SARTRE, Jean Paul.
1905 – 1980
Existencialismo
(recorte), a Náusea (resenha).
A
Existência precede a Essência.
O Homem Inautêntico. O Homem Contingente.
“Quando olhei para a bandeira da França,
eu vi apenas um pedaço de pano” – Paul Nizan.
Se fosse pedido um rosto para a Filosofia na atualidade, esse semblante
seria certamente o de SARTRE.
Com efeito, ao francês cabe a missão e o privilégio de representar o “Pensamento
Superior”, que desde a aurora dos tempos proporciona ao homem a
oportunidade de fugir da mediocridade cotidiana e ter acesso às questões mais
profundas sobre o Mundo, sobre a vida e, principalmente, sobre ele próprio.
Pensador formado nos terríveis anos que precederam, realizaram-se
e sucederam os horrores da 2ª Guerra
Mundial, ele trouxe para sua escrita toda a angústia, toda a incerteza que
permearam a insanidade de um Mundo
que não hesitou em se matar cruelmente, torturar-se barbaramente e enterrar
seus melhores anseios e suas melhores realizações artísticas, culturais e humanas
em um conflito que representou à perfeição toda a bestialidade do “Ser”
que destroi sem motivo, talvez, por também existir sem motivo.
Tempos em que a falta de razão para existir e de um propósito para
sobreviver, saltaram das Teorias para
a crua Realidade. Tempos em que o “Existencialismo” ganhou corpo,
solidez e popularidade.
Afinal, era preciso estudar a “alma”, a “essência”
da “falta de essência”.
Era preciso estudar o “Ser sem alma, sem essência” que
vive por acaso e que, intuindo que a Morte
lhe é o fim definitivo, vive
para o “Nada”.
Era preciso estudar o homem. E, como poucos, SARTRE o fez.
Nascido em Paris, SARTRE tornou-se órfão de pai já aos quinze meses de vida. Foi criado pela
mãe e pelo avô e desde a tenra infância mostrou-se um aluno brilhante.
Com relativa facilidade ingressou na prestigiada École Normale
Supériure e ali conheceu Simone de Beauvoir (a quem chamava
de Castor) que foi sua companheira por toda vida.
Filósofo e Romancista
como ele, Simone foi a sua base mais
sólida e o esteio que lhe permitiu tornar-se “o mais célebre Filósofo do
Existencialismo” e um dos raríssimos Pensadores que teve a capacidade de levar a Filosofia ao encontro do público leigo.
Após a graduação, SARTRE
trabalhou como Professor e foi nomeado
para a cátedra de Filosofia da Universidade de Le Havre, em 1931.
Durante a Guerra, serviu ao Exército e foi feito prisioneiro por um
curto período. Após conseguir fugir, em 1941, ingressou no Movimento de Resistência (que usando
táticas de Guerrilha combatia os invasores alemães) e combateu até 1945 quando houve a vitória
definitiva dos Aliados.
Após o conflito, sua escrita se tornou progressivamente mais politizada
e para canalizar a sua caudalosa produção, bem como a de seus seguidores e
amigos, ele fundou a Revista Político-Literária “Les Temps
Moderns”.
Além do trabalho que ali desenvolvia, escreveu vários livros, dentre os
quais, citamos na sequência aqueles que são considerados as suas “Obras-Chave”.
E foram os livros que lhe renderam, além de outros inúmeros
admiradores, o Prêmio Nobel de
Literatura, de 1964, que ele recusou por discordar do caráter “mercantilista
e burguês” do mesmo.
Várias outras homenagens lhe foram dedicadas até que em 1980 mais de
cinquenta mil pessoas acompanharam seu enterro, em derradeira consagração. Com
ele, seguramente morreu grande parte da inteligência do Mundo.
Obras-Chave
1. *A Náusea, de 1938.
2. O Ser e o Nada, de 1943.
3. O Existencialismo é um Humanismo, de 1945.
4. Critica da Razão Dialética, de 1960.
*NOTA do AUTOR – a titulo
de complementação, acrescentamos no final do presente Ensaio um Recorte
sobre o Existencialismo, que apesar de sua brevidade, apresenta ao (a)
leitor (a) os pontos essenciais da doutrina.
*NOTA do AUTOR – devido à
importância de “A Náusea” no contexto de seu Ideário e pela sua
capacidade de demonstrar quase integralmente o Pensamento do Filósofo, faremos
brevíssima resenha da obra no final desse Ensaio.
