foge, pois, dessa gente, dessa maldosa fera.



1- Diomedes: rei da Trácia e célebre pela sua crueldade. Segundo a tradição ele alimentava os seus cavalos com carne humana. Foi morto por Ulisses que entregou o seu cadáver para os cavalos que o devoraram.

2- Busíris: rei do Egito que sacrificava os seus hóspedes em honra de Júpiter.



- «Vai-te ao longo da costa discorrendo

E outra terra acharás de mais verdade

Lá quási junto donde o Sol, ardendo,

Iguala o dia e noite em quantidade;

Ali tua frota alegre recebendo,

Um Rei, com muitas obras de amizade,

Gasalhado seguro te daria

E, pera a Índia, certa e sábia guia.»





63o Vai ao longo desta costa, tudo percorrendo,

E encontrarás outra terra de maior generosidade,

Na região onde o bravo sol ardendo,

Iguala as horas na mesma quantidade

A tua frota, alegremente estará recebendo

Um rei sincero e leal e de franca amizade,

Seguro e confortável abrigo ele vos dará

E um hábil piloto que à Índia te levará.





Isto Mercúrio disse, e o sono leva

Ao Capitão, que, com mui grande espanto,

Acorda e vê ferida a escura treva

De üa súbita luz e raio santo;

E vendo claro quanto lhe releva

Não se deter na terra inica tanto,

Com novo esprito ao mestre seu mandava

Que as velas desse ao vento que assoprava.



64o Assim disse e o sono do Capitão leva;

Vasco da Gama, com grande espanto,

Acorda e vê uma luz na escura treva,

Um límpido raio de luz, súbito e santo.

E por sentir o quanto ele lhe revela

Decide fugir depressa do iníquo recanto.

Animado, ao seu mestre logo mandava

Soltar as velas ao vento que soprava.



- «Dai velas (disse) dai ao largo vento,

Que o Céu nos favorece e Deus o manda;

Que um mensageiro vi do claro Assento,

Que só em favor de nossos passos anda.»

Alevanta-se nisto o movimento

Dos marinheiros, de üa e de outra banda;

Levam gritando as âncoras acima,

Mostrando a ruda força que se estima.



65o - Solte as velas, disse, deixe-as ao largo vento,

Que o céu nos favorece e Deus assim nos manda;

Vi um mensageiro do Olimpo (1), o claro assento,

Que apenas favorecendo a nossa jornada anda.

Nisto, levanta-se com grande movimento

Os marinheiros, de uma e outra banda (2);

Gritando, levantam a âncora para cima,

Mostrando a força que tanto se lhes estima.



1-Olimpo: a morada dos deuses.

2-Banda: lado



Neste tempo que as ancoras levavam,

Na sombra escura os Mouros escondidos

Mansamente as amarras lhe cortavam,

Por serem, dando à costa, destruídos;

Mas com vista de linces vigiavam

Os Portugueses, sempre apercebidos;

Eles, como acordados os sentiram,

Voando, e não remando, lhe fugiram.



66o Enquanto as pesadas âncoras levantavam,

Na sombra escura os mouros escondidos

Disfarçadamente as amarras das naus cortavam,

Para jogá-las contra os rochedos e serem destruídos.

Mas, com vistas atentas os lusos vigiavam,

Pois estavam sempre bem prevenidos,

E assim quando as armadilhas sentiram,

Voando, e não apenas remando, fugiram.



Mas já as agudas proas apartando

Iam as vias húmidas de argento;

Assopra-lhe galerno o vento e brando,

Com suave e seguro movimento.

Nos perigos passados vão falando,

Que mal se perderão do pensamento

Os casos grandes, donde em tanto aperto

A vida em salvo escapa por acerto.



67o Logo as finas proas iam apartando

Os líquidos caminhos do mar argento (1);

Sopra-lhes um vento suave e brando

Garantindo-lhes um favorável movimento.

Sobre os perigos passados vão falando,

Os quais, nunca sairão do pensamento.

Traumas do recém vivido bruto aperto,

De que escaparam graças àquele acerto.



1- Argento: prateado



Tinha üa volta dado o Sol ardente

E noutra começava, quando viram

No longe dous navios, brandamente

Cos ventos navegando, que respiram.

Porque haviam de ser da Maura gente,

Pera eles arribando, as velas viram.

Um, de temor do mal que arreceava,

Por se salvar a gente à costa dava.



68o Já tinha dado uma volta o sol ardente

E a outra já iniciava, quando viram

Ao longe, dois navios que suavemente

Navegavam com os ventos que sopravam.

Julgando que fossem da moura gente,

Para eles, manejando as velas, viraram.

Um dos navios, vendo o mal que receava,

Ruma para a Costa que mais perto estava.



Não é o outro que fica tão manhoso,

Mas nas mãos vai cair do Lusitano,

Sem o rigor de Marte furioso.

E sem a fúria horrenda de Vulcano;

Que, como fosse débil e medroso.

Da pouca gente o fraco peito humano,

Não teve resistência; e, se a tivera,

Mais dano, resistindo, recebera.



