ZIZÈK, Slavoj
1949
As melhores análises Marxistas são
sempre análises de um fracasso.
A
frase em epígrafe foi proferida por ZIZÈK, numa entrevista concedida em 2008,
em resposta a uma indagação sobre a célebre “*Primavera
de Praga”.
O
Filósofo argumentou através da mesma, que a partir da derrota do Movimento os Militantes Socialistas passaram a pregar
que se as Reformas pretendidas tivessem
sido efetivamente implantadas o resultado teria sido a concretização do Paraíso Utópico pregado pela Esquerda.
Afinal,
segundo ele, os Esquerdistas criam em cima de seus fracassos os mitos que lhes
permitem manter certa “aura” de “Correção Moral”, haja vista que os
impedimentos que não lhes dão acesso ao Poder, deixam-nos na confortável
situação de críticos e não de criticados.
É
claro que no caso especifico da “Primavera
de Praga”, o opressor também se
alinhava à Esquerda, mas já não representava a “Pureza do Marxismo”, pois a URSS moldara-se como a tirania de Stálin.
O
fato é que se desconsiderarmos essas particularidades, teremos a oportunidade
de vislumbrar a agudeza de Raciocínio do Filósofo. Marxista dedicado, mas tão
independente que não teme autocríticas desse teor, ZIZÈK incomoda a ortodoxia
da Esquerda enquanto prossegue em sua
laboriosa investigação acerca das reais questões sobre a natureza e as
características do Poder Político, as
quais são obscurecidas pela eterna tentativa de justificar a Utopia. É justamente contra essa
tergiversação que ZIZÈK ergue sua voz, enquanto insiste na necessidade de
resgatar a real essência do Marxismo; ou seja, a implantação de um Sistema
Político que acabe com a exploração do Homem pelo Homem e promova, tanto quanto
seja possível, a igualdade de oportunidades para todos.
*Primavera
de Praga – como se sabe, foi o conjunto de Movimentos e
ações desencadeados na ex Tchecoslováquia, em 1968, que visavam o fim da
subjugação à ex URSS e a implantação de uma Democracia plena. As forças
Soviéticas esmagaram brutalmente o Movimento, mas a partir dali a semente da
revolta contra o Centralismo começou a germinar.
Tomarei a liberdade de sugerir aos
interessados o romance de Milan Kundera
– A Insustentável Leveza do Ser – como fonte de Conhecimento sobre a
efeméride, haja vista que a ação do mesmo acontece sobre esse pano de fundo.
ZIZÈK
nasceu em uma família de classe média, ateia e razoavelmente culta. Seu pai
trabalhava com Economia e sua mãe com Contabilidade e foi o trabalho de ambos que
lhe deu a oportunidade de dedicar-se aos Estudos, o que ele fez com ótimos resultados.
Na
adolescência sonhou ser cineasta, mas desistiu por não se achar capaz de
ombrear com os grandes Diretores europeus. Assim, aos 17 anos de idade, decidiu
mudar seu rumo e abraçou a Filosofia em definitivo. Em 1967 foi para a Universidade
de Liubliana (anteriormente situada na Iugoslávia e atualmente a
Capital da Eslováquia), onde terminou
por Doutorar-se em Filosofia e em Sociologia. Posteriormente, estudou
Psicanálise na Universidade de Paris, França, e ali conviveu com vários
eruditos importantes, dentre os quais François
Regnault e Alain Miller, que era
genro do notável Jacques Lacan que
foi, por sua vez, a grande influência em seu Ideário.
Atualmente
é Professor da European Graduate School
e “Pesquisador Sênior” no Instituto de Sociologia
da Universidade de Liubliana. Além
disso, é “Professor Visitante” em várias Universidades estadunidenses, entre as
quais a Universidade de Colúmbia, Princeton, a New Scholl for Social Research de New York e a Universidade de Michigan.
Conhecido
pelo uso que faz do Pensamento de Jacques
Lacan em suas análises filosóficas e como instrumento para uma nova Leitura
sobre a Cultura Popular, também é renomado pelas abordagens de temas inusuais
na Filosofia ortodoxa, como, por exemplo, o Cinema de Hitchcock e de Davi Lynch,
ou sobre o Leninismo, sobre o Fundamentalismo e a (in) Tolerância, sobre a
Correção Política, a Individualidade nos tempos atuais e mais alguns outros
assuntos que, como dissemos, são infrequentes na Disciplina. Ademais, é um critico
Cultural de renome internacional.