Simone de Beauvoir – Musa e Companheira de
toda a vida.
Desde a Antiguidade que a
questão sobre ser ou existir como homem – como Ser Humano – e sobre as
diferenças que temos em relação aos outros Seres,
ocupa a mente dos principais Filósofos.
Quando se reflete sobre a questão, supõe-se, geralmente, que existe uma
“Natureza Humana”, ou uma “Essência” que define a
condição de Ser, de Existir como humano.
O passo seguinte é pensar que essa “Essência” ou “Natureza
(ie,
a forma de ser que é típica dos Seres Humanos)” seja imutável, fixa e idêntica para todos
os homens, em todas as épocas e em todos os lugares, independentemente das
condições em que vivem e da Cultura
que os rege.
Todos possuiriam as mesmas características fundamentais e se guiariam
pelos mesmos valores básicos.
NOTA do AUTOR – por analogia,
seria algo como a “Ideia” de Platão que serve como modelo para a
“fabricação” dos indivíduos. As diferenças entre os indivíduos (os magros, os
gordos, os baixos, os altos, os negros, os asiáticos etc.), ou entre os
Grupos Sociais que formam, seriam superficiais e ocasionadas apenas e
principalmente pelas condições climáticas (africanos, por exemplo, tem a pele negra
porque a abundância de Sol em sua Terra dispensa seus corpos de possuírem áreas
brancas que facilitem a absorção dos raios solares. Os europeus tem a pele
branca pelo motivo inverso etc.). E são essas imposições do clima, que
além dos aspectos corporais, moldam também seus hábitos, suas necessidades (europeus
necessitam de casa aquecidas e brasileiros de casas refrigeradas), suas vontades,
suas habilidades artísticas, industriais, artesanais etc. Moldam, enfim, a sua
Cultura.
Essa visão, que foi fortemente influenciada pela Teologia e pela Mitologia
(através
de Mitos como o da “Geração ou Criação Divina”, do “Pai Divino” e de todos os
“Homens serem Irmãos”)
vigorou por milênios, até que um grupo de Pensadores
sistematizou as dúvidas e oposições que já existiam desde o principio da Filosofia.
SARTRE, seguindo, pois, o eco de seus
antecessores, negou categoricamente a presença, ou a existência, dessa suposta “Essência
Humana”. E
ancorado em sua absoluta convicção ateísta ofereceu o seguinte exemplo
sobre a problemática:
Imaginemos um abridor de cartas. Essa
lâmina nasceu das mãos de um artesão que em algum momento teve a ideia de
criar a ferramenta e o claro entendimento sobre a finalidade do objeto,
pois seria inconcebível um “abridor de carta” existir sem que o seu fabricante
soubesse qual seria a sua finalidade.
Foi preciso existir um Artesão, um Demiurgo para planejar a finalidade daquela
ferramenta, dar-lhe, com isso, essência, e só depois fabricá-la.
Portanto, a Essência do Abridor veio antes de sua Existência.
Mas
como NÃO existe um Deus que possa
ter planejado, definido uma finalidade, uma essência e construído o homem, esse
mesmo homem existe por acaso, sem uma finalidade definida, sem uma essência
qualquer. Por isso, ao contrário do abridor de Cartas, cabe ao homem construir
ele próprio a “sua essência” para
com isso criar a ilusão de não ser contingente (ie, ser algo que pode ou não existir sem que isso
altere o Universo), de não ser um
mero acaso.
Nesse caso, então, a Existência
é que vem antes da Essência.
NOTA do AUTOR – Essa condição, aliás, pode ser comprovada pela própria
liberdade de ação que cada indivíduo usufrui, exceto, é óbvio, pelas limitações
da Natureza e pelas imposições sociais (imposições sociais que na verdade só
são restritivas ao nível individual, pois elas só existem porque foram criadas
pela coletividade). Mas nem essas imposições e/ou limitações são suficientes
para obrigar um indivíduo a ser Padeiro, por exemplo, se a sua vocação ou vontade
o levar para o trabalho com eletricidade. Nem mesmo os Sistemas Totalitários, políticos ou teocráticos
(como o antigo Sistema Hindu de Castas) conseguiram que esse
direcionamento fosse voluntário, tampouco completamente acatado. NÃO HOUVE um
plano para que fulano tivesse a “finalidade padeiro”. E mesmo que alguns argumentem
que as vocações, as habilidades, são amostras do “Plano Divino”, percebe-se que
isso é uma falácia, pois o que dirige o sujeito para esta ou aquela área são as
condições da sociedade em que vive, exceto as exceções de praxe. No atual
estágio que o Brasil atravessa, por exemplo, onde o acesso à Universidade foi
relativamente facilitado, isso fica bem claro. Dessa sorte, o “hipotético
padeiro por desígnio divino” aproveita a condição favorável para estudar e
buscar uma profissão que lhe dê maiores recompensas. Contrariou a “finalidade a
que teria sido destinado (sic)” e foi buscar sua realização onde presume encontrá-la.
