JASPERS, KARL
1883 – 1969
“Somente como indivíduo um homem pode se tornar Filósofo”... “O Filósofo vive no reino invisível
da mente (do
espírito) em busca da “Verdade”.
As ideias de seus pares são como placas indicativas de trilhas (potenciais) que lhe haverão de permitir a compreensão”.
Filho
de um banqueiro, JASPERS nasceu em Oldenburg, Alemanha, no seio de uma família
judia. Após
os estudos secundários, foi encaminhado pelo pai para o curso de Direito, mas o
abandonou logo após o terceiro semestre para estudar Medicina, uma de suas
verdadeiras vocações. Na faculdade se tornou assistente voluntário na “Clínica Psiquiátrica” da instituição
e ali teve oportunidade de ampliar seus conhecimentos sobre o homem, em todas
as suas nuances.
JASPERS
dedicou-se com vivo ardor à Psiquiatria, matéria que foi decisiva na formação
de seu ideário e particularmente no tocante à questão relativa à validade dos “Saberes Particulares” como
instrumentos eficazes para a elucidação da Existência.
Todavia,
horrorizado e indignado com o tratamento que era dispensado aos pacientes
mentais, ele afastou-se da lida clínica e passou a se dedicar unicamente à
Filosofia. Antes, porém, reuniu as suas opiniões sobre o assunto no livro Psicopatologia Geral, de 1913, que se tornou uma referência no diagnóstico
das enfermidades psiquiátricas e um libelo contra a tortura que era
rotineira nos manicômios e similares.
Privilegiado
por ter nascido em berço abastado e ser dotado de inteligência e perseverança, JASPERS pôde ter uma eficiente formação nas áreas Cientifica
e Filosófica. Por
isso, ainda jovem, em 1909, já recebia o título de “Doutor” e em 1921 a “Licença
e o Título de Professor Pleno
em Filosofia” em Heildeberg.
Ali, lecionou para vários eruditos que o tempo consagraria, dentre os quais a
célebre HANNAN
ARENDT.
Contudo,
apesar de seu indiscutível talento e senso profissional, JASPERS perdeu a sua cátedra em 1937 por obra do Partido Nazista em virtude de suas
raízes judias. Mas em 1945, tão logo findou o conflito, a cadeira lhe foi
devolvida com as honras devidas.
Daí
em diante, o seu pensamento pôde florescer até torná-lo uma das vozes mais
respeitadas de seu tempo. O seu pensamento influenciou inúmeros seguidores,
dentre os quais alguns da importância de GADAMER.
E ainda hoje, ele é considerado como um dos mais
importantes “Filósofos Existencialistas”.
As Obras
Normalmente
são citados como suas “Obras-Chaves” os seguintes textos:
1. Filosofia, em três volumes,
1.1 – Orientação Filosófica do Mundo.
1.2 – Explicação da Existência, Metafísica, Razão e Existência.
1.3 – A Fé Filosófica.
As ideias
de JASPERS
Perpassando
esses e seus outros escritos, a base de sua teoria é a afirmativa de que a “Filosofia é uma luta pessoal”.
É
uma tese singular e que difere daquela que era (e ainda é) comumente afirmada por vários outros pensadores que
julgavam ser a disciplina apenas uma ferramenta, um meio, para se desvendar “Verdades
Objetivas (ou
seja, gerais. Válidas para todos os indivíduos, sem considerar o ponto de vista
individual, pessoal.)”.
Bem
ao contrário, aliás, pois para JASPERS “toda
elucidação de uma questão só é atinente ao indivíduo que a alcançou”.
É
uma recompensa obtida pela “luta pessoal”. Pela pesquisa, pela reflexão,
pelo trabalho intelectual que o indivíduo despendeu para chegar à “sua Verdade”.
As
influências recebidas
Vigorosamente
influenciado por KIERKEGAARD e NIETZSCHE quanto à
importância absoluta da subjetividade (ou da
individualidade), JASPERS escreveu em seu
célebre ensaio “Sobre a minha
Filosofia”, de 1914, que a Filosofia é, de fato, uma questão de
tentativas próprias, ou pessoais, para se compreender a “Verdade”.