Embora
seja jocosamente chamado de “Elvis Presley
da Filosofia”, em virtude de sua irreverência ao tratar de assuntos que
normalmente são discutidos com sisudez e solenidade e pelo fato de seu trabalho
ser marcado pelo bom humor e pela vibração quase juvenil, sendo isento de
pernosticismo e de diferenciações entre o que se classifica como “Alta” ou “Baixa” Cultura, a sua falta de cerimônia não diminui a seriedade
de seu Raciocínio, como veremos adiante, ao detalharmos seus posicionamentos
ante as questões filosóficas de se ocupa.
Uma
das primeiras influências que ZIZÈK recebeu foi a do Filósofo Marxista esloveno
Bozidar Debenjak que o iniciou no Idealismo Alemão*; caminho que ele trilhou com mais profundidade através da chamada “Escola de Frankfurt”.
Idealismo – a tendência
que prega a tese de que tudo está contido nas Ideias, no Pensamento. Aos
interessados sobre o tema, recomendamos a obra de nossa autoria “Filosofia Sem Mistérios – Dicionário de
Filosofia” – Editora Biblioteca 24x7- cuja aquisição pode ser feita através
do Link da Editora, inserido neste Blog.
E
foi como aluno em um dos Cursos que Debenjak ministrou que ele iniciou seus
estudos conjuntos sobre “O Capital” de Karl Marx e a “Fenomenologia do Espírito”, de Hegel. O resultado desse trabalho
influenciou decisivamente o seu Pensamento, que começou a se tornar público através
dos livros que passou a publicar a partir de 1979.
Neles
e noutros textos, ZIZÈK examina as Teorias Hegelianas
e Marxistas a partir de um ponto de vista fundamentado nas teses
psicanalíticas de Jacques Lacan. As quais
também lhe serviram como base para as interpretações que fez das Teorias de Louis Althusser e Sigmund Freud.
Essa
nova visão sobre as obras de Marx e de
Hegel balançou positivamente as
investigações sobre o Pensamento desses Filósofos, pois pela primeira vez,
foram-lhes acrescentadas as motivações psíquicas que contribuem (ou talvez
determinem) para a formação dos Pensamentos e dos Comportamentos.
Por
isso, ao prestígio de que já gozava junto à intelectualidade, somou-se a notoriedade
pública ZIZEK passou a ser celebrado como um dos mais influentes “Teóricos Contemporâneo”. Principalmente
após o lançamento de “O Sublime Objeto da
Ideologia”, seu primeiro livro escrito em inglês e lançado em 1989.
Nessa
obra, bem como no restante de seu Ideário, o trabalho de ZIZÈK transita entre “O Sujeito” de Descartes e o já citado “Idealismo
Alemão”, particularmente com as
Ideias de Hegel, Kant e Schelling. Permeando essa diversidade, o Filósofo reafirma seu Ateísmo enquanto tece suas Teses
que, normalmente contrariam as análises filosóficas tradicionais.
Aliás,
por sua aversão às análises tradicionais e à mediocridade do chamado “Politicamente Correto”, ele não perde oportunidade para expor
seus argumentos que geralmente causam várias polêmicas entre a Intelectualidade
e, principalmente, entre os pseudos intelectuais que se acomodam nas ideias
prontas e superficiais que são admiradas e repetidas à exaustão pelo populacho.
Por
isso, para ele, precisamos de uma nova e diferente Ideologia (no sentido de
ser um Sistema de Pensamentos organizados e interligados) para entendermos e corrigirmos a Política atual.
Urge abandonarmos a hipocrisia e nos dedicarmos ao estudo profundo e sério das
questões que envolvem o Homem, não apenas no aspecto filosófico, mas também no
aspecto prático (Provavelmente foi esse o motivo de sua fracassada
candidatura à Presidência do País em 1990).
Na
sequência exporemos as análises que ZIZÈK faz sobre o Real, o Simbólico e o
Imaginário. Mais adiante, a exposição será relativa à análise sobre outros
conceitos.
