-
Filha,
se eu gostasse de mulher gritando, ficaria em casa com a sua mãe...
- Talvez, Deus tenha se arrependido
por ter criado o Mal e, então, deu a Ópera aos homens.
Apesar
de vulgares, as sentenças em epigrafe resumem com perfeição o sentimento de
amor e ódio que sempre permeou as relações dos homens com essa expressão
artística. Posições visceralmente antagônicas, sem qualquer tipo de concessão:
ou se ama ou se detesta.
A
maioria que não lhe tem apreço diz que é um espetáculo complexo, ultrapassado,
enfadonho e elitista. Em contraponto, a minoria que lhe admira diz que a ópera
é um espetáculo atualizadíssimo, pois o que canta e encena são os temas que
sempre habitaram o coração humano, como a morte, a vida, a paz, a guerra, a
coragem a tibieza, a lealdade, a inveja e os outros assuntos que permeiam a
vida e o mundo. Também rebatem a pecha de “complexa” ou “confusa”, citando o acompanhamento
pari passu que é possível fazer
através do “libreto” e rechaçam a crítica de “enfadonha”, com a grandiosidade da
mise-em-scène e do esplendor das músicas
que a compõe.
São
argumentos válidos, é certo, porém, no quesito do distanciamento entre a
população mais humilde e os espetáculos, o bom senso os obriga a reconhecer que
o mesmo é real, tanto pelo preço dos bilhetes, quanto pela exigência tácita de
luxuosas toilette’s, as quais,
obviamente, não estão nos armários das pessoas comuns.
Mas
tais empecilhos serão inelutáveis? Poderão ser revertidos?
Como
se sabe, a ópera nasceu na antiga China (e com algumas variantes na Índia ancestral), mas só floresceu na Europa, e por extensão no
Ocidente, após a Idade Média com a chegada do Renascimento que resgatou a grandiosidade dos temas da Mitologia
grega, cuja apresentação exigia a suntuosidade de um espetáculo que reunisse a encenação
teatral, a musicalidade superior e a beleza superlativa dos grandes balés, devidamente
valorizados pelo esplendor das luzes, dos cenários, dos figurinos e dos demais elementos
teatrais que não tardaram em acompanhar a evolução das composições, após terem
apenas engatinhado nos toscos “Autos” medievais, de cunho religioso.
E
com o tempo, essa mescla aprimorou-se e a fusão de música e encenação resultou
nas formas magníficas que conhecemos.
Porém,
nos países que sofreram a colonização europeia, a ópera trouxe a discriminação
a reboque e desde então ela ficou destinada às “elites”, a uns poucos
diletantes sinceros e aos muitos aspirantes à escalada social, que fingem
apreciá-la apenas para poderem frequentar os espaços destinados aos “poderosos”,
a quem prestam vassalagem em busca de eventuais mimos.
Todavia,
não obstante essa discriminação absurda, o povo mais humilde encontrou meios de
apreciar espetáculos que se assemelham à ópera tradicional como é caso, no
Brasil, dos desfiles das escolas de samba no Rio de Janeiro, das danças em
Parintins e doutras manifestações, que reúnem os elementos operísticos como a
dança, o canto, os figurinos, os adereços etc.
São
exemplos que demonstram que a suposta repulsa popular é muito mais motivada
pelo pedantismo pseudointelectual e pelo esnobismo social e financeiro, de que
por verdadeira aversão cultural.
Ademais,
a existência de esporádicas apresentações em São Paulo e no Rio de Janeiro, que
sempre contam com lotação máxima, e, principalmente, a existência do Festival
Anual de Óperas em Manaus e em Belém (esse, com menor divulgação) com sucessivos recordes de assistência, comprovam a
afeição popular ao gênero.
Por
tudo isso é que nos propusemos a executar esse trabalho de divulgação, trazendo
em linguagem clara as considerações pertinentes a essa magnífica expressão cultural.
Para
tanto, faremos um breve relato de seu histórico e na sequência resenharemos as
óperas mais conhecidas. Não entraremos em questões técnicas, tanto pela
subjetividade de qualquer julgamento, quanto por não ser esse o intuito dessa
obra, já que a nossa proposta, limita-se a ser uma “porta de entrada” que
permita ao público leigo adentrar esse universo fabuloso.
É claro que não temos a pretensão de esgotar o
assunto, mas atingiremos o nosso real objetivo se conseguirmos desmistificar as
supostas inacessibilidades do gênero, dando a oportunidade para que o leitor e
ouvinte comum possa conhecer o verdadeiro tesouro que nos foi legado por homens
e mulheres especiais. Oxalá essa modesta contribuição renda frutos e acrescente
momentos prazerosos nas vidas de todos que nos honram com a sua leitura.
Brasília,
14 de Janeiro de 2015.
Lettré, l´art et la Culture. Rio de Janeiro, Verão de 2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário