A roda do ano reprisa a dor de
sempre? ... Édipo não sabia que tinha o “complexo de Édipo”... (Keneth Tynam -
crítico teatral)
Sófocles – 496/406 – Colono
Cenário – diante do Palácio Real, em Tebas, com altares
junto às portas.
Época da ação – Idade lendária da
Grécia. A 1ª apresentação em – 430 em Atenas
Personagens:
Coro,
representando os anciãos de Tebas.
Creonte,
irmão de Jocasta.
Édipo,
rei de Tebas.
Jocasta,
rainha de Tebas.
Suplicantes,
as
Tirésias,
o famoso adivinho cego.
Guardas,
Servidores
do Palácio,
Sacerdote,
Emissário
de Corinto,
Pastor
da casa de Laios,
Arauto
do Palácio Real;
Aia,
acompanhante de Jocasta;
Menino,
guia do cego Tirésias.
A representação inicia-se com
Édipo dirigindo-se a um grupo de cidadãos de Tebas, reunidos à frente do
palácio real. Ali, ele pede que um dos anciãos, um venerável Sacerdote, diga o
que deseja o grupo, pois ele sabe que Tebas padece de um terrível período de
privações e amarguras, como bem dizem as lamentações e as súplicas que antes já
lhes chegaram.
Responde-lhe o velho, que o povo
sofre com a peste que assola a cidade e o campo tebano, dizimando tudo que
atinge: plantações, gado, pessoas. E que esperam dele, Édipo, o melhor dos
mortais, a salvação, pois ele é a última esperança de todos.
Afinal, foi ele quem matou a Esfinge* que antes aterrorizava a cidade
exigindo pesado tributo de todos que passavam, e realizou uma série de
melhorias à população. Contam com ele, pois se nem bem conhecendo a cidade, ele
já lhes prestara tantos favores, agora, com mais motivos, esperam que use a sua
inteligência e força, ou dos favores que os deuses lhe concedem, para encontrar
a solução para tão grave problema.
Esfinge* – normalmente o nome “Esfinge” nos remete ao
monumento egípcio situado ao lado da grande Pirâmide. É claro, porém, que aqui
se refere a outro Ser Mitológico. Também chamada de “inexorável cantadeira”,
tinha cabeça de mulher, corpo de animal e atraia os passantes com seu canto,
propondo-lhes enigmas e devorando os que não os adivinhassem. No encontro com o
Édipo o enigma indagava: que animal tem quatro pés de manhã, dois ao
meio-dia e três à tarde? Édipo respondeu que era o homem, que na primeira
infância engatinha, depois anda com dois pés e na velhice além dos dois pés apoia-se
numa bengala formando, pois, um tripé. Graças ao seu acerto, o herói livrou a
cidade daquela desgraça, pois a Esfinge precipitou-se num abismo e morreu.
Na sequencia, o Sacerdote apela
para a vaidade de Édipo ao aludir o quão grande será sua glória por ter salvado
a cidade novamente. Serás, diz, visto como o herói de Tebas, aquele que a
salvou de duas calamidades terríveis.
NOTA
do AUTOR - note-se uma
característica humana que sobrevive ao passar do tempo: a necessidade de
delegar a outrem a responsabilidade pelo próprio bem-estar. Ainda hoje, lideres
são buscados (e como esses e
outros heróis são inexistentes, busca-se em Deus essa figura que garante a
felicidade de cada um que o invoca)
e aceitos com subserviência. No mínimo para lhes debitar o fracasso pessoal,
haja vista que sempre é mais fácil atribuir a terceiros as próprias derrotas. E
no máximo para usufruir o que foi conquistado sem a necessidade de penosos
sacrifícios e trabalhos. A contrapartida a isto, o ganho de quem assume o papel
de “Salvador”, situa-se no espaço do egocentrismo. Na necessidade de ser o
centro das atenções, de ser amado, querido etc.
Responde-lhe Édipo que está
ciente da hecatombe que se abateu sobre a “Tebas das Sete Portas” e que seu
sofrimento é maior que o deles, pois enquanto cada um sofre por si, ele sofre
por todos. Diz-lhe que mandou Creonte,
seu cunhado, ao Santuário do deus Apolo, em Delfos, para receber
instruções de como fazer para cessar o flagelo e que tão logo ele volte tudo
fará para vencer esse inimigo.
Nisso, Creonte entra em cena
portando boas novas, como crê. Embora difícil, a exigência poderá ser cumprida
já que consiste em achar e extirpar um “mal”
nascido em Tebas e nela residente.
Respondendo às ansiosas dúvidas
de Édipo sobre o que seria esse “mal”,
Creonte lhe diz que deverá ser localizado e banido, ou justiçado, o assassino
do rei Laios.
Édipo sabe que seu antecessor foi
assassinado e embora não o tenha conhecido, concorda que seu sangue seja
vingado, como exige Apolo. Que o assassino seja severamente punido, seja ele
quem for, conforme as instruções do deus.
Na sequencia, Édipo e Creonte
conversam sobre as dificuldades de se esclarecer crime tão antigo e sobre a
imperiosa urgência de começar as investigações. O espaço geográfico da busca é
pequeno: a cidade e o campo adjacente de Tebas, já que o assassino ali reside.
Também o espaço cronológico é sinalizado para o leitor ou espectador pela frase
de Creonte “a ameaça da esfinge nos
forçava a por de lado as coisas duvidosas e a só pensar em nosso dia-a-dia”;
isto é, pouco antes da chegada de Édipo à cidade.
Com essas premissas, o rei inicia
sua investigação imaginando que ela também o favorecerá pessoalmente, pois se
já mataram um rei, é possível que queiram matar o sucessor e ao liquidar o assassino
estará se livrando de um inimigo oculto e desconhecido.
Iniciando o inquérito, Édipo
conclama ao assassino a apresentar-se, prometendo-lhe que nenhuma violência
sofrerá, bastando que aceite ser banido pelo resto da vida. Por outro lado,
ameaça o culpado de se tornar um pária, de todos recebendo ofensas e desprezo
e, até, agressões físicas e enxotamentos se não assumir o crime que cometeu.
Nessa hipótese, também amaldiçoa o facínora para que sua vida seja de eterna
desgraça, assim como aos seus parentes. Aos outros cidadãos promete régia
recompensa a quem delatar o culpado.
O Corifeu toma a palavra e após falar de sua inocência, sugere que Tirésias, o famoso adivinho, seja
chamado, pois ele tem os mesmos poderes que qualquer outro Oráculo e poderá elucidar
a autoria do crime.
Édipo responde-lhe que por
sugestão de Creonte já tomara essa iniciativa e estava aguardando-o para breve.
O Corifeu cita alguns boatos que sugerem ter sido alguns viajantes o matador de
Laios e Édipo diz ter ouvido semelhante versão, mas são informações truncadas,
inconclusivas.
Nisso, Tirésias chega e Édipo
saúda respeitosamente a sua sabedoria, a sua capacidade de adivinhação e lhe
pede que o ajude a desvendar o crime e, assim, salvar a cidade.
O velho profeta maldiz seu dom,
já prenunciando uma resposta amarga e inesperada. Ciente da gravidade do que já
sabe por intuição, pede a Édipo que não o obrigue a dizer o que sabe. Pede, também,
que o levem de volta à sua casa.
Preocupado com esse comportamento,
o rei insiste para que o adivinho conte o que sabe. Implora-lhe a verdade, mas
Tirésias mantém sua recusa e com isso aumenta o desespero de Édipo, que passa a
vê-lo como um inimigo. Tomado pela raiva, acusa o adivinho de ter sido o
assassino, ou o mandante do crime.
Porém, na réplica, o profeta diz que
é ele, Édipo, a desgraça que está arruinando a cidade e pede que não mais lhe
dirija a palavra, enquanto se queda em profundo silêncio.
Édipo, indignado pela acusação de
Tirésias, ameaça lhe punir, mas o velho não se amedronta e diz que a verdade
que está consigo o protegerá como sempre protegeu. Porém, não obstante sua
relutância cede aos apelos – agora patéticos – de Édipo e com clareza torna a
dizer que ele é o assassino de Laios e como o rei obriga-o a repetir, ele o faz
sem qualquer temor. Diz ainda que o casamento de Édipo e Jocasta (mesmo que ambos nada saibam) levou-o a mais sórdida das
situações, embora ele nem perceba aquele horror. E ante as novas ameaças de
Édipo, insiste em dizer que aquilo é a pura verdade.
Na tréplica, o rei o chama de
farsante, embusteiro; e lhe acusa de
ter-se vendido a Creonte, que arquiteta sua queda para herdar o trono. Alega
que ele e o cunhado estão em espúrio conluio visando à tomada do Poder e a
auferição de riquezas.
Mas ao ouvir de Tirésias que seu
fim se aproxima, que o Destino não lhe tarda pelas mãos de Apolo, demonstra
alguma insegurança e pergunta se aquela afirmativa é pura invencionice dele, ou
de Creonte?
E já demonstrando medo e
preocupação discursa sobre o poder da inveja que sentem do seu poder, prestigio
e fortuna. Inveja que faz de Creonte, que antes julgava leal amigo, um reles
intrigante. E enquanto repete as acusações de falsidade e charlatanismo,
questiona Tirésias sobre o porquê ele, tão poderoso em decifrar mistérios, não
decifrava os enigmas da esfinge? Por que foi preciso esperar que um simples
viajante, como ele, assim o fizesse e com isso salvasse Tebas?
Nesse ponto intervém o Corifeu
argumentando que os insultos trocados foram originados pela raiva e que eram
inúteis já que em nada contribuíam para solucionar o terror que toma a cidade.
Contudo, Tirésias volta à carga e
afirma que se Édipo zombou de sua cegueira, em breve saberá que seus dois olhos
pouco ou nenhuma serventia tiveram para lhe mostrar a sujidade de seus atos, a
sordidez de matar o próprio pai e deitar-se com a própria mãe. Diz, ainda, que
as desgraças de Édipo não cessarão nele, mas atingirá sua “funesta prole”.
Irritado, Édipo já não
contra-argumenta e se limita a expulsar o velho profeta, que na partida, volta
a vaticinar a sua cegueira, sua ruína, a desgraça com seus filhos, o seu
banimento e todos os sofrimentos que enfrentará por ter sido o marido da
própria mãe e homicida do próprio pai.
NOTA
do AUTOR – observe-se o
tom acusador de Tirésias. Mesmo sendo ignorante sobre seus atos, Édipo é apontado
como uma facínora. Essa tendência se coaduna com a ideologia da antiga Grécia
que via naquele que praticasse atos contrários à moral, mesmo que à revelia, um
homem marcado pelo Destino e, portanto, culpado de alguma forma. Os hindus, e
mais recentemente algumas seitas que lhes seguem os ensinamentos, acreditam no
“Karma”, ou seja, que um erro cometido no Passado é cobrado no Presente.
Pode-se fazer alguma analogia entre essas duas visões, lembrando sempre, que a
grega é discípula da hindu.
O povo, que ouvira a acusação de
Tirésias, no primeiro momento mantém a crença na inocência de Édipo, mas um
germe de dúvida começa a se instalar entre todos e a cizânia se principia
quando Creonte sabe do que Édipo o acusara e se dirige ao povo para externar
sua indignação pela maldosa alusão que Édipo fez, colocando-o junto com
Tirésias num sinistro plano para herdar o poder e a fortuna do cunhado.
Na sequencia, Creonte é
confrontado por Édipo, que torna a lhe acusar de tramar a sua queda e aponta-lhe
algumas evidências (segundo ele as
vê) que confirmariam
sua tese.
Creonte contra-argumenta e entre
outras posições cita a de que seria uma estupidez imensa trocar a sua suntuosa
vida de agora pelas agruras que permeiam a vida de quem governa. Sim, pois em
sua posição ele tem os mesmos privilégios que Édipo, mas não tem os mesmos
encargos.
E a estéril discussão prossegue
até que a rainha Jocasta surge e põe fim a mesma criticando a ambos por estarem
focados apenas em problemas particulares e não na solução dos graves problemas
que a coletividade enfrenta.
Também o povo apoia Creonte e
pede que antes de acusá-lo Édipo faça um inquérito válido cujas provas não
deixem dúvidas de suas eventuais más intenções. Todavia, Édipo aferra-se em sua
posição.
E
tamanho é o seu apego a essa tese, sem qualquer comprovação objetiva, que se
pode deduzir que inconscientemente ele já estaria em processo de fuga. Seria
uma desesperada maneira de afastar o horror que Tirésias escancarou, mas que
ele reluta aceitar. Afinal, como admitir que desejasse a própria mãe e odiasse
o pai ao ponto de matá-lo?
Esse
conflito entre uma possibilidade, uma tendência, e o asco que causa, é a origem
de tantos males emocionais? Para Freud
e seguidores, sim.
Já no palácio, com Jocasta, Édipo
não se aquieta com a desconfiança que ela tem de oráculos, adivinhos e quetais.
Em vão ela lhe diz que já teve provas cabais de que adivinhos, profetas,
místicos são falhos, ou malévolos. Cita o exemplo da profecia que versava sobre
a morte de Laios, pois até onde se sabe, o rei foi morto por salteadores, e não
pelo filho, no cruzamento de três grandes estradas.