O Real
Para
ZIZÈK, o conceito “O Real” é bastante
enigmático e não deve ser equiparado com o conceito “A Realidade (física, material, concreta)”, já que essa é construída simbólicamente; ou seja, o que nós captamos e
pensamos ser a Realidade não passa de
um conjunto de Símbolos (palavras, sinais etc.) criados pelo Homem e que nós reconhecemos. Como
disse Kant, não conseguimos acessar
a “Essência das Coisas”, as “Coisas em Si”. Chegamos apenas nas “aparências”, das mesmas.
O “Real”,
segundo ZIZÈK, pode ser imaginado como um “núcleo”
que não pode ser simbolizado,
pois não se consegue expressá-lo por Palavras, ou por outros símbolos, ou
sinais. Afirma o Pensador que este “Real”
não tem existência Positiva (concreta,
física, material, porque não se pode captá-lo Empiricamente; ou seja, pelos Sentidos [tato, visão, audição, paladar e olfato]) e, portanto, só existe como “Abstração”, isto é, como uma imagem indefinida em nossa Mente.
Contudo,
o fato de só existir como Abstração
não significa que seja externo, alheio, à Realidade. Ao contrário, ele é o Núcleo (a essência, a alma) da mesma.
E
mesmo sendo inalcançável pelos motivos já citados, dele
sabemos, porque irrompe por entre os furos da “malha simbólica” (considerando-se
que a Realidade física é apenas uma interpretação, ou um modo de se ver, a
“Coisa em Si”),
permitindo-nos saber de sua existência e da “outra
e superior dimensão de cada Coisa”.
Porém,
para o Filósofo, o “Real” surge-nos
apenas em situações que nos parecem fictícias, como nos sonhos e na chamada “Realidade Virtual”. Aliás, o Sonho, é o que nos permite chegar o mais
próximo possível do mesmo, em nível individual, pessoal. Já no caso da “Realidade Virtual” acontece a oportunidade
de nos manifestarmos sem a pressão das regras Simbólicas, o que permite, por exemplo, que um Indivíduo tímido, em
um game qualquer, possa “ser” uma mulher sensual.
O Simbólico
Para
ZIZÈK, o Simbólico é fruto direto da Linguagem.
A partir do momento que o indivíduo se apossa das primeiras palavras, ainda
bebê, o Mundo passa a lhe chegar através do ele capta através dos Sentidos (tato, visão,
audição, paladar e olfato), ou, através
dos Símbolos. E é através desses Símbolos (principalmente as Palavras, os
nomes) que a Realidade é
construída. Isso resulta em situações como a desse exemplo: um homem só é Rei, porque outros homens
dizem que sim. Porque se comportam como seus súditos.
Nada,
real ou naturalmente, o levaria a esse cargo. Mesmo que usurpasse o Poder pela
Força ou por artimanha inidônea ele não seria um “Rei”, tornando-se, quando
muito, um Tirano bem sucedido. Rei,
pois, ele só é porque os
Homens combinaram, ou convencionaram que assim seria.
Vê-se,
então, que todo o arcabouço Social, Político, Afetivo etc. que compõe a “Realidade Humana” é uma construção dos
Homens. Pode-se, portanto, dizer que a Realidade
é Simbólica.
Imaginário.
Para
ZIZÈK, o Imaginário é muito
semelhante ao Simbólico, mas enquanto
este último relaciona-se mais às Leis, às Regras e aos Comportamentos Sociais
que formatam a Realidade, o Imaginário se liga à questão da Imagem (visual, sonora ou olfativa) que
o Homem consegue formar no intimo de sua Mente.
É
o que faz com que, por exemplo, eu sinta o cheiro da flor e imediatamente traga
à Mente a sua figura ao ouvir, ou ler, a Palavra “Rosa”. Idem com o próprio “Conceito
Rosa”, mesmo que ele não se vincule aos outros “Conceitos Rosa” que lhe são anexados, tais como: as Rosas representam o Romantismo
etc.
Alguns outros Conceitos segundo
ZIZÈK
Significante
Vazio – aqui, ZIZÈK alude
àqueles formatos do Signo, ou do Símbolo, cujo Significado deixa de ter
a importância original graças às repetições banalizantes que são feitas do Significante.