Definir a Nós Mesmos.
Nota-se
no parágrafo anterior o quão explicita é a conexão entre a concepção de que “A
Existência humana precede a sua Essência” e o Ateísmo dos Existencialistas
em geral e de SARTRE em particular.
E,
com efeito, grande parte dos esforços de SARTRE foi canalizada para
demonstrar que as teorias Religiosas são
montadas através da analogia com os trabalhos que o próprio homem realiza.
Como ele, por exemplo, primeiro reflete, planeja sobre algo que irá construir,
para só então realmente concretizá-lo.
Assim,
ele passa a acreditar que um processo semelhante ocorra na “Mente de Deus”. E como ele não tem dúvidas da existência de Deus, também não tem dúvidas de que foi
planejado e só depois construído, ou seja, ele teve primeiro uma Essência e só
depois uma Existência.
Mas como o Ateísmo nega a existência desse tipo de Deus – Demiurgo, fabricante de Universos, o planejamento
antes referido nunca poderia acontecer simplesmente pela falta do planejador.
NOTA do AUTOR –
observe-se a associação direta que o Filósofo, bem como outros Pensadores, faz
entre “Essência” e “Finalidade”. Tal associação se deve ao fato
de que embora sejam conceitos de origem Religiosa e Mística, ambos acabaram
tendo um tratamento filosófico ao serem estudados no bojo da Corrente
Filosófica intitulada de Teleológica que considera o Mundo um Sistema de relações entre “Meios” e “Fins”. É
o estudo dos fins ou das finalidades humanas que se tornou tão
introjetado em nosso modo de pensar que é visto por muitos como uma “Verdade
Absoluta”.
Indo
além, SARTRE considerava que outras Teorias (mesmo sem cunho religioso) também conservavam essas mesmas raízes erradas, fato
que as invalidava de pronto por não terem qualquer base Lógica e Racional.
Todavia,
para SARTRE outra “Natureza Humana” é possível.
É
possível que ele construa a sua “Essência”;
e isso ele faz ao estabelecer seus objetivos, ou uma finalidade para si mesmo.
E
como essa “Essência” não foi dada por nenhum “Ser Divino”
compete ao homem definir a si próprio. Qual é, ao cabo, a “sua Essência”.
Por
isso, a sua máxima “Definir a nós mesmos”, da qual se originaram os
conceitos: “Primeiramente o homem existe (nasce), surge no Mundo (descobre-se separado da mãe, atravessa a infância, a
adolescência) e só depois se
Define (em
termos de caráter, personalidade)”.
“Quanto aos homens, não é o que eles são que me interessam, mas o que
eles podem se tornar”.
SARTRE
enfatiza que “definir a nós mesmos” Não é apenas uma
questão de ter a capacidade de dizer “somos Seres humanos”. Não é
enumerar as características pessoais.
Em
verdade, é assumirmos o tipo de SER que escolhemos nos tornar (não obstante as circunstâncias
que influem nessa escolha).
Isso
é, na verdade, o que nos faz diferentes de todos os outros Seres.
Só
nós podemos nos tornar aquilo que escolhermos fazer de nós mesmos.
Uma
pedra será sempre uma pedra. Idem com um cão, uma árvore etc. Já o homem tem o
poder de formar a si próprio.
E
aí está toda a importância de não ter a sua Essência
pré-definida, pois é nisso que reside a possibilidade de evolução, de
aprimoramento.
É
justamente aqui que se percebe a liberdade que o Ateísmo e o Existencialismo
oferta ao libertar o homem dos ditames tirânicos de um “Deus” que o
consideraria uma simples ferramenta.
NOTA do
AUTOR
– a ideia sartreana de que somos livres para moldar as próprias vidas foi um
dos conceitos chave da ideologia do Movimento Estudantil francês no célebre Maio de 1968, em contraponto à antiga
ideia da predestinação, da “habilidade herdada”, do “dom divino” etc.