NOTA
do AUTOR – antes do
nascimento de Édipo, seu pai biológico, Laios recebeu uma profecia do Oráculo
que o alertava de que o próprio filho o mataria e desposaria a sua esposa. Para
evitar que a profecia se cumprisse, Laios ordenou que um servo levasse a
criança para o campo e lá o matasse. Porém, o servo condoeu-se do bebê e
deixou-o numa gruta, de onde ele foi resgatado por alguns pastores e entregue
ao Rei e a Rainha de Corinto. Observe-se que a morte do filho não abalou a mãe
Jocasta como seria de se esperar. Ao invés de se rebelar contra o marido
assassino, acomodou-se ao luxo que ele lhe proporcionava.
Porém, ao ouvir o local onde
ocorreu o assassinato, Édipo se sobressalta, pois foi ali que ele matou o homem
que lhe impediu a passagem. Como a informação da data em que ocorreu o episodio
é similar à do seu entrevero, a sua angústia aumenta e, ademais, com a
informação sobre a aparência do rei falecido, uma terrível suspeita toma-lhe o
coração. Pressente que Tirésias estava certo.
E quando Jocasta lhe conta que
Laios viajava com uma pequena escolta e que ia num carro; e que a noticia chegou
a Tebas através de um servo, o único sobrevivente (o qual ao saber de sua
união com Jocasta pediu a esta que o mandasse para o campo, sem jamais voltar à
cidade) a suspeita
transforma-se em certeza. Já não tem mais dúvidas. Era ele o assassino de Laios.
Tomado de terror, pede a Jocasta
que chame aquele servo e até que ele chegue conta-lhe o sucedido em sua pseudo
terra natal, Corinto: em certo
banquete, um comensal embriagado disse que ele era adotado. Embora seus pais
adotivos, Polibio e Mérope negassem com veemência, uma
dúvida ficou em seu coração. Para dirimi-la foi ao Oráculo, em Delfos, mas
veio-lhe uma resposta confusa, recheada de dor, sofrimento, lutas etc. Estudando-a
com mais vagar viu a trágica profecia de que mataria o pai, deitar-se-ia com a
mãe e com ela geraria uma prole destinada a grandes sofrimentos. Foi para
evitar esses horrores é que decidiu sair de Corinto e vagou pelo Mundo até que
num entroncamento de três grandes vias, matou um homem...
Preso de profundo desgosto, conta
a Jocasta como matou aquele estranho, que agora, pressente ser Laios. E, pior,
casou-se com a viúva do mesmo.
Talvez
se não fosse o calor dos acontecimentos, que geralmente prejudica o raciocínio,
ambos teriam visto que tantas coincidências não poderiam ser explicadas. O
irracional, o destino, assume o espaço que deveria ser do raciocínio e apenas
por isso é que Jocasta
insiste em sua tentativa de acalmá-lo dizendo que segundo o sobrevivente, os
assassinos de Laios eram vários bandidos e não um só homem. Agarrado nessa esperança,
Édipo aguarda a chegada do homem enquanto escuta Jocasta maldizer os oráculos,
taxando-os de incorretos, frágeis e talvez manipulados.
NOTA
do AUTOR – observe-se
que Jocasta desacreditava dos oráculos, mas não dos deuses, os quais, nessa
obra e em várias outras, são tidos como reais (materiais, concretos). A vida na Grécia antiga era efetivamente regulada
por essas entidades, que participes do cotidiano, interferiam das menores
questões até os grandes problemas. O curioso é que tal hábito se mantém na
sociedade atual e não é raro de se ver pedidos que vão um suculento almoço até
a cura do câncer.
Passado algum tempo, e após pedir
a intercessão de Apolo para que acalme seu inconsolável marido (e filho),
Jocasta recebe a visita de um emissário de Corinto que relata o desejo de seus
compatriotas de terem Édipo como rei, haja vista que o velho Polibio morreu.
Mais que o trono, a noticia
alegra o casal pelo fato daquela morte ter-se dado sem a participação de Édipo.
Exultam com a fabilidade do Oráculo, pois como Édipo poderia matar um pai que
morreu naturalmente. Doutro perigo, o de deitar-se com mãe, Édipo não desdenha.
Nesse ponto, Jocasta diz à frase que ficou célebre graças ao Dr. Freud: - não tenhas medo da cama de tua mãe,
quantas vezes, em sonho, um homem dorme com a mãe!