Vejamos o seguinte exemplo:
os acordes de 9ª Sinfonia de Beethoven são executados em qualquer
Cerimônia menor, insignificante, apenas com o intuito de torná-la “maior, mágica”.
E, claro, com isso abafar as eventuais criticas e censuras, por mérito da
grandeza da música executada.
Auseinandersetzung – termo que remonta a Heidegger e que ZIZÈK utiliza
para exprimir a necessidade da Europa repensar a si mesma. Tanto em relação ao
Passado, quanto em relação ao Presente. E, ainda, em relação ao avanço da China
e da Globalização liderada pelos EUA, o que impõe a adoção de novas posturas
quanto ao “Estado de Bem Estar Social”,
dentre outros aspectos que nortearam a Sociedade europeia nos últimos séculos.
Para
ZIZÈK, a pior opção que poderia surgir dessa necessária reflexão e mudança
seria a tentativa de se criar uma “Síntese
entre essas duas forças” e com isso supor que se estaria criando um “um rosto europeu”, haja vista que disso
só resultaria uma nova maneira de se isolar do Mundo.
Censura Liberal – para o Filósofo, nós só dizemos que “somos livres” porque Não temos em nosso vocabulário palavras
que sejam capazes de expressar a nossa efetiva “falta de Liberdade”. Só nos dizemos livres por uma deficiência de
Linguagem. Alega ZIZÈK que vocábulos, nomes, ou conceitos, como “guerra ao terrorismo”, “liberdade e democracia”, “direitos humanos” etc. são falaciosos e
só mistificam o que pensamos da situação, enquanto nos dão a ilusão de sermos
realmente livres.
Porém,
em verdade, esses termos só nos impedem de fazer uma reflexão profunda e
honesta sobre a Liberdade, propriamente dita. Para ele, “somos livres para escolher... desde
que façamos a escolha que agrade às convenções e às regras da sociedade”.
A
poucos Homens sobrevém a dúvida: o
que é a “escolha certa”? E porque não
temos resposta para essa indagação, contentamo-nos em supor que a “opção correta” é aquela que “dizem ser”. Aquela que se torna a opção
de uma Maioria que só age por indução,
já que a sua ignorância ou o seu comodismo/covardia não lhe permite alternativas.
Dentro
desse contexto é comum que nos peçam para escolher, por exemplo, entre “Democracia, ou Tirania” esperando que a
previsível opção pela primeira se confirme, já que a segunda é execrada pela “Elite Intelectual Possível”, a qual
transmite essa aversão ao populacho, o qual, aliás, padece em ambas, sendo-lhe,
portanto, indiferente o Regime que o governa.
Porém,
considerando-se que de fato a Tirania seja nociva, ainda assim se verifica
outro problema quando se constata que nos acomodamos a um modelo único para a
Democracia; e que inexiste qualquer
esforço sério para aprimorá-la, o que a deixa quase tão coercitiva quanto a Ditadura.
Por
isso, volta-se à questão: somos livres realmente?
A Paixão pelo Real – Como afirmou Jacques
Lacan, essa paixão é a ânsia subconsciente de chegarmos à “Essência das Coisas”, “à Essência da Vida”; e a vontade de despojar a Realidade física de suas camadas
ilusórias. É a busca pela Autenticidade que apenas no “Real (enquanto Essência)” pode existir.
No
Ocidente, o frenesi do cotidiano não dissimula totalmente a monotonia do
Capitalismo Global e passamos a sentir a necessidade de haver um “Evento” que sacuda a nossa rotina, a
nossa inércia e nos aproxime de “alguma
Essência”.
Segundo
ZIZÈK, talvez, o “Terror Fundamentalista”
tenha a desejada serventia (NA- ou efeito colateral) de nos acordar do topor que o condicionamento
ideológico nos causou. Por isso, e de maneira obliqua e nunca assumida, “Eventos Macabros” como esse acabam
sendo “desejados” como se fossem instrumentos
capazes de romper as ilusões que nos impedem de chegar “à Essência das Coisas e da Vida”.
Nesse
contexto, a derrubada do WTC* pode ser vista como a apoteose dessa querência por
um “Acontecimento” que abale as estruturas
e nos permite chegar “a alma dos fatos”.