E
já que a reflexão filosófica é “uma
batalha pessoal” não há como negar que “apenas como indivíduo, o homem pode filosofar”.
Não
se pode, portanto, depender de outrem para atingir a “Verdade”, pois a
mesma é essencialmente relativa. Aquilo que é verdadeiro para fulano, deixa de
ser beltrano.
É
preciso, portanto, que o indivíduo descubra “a sua Verdade” através de
seu esforço próprio.
O Existencialismo
vivenciado por JASPERS
É proverbial a coerência que caracterizava a vida e
o pensamento de JASPERS. “Existencialista” era-lhe o estilo de ser, de existir
e por isso ele aplicou os cânones dessa corrente filosófica em sua máxima
extensão possível tanto no aspecto prático, quanto filosófico da vida.
Dessa coerência é que resultaram algumas atitudes
que foram mal vistas por alguns, como, por exemplo, sua relutância em
compartilhar as ideias que eram hegemônicas em sua época e que radicalizavam a “Doutrina Existencialista (como,
por exemplo, a negação pura e simples de qualquer Metafísica)”.
Contudo, o passar do tempo, mostrou que a razão estava
ao seu lado.
O Ideário não ortodoxo
Normalmente
o ideário de JASPERS é dividido em três partes, ou em três momentos de sua
trajetória:
1. Orientação no Mundo.
2. Esclarecimento da Existência.
3. Metafísica.
Nessa
divisão, o estudante de suas teses notará que a ortodoxia do Existencialismo sofre alguns arranhões,
pois, como já se disse, ele admite a Metafísica e até alguns elementos religiosos.
Contudo, o cerne do Sistema encontra-se
preservado, como se observará logo a seguir nos comentários relativos à Existência
e à Essência.
Para
JASPERS, a Existência
é absolutamente associada com o pensamento,
ou seja, com o ato de pensar, refletir, divagar, rememorar etc. Ao
pensar sobre as situações, as condições, os objetos, os Seres físicos que lhe rodeiam o homem, consegue ter a certeza de
que existe de fato. Aproximando-se de DESCARTES (França, 1596-1650), ele conclui que:
Se
(o homem) não pensasse, não existiria.
Mas,
note-se que essa é apenas uma “Existência Relativa”, já que ela depende da existência
de outras coisas.
Destarte,
apenas quando consegue ultrapassar a barreira das reflexões e divagações
menores, cotidianas, concretas, materiais é que o homem atinge a sua “Verdadeira
Existência”, pois é então que ele passa a “existir por si”.
E
o fato da mente humana ser sempre impulsionada para além dos limites da matéria
é a comprovação desta “Existência real”, pois mesmo o indivíduo mais bruto e
ignoto é capaz de divagar para além de seu dia a dia. É capaz de intuir que
existe uma “Essência e
uma Existência em paralelo” à sua vivencia mundana e
temporal.
A questão
da dualidade
A
questão da Dualidade, ou
seja, “existência e essência”,
“o corpo e espírito” etc., é um dos
célebres (pseudos) paradoxos atribuídos a JASPERS.
Todavia,
ele rejeitava que a sua concepção fosse dualista
e contra-argumentou com propriedade quando tratou da “situação espiritual no mundo atual”.
Para
ele, o homem é espírito* e a condição
de “Homem Autêntico*” não pode ser outra que não seja a
sua dimensão espiritual.
Afinal, para ele, não se pode dar ao corpo físico o
mesmo status dado à alma, à mente. O corpo material, nessa concepção, seria
apenas um complemento da mente, do espírito, da alma. Logo, a mente e o corpo são
um só conjunto, cada qual com um grau de importância diferente.
Assim
sendo, não haveria qualquer dualidade,
já que esta pressupõe que duas coisas são de igual valor, o quê, como se viu,
não é o que acontece segundo a sua ótica.
