Embora
fosse filho de um próspero comerciante, o jovem Baruch nunca demonstrou
interesse pelos negócios paternos, passando a maior parte de seu tempo na
Sinagoga absorvendo histórias como a do suicida Uriel e as de muitos outros
próceres de seu povo. A saga dos judeus o fascinava e lhe impregnou a alma de
tal modo que mesmo quando foi expulso da comunidade, ele nunca deixou de se
sentir hebreu.
E
essa fascinação era alimentada por seus estudos quase obsessivos, que,
iluminados por sua inteligência superior, logo o tornaram uma referência, sendo
comumente apontado como uma futura luz para a fé e para a administração da
religião.
Em
pouco tempo ultrapassou as questões bíblicas e se iniciou nos assuntos mais
complexos do Talmude e dos textos
filosóficos de MAIMÔNIDES, LEVI BEN GERSON, IBN EZRA, HASDAI CRESCAS e do misticismo filosófico desenvolvido por IBN GEBIROL e dos estudos cabalísticos de MOISES DE
CÓRDOBA, de quem recebeu a
vigorosa influência da tese relativa à igualdade ou identificação entre Deus e
o universo. Também lhe impressionaram a ideia de BEN GERSON
acerca da “eternidade do mundo”; e, principalmente, a de HASDAI CRESCAS
sobre o fato de “o mundo material ser o corpo de Deus”. Em relação a MAIMÔNIDES,
chamou-lhe a atenção a convergência do mesmo à tese do filósofo árabe AVICENA que afirmava ser impessoal a imortalidade; ou seja,
existente apenas na espécie, mas não no indivíduo.
Esse
conjunto de novas ideias afastou-o progressivamente da doutrina judaica
ortodoxa, compilada na Torá, ou Pentateuco; isto é, os cinco primeiros livros
que formam o chamado Antigo Testamento
dos cristãos.
As
contradições e improbabilidades ali contidas e quem nem os seus estudos sobre
as explicações tentadas por MAIMÔNIDES e IBN EZRA elucidavam, levaram-no, por fim, a abandonar aquela
trilha por completo, pois quanto mais estudava, mais as dúvidas substituíam as
certezas.
A
partir daí, sua curiosidade voltou-se para os Pensadores cristãos e para as
suas teorias sobre Deus e o destino do homem. Com o holandês VAN den ENDE iniciou seus estudos de Latim e com isso galgou
novos degraus na escada do conhecimento.
O
professor ENDE tinha traços de herege e era um severo censor das
crenças e dos governos e como, em certo momento, deixara a sua biblioteca para
viver as aventuras do mundo, acumulou uma enorme riqueza de experiências e de
saberes, que o tornaram quase que um ente divino aos olhos do discípulo.
Ademais, o mestre tinha uma linda filha que também participava das aulas e
isso, certamente, foi um incentivo a mais para que o jovem Baruch em pouco
tempo se formasse com distinção na matéria.
Assim,
embora o romance com a filha do professor não tenha prosperado, ele aprendeu
corretamente o idioma e graças ao mesmo teve acesso aos Saberes de Sócrates, Platão e Aristóteles,
além dos sistemas propostos pelos chamados “pré-socráticos”, especialmente Leucipo e Demócrito que o fascinaram com a tese atomista. Também estudou os Estoicos que lhe deixaram marcas
perenes; e os Escolásticos que lhe
impressionaram vigorosamente, sobretudo pela terminologia que criaram e pelo
método que empregavam para expor as suas teorias, o qual se dividia em axiomas,
definição, proposição, prova, escólio e corolário.
E
logo após essa imersão na Filosofia Clássica, Baruch dedicou-se a estudar o
genial Giordano Bruno (1548-1600)
cujas teses heterodoxas o deslumbraram, tanto quanto a inteligência e a honestidade
de princípios do filósofo, que pagou por ambos o preço máximo de ser queimado
vivo pela Santa Inquisição.
Em
Bruno, ele descobriu a tese da “Unidade”,
que, posteriormente, seria uma das colunas de seu sistema. Aprendeu, pois, que
toda Realidade é UNA
em substância (ou essência)
e em Causa (ou
origem);
e que “Deus e essa Realidade são uma
coisa só”. Pode-se dizer, por isso, que com Giordano Bruno ele descobriu
o Panteísmo.