*WTC – World Trade
Center, derrubado em 11 de Setembro de 2001, em Nova Iorque, por aviões
comerciais pilotados por terroristas muçulmanos.
Cutters – são os indivíduos que se automutilam com o
objetivo de “viver seu ego profundamente”
e combater a angústia de se imaginar “não
existente”. Ao ferirem o corpo querem “comprovar” a própria existência efetiva, bem como
a da “alma ou essência” que os
animam. Diferem daqueles que se tatuam na medida em que estes, ao fazê-lo,
buscam apenas seguir um modismo passageiro, ou associar-se a um grupo
determinado.
Multiculturalismo Liberal e
Tolerante – segundo ZIZÈK é o
sistema Político que se pretende tornar cada vez mais hegemônico e cuja
característica essencial está na busca por uma “Política sem Política”;
ou seja, entregar o Governo da Sociedade para Tecnocratas especializados em
Administração, sem haver a menor participação política do povo.
Alguns
estudiosos traçam uma analogia dessa proposta com aquilo que já se observa em
algumas outras áreas e que consiste em oferecer um produto, ou um serviço,
despido de sua Essência, ou, no mínimo, de algumas de suas características que
supostamente seriam nocivas, tais como, café
sem cafeína, cerveja sem álcool, gorduras sem colesterol etc. É a chamada “dessubstancialização”.
Para
alguns, o maior defeito de tal Sistemática estaria na apologia que se embute na
mesma e que prevê uma condescendência e uma tolerância exagerada ao Outro, o que, ao cabo, poderia causar o
fim de toda regra que normatizasse a vida em comum, com o extermínio de todo
parâmetro e de toda referencia a serem seguidos.
Desrealização – é a tentativa de subtrair da Realidade a sua
Substância, ou Essência. Conforme
ZIZÉK, a quase ausência de imagens das vitimas no WTC e, ao contrário, o sombrio
aviso que antecede às cenas que mostram as vitimas mutiladas, degoladas,
decapitadas nas chacinas ocorridas no 3º
Mundo tem a intenção de “desrealizar”
a Realidade; isto é, alterar a
Essência do fato real, concreto, para incutir no espectador a ideia de que a
crueldade, a selvageria, o terrorismo “estão
além de nossa casa”.
Fazer
daquelas imagens um bizarro e macabro entretenimento que, aos poucos, dessensibiliza
quem o assiste, haja vista que antes ele já foi “convencido” de que aquilo está muito longe de seu mundo.
É
uma característica da Sociedade Capitalista e Consumista transformar a rotina
em espetáculo e com essa distração evitar que o indivíduo tenha contato com a Essência da Vida e, justamente por isso,
torne-se ciente de sua triste condição de mero títere das Elites.
A Travessia do Fantasma – geralmente se acredita que a função da
Psicanálise é libertar-nos dos nossos Fantasmas,
permitindo que assim confrontemos a Realidade tal como ela é. Porém, ZIZÈK
argumenta que segundo Jacques Lacan
essa é uma suposição equivocada.
Para
o Psicanalista, em nosso cotidiano encontramo-nos imersos em uma Realidade que
é formada (ou estruturada, ou sustentada) justamente pelo Fantasma que nos domina. Tudo que fazemos, segue as suas
imposições. Se, por exemplo, o “meu
Fantasma” leva-me a ser excessivamente tímido, o meu cotidiano obedece a
essa imposição, por mais que tal timidez excessiva atrapalhe o meu trabalho, as
minhas relações sociais etc.
Mas
essa imersão não é total, pois uma parte da nossa Psique resiste e para Lacan o inicio da solução está em
anular essa parte resistente. Para ele, a expressão “atravessar o fantasma”, embora possa parecer paradoxal, significa
que ao invés de negá-lo, devemos nos identificar com o mesmo e abdicarmos
daquela resistência que nos impedia o mergulho total. E, a partir daí,
trabalhar para se poder distinguir claramente a Realidade e a Ficção que
envolve o nosso trauma, ou fantasma.
Num segundo momento, distinguir naquilo que aprendemos ser a Ficção, o “núcleo da Realidade Ficcional”, o qual
nós só poderemos enfrentar com sucesso se o tornarmos efetivamente fictício.