69o O outro fica, mas não por ser corajoso;

Rendendo-se, pensa cair nas mãos do lusitano,

Sem a violência de um combate furioso,

E sem a destruição dos canhões de Vulcano (1);

Pequeno agrupamento débil e medroso,

Retrato dos mouros, um covarde tipo humano.

Não oferecem resistência; pois se tivesse havido,

O seu dano seria muito mais grave e dolorido.



1- Vulcano: o deus do fogo e das armas.



E como o Gama muito desejasse

Piloto pera a Índia, que buscava,

Cuidou que entre estes Mouros o tomasse,

Mas não lhe sucedeu como cuidava;

Que nenhum deles há que lhe ensinasse

A que parte dos céus a Índia estava;

Porém dizem-lhe todos que tem perto

Melinde, onde acharão piloto certo.



70o Como o Gama muito desejasse

Um piloto para levar-lhe à Índia que buscava,

Pensou que dentre estes o encontrasse;

Contudo, não sucedeu como ele esperava,

Pois não havia nenhum que lhe ensinasse,

Abaixo de qual parte do céu a Índia estava.

Porém todos lhe dizem que ali perto

Fica Melinde (1), onde acharão o piloto certo.





1) Melinde: cidade e reino na costa oriental da África.



Louvam do Rei os Mouros a bondade,

Condição liberal, sincero peito,

Magnificência grande e humanidade,

Com partes de grandíssimo respeito.

O Capitão o assela por verdade,

Porque já lho dissera deste jeito

O Cileneu em sonhos; e partia

Pera onde o sonho e o Mouro lhe dizia.



71o Louvam o seu rei e a sua bondade,

A sua convicção liberal, o sincero peito,

A sua magnífica humanidade,

E seu modo de mostrar muito respeito.

O capitão sabe ser verdade,

Porque já lhe dissera desse jeito,

O Cileneu (1) em sonhos; e logo partia

Para onde o mouro lhe dizia.



1- Cileneu: Mercúrio que assim era chamado por ter nascido no monte Cilene.



Era no tempo alegre, quando entrava

No roubador de Europa a luz Febeia,

Quando um e o outro corno lhe aquentava,

E Flora derramava o de Amalteia;

A memória do dia renovava

O pres[s]uroso Sol, que o Céu rodeia,

Em que Aquele a quem tudo está sujeito

O selo pôs a quanto tinha feito;



72o Estava-se na alegre Primavera, quando entrava

No raptor (1) da princesa Europa (2), a luz Febéia (3),

Que um e o outro chifre lhe esquentava,

Enquanto Flora (4) derramava o licor de Amaltéia (5).

A lembrança daquele Dia Santo (6) renovava,

O zeloso e amigo sol, que o céu rodeia,

No qual, Aquele, a quem a tudo está sujeito,

Colocou a sua marca em tudo o que tinha feito;



1- Raptor: referência a Júpiter que raptara a Princesa Europa em certa ocasião,

2- Princesa Europa: a filha de Agenor, rei da Fenícia, que foi raptada por Júpiter, metamorfoseado em touro. Daí a alusão da luz solar aquecer os seus chifres.

3- A luz Febéia: a luz de Febo o outro nome de Apolo, o deus do sol. A luz do sol incidindo no quadrante onde fica a constelação de Touro, que ocorre com mais intensidade durante a Primavera.

4- Flora: a deusa das flores e da Primavera.

5- Amaltéia: a ninfa que transformada em cabra amamentou Júpiter. O licor de Amaltéia, neste contexto, simboliza a abundância da Primavera.

6- O Dia Santo: o domingo de Páscoa. O dia da Ressurreição.





Quando chegava a frota àquela parte

Onde o Reino Melinde já se via,

De toldos adornada e leda de arte

Que bem mostra estimar o Santo dia.

Treme a bandeira, voa o estandarte,

A cor purpúrea ao longe aparecia;

Soam os atambores e pandeiros;

E assi entravam ledos e guerreiros.



73o Quando a lusa frota chegava naquela parte

De onde o reino de Melinde já se via;

Enfeitada com toldos coloridos, de alegre arte,

Demonstrava como se celebrava o Santo Dia.

Tremula a bandeira, esvoaça o estandarte,

A cor vermelha ao longe aparecia;

Soam os tambores e os pandeiros;

Chegavam os lusos alegres e guerreiros.



Enche-se toda a praia Melindana

Da gente que vem ver a leda armada,

Gente mais verdadeira e mais humana

Que toda a doutra terra atrás deixada.

Surge diante a frota Lusitana,

Pega no fundo a âncora pesada;

Mandam fora um dos Mouros que tomaram,

Por quem sua vinda ao Rei manifestaram.



74o Enche-se toda a praia Melindana

Dos que vem ver a alegre armada.

Gente mais sincera e humana

Que a deixada na terra passada.

Segue adiante a frota lusitana

Até prenderem a âncora pesada.

Vai à terra um dos mouros aprisionados

Avisar ao Rei que em paz são chegados



O Rei, que já sabia da nobreza

Que tanto os Portugueses engrandece,

Tomarem o seu porto tanto preza

Quanto a gente fortíssima merece;

E com verdadeiro ânimo e pureza,

Que os peitos generosos ennobrece,

Lhe manda rogar muito que saíssem

Pera que de seus reinos se servissem.