Com
efeito, para Bruno, a mente e a matéria são Unas; toda partícula da Realidade é
composta inseparavelmente do físico e do psíquico e, por isso, o objetivo da
Filosofia seria perceber que existe “unidade” em toda “diversidade” e encontrar
a síntese na qual esses elementos opostos se encontrem harmoniosamente.
Na
sequência, após Giordano, Spinoza dirigiu a sua atenção para o Racionalismo
do chamado “Pai da tradição idealista e
subjetiva (ou individual)”, o francês Renê
Descartes (1596-1650), que acabou se
tornando quem mais o influenciou.
A
teoria central de Descartes consiste em dar primazia à Consciência; ou seja, ao
fato de que a Mente conhece a si mesma de forma mais imediata e diretamente do
que jamais poderá conhecer a qualquer outra coisa, já que o “mundo externo” só
lhe chega através da Sensação que as
coisas lhe causam e da Percepção ou Ideia que ela cria das mesmas. Assim
sendo, a Filosofia, para Descartes, deve começar pela Mente, pelo “Eu”
individual, conforme expressa a célebre sentença:
Cogito, ergo, sum – Penso, logo,
existo.
A
sua teoria ensejou o inicio da Epistemologia, uma tradição
filosófica riquíssima que conta em seus quadros com homens como Kant, Locke, Leibniz, Berkeley, Hume etc., que a partir da priorização do individualismo partiram
para as análises epistemológicas, buscando conhecer e mensurar a origem, a
natureza e a validade do Conhecimento.
Spinoza,
porém, não se interessou por esse prisma do Pensamento cartesiano, haja vista
que lhe atraia, sobretudo, o ideário relativo à “Substância homogênea” subjacente em todas as formas de matéria; e
a “Substância homogênea” subjacente
em todas as coisas da Mente.
Seu
interesse estava voltado efetivamente para a tese relativa à existência de uma “Essência comum” para as coisas materiais
e outra “Essência comum” para as
coisas abstratas, mentais, anímicas, psíquicas etc.
Uma
dualidade que, a rigor, contrariava o seu anterior apego à ideia de “unidade”, porém, ao invés de fazer
dessa contradição um obstáculo, ele o tornou um estímulo para que engendrasse
variáveis em seu sistema original; pois, embutido no principio cartesiano,
estava a concepção de se explicar o
“Mundo Inteiro”, com a exceção de Deus e da Alma, através das Leis
mecânicas e matemáticas.
Aqui,
porém, devemos abrir um parêntese para observarmos que essa noção não era
original de Descartes, vez que remontava a Leonardo
da Vinci e Galileu Galilei.
Contudo, deve-se ao francês o resgate da ideia de Anaxágoras e de Aristóteles
de ter havido um “impulso primeiro”,
dado por Deus, para que a “maquinaria” continuasse a funcionar perpetuamente de
acordo com as referidas Leis matemáticas e mecânicas. Cabe-lhe, portanto, o
crédito de ter atualizado o pensamento de que todos os processos materiais (da queda de uma
folha ao movimento de rotação do planeta)
podem ser explicados a partir da existência de uma “Substância homogênea*”
e pelo fato de eles ocorrerem automaticamente, segundo as instruções emanadas
pelas Leis naturais, como a Lei da Gravidade, por exemplo. Ademais, desse modo,
segundo ele, comprovava-se que o mundo, o universo, os objetos e os corpos físicos
são “máquinas”; e que para além do concreto, do material, existe Deus, enquanto
que no interior dos corpos humanos existe a Alma**.
Destarte,
com a aquisição desse cabedal de conhecimentos, Spinoza prosseguiu em seu
trabalho, do qual falaremos com mais minúcias no desenrolar deste Ensaio.
Nota
do Autor – Substância homogênea* que, em principio, existe
em um formato desintegrado, a chamada “hipótese nebular”, de Laplace e de Kant.
Nota
do Autor – Descartes não admitia a existência de Alma** nos
animais, vindo daí a sua afirmativa de que esses Seres não passariam de
autômatos.
Produção e divulgação de Pat Tavares, lettre, l´art et la culture,
assessora de Imprensa e de RP., do Rio de Janeiro em Junho de 2014.
Nenhum comentário:
Postar um comentário