Porém,
a Filosofia “Sartreana” que nos libera do predeterminismo e passa a ser chamada
de “Filosofia da Liberdade”, cobra
um preço, pois em contrapartida acarreta a Responsabilidade
pela Liberdade que concede.
Somos livres para nos tornarmos o que
quisermos, mesmo que as
limitações materiais impeçam o exercício absoluto dessa autonomia (desejar ter asas e voar
como um pássaro é inútil, por exemplo)
e mesmo que no âmbito das escolhas
possíveis, frequentemente sejamos coagidos a decidir com base em antigos
hábitos, ou vestutas regras e normas de conduta que nos são introduzidas desde
o nascimento (e
que para serem eliminadas exigem que tenhamos a coragem de nos rebelar
continuamente e assumirmos que vivemos num Mundo em que nada é predeterminado.
Que descartemos qualquer ação, ou pensamento mecânico, pesando cada atitude,
cada concepção na balança precisa da Racionalidade).
Mas,
a verdade é que poucos lutam efetivamente pela liberdade e o motivo para tal
comportamento vai além de um simples comodismo. A razão, de fato, é
o medo que a liberdade acarreta.
Afinal,
se eu escolher viver de alguma maneira heterodoxa, terei que arcar com a
responsabilidade dessa decisão, enquanto se eu optar em apenas seguir os
padrões estabelecidos ficarei na confortável situação de poder debitar a tais
padrões os meus fracassos e as iniquidades do Mundo.
Ao
fazermos escolhas criamos um “Modelo”
para a vida que julgamos ser a correta. Se, por exemplo, eu decido ser um Filósofo não estarei escolhendo apenas
por mim, pois implicitamente estou afirmando que ser Filósofo é uma atividade que vale à pena.
Não
somos, portanto, responsáveis apenas pelo impacto das escolhas em nossas vidas,
mas também pelo impacto que causará nas vidas dos demais.
Logo,
são raros os que tentam criar “Novos
Modelos”, preferindo resignar-se aos que outros fizeram, já que assim não
terão que responder por eventuais danos a terceiros.
NOTA do AUTOR – eu pedirei licença ao leitor (a) para propor, neste
trecho, uma alteração no célebre aforismo de SARTRE que diz que “estamos
condenados a ser livres”. Diria que “estamos condenados POR sermos livres”.
Por
essa razão, a “Filosofia da
Liberdade” também foi classificada como “Pessimista*” por acarretar a responsabilidade pelas nossas
decisões.
NOTA do AUTOR – o
adjetivo Pessimista* também é
oriundo do fato da Filosofia Existencialista afirmar a irrelevância do
homem e a vacuidade de sua vida cotidiana, além de lhe apontar o “Nada
Absoluto” como seu destino inexorável, pois se nada antecedeu ao seu
nascimento, nada sucederá a sua morte. Alguns Estudiosos rejeitam o termo “Pessimista”
substituindo-o por “Realista”, haja vista que os próprios conceitos “Pessimismo/Otimismo”
não existem por si mesmo. São meras sensações criadas pelos humanos para
qualificarem as suas perspectivas ante as hipóteses futuras.
SARTRE rejeitava
com veemência o adjetivo “Pessimista”, pois no seu
entendimento a sua Filosofia seria a
mais “Otimista” possível,
precisamente por permitir que se exerça um controle efetivo sobre o tipo de Personalidade que se quer ter e sobre o
modo como agir.
Ainda
que isto custe o preço de se arcar com as consequências pelas nossas opções.
O
Ideário de SARTRE influenciou uma vasta gama de eruditos (especialmente a sua companheira Simone de Beauvoir) e a juventude que tomou as ruas
no célebre Maio de 1968 para
combater o bom combate de derrubar as antigas ideias Predeterministas,
Tradicionalistas e Autoritárias que dominaram o Mundo até as décadas de 1950, 1960.
E
a sua influência não ficou restrita ao plano teórico, pois a militância e o
ativismo pelas Causas Sociais e Humanistas foi uma parte importante em sua vida.
Suas
constantes mudanças de afiliações partidárias, sua presença assídua nas grandes
manifestações e a sua voz ativa em defesa da liberdade, sempre estiveram juntas
de sua atuação no campo da Filosofia,
da Política e da Literatura.