NOTA do AUTOR - *Homem Autêntico – Conforme estabelecido
pelo Existencialismo tradicional, é
o indivíduo que não se esconde
atrás das obrigações e fatos do cotidiano, para se esquecer de sua
contingência, limitação e finitude.
A essência
de Existencialismo
Como
já foi dito alhures, a sua tese em nada contraria o essencial do Existencialismo, mas, por outro
lado, ele nunca deixou de propor que o indivíduo se afaste da “Massa Anônima” e dos pensamentos e comportamento “mecânicos e vazios”, que lhes são impostos
por essa mesma “massa”, cuja
origem está no Materialismo Existencialista.
Que
o homem se volte para seu íntimo, para seu “lado espiritual”, pessoal,
individual, subjetivo, pois – vale rememorar – apenas como indivíduo ele será
capaz de filosofar e encontrar a “sua Verdade”.
JASPERS e a divindade
Outro
ponto a ser citado na Filosofia de JASPERS
é referente à condescendência com que ele trata a divindade e a transcendência.
Segundo
ele, a Fé é uma base, da qual se utiliza
o homem que pensa, raciocina, pois é através dela que se forma o alicerce para
a tentativa humana de adquirir um “conhecimento ilimitado, transcendente”.
Porém,
tal conhecimento será sempre impossível, pois quanto mais ele cresce, mais ele se
desliga dos liames estreitos da Racionalidade para avançar rumo ao
transcendente. E como se sabe, a transcendência não pode ser entendida pelo raciocínio
humano, que é o único instrumento de aprendizado que ele tem à sua disposição.
Por
isso, o homem será sempre um “Ser em situação”,
ou seja, um Ser limitado pelas situações
materiais do momento em que vive.
Contudo,
o fato de haver essa tentativa persistente de se avançar no conhecimento, já é,
em si, algo tão positivo que até justifica os eventuais malefícios que a fé e a
superstição podem ocasionar.
Ainda é possível observar que JASPERS vê as Religiões com
alguma simpatia, pois ele lhes atribui o papel de “caminho” para que os
indivíduos prejudicados em termos Culturais (e por isso sem acesso à abstração produzida pela
Literatura, pela boa Música, pela Arte em geral), possam avançar e superar a
sua mísera condição de “animal de carga”, que vive em função apenas de seus
apetites e prazeres sensoriais, ou dos Sentidos (tato, visão, audição, paladar
e olfato).
A
complexidade da Filosofia de JASPERS
Não
são raros os estudiosos que se queixam de certa dificuldade em seu Sistema Filosófico.
Mas, as aparentes contradições no pensamento de JASPERS
sinalizam, na verdade, muito mais a multiplicidade de facetas de seu ideário que
uma eventual incoerência entre os seus pontos
de vista, ou até mesmo alguma indefinição sobre temas que exigiriam uma postura
claramente definida.
Por
isso, a crítica não parece ser justa para vários outros eruditos, já que a profusão
de concepções, argumentos e noções é uma característica de pensamentos
superiores, cuja extraordinária capacidade permite oferecer essas visões alternativas.
Porém,
a par das censuras e das contracensuras, deve-se admitir que existe, de fato,
certa dificuldade para se entender o pensamento JASPERS,
porém o grau dessa dificuldade pode ser reduzido a partir de um estudo cuidadoso
de suas proposições e da postura de se manter o espírito aberto para ver as
suas propostas com novos olhos.
Manter
a mente aberta para entender que as suas proposições se caracterizam por ver a Filosofia
como um “pensar”,
um “refletir” metódico,
consciente, baseado no próprio pensante. Que a sua teoria básica é um giro constante
em torno da existência.
Estar cônscio de que será necessário
manter um constante trabalho mental minucioso, isento de preconceitos, de
prejulgamentos e de ideias fixas. E estar consciente de que a recompensa será
valorosa, haja vista a profundidade e validade dos conceitos exarados por um
dos mais importantes Filósofos da atualidade.
Direitos autorais reservados. Registro na BNRJ/EDA sob nº 605931 - Livro 1161 - Fls. 121.
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