Será necessário, na sequência, que tenhamos a compreensão de como uma parte da
Realidade tem a sua função alterada pelo fantasma
e de que a mesma, mesmo sendo parte da Realidade, não passa de uma Fantasia e,
portanto, passível de ser combatida e exterminada.
ZIZÈK,
porém, alerta que todo o processo é particularmente difícil, pois a própria
exposição do fantasma (o ato de se
comentar sobre o mesmo, mesmo que seja com o terapeuta) pode ser tão traumática que não é raro que o
assunto seja evitado e, claro, a cura não aconteça.
São
nesses casos que o afloramento do problema segue outras vias, como se pôde
assistir, por exemplo, no filme “A
Professora de Piano*” em que a protagonista não consegue verbalizar o que
ela classifica como “suas perversões
sexuais” e as escreve para que o aluno, que intenciona ter como amante as
realize. Apenas pela escrita, que lhe pareceu ser uma forma indireta, ela
conseguiu expor o seu fantasma, que,
em verdade, ocupa o núcleo do seu ser.
*A Professora de Piano (La
Pianiste) – filme de 2.000, Franco-austríaco. Direção de Michael Haneke, com
Isabelle Hupert, como protagonista.
Fetichismo – Karl Marx
afirmou que o prazer do Fetichismo estava na posse física do Objeto, bem como a materialidade do mesmo. Porém,
segundo ZIZÈK, na atualidade o Fetichismo atinge seu auge na imaterial “Realidade Virtual”.
Objetos
do desejo como, por exemplo, mil euros, estão mais nessa “Imaginária Realidade Virtual” que no cotidiano físico, concreto. O
Fetichismo da “posse material” cedeu
seu lugar ao da “posse virtual” e é
por isso que softwares como o “Second
Life”, que permitem ao indivíduo viver segundo seus desejos, se tornaram o
local em que o “prazer de possuir”
acontece.
Há
quem se gabe, por exemplo, de ter “amantes
virtuais belíssimas (os)”, “milhões de amigos” nas Redes Sociais e outras fantasias que suprem suas carências da vida
física.
De
certa forma o Fetichismo conseguiu adaptar-se aos novos tempos e até mesmo
crescer, haja vista que já não existem as barreiras físicas que o inibiam; porém, é de se perguntar se esta
ilusão, com o correr do tempo, não poderá ocasionar um processo irreversível de
alienação no indivíduo, com consequências que ainda não se sabe mensurar?
Choque de Civilizações – inexistem, segundo ZIZEK. O que acontece
realmente é que as guerras são motivadas exclusivamente pelo Capitalismo
Global.
Para
ele, seria tolo acreditar na falaciosa “ameaça
do Fundamentalismo Islâmico” às Sociedades Liberais (sic) Ocidentais. Os
reais motivos para os conflitos são os interesses geopolíticos, comerciais e
financeiros dos EUA e da Europa (em menor escala). Estes choques que se alastram
em todas as regiões atestam que os países citados priorizam a Economia em
detrimento da Democracia.
Não quero saber – porque “saber” traz responsabilidades e, por consequência,
infelicidade, segundo a interpretação que ZIZÈK faz da tese de Lacan, na qual ele afirma ser esta a
principal atitude do Homem ante o “Conhecimento”.
É
como se houvesse uma resistência fundamental, natural, à ideia de ter mais Sabedoria
(sobre algum fato especifico, ou sobre o geral).
Consequentemente
qualquer progresso só é obtido após um penoso combate contra essa propensão que
domina o Homem comum, pois é obvio que tal característica não se aplica às exceções.
ZIZÈK
ilustra essa concepção com o seguinte exemplo: se corremos o risco de ter
adquirido uma doença incurável e fatal, relutamos ao máximo em fazer os exames
que a confirmem e mesmo quando os fazemos, relutamos em conhecer os resultados.
Mesmo que o intuíssemos e autorizássemos alguém a conhecê-los em nosso lugar (já
planejando contar com sua ajuda para a fase terminal de nossa vida) contamos
com a discrição do mesmo para que não nos diga nada.