O emissário de Corinto ao saber
dos motivos de Édipo para se autoexilar, tenta sossegar-lhe contando que ele é
filho adotivo de Mérope e que foi
dado ao rei e à rainha de Corinto como presente e para suprir a falta de filhos
do casal. Também lhe conta que o recebeu de outro pastor, da casa de Laios,
numa várzea e que tratou de seus tornozelos (Édipo em tradução literal significa:
“o de pés inchados”)
machucado pelos grampos que o prendia, conforme Laios ordenara.
Édipo insiste nos pormenores,
pois quer saber em detalhes a sua origem verdadeira, enquanto Jocasta tenta
dissuadi-lo, mas sem êxito. Por fim, ela se afasta dizendo as últimas palavras
a Édipo: - pobre de ti... Que nunca descubra quem é...
Desgraçado!
Adivinhando o final, Jocasta
acovarda-se e tenta interromper o processo. Vencida, porém, pela persistência
do marido – a quem já pressente como filho – adentra o palácio. Nada mais dizendo
sobre ela, Sófocles abre espaço para que o leitor ou espectador imagine o
cataclismo em sua alma. Talvez remorso pelo co-assassinato do filho, ou horror
por ter-lhe como homem, ou medo pelo que virá no Futuro etc.
Édipo ainda se ilude que o pior
sobre sua origem seja relacionado com a miséria, ao baixo nível social, mas
como se acha um eterno bafejado pela boa sorte, sente-se feliz por seu Destino.
O povo compartilha de seu entusiasmo, pensando que o herói seria filho de algum
dos deuses e, por isso, divina seria a sua origem.
Nesse momento chega o pastor, que
é reconhecido pelo povo e pelo emissário de Corinto como aquele que lhe
entregou Édipo para que fosse criado como filho. O pastor, após alguma indecisão
pelo tempo transcorrido, lembra-se afinal e se põe a praguejar contra o
emissário e só depois de ameaçado por Édipo é que confirma ter entregado o
filho enjeitado de Laios. A criança que lhe fora dada pela própria mãe,
Jocasta, para ser morto.
Contudo, por compaixão, ele não
cumpriu a ordem recebida dando o garoto ao pastor que agora é o emissário de
Corinto. Esse trecho confirma a culpa
de Jocasta que não titubeou em mandar matar o próprio filho para continuar
usufruindo das vantagens em ser a rainha. E que no Presente não vacila em
tentar impedir a pesquisa de Édipo, pois abafando o caso manteria os seus privilégios.
- Horror! Horror! Horror! Grita Édipo, sacudido por tal revelação.
Confirmou-se que ele matara o pai e cometera incesto com a mãe. Em seu desespero,
pragueja contra sua sina terrível e diz que não suporta mais a luz do Sol (ou
da verdade).
O Coro entoa seus lúgubres cantos
e desencantos, citando a volatilidade da vida humana que a despeito da intenção
e dos atos, vai aos píncaros da glória, da fortuna e noutro momento desce a
mais sórdida corrupção e miséria.
Entra em cena o Arauto que anuncia ao povo o relato que
fará sobre a sujidade que existe no Palácio Real. Tanto aquela cometida sem
dolo, quanto as premeditadas malevolamente. Prossegue anunciando a morte de
Jocasta que cometeu suicídio enforcando-se após duro suplicio emocional.
E que ao ver a rainha morta,
Édipo tomou os alfinetes que lhe prendiam a túnica e feriu seus próprios olhos
dizendo: - olhos meus, não vereis mais
esta culpa, esta vergonha; nunca mais vereis o que não deveríeis ter visto
nunca...
Insano, Édipo manda que os portões
sejam abertos e ordena aos súditos que entrem para verem o maior horror
possível. Depois, exige ser banido de Tebas e segue vacilante, sem ninguém para
guiá-lo. O povo, não obstante o incesto e o parricídio ainda se condói da
desgraça de seu Rei, que vaga entre os impropérios que lança à própria sina.
A esse mesmo povo que o critica
por ter vazado os olhos, Édipo responde que o fez a mando do deus Apolo e
suplica que o levem dali com urgência enquanto pragueja contra o pastor que o salvou
da morte em criança, mas lhe deu uma vida cheia de terror.
E prosseguindo suas lamentações,
explica o porquê da automutilação e não o suicídio, valendo-se da crença na
época de que no Hades o corpo físico continuava a desempenhar as mesmas funções
e seus olhos, então, veriam os genitores, cobrindo-o de vergonha.