E
foi seguramente esse conjunto de contribuições ao progresso do homem e a sua
grandeza intelectual e ética que o tornaram “o rosto da Filosofia”.
RECORTE – O
EXISTENCIALISMO
Dizem os
compêndios que o “Existencialismo” é
uma Escola Filosófica criada por Soren Kierkegaard (Dinamarca, 1813
– 1855).
Porém, a ideia por trás de tal Sistema sempre
esteve entre as reflexões do homem e exemplos desse fato já podem ser vistos no
século IV AEC quando Aristóteles se
perguntava “como devemos viver?”.
Destarte, quando Soren escreveu seu livro “Ou isto, ou Aquilo”, em que investiga
o papel desempenhado pelas “Escolhas” que fazemos na formação das nossas
vidas, todo um rio caudaloso já havia passado carreando essa questão.
Pode-se pensar que diante do horror causado pela ascensão
do Totalitarismo Nazifascista e pela deflagração do Conflito
Mundial (fatos
que expuseram a falta de Sentido da Existência e a falta de Sentido
dos Valores Burgueses [como Pátria, Honra Nacional, Etnia, Deus,
Religião etc.]), nada mais natural que as cabeças geniais
de Heidegger, JASPERS, Simone de Beauvoir e Jean Paul SARTRE, entre
outros, atualizassem a estrutura daquele antigo Sistema de Pensar
para o formato do Existencialismo
atual e o utilizassem para denunciar a hipocrisia dos falsos valores e daquele
tipo de Existência.
E nesse formato atual, tem-se como Tese Central
do Ideário a concepção de que não há uma “Essência”
antes da “Existência”.
Diretamente
oriundas dessa tese central, surgem as concepções de Contingência e da Inautenticidade,
que veremos a seguir.
Por negar peremptoriamente toda Metafísica e
toda noção de Deus, o Existencialismo
nega a validade dos supostos valores ditados
por uma hipotética divindade e/ou pela natureza.
Nega, pois, a validade de todos os valores burgueses, os quais, ao cabo,
seriam apenas instrumentos de opressão e de controle da Classe Dominante.
Assim sendo, partir da negação sistemática de Deus, pode-se
resumir a “Contingência Humana” (ou seja, o fato de “existir por acaso”,
sem propósito, sem finalidade, sem objetivo, sem sentido) da seguinte maneira:
- Por lhe faltar outra referência, o Ser humano imagina o divino antropomorficamente. Segundo seu parco entendimento, supõe que Deus pensa e age como ele próprio (sic).
- E quando o homem se propõe a fazer algo, primeiro ele estabelece um objetivo, um sentido para aquilo que tenciona fazer.
- Logo, ele imagina que o Deus-Demiurgo também o planejou (deu-lhe uma Essência) e só depois o criou.
- Portanto, esse Sentido, essa Essência, vem antes da Existência.
NOTA
do AUTOR - e acreditar nessa sequência é de fundamental
importância para que o homem conserve a ilusão de ter alguma importância e, com
isso, esqueça-se de sua própria mediocridade. É-lhe necessário supor-se superior
aos outros Seres, ter a fantasia de ser a “Espécie Escolhida”, como lhe é incutido pelas Religiões e pelas Regras
Sociais que se interessam em manter a “Ordem Social”, por mais
injusta que ela possa ser.
Porém,
1. Como Deus não existe, segundo os Existencialistas,
2. O Homem não foi Criado por “Ele (seja lá o nome
que se dê a tal Ser, ou Energia, ou Força)”.
3. Logo, não existe Essência, ou
Propósito, ou Finalidade, ou Sentido que tenha antecedido a Existência
Humana.
4. Portanto, o Homem existe por um mero acaso,
por uma simples Contingência.
Sem qualquer sentido.
5. Sendo assim, a EXISTÊNCIA, o Ato de Existir, vem antes de qualquer ESSÊNCIA no Homem.
Como, pois, Não há um propósito, um
objetivo para o homem existir (por mais que as Religiões digam o
contrário, quando o colocam como o “ápice da Criação” e o principal elemento no
“Comando” do Mundo),
ele é apenas um “Ser Contingente”, que existe por mero acaso. Tanto pode
existir, como inexistir, que em nada alterará o Universo.
E por não ter uma “Essência”, tampouco nenhuma “atribuição
especial”, nem um “Sentido maior, mais sublime”, dados por um
eventual “Criador”, o homem enfrenta outra situação peculiar: ele é “condenado a ser livre”.