NOTA do AUTOR – e por que esse
temor? Intuímos a nossa fragilidade? Duvidamos da capacidade dos Deuses ou de
Deus para nos salvar? Tomamos consciência de que somos um “Nada” descartável,
ainda que nos julguemos importantes, e que a nossa presença ou ausência em nada
influi no Mundo?
O fato é que o “Saber” é o Fantasma
que mais nos assombra. Talvez o mito bíblico sobre a “Árvore do Conhecimento”
merecesse ser mais estudado, retirando-o da esfera teológica e deixando-o em mentes
mais preparadas e hábeis, haja vista que ali já se esboça essa terrível
condição que se contrapõe ao nosso prazer de poder “vir a conhecer”, de aprender.
Crentes pós Modernos – para o Homem é difícil aceitar que a sua vida
está vinculada a uma “Esfera Superior”,
que ele tem uma “Missão Nobre e Elevada”
e que, não obstante a sua natureza animal, a sua existência não é um mero
processo mecânico de reprodução e de busca do prazer físico, efêmero, mundano.
Certamente
que essa observação é muito contestada nos tempos atuais em que o Materialismo e o Hedonismo dominam corações e mentes. E, ademais, porque o “Politicamente Correto” impõe que seus
adeptos e/ou admiradores exercitem a hipocrisia de dizerem que para eles “não é difícil não”. Mas, sabe-se que
por trás das máscaras é muito difícil
sim!
Afinal,
por sua própria natureza, o sonho dominante da Humanidade é levar uma vida
prazerosa (não
importando qual tipo de prazer seja)
e Não uma vida ascética,
penosa, laboriosa, voltada a um “Bem
Maior”. Fugir dessa constatação é pura falsidade.
Contudo,
ainda exercemos alguns papeis simbólicos que teoricamente são voltados para os “Grandes Objetivos”, mas a cada dia mais
desconfiamos de sua validade. O papel de “Pai”,
por exemplo, ainda é representado com alguma cerimônia, mas também com certa irreverência
e com questionamentos constantes. Assume-se o “Papel de Pai”, mas só se desempenha essa representação simbólica
com inúmeras autocríticas e comentários negativos acerca da estupidez dessa
convenção.
Não
são raras, inclusive, as anedotas sobre o tema e o hábito de se caçoar de
nossas crenças, tanto as Religiosas, quanto as Sociais.
São
estes, para ZIZÈK, os “novos crentes”.
Continuam a praticar as antigas tradições (provavelmente por incapacidade de
criarem as novas, ou por simples comodismo), mas sem lhes dar qualquer crédito
e sem lhes ter o menor respeito.
NOTA
do AUTOR – como se disse, o Materialismo e o Hedonismo
dominam a Sociedade atual e empurram progressiva e continuamente Valores como a
honra, a lealdade, a sinceridade, a crença religiosa e outros que se diz
“superiores”, para o terreno da superstição, da inutilidade e até da chacota.
Contudo, a posse e a desejada
inviolabilidade dos “Bens Materiais” faz com que persista a necessidade de
haver alguns “valores”, os quais são transformados em “ameaças” contra quem
violar o “sagrado” patrimônio alheio. Percebe-se que as ameaças e os castigos
previstos nas Legislações são insuficientes e, então, apela-se para as Sanções
e as proibições de ordem Metafísica ou Sobrenatural, ou Religiosa. Mesmo que
sem muita confiança, ainda se tenta amedrontar com o “Castigo Divino”.
Espremido entre essas situações, o
Homem moderno força-se a acreditar nas chamadas “Leis Éticas, ou Morais, ou Divinas”
apenas e tão somente porque sabe que as “Leis Jurídicas” não são capazes de
refrear os instintos, mas simultaneamente ele também percebe a vacuidade
daquelas primeiras.
Felicidade – o que seja a Felicidade é um tema de que ocupa a
Filosofia desde os seus primórdios. E se pode afirmar que graças à relatividade
de tudo, a sua natureza, provavelmente, nunca será definitivamente
compreendida. Para ZIZÈK é necessário que três condições fundamentais sejam
reunidas para que a Felicidade, ou a sua maior aproximação, aconteça. São elas:
- Haver Bens Materiais básicos, mas não em tal quantidade que
satisfaça as necessidades plenamente, evitando-se, assim, que o excesso de
consumo gere insatisfação. Ademais, por vezes, a penúria é a melhor mestra
para o aproveitamento dos Recursos.