NOTA
do AUTOR note-se que
Édipo age com a culpa de quem cometeu os crimes premeditadamente. Seu Consciente recrimina os atos e
intenções do Inconsciente, disso
resultando o conflito interior que, tempos depois, transformou-se na pedra
angular dos estudos de Freud. Porém,
fica dúvida: seu Inconsciente procurou essas situações, ou elas foram armadas
por simples acaso? Mas o “acaso” existe por si? Não seria apenas o cenário
composto pelas inclinações inconscientes? Observe-se, ainda, que se para Édipo
havia motivos para tantas lamentações por ter percorrido a via que o Destino
lhe impôs; hoje, essa motivação não seria tão verdadeira, pois o conceito de
deus ou deuses já não tem o mesmo rigor de antes e, no entanto, tais conflitos
se repetem. A culpa continua existindo sem estar vinculada diretamente a uma
figura divina.
Nesse momento chega Creonte, motivo de mais angústia para Édipo que se arrepende por tê-lo acusado injustamente. Contudo, Creonte mostra-se magnânimo e diante da súplica que Édipo lhe faz para que o expulse, responde que esse é seu desejo pessoal, mas só o fará após ter consultado, pela segunda vez, o deus Apolo.
Édipo pede-lhe que dê um enterro
digno a Jocasta e que cuide de suas filhas, pois se os filhos – Polinice e Etéocles - já são independentes, elas não. E são elas que adentram a
cena, autorizadas por Creonte, para a despedida do pai que lamenta a sorte de
ambas.
Insultos, ofensas e rejeições
farão parte de seus cotidianos tristes e solitários, pois a solteirice lhes é
certa, já que ninguém irá querer casar-se com quem descende de toda aquela
sordidez.
Creonte põe fim àquela triste
despedida e convida a todos para adentrarem ao Palácio aonde a resposta do deus
chegará selando o destino de Édipo. Porém, antes do deus e ante a insistência
de Édipo para ser banido, autoriza seu exílio, mas retém suas filhas. Parte
Édipo tão sozinho, quanto sozinho um dia chegou à Tebas das Sete Portas.
FIM
ADENDO
Com essas certezas estabelecidas
encerra-se a peça. Porém, tais certezas não escapam de um segundo julgamento e
nesse, a sua inexorabilidade começa a cair. Inicialmente vamos recuar um pouco
no tempo para localizar a origem da maldição de Édipo. Segundo os eruditos,
decorre do fato de Laios ter seduzido o jovem Crisipo e com isso ter “inaugurado
o amor homossexual”. Mas, numa época em que tais amores eram vistos com bons olhos,
como admitir esse “pecado original” como motivo de maldição? Com essa primeira
dúvida, chegam outras, conforme abaixo:
1. O Emissário e o
Pastor seriam absolutamente idôneos? Ou teriam sido corrompidos por Creonte?
2. Tudo não seria um golpe
arquitetado por Creonte para usurpar o Poder? A sua arenga sobre as vantagens
de usufruir as benesses, mas não o encargo da realeza teria sido sincera? Afinal,
ela colide diretamente com a natureza humana que busca, sempre, o ponto mais
alto de qualquer escala.
3. Jocasta sabia desse plano do
irmão, mas não quis delatá-lo? Foi por isso que insistiu para Édipo esquecer o
assunto e aceitou ficar com ele, pois sabia que ele não era seu filho?
Questões que Sófocles não
responde; e que raras vezes são formuladas. Talvez por isso as teses embasadas
nessas histórias não encontrem o unânime apoio que pretendiam. De todo modo,
olhando o trabalho apenas pelo seu lado literário, a magia é perene. Ainda hoje
emociona a todos que tem o privilégio de conhecer-lhe.
O nome de Édipo tornou-se popular
graças à tese do já citado Freud. A peça teatral, infelizmente, não teve a
mesma popularidade. É de se lamentar, pois Sófocles desvendou a alma humana de
forma magistral. Se atualmente o Inconsciente já não é tão atrelado aos deuses,
como já se disse, pouco importa, pois continua a querer tudo que lhe é proibido
pelo Consciente. É a individuação das restrições sociais.
Paradoxalmente o Homem busca a proteção
da tribo, mas continua sonhar, a desejar o que a tribo lhe nega. Esse, ao cabo,
é o conflito: o homem contra a tribo, da qual depende. O homem contra seus desejos
mais íntimos. O homem contra ele mesmo.
São Paulo, 21/02/2011
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