E isto lhe acarreta a total responsabilidade por seus
atos, já que não pode se escusar por seus dolos e erros alegando “ter sido
programado pela Natureza ou por Deus para isso”, “por ter sido feito dessa maneira”
etc.
O resultado dessa falta de Essência, de Sentido
para a Vida e da problemática de “Ser condenado à Liberdade” é a Inautenticidade.
O homem para se esquecer da falta de Sentido e da
Liberdade que não deseja, apega-se exclusivamente às questões cotidianas (trabalhar,
juntar dinheiro, colecionar parceiros (as) sexuais, obter honrarias, títulos,
glórias etc.) e
vive apenas em função das mesmas, esforçando-se ao máximo para não refletir
sobre suas questões mais profundas e, ao cabo, Autênticas. Ele opta, então,
por viver de forma Inautêntica.
E dessa conjunção de fatores é que surge a Angústia
Existencial, (que SARTRE expõe de forma magnífica em
sua obra-prima “A Náusea” que merecerá uma breve resenha na sequência).
Por saber que nada o antecedeu e que nada lhe sucederá,
o homem sabe que caminha para o Nada.
Caminha, pois para a morte definitiva, para o Nada
absoluto.
A NÁUSEA -
RESENHA
Essa obra é um exemplo perfeito das imensas possibilidades da
Literatura, haja vista ser tão valorosa como “Tratado Filosófico”, quanto
“Romance”.
Alguns a classificam como um “Romance Filosófico” e, com efeito, é tão
bem concebido que não se consegue diferenciar os gêneros literários neste texto
que conta a história de Antonio Roquetin.
Nela, toda a genialidade de SARTRE fica patente e não deixa dúvidas sobre o merecimento
do Prêmio Nobel que lhe foi outorgado (e recusado) em 1964.
A obra conta a história do protagonista que é um pesquisador, já
entrado na casa dos trinta anos, que se muda para a cidade portuária francesa
de Bouville (uma mal disfarçada referência ao porto holandês de Haia) após longas viagens.
Vai para a localidade com a intenção de escrever a biografia de uma
personagem histórica, mas no desenrolar do trabalho o sedentarismo lhe produz
estranhas sensações e enquanto ele se dedica à sua atividade, passa a ver o
Mundo, e o lugar que ocupa no mesmo, de maneira totalmente diferente.
Num crescente empolgante de dúvidas e emoções, ele percebe que a sólida
lógica racional que acreditava constituir a Realidade simplesmente não existe.
Que os hábitos, valores, crenças etc. não passam de uma fina camada superficial
sem qualquer lastro mais profundo.
Abalado por essa conscientização, passa a ser acometido pela “Náusea
da Existência”, ou seja, pela horrível sensação de sermos Contingentes,
de não termos um Sentido e de que caminhamos para o Nada.
Pasmado pela indiferença das Coisas, dos Objetos
inanimados e pela Inautenticidade dos
Seres Humanos com quem convive, sente-se cada vez mais sufocado pela
consciência de que cada situação que vive é o seu próprio ser,
existir.
Descobre, assim, que a sua Existência é desprovida de qualquer
significado maior.
Através das reflexões que se originam dessas descobertas e circunstâncias
que atingem a sua personagem, SARTRE
analisa as questões relativas à Liberdade, à Responsabilidade, à Consciência
e ao Tempo.
Influenciada pela Filosofia de Husserl e pelo estilo de Dostoiévski
e de Kafka, a obra apresentou o Existencialismo
(enquanto
Sistema de Pensamentos), ao Mundo,
que não demorou a elegê-lo como um dos principais do século XX.
O conceito de que “A Existência
precede a Essência” aparece nela pela primeira vez, antecipando, aliás, o
conjunto de Ideias, do qual faz parte, e que só veio ao público em 1943, quando
SARTRE publicou sua outra obra-prima “O Ser e o Nada”.
A Náusea
é uma obra monumental e indispensável para todos os interessados em adentrar o Universo
de SARTRE e resgatar o direito de criar suas próprias
convicções sobre o mistério que é existir.
Resenha elaborada a partir do original “La Náusea” de 1938 – Editora Gallimard, Paris.
Bibliografia complementar: “Filosofia sem Mistérios - Dicionário Sintético” – Fabio Renato Villela.
Ed. Seven System, Biblioteca 24x7.
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