NOTA do AUTOR – acrescentaremos que
a existência de Bens Materiais nunca deverá ser completa para que o estímulo de
novas conquistas seja preservado e, com isso, o tédio seja evitado. Afinal,
como bem demonstrou Schopenhauer a
saciedade absoluta causa o tédio de já não se ter motivo para lutar, de já não
existirem desafios, o que, por sua vez, deflagra a insatisfação, a “dor”.
- Ter-se
a capacidade e a oportunidade de colocar a responsabilidade sobre o Mal
nos ombros de outrem, para que ninguém se sinta responsável pelos fracassos.
A culpa sempre será do Outro.
- Haver um lugar, real, físico, ou
imaginário com o qual se possa sonhar.
NOTA
do AUTOR – ou seja, ter preservada a capacidade de sentir
esperanças, de se imaginar em um “nível superior, sublime”, de se pensar “além”
da crua realidade.
Ironicamente,
ou não, ZIZÈK diz que essas condições estavam presentes em sua Tchecolosváquia
natal nos anos de 1970. No caso de ser uma ironia, fica clara a sua critica ao
Regime Político da época. Na segunda alternativa, pode-se vislumbrar certo lirismo
no Filósofo ao associar a felicidade com a sua juventude, com o Passado. Aliás,
para nós todos, a Felicidade está muito mais no pretérito de que no Futuro.
Por
outro lado, ZIZÈK volta a recorrer a Lacan
cuja definição de Felicidade é de que a mesma está na incapacidade, ou na
impossibilidade, do individuo se confrontar plenamente com as consequências de
seus desejos. Ou seja, a Felicidade só existe enquanto o Indivíduo não tiver
que arcar com as consequências que o seu desejo realizado ocasionou.
No
quotidiano julgamos desejar coisas que na realidade não queremos e o pior que
pode acontecer nesses casos é a satisfação desse tipo de vontade. A compra de
um desejado carro, por exemplo, deixa de ser Felicidade tão logo surja o
primeiro contratempo ocasionado pelo mesmo. De chofre termina a Idealização que
se fazia antes da posse efetiva.
A
Felicidade, portanto, é hipócrita pela sua própria natureza, haja vista que ela
consiste em sonhar com o que (realmente) não desejamos.
Coragem Ética – para ZIZÈK precisamos atualmente, sobretudo,
desse novo tipo de coragem. E é a falta da mesma – que é, também, a covardia de
não se questionar o próprio Posicionamento (político, ideológico etc.) – o fato
mais ostensivo que se observa no meio intelectual europeu e estadunidense.
Para
justificar essa falta, não é raro que os Eruditos tíbios afirmem que tal forma
de coragem era a que os Nazistas tinham, com os resultados que se sabe.
Mas
ZIZÈK contra-argumenta dizendo que não é repugnante o ato de eles terem
assumido uma Posição, mas o fato da
mesma ter resultado no Genocídio praticado contra homossexuais, ciganos, inválidos
e judeus. Segundo ele, é errado pensar que ao assumir certo posicionamento o
indivíduo saiba que tudo é relativo. Ao contrário, o sujeito que se coloca ao
lado de uma “Corrente de Opinião”
julga que ela é Absoluta e Correta. (Aliás, é por
esse comportamento que se pode observar o sofrimento de qualquer Fundamentalista
que vive em constante combate para defender aquilo que julga ser correto; em contraste se pode observar a
serenidade do Liberal que ao reconhecer o quão tudo é relativo e incerto, não
se apega a um ponto de vista em particular.).
A
verdadeira “Coragem Ética” de que se
necessita nos tempos atuais é, pois, a decisão de assumir determinados
comprometimentos, mesmo que esses colidam contra uma suposta “liberdade” de uma minoria. É não temer
ir contra a Corrente “politicamente correta”
de se ofertar tolerância excessiva contra a quebra de todos os paradigmas e
valores superiores em nome da expressão
individual. É, acima de tudo, usar os meios necessários não só para
defender a Humanidade, mas para exterminar aqueles que a ameaçam.
São Paulo, 19 de Julho de 2012.
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