75o O rei, que já sabia da nobreza

Que tanto aos portugueses engrandece,

Receber aquele povo tanto preza

Quanto à brava gente lusa merece;

E com sincero contentamento e pureza,

Que aos corações generosos enobrece,

Convida-lhes para que do mar saíssem

E de seu reino se servissem.



São oferecimentos verdadeiros

E palavras sinceras, não dobradas,

As que o Rei manda aos nobres cavaleiros

Que tanto mar e terras têm passadas.

Manda-lhe mais lanígeros carneiros

E galinhas domésticas cevadas,

Com as frutas que antão na terra havia;

E a vontade à dádiva excedia.



76o São oferecimentos verdadeiros

E sinceras as palavras, boas e delicadas,

Que o rei envia aos nobres cavaleiros

Que tanto mar e terra deixaram passadas.

Presenteia-lhes com felpudos carneiros

E com as galinhas, que por eles são criadas.

Manda-lhes, também, frutas que a terra produzia

E sua boa vontade aos presentes excedia.



Recebe o Capitão alegremente

O mensageiro ledo e seu recado;

E logo manda ao Rei outro presente,

Que de longe trazia aparelhado:

Escarlata purpúrea, cor ardente,

O ramoso coral, fino e prezado,

Que debaxo das águas mole crece,

E, como é fora delas, se endurece.



77o O capitão recebe alegremente

O cordial mensageiro e o real recado;

E logo manda ao rei rico presente,

Que desde muito longe já trazia preparado:

Feito em vermelho vivo, cor tão ardente,

Um lindo e ramificado coral, fino e requintado,

Que debaixo da água mole cresce,

E no seco se endurece.



Manda mais um, na prática elegante,

Que co Rei nobre as pazes concertasse

E que de não sair, naquele instante,

De suas naus em terra, o desculpasse.

Partido assi o embaixador prestante,

Como na terra ao Rei se apresentasse,

Com estilo que Palas lhe ensinava,

Estas palavras tais falando orava:





78o Manda um embaixador, numa prática elegante,

Para que a paz com o nobre rei firmasse,

Explicando que não desembarcaria naquele instante,

E, pedindo ao rei que o desculpasse.

Instruído, partiu o mensageiro do luso navegante,

E como logo junto ao rei já estivesse,

Com o estilo que Palas (1) lhe orientava

Tais palavras ao ilustre rei falava:



1- Palas: um outro nome de Minerva, a deusa da sabedoria e da eloqüência.



- «Sublime Rei, a quem do Olimpo puro

Foi da suma Justiça concedido

Refrear o soberbo povo duro,

Não menos dele amado, que temido:

Como porto mui forte e mui seguro,

De todo o Oriente conhecido,

Te vimos a buscar, pera que achemos

Em ti o remédio certo que queremos.



79o Sublime rei, a quem pelo Olimpo puro

Com suprema justiça foi concedido

O dever de refrear o arrogante povo duro;

Tu, que por todos é amado e temido

E tens o porto mais forte e mais seguro,

Em todo território do Oriente conhecido,

Ajuda-nos agora, para que achemos

O socorro certo que tanto queremos.



«Não somos roubadores que, passando

Pelas fracas cidades descuidadas,

A ferro e a fogo as gentes vão matando,

Por roubar-lhe as fazendas cobiçadas;

Mas, da soberba Europa navegando,

Imos buscando as terras apartadas

Da Índia, grande e rica, por mandado

De um Rei que temos, alto e sublimado.



80o Não somos ladrões que, passando

Pelas frágeis cidades descuidadas,

Com ferro e fogo a todos vão matando,

Para lhes roubar as riquezas cobiçadas;

Somos da altiva Europa e navegando,

Buscamos as famosas terras distanciadas

Da grande Índia, conforme nos foi ordenado

Pelo nosso rei, também sublime e elevado.



«Que geração tão dura há i de gente,

Que bárbaro costume e usança feia,

Que não vedem os portos tão somente,

Mas inda o hospício da deserta areia?

Que má tenção, que peito em nós se sente,

Que de tão pouca gente se arreceia?

Que, com laços armados, tão fingidos,

Nos ordenassem ver-nos destruídos?



81o Por que nos julgam perversa gente,

De bárbaros costumes e de índole tão feia,

Que nos recusam os portos completamente,

E até um simples abrigo na deserta areia?

Por que acham que só maldade a gente sente,

Para tanto nos temer; o quê tanto se receia?

Por que, com ardis preparados, tão fingidos,

Querem-nos completamente destruídos?



«Mas tu, em quem mui certo confiamos

Achar-se mais verdade, ó Rei benino,

E aquela certa ajuda em ti esperamos

Que teve o perdido Ítaco em Alcino,

A teu porto seguros navegamos,

Conduzidos do intérprete divino;

Que, pois a ti nos manda, está mui

Claro Que és de peito sincero, humano e raro.



82o Mas em tu, certamente confiamos;

Crentes em tua sinceridade, ó rei benigno,

E em busca da ajuda que de ti esperamos,

Igual a que teve o Itaco (1) do rei Alcino (2).

Ao teu afamado e seguro porto chegamos

Conduzidos pelo mensageiro Divino;

E porque a ti Deus nos mandou é claro,

Pois tens o coração sincero, humano e raro.



1- itaco: referência a Ulisses, lendário rei de Itaca, uma das ilhas Jônicas.

2- Alcino: rei dos feáceos que acolheu a Ulisses que havia naufragado quando regressava a Itaca, depois da guerra de Tróia.



«E não cuides, ó Rei, que não saísse

O nosso Capitão esclarecido

A ver-te ou a servir-te, porque visse

Ou suspeitasse em ti peito fingido;

Mas saberás que o fez, por que cumprisse

O regimento, em tudo obedecido,

De seu Rei, que lhe manda que não saia,

Deixando a frota, em nenhum porto ou praia.



83o E não pense, ó rei, que não saísse

Da nau o nosso capitão esclarecido

Para lhe ver ou servir-te, por que visse,

Ou suspeitasse que fosse um fingido;

Saiba que não veio, para que se cumprisse

O nosso regulamento, fielmente obedecido.

Nele, o nosso rei ordena que o capitão não saia

Da frota, em nenhum porto ou praia.

«E porque é de vassalos o exercício

Que os membros têm, regidos da cabeça,

Não quererás, pois tens de Rei o ofício,

Que ninguém a seu Rei desobedeça;

Mas as mercês e o grande benefício

Que ora acha em ti, promete que conheça

Em tudo aquilo que ele e os seus puderem,

Enquanto os rios pera o mar correrem.»



84o E como é verdadeiro escravo o exercício

Dos membros humanos, regidos pela cabeça,

Tu não desejarás, pois também é rei de ofício,

Que Gama ou outrem, ao seu rei, desobedeça;

Mas saibas que as graças e o grande benefício

Que nos presta, ele fará que o Mudo conheça

Em cada canto que ele e os seus navegarem.

Tão certo como os rios nos mares desaguarem (1).



1- Ou seja, sem que possa ser de outro modo.



Assi dizia; e todos juntamente,

Uns com outros em prática falando,

Louvavam muito o estâmago da gente

Que tantos céus e mares vai passando;

E o Rei ilustre, o peito obediente

Dos Portugueses na alma imaginando,

Tinha por valor grande e mui subido

O do Rei que é tão longe obedecido;

85o Após a fala; os nativos, alegremente,

Animadas palavras iam trocando,

Louvando a coragem da lusa gente,

Que por tantos céus e mares vai passando.

O ilustre rei pensa no coração obediente

Do português e fica imaginando

O grande valor e como era reconhecido

O luso rei, que de tão longe é obedecido.











E com risonha vista e ledo aspeito,

Responde ao embaixador, que tanto estima:

- «Toda a suspeita má tirai do peito,

Nenhum frio temor em vós se imprima,

Que vosso preço e obras são de jeito

Pera vos ter o mundo em muita estima;

E quem vos fez molesto tratamento

Não pode ter subido pensamento.



86o Com brilhantes olhos e alegre aspecto,

Responde ao embaixador, que tanto estima:

Expulsem toda má suspeita do vosso peito,

Que nenhum frio temor em vós oprima;

Que as vossas proezas e o vosso feito

Merecem toda consideração e estima;

E quem lhes deu um malvado tratamento,

É um ignorante de malévolo sentimento.



«De não sair em terra toda a gente,

Por observar a usada preminência,

Ainda que me pese estranhamente,

Em muito tenho a muita obediência

Mas, se lho o regimento não consente,

Nem eu consentirei que a excelência

De peitos tão leais em si desfaça,

Só porque a meu desejo satisfaça.



87o De não virem para a terra toda gente,

Para cumprir a habitual reverência,

Posso entender, ainda que estranhamente,

Porém, considero sublime sua obediência.

E se o regulamento não lhes consente,

Não serei eu que permitirei que a excelência

Desses leais corações se desfaça,

Apenas para que ao meu desejo satisfaça.





«Porém, como a luz crástina chegada

Ao mundo for, em minhas almadias

Eu irei visitar a forte armada,

Que ver tanto desejo há tantos dias.

E, se vier do mar desbaratada

Do furioso vento e longas vias,

Aqui terá de limpos pensamentos

Piloto, munições e mantimentos.»



88o Porém, quando a luz crástina (1) for chegada

Ao Mundo, em minhas almadias (2),

Irei visitar a forte armada,

Para ver o que desejo há vários dias.

E, se ela estiver maltratada

Pelo mar, pelo vento furioso e pelas longas vias,

Aqui vós encontrareis benignos sentimentos

E piloto, munições e alimentos.



1- Luz crástina: adjetivo poético relativo ao dia seguinte. Matinal.

2- Almadias: embarcação africana e asiática. De formato estreito é feita, geralmente, de um único tronco escavado.



Isto disse; e nas águas se escondia

O filho de Latona; e o mensageiro,

Co a embaixada, alegre se partia

Pera a frota no seu batel ligeiro.

Enchem-se os peitos todos de alegria,

Por terem o remédio verdadeiro

Pera acharem a terra que buscavam;

E assi ledos a noite festejavam.





89o Assim falou o rei; e nas águas já se escondia

O filho de Latona (1), e o mensageiro,

Com a boa noticia, já partia

Para a frota no seu bote ligeiro.

Em todos, os corações enchem-se de alegria,

Por terem, agora, o auxílio verdadeiro

Para acharem a terra que buscavam;

E assim, felizes, por toda à noite festejavam.



1- O filho de Latona: Apolo, o deus do sol. O sol.



Não faltam ali os raios de artifício,

Os trémulos cometas imitando;

Fazem os bombardeiros seu ofício,

O céu, a terra e as ondas atroando;

Mostra-se dos Ciclopas o exercício,

Nas bombas que de fogo estão queimando;

Outros com vozes com que o céu feriam,

Instrumentos altíssonos tangiam.



90o Não faltaram os fogos de artifício,

Que aos fugazes cometas vão imitando;

Os canhoneiros fazem o seu ofício,

E pelo céu, pelo mar e pela terra vão ecoando.

Dos Ciclopas (1), demonstra-se o exercício

Nas bombas de fogo que vão queimando;

Sons, que de tão altos até ao céu chegavam,

Enquanto altíssonos instrumentos tocavam.



1- Ciclopas (es): gigantes que tinham apenas um olho, no meio da testa. Eram os fabricantes dos raios de Júpiter.



Respondem-lhe da terra juntamente,

Co raio volteando com zunido;

Anda em giros no ar a roda ardente,

Estoira o pó sulfúreo escondido;

A grita se alevanta ao céu, da gente;

O mar se via em fogos acendido

E não menos a terra; e assi festeja

Um ao outro, à maneira de peleja.



91o Da terra respondem prontamente,

Com fogos que giram fazendo um grande zunido,

Gira no ar a roda brilhante e ardente,

Estourando o pó sulfúreo (1), nela escondido.

A gritaria se levanta ao céu, entre a nativa gente;

O mar parecia arder com o fogo acendido,

E não menos a terra; e assim comemoravam

Os dois povos, parecendo que guerreavam.



1) – Pó sulfúreo – a pólvora.



Mas já o Céu inquieto, revolvendo,

As gentes incitava a seu trabalho;

E já a mãe de Menon, a luz trazendo

Ao sono longo punha certo atalho;

Iam-se as sombras lentas desfazendo,

Sobre as flores da terra em frio orvalho,

Quando o Rei Melindano se embarcava,

A ver a frota que no mar estava.



92º Mas breve o inquieto céu vai se mexendo,

E a todos os Homens incitava ao trabalho;

Logo, a mãe de Menon (1) a luz foi trazendo,

E ao longo sono punha-se o devido atalho;

As lentas sombras iam-se desfazendo,

Sobre as flores da terra, frias com o orvalho,

E nisto, o rei Melindano já embarcava,

Para ver a frota que no mar estava.



1- Mãe de Menon: A aurora. Menon era rei da Etiópia, filho da Aurora e de Titão.





Viam-se em derredor ferver as praias,

Da gente que a ver só concorre leda;

Luzem da fina púrpura as cabaias,

Lustram os panos da tecida seda.

Em lugar de guerreiras azagaias

E do arco que os cornos arremeda

Da Lüa, trazem ramos de palmeira,

Dos que vencem, coroa verdadeira.



93o Via-se ao redor que ferviam as praias,

Com a gente que só para ver acorre contente,

Brilham as finas púrpuras das cabaias (1)

Reluzem os tecidos de seda daquela gente.

Em lugar das guerreiras azagaias (2)

E dos arcos que imitam a Lua (3) toscamente,

Trazem pacíficos ramos de palmeiras,

Que dos vencedores é a coroa verdadeira.



1- Cabaias: tecidos de seda, muito leve. Túnicas desse tecido.

2- Azagaias: lanças curtas, para arremesso.

3-Arcos que imitam a Lua: quando esta fica na fase Minguante e só se avistam suas extremidades, efeito que lembra a um arco.



Um batel grande e largo, que toldado

Vinha de sedas de diversas cores,

Traz o Rei de Melinde, acompanhado

De nobres de seu Reino e de senhores.

Vem de ricos vestidos adornado,

Segundo seus costumes e primores;

Na cabeça, üa fota guarnecida

De ouro, e de seda e de algodão tecida;



94o Um grande bote, largo e enfeitado

Com sedas de diversas cores,

Traz o rei de Melinde acompanhado

Pelos nobres e outros ilustres senhores.

Com ricas vestes ele vem adornado,

Segundo os seus costumes e os seus valores;

Na cabeça, traz um turbante guarnecido

De ouro, de seda e de algodão bem tecido.



Cabaia de Damasco rico e dino,

Da Tíria cor, entre eles estimada;

Um colar ao pescoço, de ouro fino,

Onde a matéria da obra é superada,

Cum resplandor reluze adamantino;

Na cinta a rica adaga, bem lavrada;

Nas alparcas dos pés, em fim de tudo,

Cobrem ouro e aljôfar ao veludo.





95o Vestia-se de cabaia de Damasco (1) mui digno,

E da Tíria (2) cor que entre eles é muito estimada;

Trazia no pescoço um colar de ouro muito fino,

Onde do rico material fizeram arte aprimorada

Em que um resplendor que reluzia cristalino;

No cinto, uma rica adaga bem trabalhada;

Nas sandálias dos pés, no fim de tudo,

A pérola e o ouro recobrem o veludo.



1- Cabaias de Damasco: tecido de seda, muito leve. Túnicas usadas por alguns povos africanos e asiáticos.

2- Cor Tíria: vermelho escuro.



Com um redondo emparo alto de seda,

Nüa alta e dourada hástea enxerido,

Um ministro à solar quentura veda

Que não ofenda e queime o Rei subido.

Música traz na proa, estranha e leda,

De áspero som, horríssono ao ouvido,

De trombetas arcadas em redondo,

Que, sem concerto, fazem rudo estrondo.





96o Um guarda-sol redondo, alto e de seda pura

Que em e dourada haste estava inserido,

Protege-o do Sol e d’alguma queimadura

Aos nobres, aos senhores e ao rei querido.

Trazem música na proa, alegre, mas impura,

De som áspero, horrível ao ouvido,

Saída de uma trombeta de formato redondo,

Que vibrava pelos ares num terrível estrondo.



Não menos guarnecido, o Lusitano,

Nos seus batéis, da frota se partia,

A receber no mar o Melindano,

Com lustrosa e honrada companhia.

Vestido o Gama vem ao modo Hispano,

Mas Francesa era a roupa que vestia,

De cetim da Adriática Veneza,

Carmesi, cor que a gente tanto preza;



97o Não menos bem vestido estava o lusitano,

Que nos seus botes, da frota já partia,

Para recepcionar no mar ao rei Melindano,

Com uma ilustre e honrada companhia.

O Gama ia vestido ao modo Hispano (1),

Mas era francesa a roupa que vestia,

Feita com cetim da Adriática Veneza (2),

Da cor vermelha e de rara e cara beleza.



1- Hispano: à maneira que se julgava elegante na península Ibérica, também chamada de Hispânia.

2- Adriática Veneza: a cidade Veneza, na Itália, que no tempo de Camões era uma república e o centro do comércio de luxo.



De botões d'ouro as mangas vêm tomadas

Onde o Sol, reluzindo, a vista cega;

As calças soldadescas, recamadas

Do metal que Fortuna a tantos nega;

E com pontas do mesmo, delicadas,

Os golpes do gibão ajunta e achega;

Ao Itálico modo a áurea espada;

Pruma na gorra, um pouco declinada.



98o De ouro as mangas do casaco eram ornadas,

Nas quais, o sol reluzindo, a vista cega;

As calças, no estilo militar, eram enfeitadas

Com o ouro que a sorte a tantas pessoas nega;

E com pontas, também de ouro, muito delicadas,

As lapelas do colete ele junta e achega;

No modo italiano ele leva a dourada espada;

E no gorro leva uma pluma, um pouco inclinada.



Nos de sua companhia se mostrava

Da tinta que dá o múrice excelente

A vária cor, que os olhos alegrava,

E a maneira do trajo diferente.

Tal o fermoso esmalte se notava

Dos vestidos, olhados juntamente,

Qual aparece o arco rutilante

Da bela Ninfa, filha de Taumante.



99o Os trajes de seus acompanhantes mostrava

A tinta que produzem os múrices (1) excelentes,

A variada cor que aos olhos alegrava,

E a diversidade dos trajes diferentes.

Tanto o belo colorido daquelas vestes se destacava,

Que quando eram olhadas juntamente

Parecia se enxergar o arco brilhante

Da bela Ninfa, filha de Taumante (2).





1- Múrices: moluscos que produzem o pigmento da tinta púrpura.

2- Taumante: filho do Mar e da Terra e pai de Íris. O arco-íris.



Sonorosas trombetas incitavam

Os ânimos alegres, ressoando;

Dos Mouros os batéis o mar coalhavam,

Os toldos pelas águas arrojando;

As bombardas horríssonas bramavam,

Com as nuvens de fumo o Sol tomando;

Amiúdam-se os brados acendidos,

Tapam com as mãos os Mouros os ouvidos.



100o Os lusos tocavam trombetas que incitavam

Os alegres ânimos e pelo mar iam ressoando;

Os botes dos mouros nativos coalhavam

O mar; e as lonas, pelas águas, iam passando;

Os furiosos canhões disparavam

Para o alto e a fumaça ia ocultando

O sol; repetem-se os estrondos acendidos,

E os mouros, com as mãos, protegem os ouvidos.



Já no batel entrou do Capitão

O Rei, que nos seus braços o levava;

Ele, co a cortesia que a razão

(Por ser Rei) requeria, lhe falava.

Cüas mostras de espanto e admiração,

O Mouro o gesto e o modo lhe notava,

Como quem em mui grande estima tinha

Gente que de tão longe à Índia vinha.



101o O rei entrou no bote do capitão,

A quem, efusivamente, abraçava;

E, com a cortesia que requeria a ocasião,

(Por ser um rei), gentilmente lhe falava.

Dando mostras de espanto e admiração,

Ao capitão atentamente observava,

Pois em grande estima já tinha

A gente que de longe à Índia vinha.





E com grandes palavras lhe oferece

Tudo o que de seus reinos lhe cumprisse,

E que, se mantimento lhe falece,

Como se próprio fosse, lho pedisse.

Diz-lhe mais que por fama bem conhece

A gente Lusitana, sem que a visse;

Que já ouviu dizer que noutra terra

Com gente de sua Lei tivesse guerra;



102o Com generosas palavras lhe oferece

O que tinha e que o capitão necessitasse;

Dizia que se de mantimentos ele carece,

Como se fosse dele, os seus ele usasse.

Também lhe diz que pela fama já conhece,

A gente lusitana, sem que a visse;

E que já ouviu dizer que noutra terra

Contra islamitas tiveram feroz guerra;



E como por toda Africa se soa,

Lhe diz, os grandes feitos que fizeram

Quando nela ganharam a coroa

Do Reino onde as Hespéridas viveram;

E com muitas palavras apregoa

O menos que os de Luso mereceram

E o mais que pela fama o Rei sabia;

Mas desta sorte o Gama respondia:

103o E que por toda a África ainda ecoa,

Os grandes feitos que já lá fizeram.

Como quando ali ganharam a coroa

Do reino onde as Hespérides (1) viveram;

E com muitas outras palavras ele apregoa

Até a menor das glórias que eles tiveram.

E mais dizia de tudo que sabia

E desse modo ao Gama respondia:



1- Hespérides: filhas de Atlas que possuíam um jardim com frutos de ouro, guardados por um dragão de cem cabeças. Hércules matou o dragão e apoderou-se dos frutos, num de seus trabalhos. Camões localiza este jardim em Marrocos, África do norte, cenário de algumas lutas e vitórias lusitanas.



- «Ó tu que, só, tiveste piedade,

Rei benigno, da gente Lusitana,

Que com tanta miséria e adversidade

Dos mares exprimenta a fúria insana:

Aquela alta e divina Eternidade ,

Que o Céu revolve e rege a gente humana,

Pois que de ti tais obras recebemos,

Te pague o que nós outros não podemos.



104o Ó tu, que foi o único que tiveste piedade,

Rei benigno, da pobre gente lusitana,

Que com tanta dificuldade e adversidade

Enfrenta o mar e a sua fúria insana;

Que a sublime Divina Eternidade

Que governa o céu e rege a gente humana,

Pelos favores que de ti recebemos,

Pague-lhe a bondade, pois retribuir não podemos.



«Tu só, de todos quantos queima Apolo,

Nos recebes em paz, do mar profundo;

Em ti, dos ventos hórridos de Eolo

Refúgio achamos, bom, fido e jocundo.

Enquanto apacentar o largo Pólo

As Estrelas, e o Sol der lume ao Mundo,

Onde quer que eu viver, com fama e glória

Viverão teus louvores em memória.»



105o Apenas tu, dos queimados pelo Sol de Apolo,

Recebe-nos em paz, após navegarmos o mar profundo;

Em ti, contra os horríveis ventos do deus Eolo (1)

Achamos um refúgio bom, fiel e fecundo.

Enquanto as estrelas iluminarem o vasto Pólo (3)

E o sol der a sua luz ao mundo,

Onde quer que eu viva, com fama e glória,

Cantarei teu nome em boa memória.



1- Eolo: deus dos ventos.

2 - Pólo: neste contexto, o Mundo.



Isto dizendo, os barcos vão remando

Pera a frota, que o Mouro ver deseja;

Vão as naus üa e üa rodeando,

Por que de todas tudo note e veja.

Mas pera o Céu Vulcano fuzilando,

A frota co as bombardas o festeja

E as trombetas canoras lhe tangiam;

Cos anafis os Mouros respondiam.



106o Enquanto falam, os barcos vão rumando

Para a frota, que o mouro tanto deseja

Ver; e, uma a uma, as naus vão rodeando,

Para que ele a todas conheça e veja.

Os canhões de Vulcano (1) vão disparando

Para o alto; e assim, a frota, ao rei festeja.

Sonoras trombetas os lusos vão tocando;

E os mouros, os seus anafis (2) vão ecoando.



1- Vulcano: o deus do fogo.

2- Anafis: instrumento de sopro dos mouros.



Mas, despois de ser tudo já notado

Do generoso Mouro, que pasmava

Ouvindo o instrumento inusitado,

Que tamanho terror em si mostrava,

Mandava estar quieto e ancorado

N'água o batel ligeiro que os levava,

Por falar de vagar co forte Gama

Nas cousas de que tem notícia e fama.



107o Depois de tudo ter sido observado

Pelo generoso rei Mouro, que se assustava

Com os canhões, som que lhe era inusitado,

E que tanto terror, por si próprio, causava,

O rei ordena que fique quieto e ancorado

O ligeiro bote que os levava,

Pois queria, calmamente, falar com o Gama

Sobre as coisas que dele sabe por sua fama.



Em práticas o Mouro diferentes

Se deleitava, perguntando agora

Pelas guerras famosas e excelentes

Co povo havidas que a Mafoma adora;

Agora lhe pergunta pelas gentes

De toda a Hespéria última, onde mora;

Agora, pelos povos seus vizinhos,

Agora, pelos húmidos caminhos.



108o O mouro, com perguntas diferentes

Deliciava-se. Perguntava numa hora

Pelas guerras famosas e valentes

Contra o povo que a Mafoma (1) adora;

Depois indagando sobre as gentes

Da Hespéria (2), onde o Gama mora

E sobre os povos que são seus vizinhos,

E acerca dos marítimos caminhos.



1- Mafoma: Maomé.

2- Hespéria: no contexto, a Península Ibérica.



- «Mas antes, valeroso Capitão,

Nos conta (lhe dizia), diligente,

Da terra tua o clima e região

Do mundo onde morais, distintamente;

E assi de vossa antiga geração,

E o princípio do Reino tão potente,

Cos sucessos das guerras do começo,

Que, sem sabê-las, sei que são de preço;



109o Mas antes, valoroso capitão,

Conta-nos, o mouro dizia diligente,

Sobre tua terra, seu clima e a localização

Da região onde vós morais contente;

E sobre a vossa antepassada geração,

E sobre o inicio do teu reino tão potente;

E também as vitórias nas guerras do começo,

Pois imagino serem merecedoras de apreço.



«E assi também nos conta dos rodeios

Longos em que te traz o Mar irado,

Vendo os costumes bárbaros, alheios,

Que a nossa Africa ruda tem criado;

Conta, que agora vêm cos áureos freios

Os cavalos que o carro marchetado

Do novo Sol, da fria Aurora trazem;

O vento dorme, o mar e as ondas jazem.



110o Também sobre as voltas e os meios

Que fizestes e que utilizastes no mar irado,

Vendo os costumes bárbaros e feios,

Que a nossa selvagem África tem criado.

Conta; que agora já vem com dourados freios,

Os cavalos que trazem o carro adornado

Do novo dia de sol; e que da fria Aurora provêm;

O vento repousa e calmas ondas no mar já se têm.



«E não menos co tempo se parece

O desejo de ouvir-te o que contares;

Que quem há que por fama não conhece

As obras Portuguesas singulares?

Não tanto desviado resplandece

De nós o claro Sol, pera julgares

Que os Melindanos têm tão rudo peito

Que não estimem muito um grande feito.



111o E com a calma do clima se parece

O desejo de ouvir o que tu contares;

Pois existe alguém que desconhece

As proezas dos portugueses invulgares?

Não penses que aqui o Saber não resplandece

Ou que não há conhecimento, para julgares

Que nós, os Melindanos, têm um peito

Tão rude, que não apreciem a um grande feito.



«Cometeram soberbos os Gigantes,

Com guerra vã, o Olimpo claro e puro;

Tentou Perito e Teseu, de ignorantes,

O Reino de Plutão, horrendo e escuro.

Se houve feitos no mundo tão possantes,

Não menos é trabalho ilustre e duro,

Quanto foi cometer Inferno e Céu,

Que outrem cometa a fúria de Nereu.



112o Se desafiaram os arrogantes Gigantes (1)

Com uma inútil guerra, o Olimpo claro e puro;

Se Perito (2) e Teseu (3), por serem ignorantes,

Afrontaram o reino de Plutão (4), horrível e escuro;

E se houve no mundo proezas tão brilhantes,

Não é menos heróico vosso feito ilustre e duro,

Em relação a quem afrontou o Inferno e o Céu,

Pois tu, ó luso, enfrentas a fúria de Nereu (5).



1- Gigantes: os Titãs, os seis filhos da Terra, que tentaram atingir o Olimpo, utilizando os montes como escadas.

2- Perito: rei da Tessália, amigo de Teseu, que desceu ao Inferno para roubar Prosérpina, raptada e feita mulher de Plutão.

3- Teseu: herói grego, filho de Egeu, rei de Atenas. Junto com Perito, desceu ao inferno para raptar a mulher de Plutão.

4- Plutão: o rei do Inferno. O deus dos mortos.

5- Nereu: deus marinho e o pai das Nereidas.



«Queimou o sagrado templo de Diana,

Do sutil Tesifónio fabricado,

Heróstrato, por ser da gente humana

Conhecido no mundo e nomeado.

Se também com tais obras nos engana

O desejo de um nome aventajado,

Mais razão há que queira eterna glória

Quem faz obras tão dinas de memória.».



113o Por ter incendiado o templo de Diana (1),

Que o hábil Tesifônio (2) tinha edificado,

Heróstrato (3), entre a gente humana,

Pretendeu ficar conhecido e muito afamado.

Outros fazem obras, que a ninguém engana,

Apenas para terem um nome celebrado.

Dessa sorte mais razões para a eterna glória

Tendes vós, ó lusos, que fazem a história.


1- Diana: a deusa da caça. Filha de Júpiter e de Latona. Irmã de Apolo.

2- Tesifônio: o arquiteto grego que construiu o templo de Diana em Éfeso.

3- Heróstrato: éfeso que para passar para a História, incendiou o Templo de Diana.


Fim do Canto II


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